Já há material de sobra para começar a escrever o que promete ser uma longa crônica do preocupante esgarçamento do quadro fiscal que vem tendo lugar no País.
A história remonta ao fim de março, quando o governo delineou sua proposta de um novo arcabouço fiscal. Prometia conter o déficit primário em 0,5% do PIB, em 2023, zerá-lo, em 2024, e gerar superávits primários de 0,5% e 1% do PIB, respectivamente, em 2025 e 2026. No frigir dos ovos, uma promessa pífia de um superávit primário acumulado de não mais que 1% do PIB ao longo de todo um mandato presidencial.
Passados não mais que seis meses, o que hoje se constata é que mesmo essa promessa tão pífia parece a cada dia menos crível. Basta ter em conta as expectativas da última pesquisa Focus, do Banco Central, sobre resultados primários que seriam gerados entre 2023 e 2026. O que se espera é que todas as metas prometidas sejam largamente descumpridas. E que, ao longo do atual mandato presidencial, o governo incorra, de fato, em um déficit primário acumulado de nada menos que 2,7% do PIB.
O que explica tamanha deterioração das expectativas sobre a condução da política fiscal?
Em primeiro lugar, a constatação de que, no afã de se livrar a qualquer custo do teto de gastos – sem qualquer preocupação com modulação – e de fazer amplo uso da licença para gastar que lhe facultara a PEC da Transição, o governo se permitiu desencadear um juggernaut de expansão de dispêndio primário recorrente, cujos efeitos avassaladores só agora começa a perceber.
Em segundo lugar, a descrença na capacidade do governo de extrair do Congresso a colossal elevação de carga tributária de que agora alega precisar. Pode até ser que, em alguma medida, o Congresso aceite corrigir iniquidades mais óbvias na legislação tributária vigente. Mas é difícil que se disponha a entregar todo o aumento de carga tributária recorrente que o Planalto almeja.
Por último, não parece nada claro que, à medida que as contas públicas continuem a se deteriorar, haverá um momento em que serão deflagrados mecanismos eficazes de correção de rumo, capazes de repor a política fiscal em rota mais consequente. O governo não parece ter o grau de convicção requerido para fazer a correção que se fará necessária.
Na esteira do avanço do ciclo eleitoral, a ala política do governo (leia-se presidente Lula da Silva) estará pronta a continuar apostando que, enquanto houver só esgarçamento, e não ruptura, sempre será possível esticar um pouco mais a corda da irresponsabilidade fiscal.