BRASÍLIA – O Senado aprovou dois projetos que integram o pacote de corte de gastos apresentado pelo governo Lula. Tanto o projeto de lei complementar como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foram desidratados ainda na Câmara e receberam apoio até mesmo da oposição. O terceiro projeto, que limita o crescimento do salário mínimo, será analisado pelos senadores nesta sexta-feira, 20.
A PEC foi aprovada em primeiro turno por 53 votos favoráveis (eram necessários 49) e 21 contrários. No segundo turno, por 55 a 18. A proposta deve ser promulgada nesta sexta-feira pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.
Os senadores derrubaram uma alteração feita pelos deputados, rejeitando a possibilidade de uso de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para a merenda escolar. A medida não era contabilizada pela equipe econômica como corte de gastos e foi incluída na Câmara.
A PEC muda regras do Fundeb, do abono salarial e dos supersalários do funcionalismo público (leia aqui detalhes da proposta). A Câmara havia incluído um dispositivo autorizando Estados e municípios a destinarem recursos do Fundo da Educação Básica para a merenda escolar.
A medida recebeu críticas porque o dinheiro para a alimentação de estudantes não é classificado como uma despesa de educação, mas de seguridade social, e não pode usado no cálculo dos gastos mínimos em educação exigidos pela Constituição. Além disso, há temor de desvios de recursos, como já ocorreu com verba de merenda em alguns Estados.
“É importante as crianças serem alimentadas, mas essa fonte de recursos não pode ser usada. Usar o dinheiro da educação básica para pagar alimentação, além de ser totalmente equivocado, é um crime”, disse a senadora Dorinha Seabra (União-TO), que relatou a PEC do Fundeb na Câmara em 2020.
O governo apoiou a proposta porque a medida poderia aliviar a pressão por mais transferências para a merenda escolar às prefeituras e governos estaduais. Atualmente, já existem recursos obrigatórios para a merenda escolar, mas a verba é considerada insuficiente.
Parlamentares e especialistas apontam que a destinação de verbas do Fundeb para a alimentação cortaria recursos e comprometeria a natureza do fundo, que é a manutenção da educação básica, o pagamento de professores e investimentos nas escolas.
“A proposta pode fazer com que o custeio do aluno se desidrate e até comprometer o pagamento do professorado, cuja mão de obra é o núcleo do custeio da educação”, comentou o economista Camillo Bassi, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O Senado elaborou um entendimento que, mesmo com a alteração, a PEC não precisará voltar para a Câmara e poderá ser promulgada diretamente pelo Congresso Nacional. O texto rejeitado – o da alimentação escolar – será protocolado em uma PEC paralela. A Câmara, no entanto, terá que concordar formalmente com essa interpretação para promulgar o texto.
Projeto de lei complementar cria novos gatilhos no arcabouço, mas Congresso restringe corte em emendas
O primeiro projeto, que altera a lei do arcabouço fiscal, foi aprovado por 72 votos a 1 – apenas o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) votou contra. A oposição orientou a favor dizendo ser favorável ao corte de gastos, ainda que considerando o pacote do governo como insuficiente para a sustentabilidade das contas públicas. O texto vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O projeto de lei complementar aprovado cria novos gatilhos para reforçar o arcabouço fiscal e permite o uso de recursos parados em fundos públicos para abater a dívida pública. Ainda na Câmara, o projeto foi desidratado impedindo o governo federal de cortar emendas parlamentares impositivas (obrigatórias) para cobrir gastos obrigatórios e cumprir o limite de despesas.
A proposta também revoga a lei que instituiu o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), antigo DPVAT. O Novo DPVAT foi aprovado no Congresso em maio e sancionado no mesmo mês pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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O líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), apresentou uma proposta para alterar o projeto e forçar o governo a perseguir o centro da meta fiscal (com déficit zero nas contas públicas, sem as bandas de tolerância atual), com contenção de gastos em caso de resultado negativo e de aumento da dívida pública. De acordo com a assessoria do parlamentar, a proposta cortaria R$ 120 bilhões em despesas em um ano.
Desde o início da tramitação, o governo avaliava que o pacote passaria de forma mais fácil no Senado – os principais impasses foram enfrentados na Câmara. O pacote só andou, no entanto, após pagamento de emendas parlamentares que estavam travadas após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e mais promessas de liberações até o fim do ano.
Projeto aciona novos gatilhos ao arcabouço fiscal, mas só a partir de 2027
O projeto aprovado cria “reforços” ao arcabouço fiscal, prevendo disparo de novos gatilhos para congelamento de gastos em caso de piora das contas públicas. O ajuste, porém, só valerá a partir de 2027, no próximo mandato presidencial.
Um dos gatilhos do projeto prevê que, em caso de déficit primário a partir de 2025, será proibido a concessão, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários. Além disso, haverá limitação de crescimento no gasto com pessoal em 0,6% ao ano acima da inflação - o piso do aumento de despesas estabelecido pelo novo arcabouço fiscal. Como o déficit será calculado em 2026, o gatilho valeria para 2027.
Outro gatilho determina que, em caso de redução nominal das despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio), a partir de 2027, haverá essa restrição para benefícios tributários (tal qual ocorre em caso de déficit primário) e a mesma limitação para o crescimento de despesas com pessoal.
A proposta aprovada também determina que a criação ou prorrogação de benefícios da seguridade social ficam limitadas às regras de crescimento do arcabouço, ou seja, com teto máximo de 2,5% ao ano.
Uma das medidas proposta pela equipe econômica, contudo, caiu ainda na Câmara: a que limitava a restituição de créditos tributários pelas empresas. A proposta enfrentava forte resistência entre vários setores da economia, além de ter integrado uma Medida Provisória (MP) editada pelo governo em junho e que foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Superávit de fundos para pagar dívida
A proposta aprovada estabelece que, entre 2025 e 2030, o superávit financeiro de fundos públicos só poderá ser usado para amortizar a dívida. O projeto do governo previa que o uso dos recursos seria de livre aplicação, o que foi amplamente criticado por economistas, como mostrou o Estadão, uma vez que abria margem para ampliar gastos.
Na proposta do governo, eram oito fundos listados, mas o relator manteve apenas cinco: os fundos de Defesa de Direitos Difusos (FDD), Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (FUNSET), do Exército, Aeronáutico e Naval. Foram excluídos o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) com a justificativa de que seus recursos “são utilizados para importantes investimentos”.