Já é hora de o País deixar de lado o autoengano e se dar conta do desempenho desastroso que vem tendo a gestão das contas públicas promovida pelo atual governo, sob o chamado arcabouço fiscal. O que se contempla no momento, com assustadora nitidez, é que, ao longo do atual mandato presidencial, a dívida bruta do governo central deverá saltar de menos de 72% do PIB, no fim de 2022, para mais de 84% do PIB, no fim de 2026.
Diante dessa perspectiva, não chega a ser uma surpresa que, um ano e meio após a adoção do arcabouço, a economia esteja agora entalada num quadro de alta incerteza fiscal, às voltas com taxas reais de juros extremamente elevadas e câmbio em depreciação, à espera de evidências minimamente críveis de que o governo está disposto a passar a gerir as contas públicas de forma mais consequente.
É crucial que o governo tenha uma percepção clara das reais proporções do problema. Para debelar a crise de confiança que se instalou, será preciso bem mais do que um esforço fiscal adicional de 0,25% do PIB, que permita que a meta de déficit primário “quase zero” seja cumprida em 2025. Ou alguém acredita mesmo que o clima de alta incerteza fiscal que aí está decorre de dúvidas sobre o cumprimento dessa meta pífia, e não do alarme com o descontrole do endividamento público?
Além da melhora a curto prazo do resultado primário, será necessária uma mudança convincente do regime fiscal. O desconjuntado apanhado de regras oportunistas e inconsequentes que se convencionou rotular de arcabouço fiscal não compõe um aparato que sirva para balizar gestão sustentável das contas públicas. Tem de ser descartado e substituído por uma programação fiscal transparente, baseada em metas consequentes de superávit primário que se estendam por mais de um mandato presidencial.
Para que as metas possam ser críveis, a mudança de regime fiscal terá de abranger a suspensão de regras de vinculação e indexação que vêm agravando as dificuldades de contenção do dispêndio público. O presidente Lula precisa ser convencido de que a estapafúrdia superindexação da folha de gastos previdenciários e assistenciais precisa ser sustada. E, também, de que a suspensão de regras constitucionais de vinculação de gastos a receitas, que já tinha sido assegurada pela emenda do teto de gastos, precisa ser reativada.
Para que tudo isso seja factível, o presidente terá de estar apto a dar ao Congresso o senso de urgência que se faz necessário. E a conseguir que as medidas requeridas sejam devidamente aprovadas. Estará?