A bioeconomia ganhou relevância nas reuniões e declarações do G20 ocorridas no Rio de Janeiro na semana passada. O Brasil, atual presidente do grupo, propôs o assunto, com grande movimentação de bastidores diplomáticos e da sociedade civil. Imensos esforços foram destinados a definições e escopos, não raramente objeto de conflitos e intermináveis debates. Emplacou uma declaração de princípios.
Genéricos, abrangentes e relevantes, incluem o compromisso com a inclusão e equidade nos esforços de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Englobam a contribuição para a conservação da biodiversidade, o uso sustentável dos recursos naturais e a partilha justa e equitativa dos benefícios decorrentes deste uso. Chamam atenção para padrões de consumo e utilização circular dos recursos. De uma maneira geral, enfocam três dimensões. A que lida com o uso dos recursos naturais propriamente ditos, a que trata do importante e pouco comentado papel de recursos naturais como infra estrutura (provimento de recursos hídricos e resiliência contra desastres, são exemplos) e encaram os desafios da imersão no mundo dos genes, a unidade central dos elementos naturais, ou a biotecnologia (amplamente utilizada, pela indústria farmacêutica). Alargam a fronteira do sequenciamento em massa dos códigos genéticos dos seres vivos e a inclusão deste conhecimento em bancos de dados integrados com inteligência artificial.
A pergunta que as empresas têm feito é, “e eu com isso?”, ou, mais educadamente, “como isso afeta os meus negócios?”.
Nesta semana, em Nova York, não por coincidência, em meio à caótica reunião anual da ONU, ocorreu a New York Climate Week, um dos mais movimentados e prestigiados “eventos climáticos” do planeta. Não se trata, obviamente, de mais um devastador fenômeno meteorológico, mas, sim, de movimentações humanas em hotéis e centros de convenções que acabam por competir por espaços na grande mídia.
As formas e intensidades de como os recursos naturais estão sendo utilizados como matérias-primas pela humanidade têm rebatimento nos debates e desdobramentos de políticas públicas e estratégias empresariais. Este é o primeiro ponto em comum entre biodiversidade, bioeconomia e mudanças climáticas. Apenas por esse motivo, há que se considerar relevante a incorporação formal da bioeconomia em diretrizes do G20. Trata-se de uma primeira resposta ao “e eu com isso?” empresarial. Não há como ignorar os efeitos das mudanças climáticas nas estratégias empresariais, tanto em ações de mitigação quanto de adaptação. E não há como ignorar a relação entre mudanças climáticas e o capital natural, ou uso de recursos naturais, ou bioeconomia, ou soluções baseadas na natureza, seja lá qual for a denominação que se queira utilizar (e polemizar).
A definição mais abrangente do conceito de bioeconomia acaba por colocar no mesmo guarda-chuva comunidades indígenas produtores de óleos medicinais, ribeirinhos fornecedores de derivados da mandioca, pequenos agricultores provedores de mel de abelhas nativas e extrativistas da castanha-do-brasil e de açaí – todos exemplos da socio bioeconomia –, com produtores de celulose derivada do plantio extensivo de eucalipto, produtores de biocombustíveis como etanol e biodiesel e grandes multinacionais que utilizam biotecnologia para a obtenção em grande escala de fármacos, entre outros.
Esse amplo espectro de atividades inclui boa parte do agronegócio, mas exclui aquelas frentes produtivas que causam externalidades negativas, como desmatamento, impactos sociais adversos e emissão de poluentes. Essa é uma segunda resposta ao “e eu com isso?” empresarial. Trata-se de um reforço geopolítico de que externalidades negativas como emissões de gases de efeito estufa e impactos na destruição da biodiversidade terão de ser eliminadas, reduzidas, mitigadas ou compensadas. Em algumas situações, essa sinalização pode ter fortes efeitos em modelos de negócio vigentes e, por outro lado, abrem oportunidades.
A onda da bioeconomia tem provocado movimentos no campo financeiro, com a entrada em campo dos bancos tradicionais, gestoras de capital propondo fundos de diversas naturezas bioclimáticas, bancos de desenvolvimento nacionais e globais. O “e eu com isso?” empresarial pode se beneficiar desses novos mecanismos, embora ainda com custos de transação que eclipsam custos de capital incentivados.
A relação das atividades produtivas empresariais com os recursos naturais vai aos poucos consolidando o conceito de capital natural, irmão gêmeo da bioeconomia. O mundo da contabilidade, por regulamentação dos órgãos a ele afeitos na quase totalidade dos países do mundo indica que, nos próximos dois a três anos, esse capital e seus derivativos negativos e positivos deverão passar a constar de balanços e reports para o mercado de capital.
O “e eu com isso?” empresarial já vem sendo impactado nos campos jurídico e reputacional pelas ações de litigância climática, cada vez mais associada também a impactos na biodiversidade. Casos emblemáticos como o da Shell , quando executivos foram processados por não prepararem a empresa para riscos climáticos, são alimentados pela proliferação de fundos de litigância, trazendo para esse campo musculatura muito maior do que o do ativismo das ONGs.
Esses são exemplos de como o tema da bioeconomia e sua incorporação, nas discussões do G20, afetam as empresas. O mesmo vale para como o assunto percorreu a movimentação barulhenta, circense e caótica em Nova York durante a grande Conferência da ONU que ocorre anualmente no mesmo período da Climate Week. O “e eu com isso?” empresarial deveria passar por uma reflexão pelos mais altos órgãos de governança de como essa onda afetará seus negócios.
Por mais estranho que possa parecer, a agenda climática e da natureza como um todo aproxima populações indígenas dos atores financeiros e dos grandes produtores de commodities. Por mais inusitado que possa parecer, mercados maduros, como de fibras, alimentos tradicionais, materiais como a madeira e energia, se aproximam de mercados emergentes, como o dos serviços ambientais (créditos de carbono, de biodiversidade, de recursos hídricos, por exemplo) e de produtos diretamente oriundos das florestas, como a crescente demanda por açaí.
A invisibilidade econômica do capital natural aos poucos se dissipa. O novo normal dos eventos climáticos é a convivência de ternos risca-de-giz com a informalidade dos ongueiros e os trajes tradicionais de povos indígenas. Não há como deixar de celebrar a presença marcante de mulheres empreendedoras e politicamente ativas, em grande parte atuando em conjunto com jovens criativos muito bem formados. A onda da bioeconomia vem se desenvolvendo em um ambiente de troca geracional e de amplas formas de diversidade.
No entanto, há que se prestar atenção no aterrissar deste movimento. Declarações e políticas públicas genéricas não têm efeito prático no alcance que a urgência climática exige. A diversidade dos setores englobados na definição ampla da bioeconomia é um complicador. Não se pode imaginar que políticas específicas destinadas ao setor de papel e celulose sejam igualmente aplicáveis para a indústria biofarmacêutica. A emergente e promissora indústria da restauração florestal, por exemplo, demanda políticas públicas específicas para florescer. A atenção ao papel dos povos indígenas na conservação das florestas exige ações e direcionamentos públicos apropriados, realistas e efetivos. Os festivos encontros de ternos, cocares, tênis e turbantes precisam virar ações concretas para que o “e eu com isso?” empresarial tenha uma reposta alinhada com os mercados e processos produtivos que utilizem o capital natural como seu principal fundamento.