BRASÍLIA - Sem alarde, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, deputado Danilo Forte (União-CE), atendeu às demandas do governo e do Congresso e abriu caminho para um contingenciamento (bloqueio preventivo) menor de despesas no próximo ano, quando serão realizadas eleições municipais.
Na quinta-feira, 7, o deputado havia afirmado que não acataria uma emenda proposta pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP), que criava um teto menor para os bloqueios — o que ajudaria a preservar investimentos, sobretudo do PAC. Forte chegou a dizer que a proposta tinha “fragilidades jurídicas”, apontadas, inclusive, pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela consultoria de Orçamento da Câmara.
Só que, na prática, a nova redação da LDO, assinada por Forte, provoca o mesmo efeito pretendido pela emenda rejeitada. É isso o que aponta o economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Felipe Salto.
“O relator incorporou aquele propósito do governo de uma maneira bem mais clara. Ele escreveu simplesmente que as despesas executadas estarão sujeitas ao piso de 0,6% (de crescimento real dos gastos)”, afirma Salto.
Esse piso diz respeito à banda de variação dos desembolsos federais, que, pelo novo arcabouço fiscal, deverão crescer entre 0,6% e 2,5% acima da inflação de um ano para outro. A “Emenda Randolfe”, como ficou conhecida, atrelava o limite de contingenciamento exatamente a essa mesma regra, mas era redigida de outra maneira.
O economista-chefe da Ryo Asset e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Gabriel Barros, tem o mesmo entendimento. “O relator fez menção à LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) para limitar as despesas sujeitas ao contingenciamento, na direção da demanda do Randolfe”, afirma.
Diferença de R$ 30 bilhões
Nos cálculos de Salto, com essa nova redação da LDO, o contingenciamento máximo passará de R$ 52,7 bilhões para R$ 22,3 bilhões em 2024 — uma diferença de cerca de R$ 30 bilhões. Para o economista, a sistemática piora o arcabouço e abre um precedente perigoso.
“Primeiro, há uma questão jurídica, de a LDO (que é uma lei ordinária) estar avançando em relação à Lei Complementar 200 (do arcabouço fiscal), que é superior à LDO”, afirma o economista. O arcabouço estabelece que o governo poderá contingenciar até 25% das despesas discricionárias (aquelas que não são obrigatórias, como custeio e investimento) — o que, em 2024, representa a cifra de R$ 52,7 bilhões.
“O arcabouço limitou o gasto na etapa de Orçamento, não de pagamento, são duas coisas distintas. Se o governo ou o Congresso querem alterar isso, o que seria muito negativo para o já frágil arcabouço fiscal, o instrumento correto para fazê-lo seria por meio de lei complementar”, reforça Barros, da Ryo Asset.
Além disso, destaca Salto, esse bloqueio menor deixará o governo ainda mais distante do cumprimento da meta de déficit zero no próximo ano. “O déficit esperado para 2024 piora automaticamente 0,2% do PIB. Isso já é ruim por si só”, diz. Ele ainda alerta sobre o futuro: “O governo, quando chegar em março, ou até antes, vai sofrer pressões pela alteração da meta. E isso num cenário em que ele estará com as mãos ainda mais amarradas, porque poderá cortar menos o Orçamento”.
Para Salto, esse seria o pior cenário possível: o governo cortar um volume menor de despesas, com base nessa nova regra da LDO, e depois ainda alterar a meta fiscal, deixando-a mais frouxa. “Uma mudança de meta prejudicaria a lógica dos gatilhos (de limitação de novos gastos). O arcabouço inovou em relação à LRF ao permitir o rompimento da meta, mas desde que acione os gatilhos”, pondera.
O economista da Warren Investimentos também vê com preocupação a criação de uma blindagem adicional para as emendas de comissão, que não são impositivas, ou seja, não têm obrigatoriedade na execução. A nova redação da LDO estende a essas despesas uma proteção que antes só se aplicava às emendas impositivas, que são as individuais e as de bancada.
“Hoje, você só pode cortar as emendas impositivas na mesma proporção que cortar as despesas do Executivo. O relator propôs a mesma coisa para as emendas de comissão e ainda criou um calendário (para o pagamento desses gastos)”, afirma Salto. Pela LDO de 2024, as emendas impositivas deverão ser obrigatoriamente empenhadas no primeiro semestre do ano — o que representa um valor de R$ 37,5 bilhões.
Para Forte, o calendário ajudará a frear o “fisiologismo político”, uma vez que a liberação de recursos não mais obedeceria aos interesses políticos do governo. O argumento do Executivo, porém, é que, além de engessar a gestão orçamentária, o dispositivo gera uma interferência em atribuições do governo.
Além desses dispositivos, o governo terá de obedecer a uma lista de despesas que não poderão ser contingenciadas, entre as quais gastos com atividades do agronegócio e ligados à ciência e tecnologia. No total, 12 áreas estarão blindadas. São elas:
- Pesquisa e desenvolvimento e transferência de tecnologias para a agropecuária sob responsabilidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa);
- Despesas com defesa agropecuária;
- Assistência técnica e extensão rural;
- Subvenção econômica nas aquisições do governo federal e na formação de estoques reguladores e estratégicos;
- Subvenção econômica para garantia e sustentação de preços na comercialização de produtos agropecuários;
- Despesas vinculadas à função Ciência, Tecnologia e Inovação;
- Despesas relacionadas ao Ensino Profissional Marítimo (EPM) destinada à qualificação e capacitação de portuários e aquaviários, a fim de contribuir com o cumprimento das atribuições subsidiárias da Marinha do Brasil;
- Despesas de apoio à educação de pessoas com Altas Habilidades;
- Despesas relativas à articulação e estruturação de políticas de acolhimento de mulheres vítimas de violência;
- Promoção da prevenção às violências contra crianças e adolescentes;
- Despesas com ações de fiscalização do trabalho, no combate ao trabalho escravo e infantil e na prevenção da segurança e saúde no trabalho;
- Despesas destinadas ao fomento à empregabilidade, ao empreendedorismo e à renda feminina.