O senador Angelo Coronel (PSD-BA), que relatou o projeto de lei que prorrogou a desoneração da folha de pagamentos, avalia que a decisão do governo de revogar a medida, como promulgada pelo Congresso, é “perigosa” e tende a ferir a relação do Executivo com o Parlamento.
A desoneração teve a promulgação oficializada nesta quarta-feira, 27. Mas, em entrevista à imprensa na manhã desta quinta-feira, 28, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo vai editar uma Medida Provisória ainda neste ano revogando a lei e instituindo uma nova forma de conceder vantagem tributária às empresas.
Em vez de divididas por setores, as empresas serão divididas segundo as atividades econômicas que desempenham e terão desconto - de 25% a 50% - na contribuição patronal recolhida sobre o primeiro salário mínimo de seus funcionários. A MP tem efeitos imediatos e, neste caso, passa a valer em 1º de janeiro. Mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até seis meses para não perder a validade.
“Eu não vejo essa medida provisória como um bom caminho. O mais certo era deixar andar a lei como já foi promulgada e, no decorrer do exercício futuro, discutir outra maneira de ajustar via projeto de lei. E não por medida provisória, cujos efeitos são imediatos”, disse Coronel.
Para ele, isso pode gerar uma crise política para o governo Lula em 2024.
“Isso dá uma fragilizada na relação do Poder Executivo com o Congresso já que foi um projeto aprovado com ampla maioria na Câmara e no Senado, o governo vetou e o veto foi derrubado também com maioria esmagadora. Aí vem uma medida provisória em cima desse texto? Eu acho isso muito perigoso e tende a ferir, a fragilizar a relação do Congresso com o governo”, disse Coronel, que integra a base do governo no Senado.
O governo alegou que a desoneração da folha é inconstitucional, pois a reforma da Previdência, em 2019, vedou a concessão de benefícios tributários sobre contribuições da seguridade social. Os parlamentares afirmam, contudo, que se trata da prorrogação de um benefício existente desde 2011 e que havia sido instituído na gestão Dilma Rousseff (PT).
A discussão tomou todo o segundo semestre e, durante a tramitação, por iniciativa de Coronel, prefeituras com até 142 mil habitantes foram incluídas na lista de beneficiados, o que elevou o custo total da medida.
Haddad chegou a anunciar que apresentaria uma alternativa. Sua equipe, disse ele, trabalhava em uma medida que atendesse prioritariamente aos trabalhadores que recebem menos.
“As medidas não chegaram a tempo da votação, então o certo era o governo retirar a medida provisória e mandar um projeto de lei para ser discutido”, disse Coronel. “Isso aí é uma coisa simples para manter a harmonia dos Poderes.”
Na entrevista em que apresentou a MP, nesta quinta, Haddad afirmou que não se trata de uma “afronta” ao Congresso. “Não existe isso (uma afronta). Desde o começo o discurso oficial da Fazenda, da AGU (Advocacia-Geral da União) e da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) sempre foi de que a matéria, do jeito que estava sendo tratada, era inconstitucional e nós nunca nos indispusemos a negociar uma solução”, disse.
O ministro defendeu que se trata de uma “reoneração gradual” do programa e que os 17 setores servirão como uma espécie de piloto para que a desoneração seja estendida para mais atividades.
Sobre a exclusão das prefeituras, o ministro disse que isso será objeto de “negociação específica”.
“Ali (neste trecho) não tinha nem análise de impacto. Era uma estimativa etérea do que iria acontecer, mas falavam em R$ 15 bilhões de perda (de arrecadação). Só por isso não precisava nem olhar para a Constituição. Só por isso já não seria possível a sanção”, disse Haddad. “Vamos negociar com as prefeituras de acordo com o que manda a lei, tem que analisar a proposta, fazer uma análise de impacto e buscar compensações. Se esses critérios forem atendidos, vamos prosperar com a proposta.”
Outros parlamentares se mobilizaram, mesmo no recesso, contra o anúncio de Haddad.
A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), liderada pelo deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), emitiu uma nota contra a reoneração da folha de pagamentos.
“Para a FPE, a decisão do governo de retornar com a pauta para o Congresso Nacional - mesmo que de maneira gradual - fragiliza a relação entre os Poderes, já que o Executivo insiste em ir contra a decisão dos mais de 430 parlamentares que garantiram a prorrogação da desoneração até 2027″, afirma a nota.
“É preciso considerar que a manutenção do trabalho e o estímulo à atividade econômica também geram receitas, por meio do consumo e do recolhimento de outros impostos”, acrescenta. “O anúncio do pacote econômico para o próximo ano é a prova de que o governo federal continua na tentativa de alterar regras tomadas pelo Legislativo, por meio de medidas provisórias, ignorando a busca pelo diálogo.”
O autor do projeto de lei, senador Efraim Filho (União-PB), escreveu em uma rede social que a MP traz insegurança jurídica ao empresariado.
“A edição da MP contraria uma decisão tomada por ampla maioria pelo Congresso.Vai sofrer resistências desde a largada. Traz insegurança jurídica para o empreendedor, que ficará sem saber qual regra seguir, se a da MP ou da lei aprovada pelo Congresso e hoje publicada”, escreveu.