BRASÍLIA - O deputado Claudio Cajado (PP-BA), relator da lei do arcabouço, defende vincular o crescimento das emendas parlamentares ao teto de 2,5% acima da inflação fixado na regra fiscal para o aumento das despesas do governo. A discussão sobre essa proposta surge no momento em que o Judiciário faz uma ofensiva sobre a transparência no repasse dos recursos de emendas.
A vinculação ao teto do arcabouço (o mecanismo de controle das despesas do governo) permitiria que o valor das emendas aumentasse mais do que prevê acordo firmado entre os três Poderes na última terça-feira, 20. A nota conjunta entre Supremo Tribunal Federal (STF), Palácio do Planalto e Congresso diz que haverá ajuste na vinculação das emendas à Receita Corrente Líquida (RCL), “de modo a que elas não cresçam em proporção superior ao aumento do total das despesas discricionárias”.
O teto do arcabouço é acima da inflação, enquanto as despesas discricionárias (não são obrigatórias, como recursos para custeio e investimentos) nem sempre têm aumento real, e podem inclusive ser comprimidas em meio ao aumento nos gastos obrigatórios que pressionam o orçamento federal. Como mostrou a Folha de S. Paulo, essa proposta é negociada entre Congresso e Planalto.
“Eu penso assim, porque ficaria tudo dentro do conceito do arcabouço. Para mim deveria ser tudo (vinculado ao teto da regra fiscal). Igualava tudo, inclusive RP2 e o Fundo do Distrito Federal também”, disse Cajado ao Estadão/Broadcast Político, em referência a recursos dos ministérios e o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).
De acordo com Cajado, essas alterações teriam de constar da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas também seria necessário aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Hoje, a Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade de pagamento das emendas individuais e de bancada estadual, limitadas, respectivamente, a 2% e 1% da RCL.
Na avaliação de técnicos de Orçamento ouvidos pelo Estadão/Broadcast, uma alteração que vincule o pagamento de emendas às regras do arcabouço fiscal teria menos resistência no Congresso. Eles alertam, no entanto, que o mesmo tratamento deveria ser dado aos pisos mínimos constitucionais da saúde e da educação, além do próprio FCDF, já que são despesas que crescem acima do teto e pressionam os demais gastos.
O tema foi discutido durante a tramitação do arcabouço fiscal na Câmara, mas não teve apoio entre parlamentares. A correção dos pisos da saúde e da educação entrou no radar da equipe econômica e já foi alvo de alerta do Tribunal de Contas da União (TCU), pois há o receio de que as regras tornem o arcabouço fiscal insustentável ao longo do tempo. Apesar de estarem na categoria de gastos discricionários, os pisos têm execução obrigatória e comprimem o limite de gastos, que já sofre pressão com os aumentos das despesas primárias totais.
Em junho, no entanto, após sinalizar um avanço na agenda de corte de gastos, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que a revisão dos pisos da saúde e educação não deveria ser prioridade da equipe econômica. Segundo ela, há outras propostas na mesa que não envolvem medidas consideradas impopulares.
O relator do arcabouço defende o crescimento acima da inflação não só para as emendas individuais e de bancada estadual, que são impositivas (de pagamento obrigatório), mas também para as emendas de comissão, cuja execução não é obrigatória.
Na última terça-feira, 20, após o pacto entre os Poderes, ficou acertado que o Congresso apresentaria em até 10 dias uma proposta com as novas regras para as emendas, com objetivo de garantir transparência e rastreabilidade às verbas. Por enquanto, contudo, a execução de todas as emendas parlamentares segue suspensa por decisão do ministro Flávio Dino, do STF.
Emendas de comissão
Enquanto isso, a cúpula da Câmara estuda formas de não perder tanto poder sobre as verbas. Uma das ideias, segundo apurou o Estadão/Broadcast, é que os líderes dos partidos assinem as emendas e negociem com o governo o destino dos recursos.
As emendas de comissão são operadas hoje na mesma lógica do antigo orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Não é possível identificar o parlamentar que indicou a verba, e a negociação é usada por quem comanda o Congresso para manter seu poder político.
Essa “moeda de troca” é apontada como crucial para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, articular sua sucessão.
Mesmo após o ministro Flávio Dino, do STF, pedir a identificação dos autores específicos das emendas de comissão, a Câmara resiste em cumprir essa determinação. Segundo uma liderança ouvida sob reserva, com a alternativa de colocar os líderes de partidos para assinar a indicação, o Legislativo não diria quem mandou o recurso, mas apontaria um responsável.
Os líderes representariam suas bancadas na negociação com o governo, o que daria mais força ao Congresso para influenciar na destinação da verba. Na Câmara, segundo relatos, Lira hoje define o envio das emendas de comissão com os principais líderes, principalmente do Centrão. A ideia, portanto, seria tornar público o que já ocorre.
O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), relator do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2024, já havia sugerido a substituição das emendas de comissão por emendas de liderança — a diferença é que agora o governo também teria influência.
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Lira tem dito a interlocutores que não houve “vitoriosos nem derrotados” no pacto entre Congresso, STF e Planalto sobre as emendas. A avaliação feita pelo presidente da Câmara a aliados é que todos atingiram seu objetivo: o Judiciário garantirá mais transparência das emendas; o Congresso manterá o volume atual de recursos e a impositividade das emendas individuais e de bancada estadual; e o governo conseguiu uma trava para evitar que as emendas cresçam de forma desproporcional no Orçamento — esse ponto, contudo, pode ser colocado em xeque se a vinculação for ao arcabouço.
Emendas parlamentares são recursos no Orçamento da União que podem ser direcionados pelos deputados e senadores a seus redutos eleitorais. No caso das ‘emendas pix’, o Congresso definirá o “objeto”, ou seja, para qual obra ou política pública as verbas foram usadas, o que hoje não fica claro.
Batizadas com esse nome em referência ao sistema de pagamento instantâneo criado pelo Banco Central, as ‘emendas pix’ são uma forma de manejar as emendas individuais e permitem a destinação direta de recursos federais a Estados e municípios, o que agrada a deputados do chamado “baixo clero”. Na avaliação da cúpula da Câmara, o acordo “institucionalizou” a modalidade, que corria o risco de ser até mesmo extinta.