A reunião dos ministros das finanças do G-20 presidida pelo Brasil terminou nesta quinta-feira, 29, em São Paulo, sem um comunicado conjunto, em meio à falta de consenso em relação às guerras atuais. Segundo pessoas envolvidas nas discussões, o impasse ocorreu pelo uso de uma palavra — o documento seria publicado com citação à “war on Ukraine” (guerra contra a Ucrânia) ou “war in Ukraine” (guerra na Ucrânia).
A Rússia defendia a última expressão, enquanto os países mais ricos ocidentais do bloco brigaram pela primeira. As economias mais ricas também não queriam mencionar Israel no conflito com o Hamas, e defendiam que houvesse uma citação apenas à crise humanitária em Gaza.
Ao fim das reuniões, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evitou abrir detalhes, mas revelou em entrevista à imprensa que faltou pouco para o grupo chegar a uma solução para que o comunicado fosse apresentado: uma nota sucinta sobre o impasse geopolítico.
“Chegou uma hora em que o impasse era tão pequeno que dizia respeito a uma palavra (dessa nota)”, disse o ministro, que não quis contar qual palavra. Porém, como reconheceu Haddad, “chega uma hora que a reunião termina”.
Haddad não citou quem fez jogo duro na negociação. Porém, publicamente, o ministro das Finanças da Alemanha, Christian Lindner, declarou mais de uma vez que o país não assinaria o comunicado se não houvesse citação às guerras na Faixa de Gaza e na Ucrânia. Lindner reforçou que não é possível se concentrar apenas nas discussões econômicas, ignorando outras questões importantes, como as geopolíticas. Segundo o ministro, esse é o papel dos formuladores de políticas.
O ministro das Finanças da Itália, Giancarlo Giorgetti, disse que não eram apenas os alemães, mas havia uma grande discussão sobre o texto final do comunicado. “Este é o terceiro G-20 desde a guerra na Ucrânia. A cada G-20 se torna mais e mais complicado encontrar fórmulas claras e nítidas de condenar a agressão russa”, disse a jornalistas.
No final da tarde, perto do encerramento da reunião, já circulava nos corredores do G-20 que não haveria um comunicado conjunto. Desde o final da pandemia, com a piora da situação geopolítica no mundo, outras reuniões não tiveram um comunicado conjunto, uma evidência de que encontrar um consenso sobre temas mais sensíveis tem sido cada vez mais difícil.
Apesar disso, citando a convergência em temas econômicos, elencados na declaração final da presidência brasileira, como o compromisso com a inclusão social, Haddad considerou a reunião um sucesso, descrevendo o final do encontro de autoridades financeiras como “apoteótico”. “Todo mundo aplaudiu”, relatou o ministro. “Vamos trabalhar mais duro nas questões em que há dissenso”, finalizou.
Ao fazer um balanço da reunião, Haddad afirmou que os temas propostos pelo Brasil foram “bem recebidos”. “O tema da desigualdade foi muito valorizado”, disse. “A questão da tributação internacional vem avançando muito.”
Com dois pilares da tributação internacional, construídos na OCDE, a serem concluídos até o fim do ano, Haddad disse que o Brasil tomou a iniciativa de colocar em debate um terceiro pilar: a fixação de uma alíquota mínima sobre a riqueza mundial.
“Temos condição de buscar maior justiça tributária no mundo”, comentou. O ministro pontuou que alguns países já estão bem resolvidos em relação a regras de tributação. “Quanto mais rico, mais resolvido está o país sobre essa temática”, disse.
Ainda assim, ele observou que a tributação dos bilionários é uma frente ainda não resolvida adequadamente, mesmo nas economias desenvolvidas. Conforme Haddad, o Brasil só está começando a corrigir agora a regressividade tributária, com atraso em relação ao G-20 e à OCDE, que já trabalham nesta agenda há mais tempo.
Haddad participou pela primeira vez do evento presencialmente nesta quinta-feira, após se recuperar da covid. Ele afirmou que o novo hedge cambial (mecanismo de proteção contra variações cambiais) foi bem recebido por lideranças globais. “Espero que esse instrumento seja um novo parâmetro e mostre o Brasil como uma potência para futuros investimentos ecológicos.”
O ministro, no entanto, ponderou que poucos países devem utilizar a ferramenta, por não precisarem da proteção da volatilidade cambial. Ele também esclareceu que não houve conversas sobre desdolarização no âmbito do G-20 Brasil, mas sobre a necessidade de aperfeiçoar mecanismos para ampliar a utilização de moedas emergentes de modo a impulsionar o comércio e o crédito local.
Segundo ele, nas reuniões das quais participou, a questão do descongelamento de ativos russos para arrumar receitas para a Ucrânia não apareceu nas discussões. A intenção foi explicitada pela secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, que disse ser preciso pensar em formas de desbloquear esses ativos, congelados com as sanções do Ocidente à Rússia devido à invasão da Ucrânia./Altamiro Silva Junior, Eduardo Laguna, Cristina Canas, Lais Adriana e Francisco Carlos de Assis