BRASÍLIA – O Senado aprovou, por 70 votos a 2, o projeto que cria um novo regime de renegociação das dívidas dos Estados com o governo federal, em uma vitória do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do relator da proposta, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) – que pretende voltar à presidência da Casa a partir do ano que vem. O projeto agora segue para a Câmara dos Deputados.
O texto permite que Estados endividados aumentem despesas com um controle menor e um teto de gastos mais flexível do que o existente atualmente, afrouxando o ajuste fiscal que governos endividados terão de fazer para renegociar as dívidas com a União.
Estados que estão no regime atual (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás) poderão migrar para o novo plano, batizado de Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), com condições mais facilitadas.
As dívidas poderão ser pagas com juros reais (descontada a inflação) de 0% a 2% ao ano com a transferência de ativos do Estado, como companhias estatais, para a União, e a troca de parte dos débitos por investimentos em educação – quanto mais o Estado consegue repassar, menor o juro, até cair a zero. Hoje, a União cobra 4% de juros reais.
Os Estados endividados deverão depositar um valor equivalente a 1% da dívida anualmente para um fundo que será repartido com os Estados (inclusive com os que estão com as contas em dia).
O projeto admite que os Estados possam aumentar despesas em 2024 e adotar o teto só em 2025, com base no valor gasto este ano. Na prática, o texto abre margem para que os governos estaduais gastem sem o freio nas contas deste ano para aumentar o valor autorizado para 2025 e os anos seguintes. Além disso, retira os gastos obrigatórios com saúde e educação da limitação fiscal.
A justificativa para a mudança foi adequar a regra ao novo arcabouço fiscal da União. Não haverá, porém, o limite de crescimento real de até 2,5% da despesa para os Estados, como acontece com o governo federal.
Alcolumbre passou os últimos dias em intensas negociações com governadores e com o Ministério da Fazenda e fez uma série de mudanças em seu texto. A última delas, diretamente no plenário, quando acatou uma emenda apresentada pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI) que, na prática, permitirá um aporte maior no fundo de equalização a partir do montante amortizado pelos Estados com ativos estatais.
A emenda de Castro faz com que Estados que não façam nenhum pagamento à vista tenham de investir 2 pontos porcentuais do indexador da dívida em ações no próprio Estado e direcionar outros 2 pontos porcentuais ao fundo de equalização que será distribuído entre todos os entes federativos. Pelo texto anterior de Alcolumbre, esses Estados poderiam gastar 3 pontos porcentuais em suas próprias ações e repassar apenas 1 ponto porcentual ao fundo.
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Outra mudança incluída na emenda de Marcelo Castro foi a mudança nos critérios de distribuição. Como o fundo de equalização foi aumentado, o senador propôs que nem toda a divisão siga as regras do Fundo de Participação dos Estados (FPE), que privilegiariam os Estados mais pobres.
O relator estabeleceu ainda uma “escada” para Estados que aderiram ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) manterem os benefícios ao entrarem no novo Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). O objetivo, segundo Alcolumbre, é “não gerar qualquer peso adicional aos Estados membros” do Regime de Recuperação Fiscal, entre eles Goiás, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.
A versão final do relatório permitiu que os Estados endividados possam usar os repasses pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, criado com a reforma tributária, para abater os débitos dos entes federados, mudança que causou estranhamento entre integrantes da equipe econômica. Essa possibilidade não constava no texto inicial da proposta, apresentado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
A demanda foi apresentada pelo Rio de Janeiro, mas outros Estados, nos bastidores, contestam essa possibilidade. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), aliado do governador Cláudio Castro, apresentou uma emenda nesse sentido. Como o Broadcast mostrou, há uma percepção no Ministério da Fazenda de que esse dispositivo é inconstitucional por não atender às finalidades constitucionais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Além disso, a avaliação é de que a operacionalização seria difícil porque não há definição de coeficientes.
Alcolumbre também atendeu a uma demanda de Santa Catarina, apresentada pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), para que uma dívida já reconhecida da União com o Estado possa ser usada para abater o débito que Santa Catarinense tem com a União.
Governo desiste de mudança no piso da saúde
Como mostrou o Estadão, o Ministério da Fazenda tentou emplacar uma mudança no projeto de renegociação das dívidas dos Estados no Senado que poderia diminuir os gastos com saúde pública – uma das áreas que pressionam as contas públicas – projetados para os próximos anos. O texto, porém, repercutiu mal entre aliados do governo no Congresso e governadores, levando o Executivo a recuar e pedir que o relator do projeto, senador Davi Alcolumbre (União-AP) retirasse o dispositivo do parecer.
A proposta alterava o conceito de Receita Corrente Líquida (RCL), que serve para calcular quanto a União deve gastar com ações e serviços públicos de saúde, a partir de 2028. Além de mexer com o piso da saúde, a mudança forçaria Estados a reduzir gastos com servidores, que são calculados pelo mesmo parâmetro – o que desagradou governadores.
A proposta de mexer na LRF, que entrou na primeira versão do parecer de Alcolumbre, retirava da base de cálculo da Receita Corrente Líquida receitas extraordinárias, que o governo não arrecada a todo momento – entre elas concessões e permissões; dividendos e participações, como é o caso do lucro da Petrobras; receitas de exploração de recursos naturais; e receitas de programas de recuperação fiscal dos Estados e municípios com a União (estas últimas impactam os governos locais).
Para os Estados e municípios, a mudança impactaria diretamente nas contas públicas. A Receita Corrente Líquida serve como parâmetro para definir o limite de gastos com pessoal. Com menos receitas no cálculo, haveria pressão maior para reduzir despesas com a folha salarial. Estados mais dependentes de receitas extraordinárias do petróleo, como o Rio de Janeiro, onde um quarta da receita vem de royalties e participação especial, teriam que reduzir mais o que gastam com servidores.
A intenção, de acordo com o relator, era evitar que governos estaduais e municípios usem receitas extraordinárias, que só aparecem uma vez ou outra, para aumentar gastos que viram permanentes e oneram a manutenção da máquina pública. “A alteração proposta é para excluir do conceito receitas eventuais, sem caráter continuado. Essa medida evita que receitas eventuais deem ensejo à assunção de despesas de caráter permanente, fortalecendo a responsabilidade fiscal”, escreveu Alcolumbre.
Na segunda versão, porém, a mudança desapareceu do relatório, a pedido do governo. Além da saúde, a alteração também impactaria as emendas parlamentares impositivas, que o Executivo é obrigado a pagar conforme a indicação dos congressistas. As emendas individuais de cada deputado e senador são equivalentes a 2% da Receita Corrente Líquida. As emendas de bancada, colocadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado, correspondem a 1% da arrecadação.