Quatro meses após a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, o governo enviou ao Congresso Nacional nesta quarta-feira, 24, o primeiro projeto de lei complementar de regulamentação dos novos impostos sobre o consumo.
No total, o projeto tem 360 páginas e traz o coração do novo sistema, que inclui o funcionamento do Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará 5 tributos) e do Imposto Seletivo, que tem como pressuposto uma alíquota maior sobre bens e serviços considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.
Trata-se de uma nova - e, provavelmente, ainda mais dura - batalha a ser travada no Congresso, com uma miríade de detalhes que serão alvo de lobbies e interesses variados, tanto de setores como de corporações e entes da federação.
Mesmo assim, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad - que foi pessoalmente ao Congresso entregar a proposta - disse que o governo está muito confiante na aprovação da regulamentação.
Segundo ele, o presidente da Câmara disse que pretende votar a proposta no plenário da Casa até o recesso parlamentar, em julho. “(O presidente da Câmara, Arthur) Lira me afiançou que o calendário de deliberação da tributária vai até o recesso do meio do ano”, afirmou o ministro.
Veja abaixo alguns dos principais pontos da proposta entregue ao Congresso:
Valor da alíquota
De acordo com o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, a estimativa de alíquota do IVA (imposto sobre valor agregado a ser criado com a reforma) é entre 25,7% e 27,3%, sendo a média de 26,5%.
Segundo o ministro Fernando Haddad, a alíquota final dependerá da votação no Congresso. Quanto mais exceções forem incluídas - ou seja, quanto mair setores, bens e serviços entrarem nas regras de alíquotas menores -, maior será a alíquota média final.
Cesta básica
O projeto de lei que regulamenta a reforma tributária trouxe a lista dos itens que vão compor a cesta básica nacional - e que, portanto, terão imposto zero. O governo optou por uma lista reduzida, de apenas 15 itens, com foco em alimentos in natura ou minimamente processados. São eles:
- Arroz;
- Leites;
- Manteiga;
- Margarina;
- Feijão;
- Raízes e tubérculos;
- Cocos;
- Café;
- Óleo de soja;
- Farinha de mandioca;
- Farinha e flocos de milho;
- Farinha de trigo;
- Açúcar;
- Massas;
- Pães.
Outros três produtos, apesar de não estarem na cesta básica, também terão alíquota zero do novo Imposto sobre Valor Agregado:
- Ovos;
- Produtos hortícolas;
- Frutas.
Outros 14 tipos de produtos alimentícios terão alíquota reduzida, ou seja, desconto de 60% em relação à alíquota cheia do IVA:
- Carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foies gras);
- Peixes e carnes de peixes (exceto salmonídeos, atuns; bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos);
- Crustáceos (exceto lagostas e lagostim) e moluscos;
- Leite fermentado, bebidas e compostos lácteos;
- Queijos tipo mozarela, minas, prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão, queijo fresco não maturado e queijo do reino;
- Mel natural;
- Mate;
- Farinha, grumos e sêmolas, de cereais; grãos esmagados ou em flocos, de cereais, exceto os grãos de milho; e amido de milho;
- Tapioca;
- Óleos vegetais e óleo de canola classificado na subposição;
- Massas alimentícias;
- Sal de mesa iodado;
- Sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes;
- Polpas de frutas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes.
Profissionais liberais
A regulamentação listou os profissionais liberais que terão um abatimento de 30% no recolhimento de impostos incidentes na prestação de seus serviços.
Profissionais como personal trainers, advogados, economistas e arquitetos terão direito à tributação menor quando emitirem notas fiscais de seus serviços. O benefício vale tanto para profissionais que prestarem serviço como pessoa física quanto para prestadores pessoas jurídicas. Mas, neste segundo caso, sob algumas condições.
Veja as profissões contempladas:
- Administradores;
- Advogados;
- Arquitetos e urbanistas;
- Assistentes sociais;
- Bibliotecários;
- Biólogos;
- Contabilistas;
- Economistas;
- Economistas domésticos;
- Profissionais de educação física;
- Engenheiros e agrônomos;
- Estatísticos;
- Médicos veterinários e zootecnistas;
- Museólogos;
- Químicos;
- Profissionais de relações públicas;
- Técnicos industriais;
- Técnicos agrícolas.
Cashback
O governo propôs o sistema de cashback (devolução do tributo para a população mais pobre) para todos os bens e serviços, mas alguns itens terão devolução mais expressiva. É o caso de botijão de gás e contas de luz, água e esgoto e gás encanado.
O tamanho do cashback vai variar de acordo com o item:
- 100% da CBS (IVA federal) para aquisição de botijão de gás (13 kg)
- 50% da CBS para as contas de luz, de água e esgoto e de gás encanado
- 20% da CBS e do IBS (IVA estadual e municipal) sobre os todos demais produtos. As exceções são os itens que sofrem incidência do Imposto Seletivo, o chamado “imposto pecado”, que são: bebidas alcóolicas e açucaradas, cigarro, carro, embarcação e aeronave e minerais extraídos. Esses não poderão ter cashback.
O cashback é defendido pela equipe econômica desde o início da tramitação da reforma no Congresso, no ano passado, como uma forma de criar um benefício tributário focalizado, diferente de uma redução de impostos que pode beneficiar também as famílias mais ricas.
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O programa será voltado a famílias com renda familiar per capita de até meio salário mínimo (o equivalente hoje a cerca de R$ 700) e àquelas já cadastradas no Cadastro Único de programas sociais do governo. Essas famílias ingressarão de maneira automática no sistema de devolução de impostos.
No caso das contas de consumo básico, a devolução será na própria conta. Ou seja, a família que se encaixar nos pré-requisitos do cashback já terão o abatimento na própria fatura.
Já no caso do botijão de gás e dos demais produtos, a regra geral será uma devolução em até 25 dias por meio de depósito em instituição financeira, mas a equipe econômica ainda avalia a possibilidade de desconto na boca do caixa. Seria algo mais imediato, mas mais difícil de ser operacionalizado.
Imposto seletivo
O projeto prevê que o Imposto Seletivo, chamado de “imposto do pecado”, incida sobre veículo, embarcação, aeronave, cigarros, bebidas alcoólicas e açucaradas e bens minerais extraídos (como minério de ferro e petróleo).
Apesar da recomendação do Ministério da Saúde e pressão de entidades da sociedade civil, os alimentos ultraprocessados ficaram de fora dessa lista.
No caso dos veículos, a proposta é que as alíquotas variem de acordo com seis atributos, que estão em linha com o Programa Mobilidade Verde (Mover), de incentivo tributário ao setor automotivo e foco em transição energética.
São os seguintes: potência; eficiência energética; desempenho estrutural e tecnologias assistivas à direção; reciclabilidade de materiais; pegada de carbono; e densidade tecnológica. Os automóveis considerados como sustentáveis terão alíquota zero.
Em relação às bebidas alcoólicas, a tributação será proporcional ao teor alcoólico, como recomendam organismo internacionais, como OCDE, OMS e Banco Mundial.
O projeto também prevê a incidência do imposto seletivo sobre a extração de minério de ferro, petróleo e gás natural, inclusive quando a finalidade for a exportação. A alíquota será de até 1% sobre o valor de mercado do produto extraído, sendo que os porcentuais exatos serão definidos por lei ordinária.
Viagens e pedágio
Um dos principais pontos da reforma tributária aprovada no Congresso é a mudança da tributação da origem (onde o bem é produzido), como é hoje, para o destino (onde é consumido). Com o envio do projeto de lei que regulamenta a proposta, a equipe econômica definiu os critérios sobre como isso vai ser colocado em prática.
Para o transporte de passageiros, o chamado “fato gerador” do imposto - fator que vai definir para onde o tributo vai - será o início da corrida. Ou seja, se uma pessoa pegar um ônibus de um Estado para outro, o imposto será recolhido no Estado de onde parte o veículo. O mesmo vale para uma corrida intermunicipal.
Já no caso do transporte de cargas, o local da operação corresponde ao ato da entrega ou disponibilização do bem transportado ao destinatário.
Haverá ainda uma regra específica para a cobrança de pedágios em rodovias que passam por várias cidades e Estados. Pela proposta do governo, que ainda poderá sofrer alterações no Congresso, “o local corresponderá ao território de cada município, Estado ou do Distrito Federal, proporcionalmente à correspondente extensão de rodovia explorada”.