A agricultura é responsável por um quarto do PIB nacional e é fundamental para a consolidação de uma economia verde no Brasil. Um dos mecanismos para assegurarmos a sustentabilidade do agronegócio é a promoção da agricultura familiar sustentável, com assistência técnica e extensão rural e estruturação de cadeias produtivas, contemplando povos originários, ribeirinhos, quilombolas, produtores agroecológicos e agricultores familiares.
Qual o valor, por exemplo, da assistência técnica como alavanca para o desenvolvimento rural sustentável do país? Como uma assistência técnica de qualidade e continuada consegue reduzir as desigualdades no campo? Qual o poder na transformação das vidas de famílias agricultoras do País? De que forma uma política de Estado pode ampliar marcos regulatórios para a agricultura familiar? São todas perguntas que vêm sendo exaustivamente discutidas na Força Tarefa de Segurança Alimentar da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, um dos principais movimentos no Brasil que tem pautado essa agenda, sob liderança da Fundação Solidaridad - organização internacional sem fins lucrativos com experiência no desenvolvimento de cadeias produtivas inclusivas e sustentáveis.
Promover uma assistência técnica estruturante, com financiamento adequado e capacitação de técnicos em escala é um dos desafios do campo que, se superado, traz inúmeros benefícios: aumento de produtividade, avanço na renda dos agricultores, permanência das famílias no campo e fortalecimento da economia local.
Entretanto, o último Censo Agropecuário do IBGE revelou que menos de 20% dos estabelecimentos receberam assistência técnica no campo, com uma profunda disparidade regional. Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Assistência Técnica e Extensão (Asbraer), havia em 2017 cerca de 13 mil profissionais de assistência técnica para mais de 5 milhões de estabelecimentos agrícolas, sendo que, desses, 3,9 milhões foram classificados como de agricultura familiar.
Em termos de crédito, embora os agricultores familiares respondam por mais de 70% dos estabelecimentos rurais do país, eles recebem menos de um quarto do financiamento público para a agricultura. São 10,1 milhões de brasileiros que ocupam uma área de 80,9 milhões de hectares e são responsáveis por 23% do valor total da produção dos estabelecimentos agropecuários no país. Os agricultores familiares respondem ainda por 11% da produção de arroz, 42% do feijão preto, 70% da mandioca, 71% do pimentão e 45% do tomate. Na pecuária, produzem 64% do leite de vaca do país e concentram 31% do rebanho bovino nacional, 51% dos suínos e 46% das galinhas.
A transformação dos sistemas alimentares para as pessoas, a natureza e o clima tem ocupado cada vez mais espaço nas conferências do clima, tendo a última, em Dubai, especialmente levantado essa bandeira. A Coalizão aderiu ao movimento de atores não-estatais na COP-28 por sistemas alimentares mais resilientes e tem reforçado que o combate à fome é essencial para promover a prosperidade do Brasil. Com o agravante de que a fome no campo é maior do que nas áreas urbanas.
Essa discussão tem ganhado nova roupagem dentro do conceito de bioeconomia. Nem todo mundo reconhece a influência da mudança climática sobre o cotidiano do produtor rural, tampouco a relação do desmatamento e da degradação com os eventos extremos e o comprometimento do rendimento das safras. Mas buscar trazer para a mesa produtos regionais, frutos da agricultura familiar, pode ser uma oportunidade de conectar essa comida no prato com o desenvolvimento de uma agricultura produtiva e regenerativa e com a melhoria dos meios de subsistência rurais.
Leia também em Economia Verde
Dentro dessa perspectiva, penso no surgimento, cada vez mais forte, de iniciativas que tratam a gastronomia como elemento de conservação da biodiversidade e valorização da cultura alimentar brasileira. Ao levar os biomas à mesa, o trabalho de chefs, como Bel Coelho, e iniciativas como a formação de merendeiras, conduzidas pela chef Bela Gil e a nutricionista Neide Rigo, para citar apenas alguns exemplos, ajudam a revelar Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas enquanto comunidades produtoras locais, com seus conhecimentos, valores e costumes tradicionais. E nos obrigam também a pensar formas de endereçar e facilitar os desafios logísticos, a organização da cadeia de suprimentos, o acesso a mercado, a valorização das diferentes culturas do nosso país.
O resgate do consumo de produtos nativos é fundamental para o fomento a novas formas de uso do solo, como sistemas agroflorestais. Um modo de produção sustentável, que seja produtivo, diversificado e rentável, é uma das soluções para a manutenção da floresta em pé. Isso passa por pensarmos a conservação de nossas florestas de forma integrada à soberania alimentar. E o Brasil tem todas as condições para liderar essa agenda.