Reflexões sobre desenvolvimento econômico e meio ambiente na Amazônia

Opinião|O segredo da bioeconomia amazônica está nos detalhes


Experiência com castanha-do-Brasil revela que sucesso da bioeconomia depende mais de ajustes finos do que de grandes transformações

Por Salo Coslovsky
Atualização:

Por que os negócios da bioeconomia na Amazônia ainda não decolaram, e o que podemos fazer para acelerar seu crescimento? Para responder essa pergunta, ajudei a conceber e tenho acompanhado a atuação da Mesa Executiva de Exportação da Castanha, uma iniciativa liderada pela ApexBrasil.

A castanha-do-Brasil é um dos produtos icônicos do extrativismo florestal não-madeireiro na Amazônia. Praticamente todas as castanhas consumidas no Brasil e no mundo vêm da floresta nativa, coletadas de árvores centenárias ou até milenares – muitas delas possivelmente plantadas por povos indígenas que habitavam a região antes mesmo da chegada de Pedro Álvares Cabral. Seu mercado é antigo e bem estabelecido: o comércio exterior de castanhas movimenta mais de US$350 milhões (R$ 2,1 bilhão) anuais.

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Além de saborosa e nutritiva, cada castanha é evidência incontestável da existência de um território preservado, habitado e protegido por pessoas comprometidas com a floresta em pé. Elas são, na prática, um crédito de carbono em forma de amêndoa, com a vantagem de dispensar auditoria e certificação.

Apesar de contarmos com extensas áreas florestais e excelentes empresas e cooperativas que trabalham com a castanha, o cenário atual é preocupante. Nas últimas décadas, as beneficiadoras brasileiras perderam espaço para concorrentes bolivianos e peruanos tanto no mercado nacional de castanhas in natura quanto no de beneficiadas. Nossa participação no mercado internacional é surpreendentemente pequena, muito aquém de nossos vizinhos Bolívia e Peru. Como se não bastasse, os beneficiadores dos três países não conseguem diferenciar efetivamente a castanha-do-Brasil das demais castanhas e nozes cultivadas e por isso acabam reféns de um mercado caracterizado por margens estreitas e preços voláteis.

Castanhas em mercado no centro de Belém; segundo produtores, procedimentos legais de verificação sanitária são excessivamente exigentes quanto aos laboratórios habilitados a preparar laudos analíticos, mas relativamente lenientes em relação à coleta de amostras que precede cada análise Foto: Felipe Rau/Estadão
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É neste contexto que a ApexBrasil criou as Mesas Executivas, uma ferramenta inovadora de fomento econômico. A sua mecânica é simples de descrever: cada Mesa reúne entre 10 e 20 líderes empresariais pré-selecionados com base em sua experiência no setor e na sua disposição em contribuir. Todo mês, essas pessoas se reúnem sob a supervisão de um secretário-executivo do quadro da ApexBrasil e com o acompanhamento de uma pequena equipe técnica. Durante essas reuniões, os participantes identificam os principais gargalos do setor, validam as análises técnicas, elaboram recomendações e apoiam suas implementações. Entre as reuniões, os membros da equipe técnica coletam dados, elaboram análises e prospectam soluções para imprimir um ritmo acelerado aos trabalhos.

Ao longo de 2024, a Mesa Executiva de Exportação da Castanha identificou uma série de problemas surpreendentes, às vezes um pouco arcanos, mas nem por isso menos importantes. Quem faz esse julgamento não sou eu ou outros observadores externos, mas os líderes das empresas participantes que acumulam décadas de experiência no seu setor.

Por exemplo, a Mesa descobriu que os procedimentos legais de verificação sanitária são excessivamente exigentes quanto aos laboratórios habilitados a preparar laudos analíticos, mas relativamente lenientes em relação à coleta de amostras que precede cada análise. Juntas, essas características criam um sistema que é caro porém pouco confiável.

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A Mesa descobriu também que o setor de castanha carece de estruturas e recursos para converter o vasto conhecimento científico existente em mensagens promocionais ou argumentos junto às autoridades regulatórias estrangeiras. O setor carece também de estruturas para orientar pesquisadores sobre as dúvidas e questões ligadas ao negócio e que os beneficiadores de castanha gostariam responder.

Dando um passo atrás e indo além da castanha, essas descobertas revelam que temos orientado debates importantes sobre fomento econômico e bioeconomia ao longo dos eixos errados. Frequentemente, discutimos quanto dinheiro o Brasil ou países estrangeiros precisariam dedicar ao desenvolvimento econômico da Amazônia. Debatemos o rigor das regulações ou a urgência de desregulamentar algumas atividades. No caso da infraestrutura física, deliberamos sobre quais obras são prioritárias e se sua operação deve ser privada ou estatal.

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Todas essas questões são importantes, mas o trabalho da Mesa Executiva da Castanha tem revelado que precisamos ir além dessas discussões sobre quanto, o quê e onde, para discutir “para quem”. De forma geral, as pequenas e médias empresas que atuam na bioeconomia da Amazônia operam em um ambiente que não foi desenhado para elas e por isso apresentam arestas e atritos que dificultam e encarecem suas operações. O argumento não é que precisamos desregulamentar, abrir exceções ou fazer investimentos multibilionários, mas adaptar as rotinas e processos para que esses negócios consigam acessar os recursos e serviços públicos e privados que já existem, que facilitam a vida de seus pares em outros setores e que atuam em outras regiões.

Não é uma tarefa fácil, mas é possível fazê-la. Afinal, estamos – aos poucos – ajustando nossas cidades e prédios para que sejam acessíveis e amigáveis não só para quem anda de carro, mas também para ciclistas, pedestres de todas as idades e pessoas com mobilidade reduzida. Para isso, não precisamos construir cidades novas, destruir o que já existe ou isentar alguns das regras de trânsito. O que precisamos fazer é designar boas ciclovias, instalar alguns semáforos, rebaixar algumas guias, construir rampas ao lado das escadas e alargar alguns batentes. Encontrar esses gargalos é o maior desafio.

Por que os negócios da bioeconomia na Amazônia ainda não decolaram, e o que podemos fazer para acelerar seu crescimento? Para responder essa pergunta, ajudei a conceber e tenho acompanhado a atuação da Mesa Executiva de Exportação da Castanha, uma iniciativa liderada pela ApexBrasil.

A castanha-do-Brasil é um dos produtos icônicos do extrativismo florestal não-madeireiro na Amazônia. Praticamente todas as castanhas consumidas no Brasil e no mundo vêm da floresta nativa, coletadas de árvores centenárias ou até milenares – muitas delas possivelmente plantadas por povos indígenas que habitavam a região antes mesmo da chegada de Pedro Álvares Cabral. Seu mercado é antigo e bem estabelecido: o comércio exterior de castanhas movimenta mais de US$350 milhões (R$ 2,1 bilhão) anuais.

Além de saborosa e nutritiva, cada castanha é evidência incontestável da existência de um território preservado, habitado e protegido por pessoas comprometidas com a floresta em pé. Elas são, na prática, um crédito de carbono em forma de amêndoa, com a vantagem de dispensar auditoria e certificação.

Apesar de contarmos com extensas áreas florestais e excelentes empresas e cooperativas que trabalham com a castanha, o cenário atual é preocupante. Nas últimas décadas, as beneficiadoras brasileiras perderam espaço para concorrentes bolivianos e peruanos tanto no mercado nacional de castanhas in natura quanto no de beneficiadas. Nossa participação no mercado internacional é surpreendentemente pequena, muito aquém de nossos vizinhos Bolívia e Peru. Como se não bastasse, os beneficiadores dos três países não conseguem diferenciar efetivamente a castanha-do-Brasil das demais castanhas e nozes cultivadas e por isso acabam reféns de um mercado caracterizado por margens estreitas e preços voláteis.

Castanhas em mercado no centro de Belém; segundo produtores, procedimentos legais de verificação sanitária são excessivamente exigentes quanto aos laboratórios habilitados a preparar laudos analíticos, mas relativamente lenientes em relação à coleta de amostras que precede cada análise Foto: Felipe Rau/Estadão

É neste contexto que a ApexBrasil criou as Mesas Executivas, uma ferramenta inovadora de fomento econômico. A sua mecânica é simples de descrever: cada Mesa reúne entre 10 e 20 líderes empresariais pré-selecionados com base em sua experiência no setor e na sua disposição em contribuir. Todo mês, essas pessoas se reúnem sob a supervisão de um secretário-executivo do quadro da ApexBrasil e com o acompanhamento de uma pequena equipe técnica. Durante essas reuniões, os participantes identificam os principais gargalos do setor, validam as análises técnicas, elaboram recomendações e apoiam suas implementações. Entre as reuniões, os membros da equipe técnica coletam dados, elaboram análises e prospectam soluções para imprimir um ritmo acelerado aos trabalhos.

Ao longo de 2024, a Mesa Executiva de Exportação da Castanha identificou uma série de problemas surpreendentes, às vezes um pouco arcanos, mas nem por isso menos importantes. Quem faz esse julgamento não sou eu ou outros observadores externos, mas os líderes das empresas participantes que acumulam décadas de experiência no seu setor.

Por exemplo, a Mesa descobriu que os procedimentos legais de verificação sanitária são excessivamente exigentes quanto aos laboratórios habilitados a preparar laudos analíticos, mas relativamente lenientes em relação à coleta de amostras que precede cada análise. Juntas, essas características criam um sistema que é caro porém pouco confiável.

A Mesa descobriu também que o setor de castanha carece de estruturas e recursos para converter o vasto conhecimento científico existente em mensagens promocionais ou argumentos junto às autoridades regulatórias estrangeiras. O setor carece também de estruturas para orientar pesquisadores sobre as dúvidas e questões ligadas ao negócio e que os beneficiadores de castanha gostariam responder.

Dando um passo atrás e indo além da castanha, essas descobertas revelam que temos orientado debates importantes sobre fomento econômico e bioeconomia ao longo dos eixos errados. Frequentemente, discutimos quanto dinheiro o Brasil ou países estrangeiros precisariam dedicar ao desenvolvimento econômico da Amazônia. Debatemos o rigor das regulações ou a urgência de desregulamentar algumas atividades. No caso da infraestrutura física, deliberamos sobre quais obras são prioritárias e se sua operação deve ser privada ou estatal.

Todas essas questões são importantes, mas o trabalho da Mesa Executiva da Castanha tem revelado que precisamos ir além dessas discussões sobre quanto, o quê e onde, para discutir “para quem”. De forma geral, as pequenas e médias empresas que atuam na bioeconomia da Amazônia operam em um ambiente que não foi desenhado para elas e por isso apresentam arestas e atritos que dificultam e encarecem suas operações. O argumento não é que precisamos desregulamentar, abrir exceções ou fazer investimentos multibilionários, mas adaptar as rotinas e processos para que esses negócios consigam acessar os recursos e serviços públicos e privados que já existem, que facilitam a vida de seus pares em outros setores e que atuam em outras regiões.

Não é uma tarefa fácil, mas é possível fazê-la. Afinal, estamos – aos poucos – ajustando nossas cidades e prédios para que sejam acessíveis e amigáveis não só para quem anda de carro, mas também para ciclistas, pedestres de todas as idades e pessoas com mobilidade reduzida. Para isso, não precisamos construir cidades novas, destruir o que já existe ou isentar alguns das regras de trânsito. O que precisamos fazer é designar boas ciclovias, instalar alguns semáforos, rebaixar algumas guias, construir rampas ao lado das escadas e alargar alguns batentes. Encontrar esses gargalos é o maior desafio.

Por que os negócios da bioeconomia na Amazônia ainda não decolaram, e o que podemos fazer para acelerar seu crescimento? Para responder essa pergunta, ajudei a conceber e tenho acompanhado a atuação da Mesa Executiva de Exportação da Castanha, uma iniciativa liderada pela ApexBrasil.

A castanha-do-Brasil é um dos produtos icônicos do extrativismo florestal não-madeireiro na Amazônia. Praticamente todas as castanhas consumidas no Brasil e no mundo vêm da floresta nativa, coletadas de árvores centenárias ou até milenares – muitas delas possivelmente plantadas por povos indígenas que habitavam a região antes mesmo da chegada de Pedro Álvares Cabral. Seu mercado é antigo e bem estabelecido: o comércio exterior de castanhas movimenta mais de US$350 milhões (R$ 2,1 bilhão) anuais.

Além de saborosa e nutritiva, cada castanha é evidência incontestável da existência de um território preservado, habitado e protegido por pessoas comprometidas com a floresta em pé. Elas são, na prática, um crédito de carbono em forma de amêndoa, com a vantagem de dispensar auditoria e certificação.

Apesar de contarmos com extensas áreas florestais e excelentes empresas e cooperativas que trabalham com a castanha, o cenário atual é preocupante. Nas últimas décadas, as beneficiadoras brasileiras perderam espaço para concorrentes bolivianos e peruanos tanto no mercado nacional de castanhas in natura quanto no de beneficiadas. Nossa participação no mercado internacional é surpreendentemente pequena, muito aquém de nossos vizinhos Bolívia e Peru. Como se não bastasse, os beneficiadores dos três países não conseguem diferenciar efetivamente a castanha-do-Brasil das demais castanhas e nozes cultivadas e por isso acabam reféns de um mercado caracterizado por margens estreitas e preços voláteis.

Castanhas em mercado no centro de Belém; segundo produtores, procedimentos legais de verificação sanitária são excessivamente exigentes quanto aos laboratórios habilitados a preparar laudos analíticos, mas relativamente lenientes em relação à coleta de amostras que precede cada análise Foto: Felipe Rau/Estadão

É neste contexto que a ApexBrasil criou as Mesas Executivas, uma ferramenta inovadora de fomento econômico. A sua mecânica é simples de descrever: cada Mesa reúne entre 10 e 20 líderes empresariais pré-selecionados com base em sua experiência no setor e na sua disposição em contribuir. Todo mês, essas pessoas se reúnem sob a supervisão de um secretário-executivo do quadro da ApexBrasil e com o acompanhamento de uma pequena equipe técnica. Durante essas reuniões, os participantes identificam os principais gargalos do setor, validam as análises técnicas, elaboram recomendações e apoiam suas implementações. Entre as reuniões, os membros da equipe técnica coletam dados, elaboram análises e prospectam soluções para imprimir um ritmo acelerado aos trabalhos.

Ao longo de 2024, a Mesa Executiva de Exportação da Castanha identificou uma série de problemas surpreendentes, às vezes um pouco arcanos, mas nem por isso menos importantes. Quem faz esse julgamento não sou eu ou outros observadores externos, mas os líderes das empresas participantes que acumulam décadas de experiência no seu setor.

Por exemplo, a Mesa descobriu que os procedimentos legais de verificação sanitária são excessivamente exigentes quanto aos laboratórios habilitados a preparar laudos analíticos, mas relativamente lenientes em relação à coleta de amostras que precede cada análise. Juntas, essas características criam um sistema que é caro porém pouco confiável.

A Mesa descobriu também que o setor de castanha carece de estruturas e recursos para converter o vasto conhecimento científico existente em mensagens promocionais ou argumentos junto às autoridades regulatórias estrangeiras. O setor carece também de estruturas para orientar pesquisadores sobre as dúvidas e questões ligadas ao negócio e que os beneficiadores de castanha gostariam responder.

Dando um passo atrás e indo além da castanha, essas descobertas revelam que temos orientado debates importantes sobre fomento econômico e bioeconomia ao longo dos eixos errados. Frequentemente, discutimos quanto dinheiro o Brasil ou países estrangeiros precisariam dedicar ao desenvolvimento econômico da Amazônia. Debatemos o rigor das regulações ou a urgência de desregulamentar algumas atividades. No caso da infraestrutura física, deliberamos sobre quais obras são prioritárias e se sua operação deve ser privada ou estatal.

Todas essas questões são importantes, mas o trabalho da Mesa Executiva da Castanha tem revelado que precisamos ir além dessas discussões sobre quanto, o quê e onde, para discutir “para quem”. De forma geral, as pequenas e médias empresas que atuam na bioeconomia da Amazônia operam em um ambiente que não foi desenhado para elas e por isso apresentam arestas e atritos que dificultam e encarecem suas operações. O argumento não é que precisamos desregulamentar, abrir exceções ou fazer investimentos multibilionários, mas adaptar as rotinas e processos para que esses negócios consigam acessar os recursos e serviços públicos e privados que já existem, que facilitam a vida de seus pares em outros setores e que atuam em outras regiões.

Não é uma tarefa fácil, mas é possível fazê-la. Afinal, estamos – aos poucos – ajustando nossas cidades e prédios para que sejam acessíveis e amigáveis não só para quem anda de carro, mas também para ciclistas, pedestres de todas as idades e pessoas com mobilidade reduzida. Para isso, não precisamos construir cidades novas, destruir o que já existe ou isentar alguns das regras de trânsito. O que precisamos fazer é designar boas ciclovias, instalar alguns semáforos, rebaixar algumas guias, construir rampas ao lado das escadas e alargar alguns batentes. Encontrar esses gargalos é o maior desafio.

Opinião por Salo Coslovsky

Professor da Universidade de Nova York e pesquisador do Amazônia 2030

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