Após colocar em prática um regime próprio de Previdência, o município de São Paulo reduziu à metade o rombo anual com pagamentos a aposentados e pensionistas do sistema público. Em valores anuais, o déficit financeiro que era de R$ 5,6 bilhões em 2020 caiu para R$ 2,9 bilhões no ano passado. As projeções para este ano apontam para nova queda. Com isso, sobra mais dinheiro do Tesouro para investimentos em áreas como infraestrutura, transporte, saúde e educação.
Em rota oposta, os investimentos e inversões aumentaram para R$ 5,9 bilhões em 2022, ante R$ 3,6 bilhões dois anos antes. A redução do déficit e a sobra maior de recursos são frutos da junção das novas regras estabelecidas pela reforma previdenciária feita pela União em 2019 com medidas extras da Lei Orgânica do Município que entraram em vigor em 2021.
Entre as novas regras estão o aumento da base de contribuição de aposentados e pensionistas e o repasse da arrecadação local do Imposto de Renda para o recém-criado fundo de capitalização previdenciária (leia mais abaixo).
“A Prefeitura de São Paulo está fazendo o dever de casa e seu equacionamento previdenciário é um dos mais avançados do País”, avalia Raul Velloso, consultor e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento.
O município de São Paulo tem 233 mil beneficiários do sistema da previdência. Só perde, em volume, para a União e para os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Superávit na Previdência complementar
O economista que há dez anos se dedica a estudar o tema da Previdência é o responsável pelo estudo que aponta a evolução do déficit financeiro de São Paulo e o impacto no caixa do Tesouro. Sem a reforma, diz Velloso, a cidade poderia passar os próximos 14 anos com investimentos abaixo de R$ 2 bilhões, até zerar em 2036.
Dados do Instituto de Previdência Municipal São Paulo (Iprem), confirmam a redução do rombo, embora as contas do órgão sejam feitas com base no déficit atuarial (projeta os próximos 75 anos da previdência). Por essa conta, a capital paulista conseguiu reduzir seu déficit em quase R$ 100 bilhões.
De 2020 para 2022, o rombo acumulado caiu de R$ 173 bilhões para R$ 75,7 bilhões. Neste ano, até março, está em R$ 78,9 bilhões, mas a tendência é de redução ao longo dos próximos meses. O montante anualizado para março já inclui o primeiro superávit obtido após a reforma municipal, de R$ 6,8 bilhões no Fundo Previdência (Funprev), fundo capitalizado criado no pacote de novas medidas da reforma municipal.
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Márcia Ungaretti, superintendente do Iprem, afirma que a expectativa é de que, até o fim do ano, o atual déficit seja reduzido e que o superávit da Funprev aumente, resultando em um saldo negativo ainda menor em relação ao do ano passado.
Ela ressalta que isso depende de uma série de variáveis, pois os estudos atuariais levam em conta dados como idade média do pessoal da ativa e dos aposentados, mortalidade e crescimento do número de inativos.
“Com a reforma, conseguimos ampliar a capacidade do município de investir em outras áreas e, também, de garantir os pagamentos de benefícios futuros, ou seja, dos aposentados, pensionistas e de quem está hoje na ativa no serviço público”, afirma Márcia.
Segundo ela, a previsão é de que o déficit previdenciário dos servidores municipais seja zerado até 2035, fato nunca ocorrido desde que o regime foi criado. Municípios, Estados e União são obrigados a arcar com os custos das aposentadorias e pensões. Se a arrecadação dos contribuintes (trabalhadores e entes públicos) não é suficiente, a diferença tem de ser coberta pelo Tesouro, tirando assim recursos que seriam destinados a outros setores.
A evolução da dívida previdenciária de São Paulo melhora após as novas regras da reforma de 2019 que, entre outras medidas, ampliou a idade mínima de aposentadoria e do tempo de contribuição para trabalhadores do regime geral (INSS) e dos servidores públicos. Mas a redução mais consistente do déficit começou a ocorrer a partir das medidas do regime próprio, há dois anos.
Principais medidas
Segregação de massa: os funcionários da ativa e os inativos foram divididos em dois fundos, o financeiro – que arrecada contribuição do patronato e do servidor e é usado para pagar o benefício – e o previdenciário (Funprev), que é capitalizado.
Imposto de Renda: antes da reforma, a arrecadação local do IR entrava como recurso para o Tesouro e poderia ser usado em várias finalidade. Agora passou a integrar o Funprev e se tornou fonte de financiamento do sistema previdenciário.
Imóveis: a nova Lei Orgânica prevê a transferência de imóveis do município para o fundo previdenciário, que pode vendê-los e aplicar o recurso no Funprev, abatendo a necessidade da Prefeitura de usar recursos do Tesouro, além de capitalizar o fundo.
Base maior: a contribuição passou a ser cobrada de proventos a partir de um salário mínimo. Antes o teto seguia o valor do regime geral de Previdência, que hoje está em cerca de R$ 7,5 mil. Os funcionários da ativa passaram a recolher 14% do salário, enquanto a Prefeitura participa com 28%.
Adicional patronal. No caso do servidores da educação e da saúde, que têm benefícios extras na aposentadoria, a Prefeitura banca 6% a mais de sua contribuição (de 28% para 34%).
Previdência complementar: para incentivar a adesão ao plano de previdência complementar, o município patrocina até 7,5% do valor a ser direcionado ao fundo.
Recuperação de investimentos
“Com programas desse tipo será possível abrir espaço financeiro nos orçamentos para promover a recuperação dos combalidos investimentos públicos”, afirma Velloso. Outros Estados e municípios que promoveram reformas, como o Piauí, também estão ampliando investimentos em áreas diversas.
O estudo e as sugestões de medidas para a Prefeitura de São Paulo foram desenvolvidos e assessorados pela FIA Business School. O então prefeito Bruno Covas decidiu adotar as recomendações da instituição, compromisso depois mantido pelo seu sucessor Ricardo Nunes.
O professor da FIA Edmar Veloso lembra que o caixa da Previdência estava vazio e o município tinha de cobrir o déficit, o que consumia em média R$ 7 bilhões ao ano, além das contribuições obrigatórias. “A Previdência estava sangrando a capacidade de investimento de São Paulo e em pouco tempo não seria mais possível arrumar as ruas, fazer asfalto, usar recursos para saúde, novos hospitais, etc.”
Ele informa que a FIA já assessorou cerca de 15 municípios e Estados na questão de aposentadorias públicas, mas o programa para São Paulo foi o maior e mais complexo. Para Veloso, uma reforma desse nível necessita dois itens importantes: é preciso uma parte técnica bem elaborada, que faça a compatibilização entre o que o município pode gastar e o que a Previdência realmente precisa, e adotar estratégias inteligentes. Outra é a questão política, “que é a parte mais difícil, pois exige determinação dos gestores em juntarem forças do legislativo e do executivo para sua aprovação”.