BRASÍLIA – Em nova votação histórica e com a promessa de virar a chave do Brasil para um novo ciclo de crescimento econômico, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária foi aprovada pelo Senado, em dois turnos, nesta quinta-feira, 7.
As duas votações tiveram o mesmo placar: 53 senadores favoráveis e 24 contrários – resultado apertado diante dos 49 votos necessários para aprovar uma mudança constitucional. Como sofreu mudanças, o texto vai retornar à Câmara para nova análise dos deputados.
O Senado introduziu no texto uma trava para barrar o aumento da carga tributária – uma demanda do setor produtivo, temeroso de aumento dos impostos pelo governo federal, Estados e municípios com a mudança do sistema tributário –, e impôs a obrigatoriedade de revisão a cada cinco anos das chamadas exceções, que beneficiam uma longa lista de setores e atividades que conseguiram emplacar as suas demandas, sobretudo na reta final.
Os senadores também tornaram obrigatório o sistema de cashback (devolução) do imposto da conta de luz e gás de cozinha da população de baixa renda. Também está previsto o cashback para os produtos da cesta básica.
A passagem da reforma tributária pelo Senado levou quatro meses – desde a aprovação da proposta na Câmara, no dia 6 de julho. No Senado, a proposta sofreu mudanças, como o aumento da lista de setores beneficiados com tratamento tributário diferenciado – via alíquota reduzida ou regime específico. Dentre eles, saneamento, turismo, clubes de futebol e profissionais liberais, como médicos ou advogados.
Para conseguir os votos, o relator da reforma na Casa, senador Eduardo Braga (MDB-AM), teve de ceder em vários pontos. De última hora, o relator acatou outras seis novas emendas, incluindo alíquota reduzida para o setor de eventos, além de uma subemenda que criou um fundo para os Estados do Norte.
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Aos críticos das mudanças, Braga diz que o sistema tributário hoje é um manicômio, muito pior do que qualquer imperfeição que a reforma possa ter. Economistas calculam que o Brasil pode crescer de 12% a 16% a mais em 15 a 20 anos com a reforma, que terá também um caráter redistributivo - com 82% dos municípios e 60% dos Estados ampliando sua participação no bolo tributário.
Em busca de apoio dos governadores, Braga elevou de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões o valor do aporte da União ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que vai compensar o fim dos incentivos fiscais para os Estados. O relator também definiu os critérios para o rateio do fundo, que haviam ficado em aberto no texto da Câmara: 70% segundo o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 30% via tamanho populacional.
“Eu quero agradecer a votação histórica que acabamos de presenciar no Senado”, comemorou o relator. “O texto aprovado não é uma obra de arte perfeita, como já pontuei, mas foi o resultado de uma construção coletiva do texto possível, respeitando a correlação de forças da democracia”, disse Braga.
O secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, Bernard Appy, também comemorou a aprovação. “Preferia um placar mais folgado, mas sempre foi com segurança”, disse o secretário no plenário do Senado.
Appy evitou se posicionar sobre as mudanças feitas pelos senadores e lembrou que é a primeira vez desde a Constituinte que as duas casas legislativas do Congresso aprovaram uma mudança tão profunda no sistema tributário brasileiro.
“O Ministério da Fazenda sempre foi a favor de ter o mínimo de exceções. Mas foi necessário construir o apoio político em torno da reforma tributária. Se não fossem as concessões, não teria reforma. Com certeza, a relação custo-benefício é muito positiva”, afirmou.
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O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a reforma se impôs porque o Brasil “não podia mais conviver com o atraso”. “A transparência do novo sistema tem ainda o potencial de alavancar a atração de investimentos estrangeiros, de modo a impulsionar o desenvolvimento econômico e a criação de empregos no Brasil”, afirmou. “Estamos abrindo as portas para o futuro do Brasil entrar.”
Com as mudanças do Senado, o texto terá de passar por uma nova votação na Câmara, mas o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), já sinalizou que os trechos de consenso poderão ser promulgados logo, o que garante a contagem dos prazos da transição.
Horas antes da votação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, veio a público para dizer que há o compromisso do governo de que a PEC terá neutralidade do ponto de vista da carga tributária.
“Estamos fazendo com que a emenda constitucional, que será promulgada, se Deus quiser esse ano, tenha o compromisso de fazer uma transição suave. Ela será regulamentada por lei complementar, com muita transparência para concluir essa transição com os melhores resultados”, afirmou.
Alíquota do IVA
O número maior de exceções criadas pelo Senado – sendo que boa parte delas será regulamentada numa segunda etapa pelo Congresso, via projetos de lei complementar – lançou mais incertezas sobre o tamanho da alíquota do novo imposto.
Durante a votação, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), subiu à tribuna para responder às críticas do líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), que antes afirmara no plenário que a alíquota seria a mais alta do mundo.
“Farinha pouca, meu pirão primeiro. Quem teve condições de gritar e brigar, fazer o lobby funcionar, está contemplado com exceções, aqueles que não tiveram essa força serão obrigados a ter a maior carga tributária, pasmem senhores, a maior do mundo”, atacou Marinho.
Em tom professoral e munido de folhas de papel com as siglas dos impostos, Randolfe afirmou que hoje a alíquota dos tributos que serão substituídos pela reforma é de 34,4%.
A última previsão do Ministério da Fazenda é de que a alíquota-padrão do IVA poderia ir para 27,5%, mas a estimativa foi feita antes das últimas alterações realizadas na reta final da votação.
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), essa alíquota colocaria o Brasil no topo do ranking mundial, acima da Hungria, a primeira colocada, com uma cobrança de 27%. Braga afirmou que iria pedir um novo estudo à Fazenda sobre a alíquota após a votação da proposta.
A PEC 45 altera a tributação dos impostos que incidem sobre o consumo e cria um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituindo o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios; e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substitui PIS, Cofins e IPI, que são federais.
Um terceiro tributo, o Imposto Seletivo (IS), também conhecido como “imposto do pecado”, incidirá sobre produtos danosos à saúde e ao meio ambiente.
O Senado incluiu na lista o IS-Extração, que incidirá sobre a extração de recursos não renováveis, como minério e petróleo; e a Cide, tributo que já existe, poderá incidir sobre importação, produção ou comercialização de bens que concorram com itens produzidos na Zona Franca de Manaus.
Também foi criada uma contribuição sobre produtos que integram a pauta de exportação dos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Pará.
Transição
A reforma entrará em vigor por partes para os consumidores. Em 2026, a CBS começa com uma alíquota de teste de 0,9% e de 0,1% para o IBS. Um ano depois, em 2027, o PIS e Cofins – dois tributos federais – serão finalmente extintos. A transição do IBS será mais lenta e só terminará em 2033.
O prazo da transição é um dos alvos dos críticos da reforma, que argumentam que as empresas terão de conviver por vários anos com uma quantidade de impostos dobrados. A queixa é de que a reforma não simplifica, mas troca “seis por meia dúzia”.
“Temos cinco impostos hoje, que são o chamado manicômio tributário. PIS, Cofins, ICMS, ISS e o IPI. Só que criaram mais 5: a CBS, o IBS, o Imposto Seletivo, a Cide Importação e o imposto de mineração. Todas as empresas terão de ter uma equipe para pagar os dois manicômios”, criticou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que votou contra a reforma.
Lula em campo
Na reta final, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava ausente das negociações diretas da reforma, entrou em campo e recebeu senadores para uma reunião no Palácio do Planalto.
Lula foi um dos defensores da manutenção dos incentivos fiscais a montadoras do Nordeste. No mesmo dia da aprovação da reforma, o presidente defendeu ”repor” investimentos no Nordeste sem “tirar nada de ninguém”.
A prorrogação dos incentivos fiscais para o Nordeste desagradou São Paulo e outros Estados. Governadores do Sul e Sudeste criticaram o texto e pediram mudanças. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, foi até Brasília para tentar negociar as mudanças./Colaboraram Iander Porcella e Gabriel Hirabahasi