Rodrigo Maia: ‘Setor financeiro não quer pagar nem mais nem menos imposto com a reforma tributária’


Ex-presidente da Câmara, hoje à frente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, elogia a abertura do governo Lula ao diálogo

Por Matheus Piovesana
Atualização:
Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO
Entrevista comRodrigo MaiaPresidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF)

O setor financeiro diz não querer privilégios na reforma tributária, mas considera considera importante que a intermediação financeira, ou seja, a concessão de crédito, não seja tributada. O presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Rodrigo Maia, afirma que a tributação destoaria dos modelos de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) mais recentes, e encareceria o crédito ao consumidor.

“É uma decisão política, se vamos tributar o spread bancário (diferença entre custo de captação e juros cobrados no crédito) ou se vamos tributar o restante dos produtos da indústria financeira e isso compensa a arrecadação”, diz ele ao Estadão/Broadcast, na primeira entrevista que concede após assumir a presidência da entidade, em fevereiro.

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Ex-presidente da Câmara (2016-2021) e hoje atuando na iniciativa privada, Maia afirma ainda que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem mostrado abertura ao diálogo em diferentes frentes. Isso inclui as discussões sobre o crédito rotativo, que tem os juros mais altos entre linhas destinadas a pessoas físicas, e que está sob a mira do governo.

Maia afirma que ainda não se bateu o martelo nas discussões, que envolvem o setor financeiro, o Ministério da Fazenda e o Banco Central, que validará uma possível solução. A ideia é não gerar um cataclisma no parcelado sem juros, que segundo os bancos, é subsidiado pelo rotativo. “Esse produto (o parcelado) representa 40% da renda e 20% do PIB”, diz. “Tem de se procurar uma solução que trabalhe esse lado (os juros altos) sem prejudicar a atividade econômica.”

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O presidente da CNF também diz que quer que a indústria financeira como um todo dialogue através da entidade. Neste sentido, busca levar para a CNF a Zetta, entidade que reúne empresas como o Nubank, e a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), liderada pela Stone e que representa parte do setor de pagamentos.

Confira os principais trechos da entrevista:

Como tem sido a conversa com o governo? Há uma abertura ao diálogo com o setor?

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O diálogo com o Ministério da Fazenda tem sido muito produtivo. Tanto o ministro (da Fazenda, Fernando Haddad) quanto o secretário executivo (Gabriel Galípolo), o (Bernard) Appy (secretário extraordinário da Reforma Tributária) e o Marcos Pinto (secretário de reformas econômicas) têm ouvido.

O governo lida com questões estruturais, como a reforma tributária, e com outras como o consignado e o crédito rotativo. O governo não está abrindo muitas frentes ao mesmo tempo?

O tema do consignado fica em outro ministério. A Fazenda está em uma agenda e, de forma paralela, o ministro da Previdência (Carlos Lupi) entendeu que deveria entrar no tema do consignado, deu aquela confusão, e depois, com diálogo, o presidente Lula chegou a um patamar em que era possível o produto continuar existindo. Todos os problemas têm a causa e a consequência, e o que é visível é a consequência. No governo Lula (primeiro mandato, entre 2003 e 2007), tivemos a regulamentação do próprio consignado, a alienação fiduciária, e tudo isso reduziu os juros. Por outro lado, muitas vezes, decisões de governo, do Congresso e do Judiciário inviabilizam produtos, como o leasing. No cartão de crédito, o visível é o rotativo, mas para se chegar àqueles juros tem uma causa, e se não se chegar à causa, não vamos encontrar soluções que garantam a manutenção de produtos importantes. Temos sentido uma boa vontade enorme do ministro da Fazenda e da equipe para a discussão de soluções.

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Existe alguma solução nas discussões do rotativo entre bancos, o Banco Central e o governo?

Chegamos a um ponto em que se mostrou por quê os juros do rotativo são altos. Os juros altos não interessam a ninguém, muito menos aos bancos, porque o desgaste é na imagem dos bancos, mas são consequência de um produto que só existe no Brasil, o parcelado sem juros. Não existe financiamento sem juros. No cartão de crédito, os juros dos 75% das pessoas que parcelam no cartão são financiados pelos 25% que entram no rotativo ou pegam uma linha mais longa para pagar o atraso. Abrimos todos os números, os bancos e a Abecs. Acho que o ministro Haddad entendeu, e agora está se conversando para resolver o problema sem inviabilizar o produto.

Ex-presidente da Câmara, hoje à frente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, elogia a abertura do governo Lula ao diálogo. Foto: Gabriela Bilo/Estadão
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O parcelado sem juros?

Esse produto representa 40% da renda e 20% do PIB. Se não houvesse o parcelado sem juros no Brasil, a taxa caminharia para a de um CDC (crédito pessoal), de 5% a 6% ao mês. Também é alto, mas muito mais baixo do que as taxas do rotativo. Tem de se procurar uma solução que trabalhe esse lado sem prejudicar a atividade econômica. A maioria dos países tem o parcelamento entre 20% a 30% do total (na carteira de cartões). Não temos vontade de fugir de nenhum debate. O nosso papel é pensar em como ampliar a concorrência. O consignado tem 27 bancos operando; se o juro vai a 1,70% ao mês, sobraria menos de 5% da carteira. Tem outros produtos de sucesso que o governo tem questionado, e estamos mostrando os benefícios. O consignado do FGTS tem a taxa mais baixa do mercado. O ministro Luiz Marinho (do Trabalho) tem questionado, e temos mostrado que é uma opção do trabalhador.

Há uma ideia de deixar de oferecer o rotativo?

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É uma das ideias colocadas, há outras. Não há uma decisão, porque passa pelo regulador, pela indústria financeira e pelo governo. Alguns pensaram no passado em tabelar os juros, e isso poderia gerar uma migração de clientes para um produto mais caro. Um tabelamento vai atingir as classes mais baixas, que têm um risco de crédito maior.

Os bancos são favoráveis ao Desenrola, mas alguns fatores têm impedido o lançamento. Quais são?

É uma solução interessante, o endividamento é importante. A maior parte da dívida não está no sistema bancário, depende muito das concessionárias. O governo está com todos os dados e começou a divulgar o projeto, mas não é simples. Tem de entender como cada um fará sua parte, sem intervenção. Mas tem havido diálogo, e acho que o mais rápido possível, vai se conseguir avançar.

Houve progresso nas discussões sobre a não tributação da intermediação financeira na reforma tributária?

Fizemos uma apresentação na Comissão (da reforma), junto com o Marcos Pinto, mostramos como eram os modelos no mundo. O spread bancário (diferença entre custo de captação e juros cobrados em empréstimos) é isento na maioria dos IVAs, ou pelo menos nos mais modernos, como os da Nova Zelândia e da África do Sul. É difícil capturar o custo de inadimplência do crédito, e esse é o motivo para o tratamento diferenciado. Como quem paga é o contribuinte, qualquer alíquota no spread é um custo para o agronegócio, o setor imobiliário e o cidadão. É uma decisão política, se vamos tributar o spread bancário ou se vamos tributar o restante dos produtos da indústria financeira e isso compensa a arrecadação. Mostramos os exemplos, estamos dialogando com o relator (deputado Aguinaldo Ribeiro, do Progressistas da Paraíba). Nesta semana, a Anbima (associação do mercado de capitais), a Ancord (das corretoras de valores) e a Bolsa mostraram as preocupações e as demandas. As três estão fazendo as simulações e devem apresentar ao relator nas próximas semanas.

Como o sr. disse, a CNF não reúne apenas os bancos. As demandas relativas à reforma são uniformes?

Certamente tem muita convergência com os bancos, mais do que divergência, mas não é 100% a mesma posição. O relator está disposto a ouvir e tomar a decisão que, do ponto de vista do governo, equilibre a arrecadação. O governo tem olhado muito a não cumulatividade, e eu acho que estão certíssimos. Alguns setores pedem algo que vai manter a cumulatividade, o que significa custo para toda a economia.

Como mostrar aos outros setores e à sociedade que o setor financeiro não pede privilégios?

Não estamos pedindo privilégios, estamos mostrando como é o modelo no mundo. A indústria financeira é uma das que mais pagam impostos no Brasil. Representamos 9% do PIB, mas pagamos quase 20% dos impostos. Não queremos nem pagar menos e nem pagar mais. Tributar o spread bancário é muito difícil, mas o maior problema é decidir se o tomador de crédito terá um crédito mais caro ou mais barato.

Em outras reformas, o que o governo deveria abordar?

A reforma tributária é a que vai aumentar mais rapidamente a produtividade da economia, reduzir os custos de contencioso e administrativo. Tanto o governo quanto a indústria financeira têm de estar sempre dialogando e construindo segurança jurídica para os produtos financeiros. Produtos como o consignado no primeiro governo Lula são um exemplo de que dá para ampliar a concorrência e ter um número grande de bancos concorrendo. No cartão de crédito, o que prova que pode haver concorrência são alguns bancos: o próprio Nubank, que tem o mesmo tamanho dos cinco maiores. Há questões estruturais, como o Roberto Campos (Neto, presidente do BC) fala muito bem, que encarecem o crédito: crédito direcionado, impostos. São soluções que não são de curto prazo, mas que o Brasil vai ter de olhar. A discussão do imposto de renda é muito mais difícil. Há os subsídios no Simples, e o lucro presumido não é considerado subsídio, mas é. Tem uma distorção nos modelos de tributação da renda que em algum momento vai ter de ser visitada pelo Congresso. Em 2021, o Paulo Guedes (então ministro da Economia) tentou e se provou que era muito difícil reorganizar. Esse é um debate em que o governo tem muita dificuldade, e vai ter de ser muito bem explicado para a sociedade. A reforma administrativa é sempre relevante, mais pela melhoria da eficiência do Estado brasileiro. No curto prazo, temos de discutir eficiência, mérito, qualidade dos programas públicos.

A Zetta (que representa as fintechs) já faz parte da CNF?

Não, estamos dialogando. Queremos ter toda a indústria financeira dialogando através da CNF. Trouxemos a associação dos FIDCs (ANFIDC), a Acrefi (que inclui financeiras e bancos), estamos conversando com a Abipag, liderada pela Stone, e com a Zetta. Temos um momento de aumento da concorrência, muita coisa na indústria financeira vai avançar. E, na educação financeira, deveríamos reunir a indústria como um todo, e tentar pensar com o Ministério da Educação e o ministro Camilo (Santana), que é muito competente, como podemos trazer esse tema para o debate.

Nas reuniões sobre o rotativo, vemos a Febraban, a CNF, a Abecs, os bancos e também o Nubank...

É um produto em que qualquer solução vai impactar a todos, principalmente ao cidadão, mas também às empresas. Nessas reuniões, todos os segmentos têm participado.

O setor financeiro diz não querer privilégios na reforma tributária, mas considera considera importante que a intermediação financeira, ou seja, a concessão de crédito, não seja tributada. O presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Rodrigo Maia, afirma que a tributação destoaria dos modelos de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) mais recentes, e encareceria o crédito ao consumidor.

“É uma decisão política, se vamos tributar o spread bancário (diferença entre custo de captação e juros cobrados no crédito) ou se vamos tributar o restante dos produtos da indústria financeira e isso compensa a arrecadação”, diz ele ao Estadão/Broadcast, na primeira entrevista que concede após assumir a presidência da entidade, em fevereiro.

Ex-presidente da Câmara (2016-2021) e hoje atuando na iniciativa privada, Maia afirma ainda que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem mostrado abertura ao diálogo em diferentes frentes. Isso inclui as discussões sobre o crédito rotativo, que tem os juros mais altos entre linhas destinadas a pessoas físicas, e que está sob a mira do governo.

Maia afirma que ainda não se bateu o martelo nas discussões, que envolvem o setor financeiro, o Ministério da Fazenda e o Banco Central, que validará uma possível solução. A ideia é não gerar um cataclisma no parcelado sem juros, que segundo os bancos, é subsidiado pelo rotativo. “Esse produto (o parcelado) representa 40% da renda e 20% do PIB”, diz. “Tem de se procurar uma solução que trabalhe esse lado (os juros altos) sem prejudicar a atividade econômica.”

O presidente da CNF também diz que quer que a indústria financeira como um todo dialogue através da entidade. Neste sentido, busca levar para a CNF a Zetta, entidade que reúne empresas como o Nubank, e a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), liderada pela Stone e que representa parte do setor de pagamentos.

Confira os principais trechos da entrevista:

Como tem sido a conversa com o governo? Há uma abertura ao diálogo com o setor?

O diálogo com o Ministério da Fazenda tem sido muito produtivo. Tanto o ministro (da Fazenda, Fernando Haddad) quanto o secretário executivo (Gabriel Galípolo), o (Bernard) Appy (secretário extraordinário da Reforma Tributária) e o Marcos Pinto (secretário de reformas econômicas) têm ouvido.

O governo lida com questões estruturais, como a reforma tributária, e com outras como o consignado e o crédito rotativo. O governo não está abrindo muitas frentes ao mesmo tempo?

O tema do consignado fica em outro ministério. A Fazenda está em uma agenda e, de forma paralela, o ministro da Previdência (Carlos Lupi) entendeu que deveria entrar no tema do consignado, deu aquela confusão, e depois, com diálogo, o presidente Lula chegou a um patamar em que era possível o produto continuar existindo. Todos os problemas têm a causa e a consequência, e o que é visível é a consequência. No governo Lula (primeiro mandato, entre 2003 e 2007), tivemos a regulamentação do próprio consignado, a alienação fiduciária, e tudo isso reduziu os juros. Por outro lado, muitas vezes, decisões de governo, do Congresso e do Judiciário inviabilizam produtos, como o leasing. No cartão de crédito, o visível é o rotativo, mas para se chegar àqueles juros tem uma causa, e se não se chegar à causa, não vamos encontrar soluções que garantam a manutenção de produtos importantes. Temos sentido uma boa vontade enorme do ministro da Fazenda e da equipe para a discussão de soluções.

Existe alguma solução nas discussões do rotativo entre bancos, o Banco Central e o governo?

Chegamos a um ponto em que se mostrou por quê os juros do rotativo são altos. Os juros altos não interessam a ninguém, muito menos aos bancos, porque o desgaste é na imagem dos bancos, mas são consequência de um produto que só existe no Brasil, o parcelado sem juros. Não existe financiamento sem juros. No cartão de crédito, os juros dos 75% das pessoas que parcelam no cartão são financiados pelos 25% que entram no rotativo ou pegam uma linha mais longa para pagar o atraso. Abrimos todos os números, os bancos e a Abecs. Acho que o ministro Haddad entendeu, e agora está se conversando para resolver o problema sem inviabilizar o produto.

Ex-presidente da Câmara, hoje à frente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, elogia a abertura do governo Lula ao diálogo. Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O parcelado sem juros?

Esse produto representa 40% da renda e 20% do PIB. Se não houvesse o parcelado sem juros no Brasil, a taxa caminharia para a de um CDC (crédito pessoal), de 5% a 6% ao mês. Também é alto, mas muito mais baixo do que as taxas do rotativo. Tem de se procurar uma solução que trabalhe esse lado sem prejudicar a atividade econômica. A maioria dos países tem o parcelamento entre 20% a 30% do total (na carteira de cartões). Não temos vontade de fugir de nenhum debate. O nosso papel é pensar em como ampliar a concorrência. O consignado tem 27 bancos operando; se o juro vai a 1,70% ao mês, sobraria menos de 5% da carteira. Tem outros produtos de sucesso que o governo tem questionado, e estamos mostrando os benefícios. O consignado do FGTS tem a taxa mais baixa do mercado. O ministro Luiz Marinho (do Trabalho) tem questionado, e temos mostrado que é uma opção do trabalhador.

Há uma ideia de deixar de oferecer o rotativo?

É uma das ideias colocadas, há outras. Não há uma decisão, porque passa pelo regulador, pela indústria financeira e pelo governo. Alguns pensaram no passado em tabelar os juros, e isso poderia gerar uma migração de clientes para um produto mais caro. Um tabelamento vai atingir as classes mais baixas, que têm um risco de crédito maior.

Os bancos são favoráveis ao Desenrola, mas alguns fatores têm impedido o lançamento. Quais são?

É uma solução interessante, o endividamento é importante. A maior parte da dívida não está no sistema bancário, depende muito das concessionárias. O governo está com todos os dados e começou a divulgar o projeto, mas não é simples. Tem de entender como cada um fará sua parte, sem intervenção. Mas tem havido diálogo, e acho que o mais rápido possível, vai se conseguir avançar.

Houve progresso nas discussões sobre a não tributação da intermediação financeira na reforma tributária?

Fizemos uma apresentação na Comissão (da reforma), junto com o Marcos Pinto, mostramos como eram os modelos no mundo. O spread bancário (diferença entre custo de captação e juros cobrados em empréstimos) é isento na maioria dos IVAs, ou pelo menos nos mais modernos, como os da Nova Zelândia e da África do Sul. É difícil capturar o custo de inadimplência do crédito, e esse é o motivo para o tratamento diferenciado. Como quem paga é o contribuinte, qualquer alíquota no spread é um custo para o agronegócio, o setor imobiliário e o cidadão. É uma decisão política, se vamos tributar o spread bancário ou se vamos tributar o restante dos produtos da indústria financeira e isso compensa a arrecadação. Mostramos os exemplos, estamos dialogando com o relator (deputado Aguinaldo Ribeiro, do Progressistas da Paraíba). Nesta semana, a Anbima (associação do mercado de capitais), a Ancord (das corretoras de valores) e a Bolsa mostraram as preocupações e as demandas. As três estão fazendo as simulações e devem apresentar ao relator nas próximas semanas.

Como o sr. disse, a CNF não reúne apenas os bancos. As demandas relativas à reforma são uniformes?

Certamente tem muita convergência com os bancos, mais do que divergência, mas não é 100% a mesma posição. O relator está disposto a ouvir e tomar a decisão que, do ponto de vista do governo, equilibre a arrecadação. O governo tem olhado muito a não cumulatividade, e eu acho que estão certíssimos. Alguns setores pedem algo que vai manter a cumulatividade, o que significa custo para toda a economia.

Como mostrar aos outros setores e à sociedade que o setor financeiro não pede privilégios?

Não estamos pedindo privilégios, estamos mostrando como é o modelo no mundo. A indústria financeira é uma das que mais pagam impostos no Brasil. Representamos 9% do PIB, mas pagamos quase 20% dos impostos. Não queremos nem pagar menos e nem pagar mais. Tributar o spread bancário é muito difícil, mas o maior problema é decidir se o tomador de crédito terá um crédito mais caro ou mais barato.

Em outras reformas, o que o governo deveria abordar?

A reforma tributária é a que vai aumentar mais rapidamente a produtividade da economia, reduzir os custos de contencioso e administrativo. Tanto o governo quanto a indústria financeira têm de estar sempre dialogando e construindo segurança jurídica para os produtos financeiros. Produtos como o consignado no primeiro governo Lula são um exemplo de que dá para ampliar a concorrência e ter um número grande de bancos concorrendo. No cartão de crédito, o que prova que pode haver concorrência são alguns bancos: o próprio Nubank, que tem o mesmo tamanho dos cinco maiores. Há questões estruturais, como o Roberto Campos (Neto, presidente do BC) fala muito bem, que encarecem o crédito: crédito direcionado, impostos. São soluções que não são de curto prazo, mas que o Brasil vai ter de olhar. A discussão do imposto de renda é muito mais difícil. Há os subsídios no Simples, e o lucro presumido não é considerado subsídio, mas é. Tem uma distorção nos modelos de tributação da renda que em algum momento vai ter de ser visitada pelo Congresso. Em 2021, o Paulo Guedes (então ministro da Economia) tentou e se provou que era muito difícil reorganizar. Esse é um debate em que o governo tem muita dificuldade, e vai ter de ser muito bem explicado para a sociedade. A reforma administrativa é sempre relevante, mais pela melhoria da eficiência do Estado brasileiro. No curto prazo, temos de discutir eficiência, mérito, qualidade dos programas públicos.

A Zetta (que representa as fintechs) já faz parte da CNF?

Não, estamos dialogando. Queremos ter toda a indústria financeira dialogando através da CNF. Trouxemos a associação dos FIDCs (ANFIDC), a Acrefi (que inclui financeiras e bancos), estamos conversando com a Abipag, liderada pela Stone, e com a Zetta. Temos um momento de aumento da concorrência, muita coisa na indústria financeira vai avançar. E, na educação financeira, deveríamos reunir a indústria como um todo, e tentar pensar com o Ministério da Educação e o ministro Camilo (Santana), que é muito competente, como podemos trazer esse tema para o debate.

Nas reuniões sobre o rotativo, vemos a Febraban, a CNF, a Abecs, os bancos e também o Nubank...

É um produto em que qualquer solução vai impactar a todos, principalmente ao cidadão, mas também às empresas. Nessas reuniões, todos os segmentos têm participado.

O setor financeiro diz não querer privilégios na reforma tributária, mas considera considera importante que a intermediação financeira, ou seja, a concessão de crédito, não seja tributada. O presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), Rodrigo Maia, afirma que a tributação destoaria dos modelos de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) mais recentes, e encareceria o crédito ao consumidor.

“É uma decisão política, se vamos tributar o spread bancário (diferença entre custo de captação e juros cobrados no crédito) ou se vamos tributar o restante dos produtos da indústria financeira e isso compensa a arrecadação”, diz ele ao Estadão/Broadcast, na primeira entrevista que concede após assumir a presidência da entidade, em fevereiro.

Ex-presidente da Câmara (2016-2021) e hoje atuando na iniciativa privada, Maia afirma ainda que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem mostrado abertura ao diálogo em diferentes frentes. Isso inclui as discussões sobre o crédito rotativo, que tem os juros mais altos entre linhas destinadas a pessoas físicas, e que está sob a mira do governo.

Maia afirma que ainda não se bateu o martelo nas discussões, que envolvem o setor financeiro, o Ministério da Fazenda e o Banco Central, que validará uma possível solução. A ideia é não gerar um cataclisma no parcelado sem juros, que segundo os bancos, é subsidiado pelo rotativo. “Esse produto (o parcelado) representa 40% da renda e 20% do PIB”, diz. “Tem de se procurar uma solução que trabalhe esse lado (os juros altos) sem prejudicar a atividade econômica.”

O presidente da CNF também diz que quer que a indústria financeira como um todo dialogue através da entidade. Neste sentido, busca levar para a CNF a Zetta, entidade que reúne empresas como o Nubank, e a Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (Abipag), liderada pela Stone e que representa parte do setor de pagamentos.

Confira os principais trechos da entrevista:

Como tem sido a conversa com o governo? Há uma abertura ao diálogo com o setor?

O diálogo com o Ministério da Fazenda tem sido muito produtivo. Tanto o ministro (da Fazenda, Fernando Haddad) quanto o secretário executivo (Gabriel Galípolo), o (Bernard) Appy (secretário extraordinário da Reforma Tributária) e o Marcos Pinto (secretário de reformas econômicas) têm ouvido.

O governo lida com questões estruturais, como a reforma tributária, e com outras como o consignado e o crédito rotativo. O governo não está abrindo muitas frentes ao mesmo tempo?

O tema do consignado fica em outro ministério. A Fazenda está em uma agenda e, de forma paralela, o ministro da Previdência (Carlos Lupi) entendeu que deveria entrar no tema do consignado, deu aquela confusão, e depois, com diálogo, o presidente Lula chegou a um patamar em que era possível o produto continuar existindo. Todos os problemas têm a causa e a consequência, e o que é visível é a consequência. No governo Lula (primeiro mandato, entre 2003 e 2007), tivemos a regulamentação do próprio consignado, a alienação fiduciária, e tudo isso reduziu os juros. Por outro lado, muitas vezes, decisões de governo, do Congresso e do Judiciário inviabilizam produtos, como o leasing. No cartão de crédito, o visível é o rotativo, mas para se chegar àqueles juros tem uma causa, e se não se chegar à causa, não vamos encontrar soluções que garantam a manutenção de produtos importantes. Temos sentido uma boa vontade enorme do ministro da Fazenda e da equipe para a discussão de soluções.

Existe alguma solução nas discussões do rotativo entre bancos, o Banco Central e o governo?

Chegamos a um ponto em que se mostrou por quê os juros do rotativo são altos. Os juros altos não interessam a ninguém, muito menos aos bancos, porque o desgaste é na imagem dos bancos, mas são consequência de um produto que só existe no Brasil, o parcelado sem juros. Não existe financiamento sem juros. No cartão de crédito, os juros dos 75% das pessoas que parcelam no cartão são financiados pelos 25% que entram no rotativo ou pegam uma linha mais longa para pagar o atraso. Abrimos todos os números, os bancos e a Abecs. Acho que o ministro Haddad entendeu, e agora está se conversando para resolver o problema sem inviabilizar o produto.

Ex-presidente da Câmara, hoje à frente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, elogia a abertura do governo Lula ao diálogo. Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O parcelado sem juros?

Esse produto representa 40% da renda e 20% do PIB. Se não houvesse o parcelado sem juros no Brasil, a taxa caminharia para a de um CDC (crédito pessoal), de 5% a 6% ao mês. Também é alto, mas muito mais baixo do que as taxas do rotativo. Tem de se procurar uma solução que trabalhe esse lado sem prejudicar a atividade econômica. A maioria dos países tem o parcelamento entre 20% a 30% do total (na carteira de cartões). Não temos vontade de fugir de nenhum debate. O nosso papel é pensar em como ampliar a concorrência. O consignado tem 27 bancos operando; se o juro vai a 1,70% ao mês, sobraria menos de 5% da carteira. Tem outros produtos de sucesso que o governo tem questionado, e estamos mostrando os benefícios. O consignado do FGTS tem a taxa mais baixa do mercado. O ministro Luiz Marinho (do Trabalho) tem questionado, e temos mostrado que é uma opção do trabalhador.

Há uma ideia de deixar de oferecer o rotativo?

É uma das ideias colocadas, há outras. Não há uma decisão, porque passa pelo regulador, pela indústria financeira e pelo governo. Alguns pensaram no passado em tabelar os juros, e isso poderia gerar uma migração de clientes para um produto mais caro. Um tabelamento vai atingir as classes mais baixas, que têm um risco de crédito maior.

Os bancos são favoráveis ao Desenrola, mas alguns fatores têm impedido o lançamento. Quais são?

É uma solução interessante, o endividamento é importante. A maior parte da dívida não está no sistema bancário, depende muito das concessionárias. O governo está com todos os dados e começou a divulgar o projeto, mas não é simples. Tem de entender como cada um fará sua parte, sem intervenção. Mas tem havido diálogo, e acho que o mais rápido possível, vai se conseguir avançar.

Houve progresso nas discussões sobre a não tributação da intermediação financeira na reforma tributária?

Fizemos uma apresentação na Comissão (da reforma), junto com o Marcos Pinto, mostramos como eram os modelos no mundo. O spread bancário (diferença entre custo de captação e juros cobrados em empréstimos) é isento na maioria dos IVAs, ou pelo menos nos mais modernos, como os da Nova Zelândia e da África do Sul. É difícil capturar o custo de inadimplência do crédito, e esse é o motivo para o tratamento diferenciado. Como quem paga é o contribuinte, qualquer alíquota no spread é um custo para o agronegócio, o setor imobiliário e o cidadão. É uma decisão política, se vamos tributar o spread bancário ou se vamos tributar o restante dos produtos da indústria financeira e isso compensa a arrecadação. Mostramos os exemplos, estamos dialogando com o relator (deputado Aguinaldo Ribeiro, do Progressistas da Paraíba). Nesta semana, a Anbima (associação do mercado de capitais), a Ancord (das corretoras de valores) e a Bolsa mostraram as preocupações e as demandas. As três estão fazendo as simulações e devem apresentar ao relator nas próximas semanas.

Como o sr. disse, a CNF não reúne apenas os bancos. As demandas relativas à reforma são uniformes?

Certamente tem muita convergência com os bancos, mais do que divergência, mas não é 100% a mesma posição. O relator está disposto a ouvir e tomar a decisão que, do ponto de vista do governo, equilibre a arrecadação. O governo tem olhado muito a não cumulatividade, e eu acho que estão certíssimos. Alguns setores pedem algo que vai manter a cumulatividade, o que significa custo para toda a economia.

Como mostrar aos outros setores e à sociedade que o setor financeiro não pede privilégios?

Não estamos pedindo privilégios, estamos mostrando como é o modelo no mundo. A indústria financeira é uma das que mais pagam impostos no Brasil. Representamos 9% do PIB, mas pagamos quase 20% dos impostos. Não queremos nem pagar menos e nem pagar mais. Tributar o spread bancário é muito difícil, mas o maior problema é decidir se o tomador de crédito terá um crédito mais caro ou mais barato.

Em outras reformas, o que o governo deveria abordar?

A reforma tributária é a que vai aumentar mais rapidamente a produtividade da economia, reduzir os custos de contencioso e administrativo. Tanto o governo quanto a indústria financeira têm de estar sempre dialogando e construindo segurança jurídica para os produtos financeiros. Produtos como o consignado no primeiro governo Lula são um exemplo de que dá para ampliar a concorrência e ter um número grande de bancos concorrendo. No cartão de crédito, o que prova que pode haver concorrência são alguns bancos: o próprio Nubank, que tem o mesmo tamanho dos cinco maiores. Há questões estruturais, como o Roberto Campos (Neto, presidente do BC) fala muito bem, que encarecem o crédito: crédito direcionado, impostos. São soluções que não são de curto prazo, mas que o Brasil vai ter de olhar. A discussão do imposto de renda é muito mais difícil. Há os subsídios no Simples, e o lucro presumido não é considerado subsídio, mas é. Tem uma distorção nos modelos de tributação da renda que em algum momento vai ter de ser visitada pelo Congresso. Em 2021, o Paulo Guedes (então ministro da Economia) tentou e se provou que era muito difícil reorganizar. Esse é um debate em que o governo tem muita dificuldade, e vai ter de ser muito bem explicado para a sociedade. A reforma administrativa é sempre relevante, mais pela melhoria da eficiência do Estado brasileiro. No curto prazo, temos de discutir eficiência, mérito, qualidade dos programas públicos.

A Zetta (que representa as fintechs) já faz parte da CNF?

Não, estamos dialogando. Queremos ter toda a indústria financeira dialogando através da CNF. Trouxemos a associação dos FIDCs (ANFIDC), a Acrefi (que inclui financeiras e bancos), estamos conversando com a Abipag, liderada pela Stone, e com a Zetta. Temos um momento de aumento da concorrência, muita coisa na indústria financeira vai avançar. E, na educação financeira, deveríamos reunir a indústria como um todo, e tentar pensar com o Ministério da Educação e o ministro Camilo (Santana), que é muito competente, como podemos trazer esse tema para o debate.

Nas reuniões sobre o rotativo, vemos a Febraban, a CNF, a Abecs, os bancos e também o Nubank...

É um produto em que qualquer solução vai impactar a todos, principalmente ao cidadão, mas também às empresas. Nessas reuniões, todos os segmentos têm participado.

Entrevista por Matheus Piovesana

Matheus Piovesana é repórter do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Responsável por cobrir bancos, pagamentos e seguros, é formado em jornalismo pela UFPR, tem especialização em jornalismo econômico pela FGV-SP e cursa MBA em Mercado Financeiro e de Capitais no Mackenzie. Ganhador de dois Prêmios Abecip de Jornalismo.

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