A agenda macroeconômica do binômio econômico (no período de 2019 a 2022) estava centrada na estabilidade monetária e na consolidação fiscal via redução do gasto público. Essa última é uma inovação importante de nossa política econômica já que, historicamente, no Brasil, os governos promovem o ajuste fiscal via aumento de tributos. De fato, o governo do presidente Bolsonaro foi o primeiro desde a redemocratização do País a terminar gastando, em proporção do PIB, menos do que quando começou.
Nas contas públicas, os três principais gastos do governo eram as despesas com a Previdência, o funcionalismo público e o pagamento de juros da dívida pública. A reforma da Previdência era a resposta para a redução dos gastos previdenciários. A reforma administrativa a resposta para a redução dos gastos com o funcionalismo público. E a manutenção do teto de gastos, aliada às reformas previdenciária e administrativa, daria as condições adequadas de consolidação fiscal que gerariam a redução do risco-país, com a consequente redução no prêmio de risco, valorizando a taxa de câmbio e reduzindo a inflação, o que por sua vez possibilitaria a redução da taxa de juros praticada pelo Banco Central, e que, por fim, reduziria as despesas com o pagamento de juros da dívida.
Para fortalecer o processo de consolidação fiscal, uma ampla série de receitas não recorrentes foi usada para abater a dívida pública. Esse é um detalhe importante, já que na história brasileira é comum o uso de receitas não recorrentes para o financiamento de gastos públicos. Das receitas não recorrentes que usamos para abater dívida pública, as mais importantes foram as provenientes dos leilões de partilha do excedente da cessão onerosa do pré-sal (2019 e 2021), das concessões e privatizações realizadas no período, dos dividendos pagos pelas empresas estatais e da desalavancagem dos bancos públicos.
Devemos ressaltar ainda a criação do Novo Marco Fiscal, composto pelas a) Lei Complementar 173/2020: Lei de Assistência aos governos estaduais e municipais (impedindo o aumento de salário para funcionários públicos por dois anos – 2020-2021); b) Lei Complementar 176/2020: resolução do passivo da Lei Kandir (passivo que se prolongava há anos no Brasil); c) Lei Complementar 178/2021: estabelecendo gatilhos para travamento de gastos públicos de estados e municípios e implementação de melhorias na Lei de Responsabilidade Fiscal; d) Emenda Constitucional 109 (que tinha por objetivo impor medidas de controle do crescimento das despesas obrigatórias permanentes, no âmbito dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social da União, estados, e municípios); e) Manutenção do teto de gastos; e f) Reforma da Previdência.
Confira entrevista exclusiva de Adolfo Sachsida
Do lado do gasto público, é importante notar que o período 2019- 2022 foi marcado pela maior pandemia da história brasileira (Covid-19), da maior crise hídrica em cem anos, da maior guerra europeia desde a Segunda Guerra Mundial e por um incremento vertiginoso nas despesas da União com o pagamento de dívidas judiciais decorrentes de governos passados (os chamados precatórios). Um estudo da Controladoria Geral da União (CGU) demonstrou que o gasto com precatórios saltou de 0,3% do PIB em 2013 para 0,69% do PIB em 2020. Em valores nominais, os gastos com precatórios aumentaram de R$ 14,2 bilhões em 2010 para R$ 55,2 bilhões em 2021.
É importante ressaltar que, até 2021, os gastos com precatórios estavam sujeitos à regra do teto de gastos. Esse forte incremento gerou dificuldades razoáveis para a manutenção do teto de gastos, e mostra o forte compromisso do governo com a redução do gasto público. Afinal, para manter a política do Teto de gastos foi necessário que o incremento com os gastos com precatórios fosse compensado com a redução de uma série de outras despesas. A partir de 2022, com os precatórios atingindo a cifra de quase R$ 90 bilhões, foi necessário criar outra regra para seu pagamento. É evidente que tais despesas compuseram surpresas negativas e extraordinárias, obrigando-nos a tomar medidas igualmente extraordinárias que, em tempos normais, não fariam parte de nosso rol de políticas econômicas.
Nossa estratégia de consolidação fiscal baseava-se na ideia de que reduções no gasto público são mais eficientes do que incrementos na carga tributária para a concretização do ajuste fiscal3 . Dessa forma, um pilar central de nossa agenda econômica concentrava-se na redução do gasto público (e não no aumento de tributos) para a realização do ajuste fiscal. Cabe ressaltar que essa diretriz de política econômica foi inédita no Brasil. Afinal, em nosso país, os ajustes fiscais são tradicionalmente feitos via aumento de tributos. Ao final de nosso ciclo de quatro anos de governo, encerramos 2022 com um gasto público (despesa total primária) de 18% do PIB, valor inferior aos 19,3% de gasto público ao final de 2018 (último ano do governo Temer). Fomos o primeiro governo, desde a redemocratização do país, a encerrar seu ciclo gastando menos em relação ao PIB do que quando começamos.
Além de focar no ajuste fiscal via redução do gasto público, é importante ressaltar a expressiva lista de reduções tributárias que promovemos. Ao todo foram 13 tributos reduzidos ou extintos entre 2019 e 2022. Entre eles podemos citar a redução de 35% do IPI, a extinção do adicional de multa de 10% do FGTS (parcela que ficava com o governo federal), o começo do fim do IOF câmbio (início da trajetória anual de redução a zero do IOF câmbio), entre outros. A redução de tributos reduz seu peso morto e, por consequência, aumenta a eficiência econômica, aumentando assim o dinamismo da economia e sua produtividade com consequências positivas para o crescimento econômico de longo prazo.
É importante ressaltar que as reduções tributárias realizadas entre 2019 e 2022 foram permanentes (não transitórias) e gerais (para todos os setores), evitando assim os problemas econômicos associados a reduções transitórias e setor-específicas de tributos. Por exemplo, quando se reduz o IPI dos automóveis por apenas três meses, o efeito econômico é uma antecipação na compra de automóveis (e redução na venda de outros bens) para se aproveitar a redução temporária do tributo. Ao final dos três meses a venda de automóveis se reduz, pois as pessoas apenas anteciparam seu consumo, e o consumo de outros bens volta a aumentar. Ao final, o efeito econômico de medidas de redução tributária temporárias e setor-específicas é, geralmente, negativo. Afinal, elas reduzem a arrecadação do governo sem promover uma melhor alocação de recursos e, não raras vezes, contribuem com uma piora na alocação econômica, reduzindo dessa maneira a produtividade agregada da economia.
Ao contrário do que foi feito em vários governos anteriores, e notadamente no governo Dilma, nossa redução tributária, como já dito, foi permanente e geral. Essa foi a principal diferença entre nossa política de redução tributária e a de governos passados. Nossas reduções tinham como claro objetivo reduzir a carga tributária da economia brasileira de maneira permanente, e não apenas aliviar temporariamente a situação de algum setor específico. Com uma carga tributária menor, a perda de peso morto dos tributos se reduz e a eficiência da economia aumenta.
No que se refere à política fiscal, nosso mix de política econômica era claro: o processo de consolidação fiscal se daria pela redução do gasto público. E a redução do gasto público, associada a uma melhoria no lado fiscal, tornaria possível a redução de tributos. Com um gasto público menor e controlado, e uma situação fiscal melhor, seria possível reduzir a carga tributária da economia e aumentar sua eficiência econômica. Assim, nosso processo de consolidação fiscal baseava-se na redução do gasto público e em devolver para a sociedade, via redução de tributos, parte da melhoria fiscal. A outra parte da melhoria fiscal foi utilizada para abater a dívida pública. Com efeito, mesmo com os diversos choques econômicos negativos do período, fomos capazes de reduzir a relação Dívida/PIB de 75,3% em 2018 (último ano do governo Temer) para 71,7% ao final de 2022 (último ano de nosso governo).
No lado monetário, a ênfase era na estabilidade da moeda. Para tanto, dois eram os remédios: a consolidação fiscal (já exposta) e a autonomia do Banco Central. Era nosso entendimento que o processo inflacionário está na raiz dos principais problemas socioeconômicos brasileiros. A inflação alta afeta negativamente toda a população, e mais severamente a parte mais pobre de nossa sociedade. Combater a inflação é uma importante política social de qualquer governo. Com as contas públicas em ordem e um Banco Central autônomo, era nosso entendimento que a inflação brasileira convergiria para padrões de Primeiro Mundo.
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A Lei Complementar 179/2021 (Autonomia do Banco Central) deu liberdade operacional ao Banco Central do Brasil, dando autonomia a seu presidente e diretores para tomarem as melhores decisões de política monetária sem interferência política. A autonomia do Banco Central foi um marco na história da política monetária brasileira, protegendo a autoridade monetária de pressões políticas.
Em determinados momentos de nossa história, o Banco Central fixou artificialmente a taxa de câmbio, ou reduziu artificialmente a taxa de juros, para garantir a reeleição de presidentes. As consequências sempre foram danosas para a população, seja pelo aumento da inflação no período seguinte, seja pelas grandes desvalorizações cambiais como a vista em janeiro de 1999. Ao conceder independência operacional ao Banco Central obtivemos um importante ganho institucional para nossa República.
Uma curiosidade interessante é que nas eleições presidenciais de 2022 foi a primeira – e única – vez em nossa história que um presidente concorreu à reeleição com um teto de gastos impedindo o aumento do gasto público e um Banco Central independente que não fixou a taxa de câmbio nem reduziu a taxa de juros durante o processo eleitoral (pelo contrário, as taxas de juros entre 2021 e 2022 sofreram seguidos aumentos, até terminarem 2022 na taxa máxima do período). Uma pena que poucos reconheçam o ganho institucional que isso representou. Afinal, quando não se reconhece coisas boas, é inevitável que coisas não tão boas ocupem seu lugar, como de fato ocorreu. Já no começo de 2023 o teto de gastos foi abandonado, e uma nova regra fiscal que aumenta o gasto público foi implementada. Ainda, a autonomia do Banco Central vem sofrendo seguidas críticas por parte de alguns membros do atual governo.
Dentro de nossa estratégia de estabilidade monetária, era ainda importante ancorar as expectativas em relação à inflação futura. Para fortalecer o processo de ancoragem das expectativas – e em conjunto com a consolidação fiscal e a autonomia do Banco Central – aprovamos no Conselho Monetário Nacional novas metas de inflação, que estabeleciam reduções anuais de 0,25 ponto percentual na meta de inflação de um ano em relação ao ano anterior. Essa prática foi mantida até chegarmos a uma meta anual de inflação de 3% a partir de 2024, sendo dali em diante mantida nesse patamar. As margens de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo foram mantidas inalteradas, sendo nosso entendimento que tais margens são suficientes para acomodar a maior parte dos choques econômicos.
* Paulo Guedes foi ministro da Economia e Adolfo Sachsida foi secretário de Política Econômica e Ministro de Minas e Energia no governo Bolsonaro