‘Ou agimos a sério ou o mundo vai ficar insustentável’, diz Roberto Klabin


Para ambientalista, caso não se enfrente a ameaça climática ‘haverá um problema social brutal’

Por Sonia Racy

Foi ainda jovem, nos anos 1970, que Roberto Klabin, cursando Direito na São Francisco, aceitou o convite do amigo Fabio Feldman para ajudar os ambientalistas que brigavam contra a construção de um grande aeroporto em Caucaia do Alto, perto de São Paulo. Ganharam a briga, o aeroporto foi para Cumbica. “Depois criamos a Oikos, contra a caça de jacarés no Pantanal.” Em 1986 o grupo criou a SOS Mata Atlântica, que Klabin presidiu por mais de 20 anos. Em seguida, veio o Instituto SOS Pantanal – hoje ele é vice-presidente das duas ONGs.

Passado meio século, ecoando nesta semana o encontro da COP-27 no Egito, o ambientalista olha para o problema mais grave do momento – o aquecimento global – e faz, nesta entrevista a Cenários, um balanço nada otimista: “O mundo não está levando a sério a questão ambiental. Temperaturas vão subir até cinco graus, até o final deste século. Refugiados climáticos vão fugir do Sahel, do norte da África, vão invadir a Europa...”. E no Brasil? “Foi feito um desmonte, vai demorar muito tempo para resolver isso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Roberto Klabin: ‘Que volte a responsabilidade que faltou ao governo atual’ Foto: Marcia Reed
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Um novo governo assume em Brasília em janeiro que vem. Como imagina essa nova fase?

Que volte a responsabilidade que faltou no governo atual. Para dar só um exemplo, nestes quatro anos foi eliminada da Amazônia uma área equivalente à da Bélgica, ou à de Alagoas. Este governo incentivou invasões a unidades de conservação, a terras indígenas, flexibilizou a legislação, desmontou órgãos de controle e nomeou pessoas completamente despreparadas. De acordo com a ideologia do presidente, que é de extrema direita e anticiência. Agora a Marina (Silva, ex-ministra do Meio Ambiente) e todo o seu pessoal terão um trabalho enorme pela frente.

Pode explicitar alguns desafios concretos?

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Para começar: o Brasil tem 30% das florestas tropicais do mundo e desmatou, em pouco tempo, 40% disso. No ano passado, foram 15 mil quilômetros quadrados. Um despropósito. O que é preciso? É estabelecer um valor para a floresta em pé. Que as pessoas entendam que ela é um bem que traz um retorno muito maior do que cortá-la e transformá-la num pasto degradado. Nos últimos 40 anos perdemos o equivalente a uns 830 mil quilômetros quadrados – 10% disso para a soja. Em outra área veio uma pecuária de baixa produtividade; e 30% ficaram como bolsões abandonados. Ou seja, destruiu-se parte da floresta, não se criou nenhuma riqueza na região, não se falou nada do potencial dela na bioeconomia. Os ribeirinhos não têm assistência, vivem à margem do Estado. Mas esse apoio ocorreu no Cerrado com um trabalho magnífico e de longo prazo da Embrapa, produzindo milhões de toneladas de soja. Com empreendedores do agronegócio que trabalharam duro para transformar tudo isso em riqueza. Mas veja o risco: estamos com 20% da floresta comprometida, se chegar a 25% ela começa a savanizar. Isso muda o regime de chuvas e afetará toda a agricultura do Centro-Oeste e sudoeste do País.

Ainda temos tempo de mudar tudo isso?

Sou um pouco cético. O mundo não está levando a sério essa questão das mudanças climáticas. Já estamos na COP-27 (reunida em Sharm El-Sheik, no Egito) e ainda ficam discutindo firulas, não chegam a conclusão nenhuma. O mundo gasta hoje mais de 1,5 trilhão de dólares por ano em armamentos e não consegue juntar 100 bilhões de dólares para as adaptações climáticas. Aí você vê para onde a espécie humana vai. A gente investe em autodestruição. Deveríamos estar lutando pela criação de um conselho mundial do meio ambiente – com o Brasil sentado na primeira cadeira desse conselho, porque somos o país com maior biodiversidade no planeta.

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Voltando ao Brasil, como acha que o novo governo deveria enfrentar isso tudo?

O estrago feito pelo atual governo não vai ser simples de corrigir. Recompor o orçamento do Ibama, do Instituto Chico Mendes, treinar novas equipes, recontratar pessoas. A iniciativa privada está acordando, temos o ESG, que faz todo mundo correr atrás da causa. E temos de explorar o turismo, como já fazem tantos países. Mas veja, o Chico Mendes tem 147 unidades de conservação e apenas oito delas preparadas para receber público. Em 2021, 16 milhões de pessoas visitaram esses locais. Nos Estados Unidos, apesar da pandemia, foram 297 milhões de pessoas.

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Acha que órgãos como o BNDES poderiam ter um papel nesse projeto?

Basta o Estado entender que a recuperação de florestas pode ajudá-lo em todos os sentidos, principalmente com empregos. Vai criar fornecedores de mudas, sementes, plantadores, microempreendedores recuperando essas áreas. Tem de abrir financiamento adequado, reconstituir essas regiões.

Dá para dizer que o problema vai ser superado?

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O que vai acontecer é o seguinte: o fenômeno do bolsonarismo está aí para ficar. Tudo que o novo governo tentar fazer de bom vai ser boicotado. Terá de haver um esforço hercúleo para fazer as coisas andarem. Mas se o País conseguir se reequilibrar, talvez possamos entender a beleza que temos para mostrar, para viver, trazer turistas. E assim recolocar o Brasil no mundo.

Foi ainda jovem, nos anos 1970, que Roberto Klabin, cursando Direito na São Francisco, aceitou o convite do amigo Fabio Feldman para ajudar os ambientalistas que brigavam contra a construção de um grande aeroporto em Caucaia do Alto, perto de São Paulo. Ganharam a briga, o aeroporto foi para Cumbica. “Depois criamos a Oikos, contra a caça de jacarés no Pantanal.” Em 1986 o grupo criou a SOS Mata Atlântica, que Klabin presidiu por mais de 20 anos. Em seguida, veio o Instituto SOS Pantanal – hoje ele é vice-presidente das duas ONGs.

Passado meio século, ecoando nesta semana o encontro da COP-27 no Egito, o ambientalista olha para o problema mais grave do momento – o aquecimento global – e faz, nesta entrevista a Cenários, um balanço nada otimista: “O mundo não está levando a sério a questão ambiental. Temperaturas vão subir até cinco graus, até o final deste século. Refugiados climáticos vão fugir do Sahel, do norte da África, vão invadir a Europa...”. E no Brasil? “Foi feito um desmonte, vai demorar muito tempo para resolver isso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Roberto Klabin: ‘Que volte a responsabilidade que faltou ao governo atual’ Foto: Marcia Reed

Um novo governo assume em Brasília em janeiro que vem. Como imagina essa nova fase?

Que volte a responsabilidade que faltou no governo atual. Para dar só um exemplo, nestes quatro anos foi eliminada da Amazônia uma área equivalente à da Bélgica, ou à de Alagoas. Este governo incentivou invasões a unidades de conservação, a terras indígenas, flexibilizou a legislação, desmontou órgãos de controle e nomeou pessoas completamente despreparadas. De acordo com a ideologia do presidente, que é de extrema direita e anticiência. Agora a Marina (Silva, ex-ministra do Meio Ambiente) e todo o seu pessoal terão um trabalho enorme pela frente.

Pode explicitar alguns desafios concretos?

Para começar: o Brasil tem 30% das florestas tropicais do mundo e desmatou, em pouco tempo, 40% disso. No ano passado, foram 15 mil quilômetros quadrados. Um despropósito. O que é preciso? É estabelecer um valor para a floresta em pé. Que as pessoas entendam que ela é um bem que traz um retorno muito maior do que cortá-la e transformá-la num pasto degradado. Nos últimos 40 anos perdemos o equivalente a uns 830 mil quilômetros quadrados – 10% disso para a soja. Em outra área veio uma pecuária de baixa produtividade; e 30% ficaram como bolsões abandonados. Ou seja, destruiu-se parte da floresta, não se criou nenhuma riqueza na região, não se falou nada do potencial dela na bioeconomia. Os ribeirinhos não têm assistência, vivem à margem do Estado. Mas esse apoio ocorreu no Cerrado com um trabalho magnífico e de longo prazo da Embrapa, produzindo milhões de toneladas de soja. Com empreendedores do agronegócio que trabalharam duro para transformar tudo isso em riqueza. Mas veja o risco: estamos com 20% da floresta comprometida, se chegar a 25% ela começa a savanizar. Isso muda o regime de chuvas e afetará toda a agricultura do Centro-Oeste e sudoeste do País.

Ainda temos tempo de mudar tudo isso?

Sou um pouco cético. O mundo não está levando a sério essa questão das mudanças climáticas. Já estamos na COP-27 (reunida em Sharm El-Sheik, no Egito) e ainda ficam discutindo firulas, não chegam a conclusão nenhuma. O mundo gasta hoje mais de 1,5 trilhão de dólares por ano em armamentos e não consegue juntar 100 bilhões de dólares para as adaptações climáticas. Aí você vê para onde a espécie humana vai. A gente investe em autodestruição. Deveríamos estar lutando pela criação de um conselho mundial do meio ambiente – com o Brasil sentado na primeira cadeira desse conselho, porque somos o país com maior biodiversidade no planeta.

Voltando ao Brasil, como acha que o novo governo deveria enfrentar isso tudo?

O estrago feito pelo atual governo não vai ser simples de corrigir. Recompor o orçamento do Ibama, do Instituto Chico Mendes, treinar novas equipes, recontratar pessoas. A iniciativa privada está acordando, temos o ESG, que faz todo mundo correr atrás da causa. E temos de explorar o turismo, como já fazem tantos países. Mas veja, o Chico Mendes tem 147 unidades de conservação e apenas oito delas preparadas para receber público. Em 2021, 16 milhões de pessoas visitaram esses locais. Nos Estados Unidos, apesar da pandemia, foram 297 milhões de pessoas.

Acha que órgãos como o BNDES poderiam ter um papel nesse projeto?

Basta o Estado entender que a recuperação de florestas pode ajudá-lo em todos os sentidos, principalmente com empregos. Vai criar fornecedores de mudas, sementes, plantadores, microempreendedores recuperando essas áreas. Tem de abrir financiamento adequado, reconstituir essas regiões.

Dá para dizer que o problema vai ser superado?

O que vai acontecer é o seguinte: o fenômeno do bolsonarismo está aí para ficar. Tudo que o novo governo tentar fazer de bom vai ser boicotado. Terá de haver um esforço hercúleo para fazer as coisas andarem. Mas se o País conseguir se reequilibrar, talvez possamos entender a beleza que temos para mostrar, para viver, trazer turistas. E assim recolocar o Brasil no mundo.

Foi ainda jovem, nos anos 1970, que Roberto Klabin, cursando Direito na São Francisco, aceitou o convite do amigo Fabio Feldman para ajudar os ambientalistas que brigavam contra a construção de um grande aeroporto em Caucaia do Alto, perto de São Paulo. Ganharam a briga, o aeroporto foi para Cumbica. “Depois criamos a Oikos, contra a caça de jacarés no Pantanal.” Em 1986 o grupo criou a SOS Mata Atlântica, que Klabin presidiu por mais de 20 anos. Em seguida, veio o Instituto SOS Pantanal – hoje ele é vice-presidente das duas ONGs.

Passado meio século, ecoando nesta semana o encontro da COP-27 no Egito, o ambientalista olha para o problema mais grave do momento – o aquecimento global – e faz, nesta entrevista a Cenários, um balanço nada otimista: “O mundo não está levando a sério a questão ambiental. Temperaturas vão subir até cinco graus, até o final deste século. Refugiados climáticos vão fugir do Sahel, do norte da África, vão invadir a Europa...”. E no Brasil? “Foi feito um desmonte, vai demorar muito tempo para resolver isso.” A seguir, os principais trechos da entrevista.

Roberto Klabin: ‘Que volte a responsabilidade que faltou ao governo atual’ Foto: Marcia Reed

Um novo governo assume em Brasília em janeiro que vem. Como imagina essa nova fase?

Que volte a responsabilidade que faltou no governo atual. Para dar só um exemplo, nestes quatro anos foi eliminada da Amazônia uma área equivalente à da Bélgica, ou à de Alagoas. Este governo incentivou invasões a unidades de conservação, a terras indígenas, flexibilizou a legislação, desmontou órgãos de controle e nomeou pessoas completamente despreparadas. De acordo com a ideologia do presidente, que é de extrema direita e anticiência. Agora a Marina (Silva, ex-ministra do Meio Ambiente) e todo o seu pessoal terão um trabalho enorme pela frente.

Pode explicitar alguns desafios concretos?

Para começar: o Brasil tem 30% das florestas tropicais do mundo e desmatou, em pouco tempo, 40% disso. No ano passado, foram 15 mil quilômetros quadrados. Um despropósito. O que é preciso? É estabelecer um valor para a floresta em pé. Que as pessoas entendam que ela é um bem que traz um retorno muito maior do que cortá-la e transformá-la num pasto degradado. Nos últimos 40 anos perdemos o equivalente a uns 830 mil quilômetros quadrados – 10% disso para a soja. Em outra área veio uma pecuária de baixa produtividade; e 30% ficaram como bolsões abandonados. Ou seja, destruiu-se parte da floresta, não se criou nenhuma riqueza na região, não se falou nada do potencial dela na bioeconomia. Os ribeirinhos não têm assistência, vivem à margem do Estado. Mas esse apoio ocorreu no Cerrado com um trabalho magnífico e de longo prazo da Embrapa, produzindo milhões de toneladas de soja. Com empreendedores do agronegócio que trabalharam duro para transformar tudo isso em riqueza. Mas veja o risco: estamos com 20% da floresta comprometida, se chegar a 25% ela começa a savanizar. Isso muda o regime de chuvas e afetará toda a agricultura do Centro-Oeste e sudoeste do País.

Ainda temos tempo de mudar tudo isso?

Sou um pouco cético. O mundo não está levando a sério essa questão das mudanças climáticas. Já estamos na COP-27 (reunida em Sharm El-Sheik, no Egito) e ainda ficam discutindo firulas, não chegam a conclusão nenhuma. O mundo gasta hoje mais de 1,5 trilhão de dólares por ano em armamentos e não consegue juntar 100 bilhões de dólares para as adaptações climáticas. Aí você vê para onde a espécie humana vai. A gente investe em autodestruição. Deveríamos estar lutando pela criação de um conselho mundial do meio ambiente – com o Brasil sentado na primeira cadeira desse conselho, porque somos o país com maior biodiversidade no planeta.

Voltando ao Brasil, como acha que o novo governo deveria enfrentar isso tudo?

O estrago feito pelo atual governo não vai ser simples de corrigir. Recompor o orçamento do Ibama, do Instituto Chico Mendes, treinar novas equipes, recontratar pessoas. A iniciativa privada está acordando, temos o ESG, que faz todo mundo correr atrás da causa. E temos de explorar o turismo, como já fazem tantos países. Mas veja, o Chico Mendes tem 147 unidades de conservação e apenas oito delas preparadas para receber público. Em 2021, 16 milhões de pessoas visitaram esses locais. Nos Estados Unidos, apesar da pandemia, foram 297 milhões de pessoas.

Acha que órgãos como o BNDES poderiam ter um papel nesse projeto?

Basta o Estado entender que a recuperação de florestas pode ajudá-lo em todos os sentidos, principalmente com empregos. Vai criar fornecedores de mudas, sementes, plantadores, microempreendedores recuperando essas áreas. Tem de abrir financiamento adequado, reconstituir essas regiões.

Dá para dizer que o problema vai ser superado?

O que vai acontecer é o seguinte: o fenômeno do bolsonarismo está aí para ficar. Tudo que o novo governo tentar fazer de bom vai ser boicotado. Terá de haver um esforço hercúleo para fazer as coisas andarem. Mas se o País conseguir se reequilibrar, talvez possamos entender a beleza que temos para mostrar, para viver, trazer turistas. E assim recolocar o Brasil no mundo.

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