BRASÍLIA – O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu a fixação de uma regra de controle de gastos no novo arcabouço fiscal. O projeto de lei será encaminhado em abril ao Congresso. Ao Estadão, Ceron disse que o crescimento das despesas na nova regra fiscal tem de estar ancorado numa alta “saudável” de receitas. “O que pode ou não crescer (de despesa) tem a ver com quanto se terá de receita disponível para não gerar um problema de superendividamento lá na frente. A discussão é fazer uma regra factível, mas sem descontrole”, sinalizou.
Na entrevista, Ceron mostrou confiança no pacote de ajuste fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Vamos superar as expectativas sobre o pacote”, afirmou. Ele disse que a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) terá compensação com receitas. Veja os principais trechos da entrevista.
Zerar o déficit das contas públicas
O ministro Haddad sinalizou que um déficit de menos de 1% do PIB (cerca de R$ 100 bilhões) seria um resultado muito satisfatório. É o nosso piso. Estou confiante de que vamos atingir. Respiramos todo o tempo para melhorar esse número. Eu miro zerar. O que tiver ao nosso alcance para tentar chegar o mais próximo disso, ótimo.
Efeitos do pacote fiscal
Está em curso. Temos um mês. Tem várias medidas que precisam cumprir a noventena (prazo de 90 dias para entrar em vigor). Está indo de forma satisfatória. Neste mês, começou a ter o efeito do programa de desistência de contencioso e denúncia espontânea. Em abril, teremos o impacto cheio das medidas. Acredito que vamos superar as expectativas sobre o pacote. No que depender do Tesouro, vamos surpreender positivamente.
Desconfiança do mercado
É preciso dar tempo ao tempo. Fizemos o anúncio das medidas do pacote. Um mês depois, a maior parte das casas do mercado já alinhou a previsão para um déficit em torno de R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões. Vai ganhando credibilidade ao longo do tempo. Conforme forem vendo resultado, vão calibrando. Eu trato com naturalidade, não é uma desconfiança. Faz parte. As expectativas vão melhorar porque os resultados vão sinalizar. A realidade vai se impor lá na frente.
Negociações do pacote no Congresso
Tenho visto sinalizações muito positivas de ajudar e encontrar um bom caminho do diálogo. Naquilo que não há consenso, buscar aprimoramento, mas prosseguir.
O novo arcabouço fiscal
As discussões estão em curso internamente ainda. Estamos discutindo com as equipes técnicas. O ministro colocou como desafio encaminhar o projeto em abril. A ideia é avançar em fevereiro a definição técnica para ter, a partir de março, condições de começar a discutir com outros atores. Eu acho importante, sim, ter uma regra de controle de despesas. A regra que está posta (o teto de gastos) é impossível; tem despesas que têm crescimento real. O teto congela as despesas; para mudá-lo, teria de ser algo acima disso (um crescimento real, acima da inflação). Esse crescimento tem de estar ancorado numa alta saudável de receitas, que tem a ver com o crescimento econômico. O que pode ou não crescer (de despesa) tem a ver com quanto terá de receita disponível para não gerar um problema de superendividamento lá na frente. A discussão é fazer uma regra factível, mas sem descontrole. O principal olhar é para despesa, e que tenhamos um patamar de receitas sustentável.
Correção da tabela do IR
O Imposto de Renda não afeta exatamente o resultado primário das contas do governo porque terá uma medida de compensação. Se formos fazer um ajuste no sentido de desonerar algumas faixas ou elevar o limite de isenção em termos de salário mínimo, tem vários desenhos possíveis, tem que compensar. É um ajuste que precisa ser feito. A rigor, tem um desafio de como fazer.
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Vontade de Lula de fazer a correção ainda em 2023
Há intenção de fazer o quanto antes. Isso é legítimo e é isso que está sendo discutido, como se compensa. Tem uma discussão jurídica, de maneira geral, se precisa ou não compensar. Ela não é absolutamente consensual; mas, a despeito dela, tem uma discussão: abdicar de receita precisa compensar. Estamos vendo como fazer. Tem várias possibilidades. Vamos compensar.
Programa Desenrola, de renegociação de dívidas
A intenção é sair ainda esse mês. É uma medida importante. Se o desenho final for atender até quem ganha dois salários mínimos, é um universo de 50 milhões de pessoas. É muita gente. Não é só recuperar o poder de compra, mas dar dignidade. A regularização tem um impacto social e econômico. Pode ter algum aporte (do Tesouro) para o fundo garantidor, mas pode ter algum redirecionamento de outros fundos. Estamos num processo de levantamento dos fundos que já possuem disponibilidades e não estão comprometidas. Não está ainda batido o martelo no desenho final; mas, grosso modo, rondam valores da magnitude de R$ 7 bilhões a R$ 15 bilhões (para a garantia do governo). Vai depender de qual será o desconto que os credores vão oferecer para entrar no programa.
Fim da desoneração da gasolina e álcool em 28 de fevereiro
Como o ministro já tinha sinalizado, não há nenhuma discussão em curso (para prorrogar). O que está posto no arcabouço legislativo é que, a partir de março, volta a incidência dos tributos federais. É com isso que estamos trabalhando. Não há nenhuma discussão diferente disso.
Risco de a reforma tributária ser votada na frente do projeto do novo arcabouço fiscal
Não sei se tem risco. Há uma convergência para aprovação célere da reforma tributária. Se ela acontecer, tem de aproveitar o momento. Ela é importantíssima.
Neutralidade da carga tributária
Não temos uma discussão de aumento da carga. Mas temos a busca da carga tributária de 2022. É um patamar necessário para manter o Estado brasileiro solvente. Para ser abaixo disso precisaria ser um Estado menor, o que a sociedade não quer. Ela quer um suporte social. Precisa ter um Estado saudável. Não adiante fingir que existe Estado grátis. Recuperamos algumas desonerações, algumas deixamos para a discussão da reforma tributária. A reoneração do IPI não foi feita. Foram feitas desonerações sem lastro, sem compensação.
Economia de R$ 10 bi com pente-fino do Bolsa Família
Se for verificado o número de beneficiários não elegíveis, (a economia) poderia ser até maior. Estão falando de 1,5 milhão a 2 milhões de beneficiários. Aí, é a qualidade de gastos porque é um programa que está beneficiando quem não deveria. Está errado. Mas isso tem uma agenda.
Redução de subsídios
Isso está sendo olhado. Tem espaço para reduzir os gastos tributários. Não dá para ter as discussões ao mesmo tempo, mas a agenda é correta. Se não parece justo como está, vamos pensar numa forma equilibrada. Precisamos avaliar se os gastos tributários (subsídios, incentivos) como estão cumprem o seu papel. Temos muitas desonerações. A pejotização que está acontecendo para tentar fugir da tributação do Imposto de Renda, superagressiva e que acaba beneficiando quem tem renda maior. O próprio movimento que acontece – e que há indícios que são relevantes – de empresas que começam no Simples Nacional e que, para não sair do programa, começam a se multiplicar para poder não sair do regime. Isso é ruim para o País. Essa discussão precisa ter, porque em algum momento começa a afetar a produtividade da economia.
Mudança no Carf
Colocamos luz numa discussão muito importante que é a do Carf. Faz sentido um contencioso administrativo que dura seis anos e depois vai para discussão judicial, que demora mais nove anos; e depois começa uma execução fiscal, que demora mais cinco a dez anos? É esse o sistema que queremos? No mundo inteiro, é célere. Tem de ser revisto. Um bom acordo sempre ajuda. A discussão que o ministro está fazendo é para aprimorar o voto de qualidade com representantes dos contribuintes e Legislativo. O que foi colocado é que, se o contribuinte pagar, retira as multas. Isso seria bom porque reduz a pressão no Judiciário e é bom que já resolve o principal do imposto. Quanto mais a gente conseguir evitar judicialização, sempre ajuda, colabora com o programa de redução de litígios.
Estabilização da dívida pública
Sobre a necessidade de o governo conseguir R$ 200 bilhões para estabilizar a dívida, R$ 100 bilhões para zerar o déficit e R$ 100 bilhões para gerar superávit nas contas do governo:
Só vamos resolver esse problema quando o País voltar a crescer e conseguir uma situação fiscal. Isso cria um círculo sustentável de receita. A reforma tributária contribui muito. Ela pode adicionar ao longo de 15 anos alguns “belos” pontos porcentuais de crescimento do PIB. Isso se reflete em mais receitas. O estrutural passa por isso. Mas é claro que não podemos esperar o País crescer. Enquanto isso, da nossa parte, estamos buscando a redução do déficit como pode.
Críticas de Lula ao BC e aos juros altos
Pelo meu papel do Tesouro, e como não tenho nenhuma relação hierárquica com o BC, eu prefiro não opinar. O presidente tem o direito de fazer as considerações dele. Os ministros da Fazenda e do Planejamento estabelecem a meta que o BC tem de cumprir e eles são os atores legítimos para tratar desse assunto. O que eu olho é o custo da atuação do BC sobre o custo da dívida e, por consequência, o quanto ele ocupa de espaço no orçamento, que deveria ser utilizado para outras coisas. Eu não falo sobre mérito da condução, mas é obvio que há um impacto. Se a Selic fosse 10% e não 13,75% (ao ano), o impacto seria menor sobre a dívida. Eu torço para que caia em algum momento.
Ministérios ainda sem orçamento
Com as cisões, o órgão que permaneceu, que cuida da área de gestão de contratos e execução financeira e orçamentária, acaba apoiando as coisas mais imediatas. O processo de reestruturação vai levar mais algum tempo. Esse mês tende a resolver.