A 29ª Conferência das Partes, realizada em Baku nas últimas duas semanas, chegou ao fim com resultados tímidos, que revelam a fragmentação do sistema multilateral e a complexidade das negociações em torno da agenda climática, notadamente sobre o volume de recursos e sobre quem paga a conta do financiamento para que países em desenvolvimento possam fazer suas transições para uma economia de baixo carbono. As expectativas não atendidas são reveladoras também da crise de confiança que se abate sobre o regime da ONU e sobre a capacidade coletiva de lidar com um tema que deveria estar no topo de suas urgências.
Os resultados, à luz da aliança de Emirados Árabes, Azerbaijão e Brasil em torno do “roadmap para a missão 1.5ºC”, colocam sobre a Presidência do Brasil na próxima COP, a ocorrer em Belém no ano que vem, mais peso, expectativas e novos desafios: como negociar e estimular ambições maiores dos países no corte de emissões de gases de efeito estufa quando o lastro financeiro repetidamente e há uma década se mostra insuficiente, justamente num momento em que se aceleram as consequências da inação? Diante disso, tarefa urgente e fundamental para o Brasil é a escolha de um hábil time de negociadores, a quem o anúncio, se tivesse ocorrido nessa COP, já teria permitido ao mundo das negociações conhecer seus interlocutores e iniciar, portanto, seus trabalhos.
Para além dos recursos financeiros, desafio adicional são as condições políticas do mundo traduzidas em questões como novos nacionalismos, com medidas unilaterais comercialmente protecionistas, que travestem interesses econômicos de preocupação ambiental num momento em que órgãos multilaterais com a Organização Mundial do Comércio estão fragilizados. Ainda, as consequências das eleições nos Estados Unidos: o comando do segundo maior emissor de gases de efeito estufa estará pelos próximos quatro anos sob a responsabilidade de um negacionista do clima e da ciência, com maioria na Câmara e no Senado, com a possiblidade de indicar novos membros para a Suprema Corte, agora com experiência sobre a burocracia e as engrenagens de governo, legitimado pelo voto popular e cercado por indicados ideologicamente alinhados.
Exemplo de um dos efeitos mais imediatos das eleições, há uma corrida na comunidade cientifica, que tem se mobilizado para colher, reunir e catalogar informações públicas até o dia 20 de janeiro, antevendo a onda de desinformação que se aproxima, dessa vez com auxílio inequívoco de Elon Musk. No âmbito das guerras, os resultados eleitorais também apontam uma deterioração das tragédias em curso. A perspectiva de corte da ajuda financeira à Ucrânia, vinda com a eleição de Trump, intensificou a ofensiva russa já nos dias subsequentes e alarma a Europa para a expansão da guerra. No Oriente Médio, a escolha de membros pró-Israel para alguns dos principais cargos do governo, como Secretaria de Estado e de Defesa, indicam que a ajuda diplomática e militar ao país deve continuar. Além do aspecto humanitário, o cenário de guerras adiciona mais gases de efeito estufa a uma atmosfera que não pode mais suportá-los, exterminando também o capital natural, da queima de florestas à contaminação dos solos.
Diante disso, cresce a importância da China, responsável por quase 1/3 das emissões de gases de efeito estufa do mundo, no xadrez global do clima. A mudança de patamar nas relações do país com o Brasil, anunciada na última semana com a vinda do presidente chinês para as bem-sucedidas reuniões do G-20 e dentre as quais estão a abertura de negociações sem uso do dólar e a previsão de que, a partir de 2026, tenhamos uma alternativa chinesa à Starlink para a provisão de internet, se dá num momento em que a habilidade diplomática brasileira será ainda mais necessária para manter o equilíbrio de forças.
Leia também
Por último, além da recepção da COP30 – que não pode ser vista como mais um “evento internacional” e que tem como pano de fundo a missão de preservar a concertação e o engajamento político obtidos no Acordo de Paris mesmo diante de todas as suas fragilidades, o Brasil exercerá também a Presidência dos BRICs, com um dos principais objetivos sendo a criação de um novo sistema de pagamentos para transações comerciais entre países ligados ao bloco, e tendo possivelmente Dilma Rousseff como reconduzida para a Presidência do Novo Banco de Desenvolvimento, responsável por financiar projetos de interesse dos seus membros.
Assim, para um país que almeja a liderança climática e por quem passa a segurança climática, mineral e alimentar do mundo, 2025 traz oportunidades estratégicas, como também a de restaurar a confiança na governança climática global, com dividendos que poderão ser mobilizados também para as eleições de 2026. Fundamental definirmos o que queremos dessas oportunidades, bem como engajar filantropia, sociedade civil, setor privado e político na discussão sobre os interesses nacionais para os próximos anos. Os políticos, fundamentais também para dar tratamento doméstico ao que é negociado externamente e representantes de uma população cujas vidas já são impactadas pela questão climática, ainda se mostram particularmente distantes do assunto.
Renata Piazzon é diretora executiva do Instituto Arapyaú
Mônica Sodré é cientista política e fellow do CEBRI – Centro Brasileiro de Relações Internacionais