Você se lembra da última vez que tomou uma decisão importante e, semanas depois, percebeu que poderia ter escolhido um caminho diferente? Ou quando, em meio a uma reunião importante, se lembrou de uma intuição que teve dias antes (e ignorou), mas ela acabou se mostrando certeira?
Na correria do dia a dia, cada minuto parece uma batalha contra o relógio. Nisso, acabamos perdendo um fator precioso: o tempo para refletir. E essa perda tem um custo maior do que imaginamos, especialmente para quem ocupa posições de liderança.
Antigamente, dedicar uma determinada quantidade de horas à reflexão e ao registro dos pensamentos era uma prática quase sagrada para líderes e pensadores. Um bom exemplo disso é a obra Meditações, escrita pelo imperador romano Marco Aurélio como um diário pessoal, sem ter o objetivo inicial de publicá-lo.
Quem também mantinha um rigoroso registro diário de suas atividades e reflexões era Benjamin Franklin, um dos “Pais Fundadores” dos Estados Unidos. Além dele, Churchill também dedicava tempo a escrever e refletir sobre suas decisões, mesmo durante os anos mais turbulentos da Segunda Guerra Mundial.
Esta tradição não surgiu por acaso. Antes mesmo da prensa de Gutenberg, o ato de escrever era um processo deliberado e significativo. Ainda que limitado aos poucos que tinham acesso a ele.
Você se lembra de quem eram os monges copistas medievais? Além de destinados a preservar o conhecimento acumulado até então, registrando-o de maneira física por meio da escrita, eles também mantinham diários detalhados sobre a vida nos mosteiros. Esses registros foram o que nos permitiu entender como comunidades inteiras eram administradas, além de compreender as tomadas de decisões complexas em tempos de extrema escassez de recursos.
E a prática ancestral de registrar insights, reflexões, e até mesmo sensações, é ainda mais relevante no mundo corporativo atual. Afinal, vivemos cercados de ruídos que nos distraem. Além de uma era de constante incerteza, com mudanças tecnológicas e sociais acontecendo a uma velocidade exponencial. E é nesse contexto que executivos e líderes empresariais estão redescobrindo o poder do “journaling”, isto é, do registro diário, como ferramenta estratégica.
Não à toa, CEOs como Richard Branson, da Virgin, e Howard Schultz, ex-CEO da Starbucks, mantêm o hábito de escrever diariamente. Para eles, não se trata apenas de registrar eventos, mas de processar complexidades, identificar padrões e clarear o pensamento estratégico.
E saiba que a ciência já validou essa prática. Um estudo conduzido pelo psicólogo e pesquisador Matthew Lieberman, na Universidade da Califórnia em Los Angeles, foi bastante esclarecedor em mostrar os efeitos do journaling. Foi proposto que os participantes do estudo escrevessem por 20 minutos diariamente, durante quatro dias consecutivos. Metade deles escreveria sobre experiências emocionais recentes, enquanto a outra metade registraria experiências mais neutras. Todos passaram por análises e exames neurais antes e depois do experimento.
E quais foram os resultados? Aqueles que escreveram sobre experiências emocionais mostraram mais atividade em uma parte do cérebro chamada córtex pré-frontal diári direito. O que, por sua vez, reduziu a atividade neural associada a reações emocionais intensas e impulsivas. Outros resultados interessantes apontados pelo estudo é que homens pareceram se beneficiar mais ao escrever sobre seus sentimentos do que as mulheres, e que escrever à mão teve um efeito maior do que digitar.
Esses resultados vão ao encontro do que mostra um relevante estudo sobre saúde mental publicado na PubMed. Os resultados do ensaio clínico randomizado mostram que o hábito de manter um diário melhora o bem-estar entre pessoas com sintomas leves a moderados de ansiedade e aumenta o engajamento.
Já na obra The Progress Principle, a pesquisadora Teresa Amabile analisou 12 mil entradas de diários de 238 profissionais. A partir disso, ela descobriu que o hábito de manter um registro estava diretamente relacionado à mais criatividade e tomada de decisões mais assertiva.
Em minha experiência entrevistando e tendo a oportunidade de conviver com CEOs e líderes empresariais ao longo de duas décadas, percebi um padrão interessante: aqueles que mantêm alguma forma de registro sistemático de suas reflexões – seja um diário tradicional, notas digitais ou gravações de áudio – demonstram uma capacidade significativamente maior de aprender com suas experiências e fazer ajustes estratégicos mais precisos em suas decisões futuras. Em linha com o que foi publicado pela Harvard Business Review, que aponta evidências nessa mesma direção.
Ficou interessado em implementar essa prática transformadora na sua rotina? Aqui estão seis dicas fundamentais baseadas em pesquisas e experiências reais:
- Estabeleça um ritual diário: reserve 15 minutos no mesmo horário todos os dias. O período mais eficaz é no final do dia de trabalho, quando as experiências ainda estão frescas na memória.
- Use o método dos 3 Rs: registre (o que aconteceu), reflita (por que aconteceu) e reconsidere (o que poderia ser diferente). Essa estrutura ajuda a organizar seus pensamentos e extrair insights valiosos.
- Concentre-se em perguntas-chave: em vez de apenas descrever eventos, questione-se: “Qual foi o momento mais desafiador hoje?”, “Que pressupostos meus foram questionados?”, “Que padrões estou notando?”.
- Alterne entre análise e intuição: dedique um dia para análise objetiva de situações e outro para explorar seus sentimentos e intuições sobre as mesmas questões. Esta alternância desenvolve uma compreensão mais completa.
- Revise periodicamente: a cada fim de mês, releia suas anotações buscando padrões e insights que possam ter passado despercebidos no momento do registro.
- Mantenha a simplicidade: não se preocupe com formatação ou gramática perfeita. O importante é capturar pensamentos e reflexões de forma autêntica e significativa.
O mais importante é ter em mente que o poder do diário executivo não está apenas no registro de eventos. Ele funciona como um espaço mental exclusivo no qual é possível desacelerar, processar experiências e extrair aprendizados significativos.
Em um mundo no qual a velocidade das mudanças só aumenta, a capacidade de refletir e se adaptar é cada vez mais valiosa. Então, comece hoje mesmo! Pegue um caderno, abra um documento no computador ou use seu smartphone. O formato é menos importante que o compromisso com a prática. Afinal, como diz um antigo provérbio chinês: “O melhor momento para plantar uma árvore foi há 20 anos. O segundo melhor momento é agora.” Suas tomadas de decisões, sua equipe e sua organização vão agradecer.