A partir do ano que vem, a liquidação das operações com cartão de débito poderá ocorrer de forma instantânea, o que significa que os comerciantes que vendem por meio dessa modalidade receberiam os recursos na mesma hora. Essa é uma das mudanças que o setor de cartões prepara para aumentar a competitividade do cartão, pressionado pelo avanço do Pix.
As empresas, por intermédio da Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), trabalham em quatro iniciativas. Duas são para este ano: o click to pay, em que o cliente conseguirá pagar com débito na internet com apenas um clique, sem ter de entrar no aplicativo do banco; e o débito sem senha, voltado a serviços de streaming e aplicativos de transporte, por exemplo.
Essas duas medidas foram pensadas para que o débito decole como meio de pagamento em transações não presenciais, algo que nunca chegou a acontecer.
As outras duas, que devem chegar ao mercado a partir de 2024, têm outros objetivos. Uma delas é a liquidação das transações em D+0 - ou seja, o dinheiro entraria no caixa do comerciante de forma instantânea, algo que já acontece com o Pix, e não em dois dias. A outra é o parcelamento de compras com cartão de débito, com juros.
Membro da Abecs e vice-presidente de Inovação e Soluções da Visa no Brasil, Fernando Amaral afirma que algumas medidas são estudadas há bastante tempo, mas que o sucesso do Pix fez a indústria apertar o passo. “O Pix mostrou em alguns pontos oportunidades que tínhamos, e que poderíamos atacar de maneira mais veloz”, disse ele ao Estadão/Broadcast.
Para trás
O cartão de débito teve um salto durante a pandemia da covid-19 com o pagamento do auxílio emergencial pelo governo, mas desde 2021, começou a perder força. No ano passado, cresceu 7,4%, e movimentou R$ 992,4 bilhões, mas ficou para trás: o setor de cartões cresceu 24,6%, para R$ 3,31 trilhões, segundo a Abecs. O crédito e o pré-pago tomaram a dianteira.
Entre as três modalidades, o débito é visto como a primeira vítima do Pix. Para o cliente, o débito ainda é mais fácil de usar, mas para os comerciantes, o Pix é mais conveniente, porque tem custos de transação mais baixos e o dinheiro entra no caixa de imediato.
“Não dá para negar que o fator mais importante é a nova concorrência, o Pix, que leva as pessoas a optarem por ele”, diz Boanerges Ramos Freire, consultor e presidente da Boanerges & Cia. “E inegável que o débito tem um desafio, e o setor está certo em reposicioná-lo.”
O cartão é um meio de pagamento que envolve várias empresas: os emissores, as empresas de maquininhas e as bandeiras, que “orquestram” a interação entre os diferentes elos. No Pix, emissores e maquininhas estão lá, ainda que com tarifas menores. As bandeiras ficam de fora – seu papel é cumprido pelo Banco Central, o que é alvo de críticas das empresas.
Eduardo Rosman, analista do setor financeiro no BTG Pactual, afirma que o pré-pago também avançou sobre o débito. “Os próprios emissores preferiam emitir cartão pré-pago, porque havia um intercâmbio mais alto”, diz, referindo-se à taxa paga pelas maquininhas ao emissor do cartão em cada compra. A partir de abril, no pré-pago, haverá um teto de 0,7%, ainda assim maior que o do débito, de 0,5%.
Ele destaca que o Pix é uma estrutura concorrente à estrutura dos cartões, que por outro lado, têm vantagens como a possibilidade de reembolso de transações. “É uma reação da indústria, porque o cartão de débito está perdendo espaço para o pré-pago e para o Pix. Tudo leva a crer que se não mudar, vai perder ainda mais.”
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Manda no zap
No meio do caminho, a indústria ganhou um possível aliado na batalha, ao menos nas vendas online: o WhatsApp. Na quinta-feira, 2, o Banco Central liberou o pagamento de compras por meio do aplicativo, em um modelo que utiliza os cartões cadastrados pelos usuários, incluindo os de débito.
Segundo apurou a reportagem, a nova funcionalidade está em testes, e as empresas envolvidas pretendem colocá-la em funcionamento a partir de abril.
“O WhatsApp permite que o débito seja utilizado de maneira extremamente segura”, disse o presidente da Mastercard no Brasil, Marcelo Tangioni. “A segurança da tecnologia traz uma possibilidade de o débito ser utilizado em transações de cartão não presente que não existia antes.”
Ramos Freire acredita que há potencial, mas que a “missão” é difícil. “O WhatsApp é muito usado e pode ter um papel mais importante, mas ele vai pegar um Pix bem avançado, estabelecido, consolidado”, diz.