RIO - O Brasil vive um momento de incerteza em relação ao futuro da produção de petróleo, que depende fundamentalmente de novas reservas e do aumento do fator de recuperação de campos maduros. Especialistas alertam que, sem novas descobertas nos últimos anos no pré-sal - hoje responsável por 81% da produção brasileira da commodity -, o Brasil corre o risco de se tornar importador já na próxima década. Esse é o cenário provável sobretudo se o País não conseguir explorar as bacias da Margem Equatorial, no Norte e Nordeste, ou de Pelotas, no Sul.
Atualmente o Brasil produz 3,47 milhões de barris de petróleo por dia, ou 1,2 bilhão de barris por ano, com reservas provadas de 15,9 bilhões de barris. Nesse ritmo, o petróleo nacional acabaria em 2035. Mesmo que fossem confirmadas as reservas prováveis e possíveis (que ainda dependem de testes), de 27 bilhões de barris, teria mais 10 anos de produção e terminaria em 2045. No ano passado, apenas seis poços foram perfurados no litoral brasileiro, mesmo número de 2024, até o momento.
Para o pesquisador e professor do Instituto de Energia da PUC-Rio, Edmar Almeida, não existe outra opção a não ser a exploração da bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, onde existe chance de se encontrar reservatórios gigantes a exemplo dos vizinhos da região, Guiana e Suriname. Já o “espelho” da bacia de Pelotas é a Namíbia, na África, onde estão sendo descobertos reservatórios bem menores, a própria Petrobras já indicou que a região Sul ficará para uma exploração posterior à do Norte do País.
Ele observa que, até o fim desta década, serão instaladas mais 17 plataformas no Brasil, mas a falta de exploração e de novas descobertas, mantida a produção atual ou aumentando-a, esgotará em pouco mais de uma década todo o petróleo conhecido atualmente. “Não tem opção. Já faz algum tempo que não tem nova descoberta no pré-sal e as empresas têm devolvido blocos. Estamos aumentando muito a produção e as reservas atuais não vão conseguir sustentar essa produção”, alerta.
Negativa do Ibama
Um parecer de técnicos do Ibama divulgado na terça-feira, 29, no entanto, apontou para uma nova negativa da licença ambiental para a perfuração de um poço da Petrobras na bacia da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, situado a mais de 500 quilômetros da costa. Mesmo assim, o presidente da autarquia ambiental, Rodrigo Agostinho, voltou a pedir maiores esclarecimentos à estatal, antes de indeferir o pedido definitivamente.
Na quinta-feira, 31, no primeiro comentário de um executivo do alto escalão da Petrobras sobre o tema após o surgimento do parecer, a diretora de Exploração e Produção da estatal, Sylvia dos Anjos, afirmou estar “muito otimista” e disse acreditar que não vai demorar muito mais tempo para a estatal obter a licença.
Em evento no Rio de Janeiro, Anjos disse que a Petrobras vai insistir na Margem Equatorial porque já cumpriu várias etapas do processo de exploração e porque acredita no potencial da província petrolífera. Além disso, lembrou que a produção do petróleo brasileiro emite cerca da metade de gases do efeito estufa que a média mundial e advertiu que, se o País tiver de voltar a importar petróleo à frente, vai trazer um produto mais poluente do exterior. “Por isso, produzir petróleo no Brasil é bom negócio”, defendeu, sob a lógica ambiental.
O consultor e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Eberaldo Almeida, enxerga um componente ideológico muito forte na posição dos técnicos do Ibama. Eles estariam dificultando um rito técnico e usando de “filigranas burocráticas” para inviabilizar a licença e servir a uma leitura de que a produção de petróleo no mundo tem de acabar.
“O que está acontecendo nessa história é uma maldade grande com o País e principalmente com a região Norte, que fica alijada dos recursos especiais do petróleo, que poderiam gerar desenvolvimento e proteger efetivamente a floresta”, diz o especialista. “Não há fundamento científico para o que está sendo feito, a negativa de uma licença para uma operação de exploração segura a mais de 500 quilômetros do litoral, que apesar do nome geológico de Bacia da Foz do Amazonas, pouco tem a ver com a floresta e seus rios efetivamente.”
O especialista lembra que, se o Brasil parar de produzir petróleo, invariavelmente vai ter de importar um produto de origem comprometida. “Hoje, no mundo, dos 18 países que exportam volume de petróleo significativo, 14 são autocracias. Só estão fora desse grupo a Noruega, com produção declinante, o Canadá, o Brasil e o México”, afirma. “Se parar de produzir, o Brasil vai ter de importar petróleo mais poluente e de regimes como os da Rússia, Arábia Saudita, Kuwait e outros. É isso o que se quer?” questiona.
Para Eberaldo, uma saída positiva e eficaz para esse imbróglio seria vincular os leilões de área nas cinco bacias da Margem Equatorial a projetos socioambientais na Amazônia, para além dos pagamentos tradicionais à União.
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“Já se vê declínio no pré-sal”, diz Edmar Almeida, lembrando que o declínio natural dos campos de petróleo é de cerca de 10% ao ano. “Basicamente, se o País decidir não aproveitar os recursos da Margem Equatorial, outro país vai produzir e exportar para o Brasil um petróleo com mais emissões de CO₂″, diz, repetindo o argumento de Anjos e ressaltando a incoerência da demora da licença, já que a Petrobras explora e produz no mar do Sudeste perto de adensamentos demográficos bem maiores, além de manter vasta operação na base de Urucu, encravada na floresta amazônica. “Qual é a diferença da Margem Equatorial e da Ilha Grande (RJ)?”, questiona.
Negociações em andamento
Segundo pessoas próximas à Petrobras, que falaram sob condição de anonimato, a estatal continua negociando com o órgão ambiental o aval para explorar a Margem Equatorial. O Estadão/Broadcast apurou que a expectativa é que a licença seja concedida após a reunião do G-20 no País, prevista para o mês que vem. Além disso, a estatal quer aumentar o fator de recuperação de campos maduros, principalmente na bacia de Campos, que segundo a diretora de Exploração e Produção da companhia, Sylvia Anjos, vai produzir mais 200 mil barris por dia em 2025.
No momento, entre os pontos mais sensíveis a serem resolvidos pela Petrobras está a unidade de apoio à fauna, a ser construída em distância razoável para o caso de eventual vazamento - a Petrobras havia construído uma base em Belém, considerada distante. E, também, e a utilização do Aeroporto Municipal de Oiapoque (AP) para as operações, cuja utilização, defende a Petrobras, estaria no limite operacional previsto sem perturbação maior a comunidades indígenas na região, o que os técnicos do Ibama questionam.
“Esse embate (com o Ibama) tem de ser resolvido. Se o Brasil quiser continuar relevante no mercado internacional, vai ter de encontrar uma área expressiva para explorar, como foi o pré-sal”, diz Edmar. “Mas o debate não está acontecendo de forma correta. Seria saudável se houvesse um debate mais honesto, mais aberto, porque a gente não consegue entender porque o offshore de lá (Margem Equatorial) é diferente do offshore da Ilha Grande.”