Brasil é campeão em processos judiciais de passageiros contra companhias aéreas; veja os motivos


Judicialização no Brasil supera outros países, como EUA e México, e custa R$ 1 bilhão por ano às empresas; problemas nos serviços motivam altíssimo volume de ações, que inibe concorrência no setor

Por Márcia De Chiara

O setor aéreo brasileiro vive uma situação paradoxal. Por um lado, há uma enorme queixa dos consumidores em relação aos serviços prestados pelas empresas. Atrasos, cancelamentos, voos lotados e dificuldades de conseguir reembolso são alguns dos problemas que levam as pessoas à Justiça contra as aéreas e transformaram o Brasil em um campeão mundial da judicialização. Por outro, o setor diz que esse excesso de processos prejudica a operação das empresas, encarece as passagens, reduz a malha aérea e afasta novos competidores - que poderiam forçar uma melhora nos serviços.

De acordo com a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), com base em informações reportadas pelas empresas à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o custo dos processos movidos por passageiros supera R$ 1 bilhão por ano. Apesar de o setor ter muitos problemas e o serviço deixar a desejar aos consumidores, os números brasileiros são bem acima da média mundial.

“Obviamente, isso é repassado para o preço do bilhete”, diz o diretor geral da IATA no Brasil, Dany Oliveira. Ele calcula que a despesa representa entre R$ 10 e R$ 12 do valor de cada bilhete vendido, levando em conta que cerca de 100 milhões de passageiros são transportados anualmente no País.

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Brasil é campeão de processos contra companhias aéreas Foto: Fabio Motta/Estadão

Um levantamento feito pela Latam mostra que o Brasil, que representa quase metade da operação de todo o grupo, responde por mais de 98% dos processos judiciais movidos pelos clientes contra a companhia. A empresa atua no Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru, e tem voos internacionais dentro da América Latina e para Europa, Oceania, Estados Unidos e o Caribe.

Em nota, a Latam diz que o dado “demonstra a magnitude deste fenômeno no Brasil”. “Apesar de ser reconhecida como a segunda empresa mais pontual do mundo em 2023, de acordo como o ranking da Official Airlines Guide (OAG), houve um incremento de quase 33% no número de ações judiciais no Brasil de 2022 para 2023.” Para 2024, a empresa prevê um gasto de mais de R$ 350 milhões apenas com custos da judicialização no País.

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“O dado da Latam é compatível com o mercado e o problema pode ser ainda maior”, afirma Ricardo Bernardi, especialista em Direito Aeronáutico do escritório Bernardi&Schnapp e consultor jurídico da IATA no Brasil.

Ele pondera que não há números gerais sobre a judicialização. No entanto, um levantamento feito pelo consultor da IATA reforça que o Brasil ocupa o pódio dos países com maior número de processos movidos por clientes contra companhias aéreas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2019 uma ação foi movida para cada 1,2 milhão de passageiros transportados. No mesmo período, a proporção no Brasil foi muito maior: de uma ação para cada 227 passageiros. O levantamento considerou dados de três principais companhias aéreas que operam entre Brasil e Estados Unidos.

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Essa discrepância se repete quando se compara o mercado brasileiro com outros países da América Latina. Considerando empresas que atuam no País e no México, por exemplo, em 2019, uma ação foi movida a cada 522 passageiros transportados no Brasil. Já no México essa relação foi de uma ação para quase 27 mil passageiros.

Impactos

Além da pressão nas tarifas, a judicialização excessiva cria uma barreira à entrada de novas empresas interessadas em voar no País. Elas veem nesse grande volume de processos um risco à operação.

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Jurema Monteiro, presidente da Abear, diz que 'site abutres' turbinam o número de processos Foto: Erivelton Viana

O diretor da IATA lembra que, em entrevistas recentes, executivos de duas companhias de baixo custo, a JetSmart, baseada no Chile, e a Flybondi, na Argentina, relataram a grande preocupação dos custos de ação judicial no Brasil. “Não apenas pelo custo, que já é muito alto, mas porque traz muita insegurança jurídica para o negócio, postergando o enorme potencial (de mercado) a ser destravado”, diz Oliveira.

Esse grande volume de processos também complica a vida das companhias já estabelecidas no País. A Gol, por exemplo, que entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos em janeiro deste ano, reduziu em julho do ano passado em 48% a oferta de assentos no Estado de Rondônia em relação a maio de 2023.

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Além disso, a empresa cancelou voos de Porto Velho (RO) para Manaus (AM). O fator decisivo para esse corte na malha aérea foi a judicialização enfrentada em Rondônia, informa a companhia, em nota.

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A Azul diz, por meio de nota, que “a judicialização é um problema crítico do Brasil, e os excessos trazem consequências importantes para o setor aéreo. Os impactos vão desde o aumento dos custos e das passagens aéreas, a redução da oferta de voos e podem chegar até a inviabilidade econômica das empresas”.

Por que o País está no topo do ranking da judicialização?

Apesar de o cidadão comum perceber perda gradativa de qualidade dos serviços prestados pelas companhias e aumentos das tarifas – dois pontos refutados veementemente pelas empresas aéreas –, a verdadeira causa do avanço da judicialização, segundo Bernardi, “é uma interpretação inadequada dos tribunais sobre o cabimento do dano moral presumido nas hipóteses de atraso de cancelamento de voo, ou mesmo de problemas com bagagem”.

Existe uma legislação específica do setor que exige a comprovação do dano moral. Inclusive, segundo o consultor, há posições do STJ em ações envolvendo transporte aéreo, relatando que, em caso de atraso, por exemplo, o passageiro precisa comprovar o motivo pelo qual é alegado o dano moral.

No entanto, esses princípios, de acordo com Bernardi, nunca foram aplicados no Brasil. Começou-se a seguir as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) de forma extremamente ampla e inadequada no transporte aéreo. É que muitas vezes voos são atrasados ou cancelados por questões meteorológicas, de segurança e, mesmo assim, aplica-se o dano moral nas ações.

A presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, também atribui o excesso de judicialização no setor aéreo à interpretação da Justiça de dano moral sem a comprovação. Neste caso, os valores aumentam muito. A indenização de um bilhete de R$ 200, R$ 300 pode chegar a R$ 20 mil em caso de dano moral. E isso onera todo o setor, observa.

“Nossas empresas são muito competitivas e prestam um bom serviço”, ressalta a executiva, citando dados de rankings internacionais. A regularidade de voos no Brasil, por exemplo, é de 98%, indicador semelhante ao dos Estados Unidos e da Europa, diz. Quanto à pontualidade, no Brasil é de 82%, à frente dos EUA (74%) e da Europa (80%).

Apesar de outros países terem indicadores piores em relação ao Brasil, o volume de processos é menor porque o ambiente regulatório dificulta um pouco esse tipo de ação, argumenta.

‘Sites abutres’

Tanto a presidente da Abear como o diretor geral da IATA no Brasil apontam empresas que fomentam o litígio, que eles denominam como “sites abutres”, como outro fator que ajuda a turbinar o volume de ações contra as companhias aéreas.

Esses sites, segundo os executivos, abordam passageiros que tiveram problemas e oferecem os serviços de litigância. Jurema conta que há escritórios de advocacia que ficam dentro dos aeroportos monitorando voos com atraso para identificar passageiros que tiveram algum prejuízo e estimular que eles acionem a Justiça, antes mesmo de procurar a companhia aérea para obter uma solução administrativa.

Segundo o diretor de relações externas da IATA, Marcelo Pedroso, alguns sites compram os direitos creditórios. Outros obtêm procuração do passageiro, entram na Justiça e cobram um porcentual sobre o valor da causa ganha.

Pedroso diz que chegaram a ser identificados 65 sites atuando desta forma e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) conseguiu bloquear 40, sob a alegação de que o advogado não pode fomentar a litigância em benefício próprio.

Luciano Barreto, diretor geral da empresa AirHelp, plataforma líder mundial em diretos de passageiros aéreos, porém, contesta essas acusações. “As companhias aéreas têm o hábito de dizer que empresas como a AirHelp fazem essa judicialização predatória, mas isso não é verdade”, diz. Ele conta que na totalidade dos casos que a empresa tenta resolver diretamente, sem intervenção da Justiça, as companhias aéreas no Brasil preferem postergar o processo e não abrem um canal direto de negociação. “As empresas (aéreas) são as grandes incentivadoras desse grande número de processos”, afirma o executivo.

O trabalho da startup, que não revela faturamento, número de clientes atendidos nem a posição do Brasil entre os demais países onde atua, é identificar os direitos dos passageiros que tiveram algum problema e encaminhá-los para escritórios de advocacia parceiros, diz Barreto. “A AirHelp atua para tentar ser esse facilitador”, diz. Inicialmente é feita uma triagem para verificar se cabe um pedido de indenização. Barreto conta que a empresa rejeita mais de 80% dos casos. Mesmo assim, antes de iniciar o processo judicial é tentada uma negociação direta com a companhia aérea. Fundada em 2013 na Dinamarca, a AirHelp está presente em 35 países e atua desde 2021 no Brasil.

Reclamações

A presidente da Abear, por sua vez, diz que o setor aéreo foi o primeiro a assinar com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, um compromisso para usar a plataforma do consumidor.gov.br como instrumento de mediação. E os índices obtidos têm sido muito bons, destaca a executiva.

De 2022 para 2023, houve uma redução de 30% no número de queixas registrada na plataforma e um aumento de 10% no índice de resolução de problemas. E a nota dada pelos usuários que registraram alguma reclamação sobre o setor foi de 3,82, a melhor desde o início da série histórica da plataforma consumidor.gov.br, no primeiro trimestre de 2017. A nota varia entre 1 e 5.

Dados da Fundação Procon de São Paulo mostram que no primeiro trimestre deste ano foram registradas 2.134 queixas contra o setor aéreo, um volume quase 4% menor em relação a igual período do ano passado e um quarto do que foi no primeiro trimestre de 2022.

Apesar da queda, os dados da plataforma consumidor.gov.br mostram que desde 2022 o setor aéreo é o segundo mais reclamado, atrás apenas de cartões de crédito. Em 2020, ele ocupava a quinta posição no ranking dos assuntos mais reclamados e, no ano seguinte, subiu para o terceiro lugar.

A presidente da Abear ressalta que o setor nunca se colocou contrário ao direito do passageiro de acessar a Justiça e a própria companhia, caso o contrato não seja cumprido. “Isso é um direito que tem de ser mantido.” Mas ela frisa que é preciso melhorar o ambiente regulatório para reduzir o custo da judicialização.

O setor aéreo brasileiro vive uma situação paradoxal. Por um lado, há uma enorme queixa dos consumidores em relação aos serviços prestados pelas empresas. Atrasos, cancelamentos, voos lotados e dificuldades de conseguir reembolso são alguns dos problemas que levam as pessoas à Justiça contra as aéreas e transformaram o Brasil em um campeão mundial da judicialização. Por outro, o setor diz que esse excesso de processos prejudica a operação das empresas, encarece as passagens, reduz a malha aérea e afasta novos competidores - que poderiam forçar uma melhora nos serviços.

De acordo com a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), com base em informações reportadas pelas empresas à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o custo dos processos movidos por passageiros supera R$ 1 bilhão por ano. Apesar de o setor ter muitos problemas e o serviço deixar a desejar aos consumidores, os números brasileiros são bem acima da média mundial.

“Obviamente, isso é repassado para o preço do bilhete”, diz o diretor geral da IATA no Brasil, Dany Oliveira. Ele calcula que a despesa representa entre R$ 10 e R$ 12 do valor de cada bilhete vendido, levando em conta que cerca de 100 milhões de passageiros são transportados anualmente no País.

Brasil é campeão de processos contra companhias aéreas Foto: Fabio Motta/Estadão

Um levantamento feito pela Latam mostra que o Brasil, que representa quase metade da operação de todo o grupo, responde por mais de 98% dos processos judiciais movidos pelos clientes contra a companhia. A empresa atua no Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru, e tem voos internacionais dentro da América Latina e para Europa, Oceania, Estados Unidos e o Caribe.

Em nota, a Latam diz que o dado “demonstra a magnitude deste fenômeno no Brasil”. “Apesar de ser reconhecida como a segunda empresa mais pontual do mundo em 2023, de acordo como o ranking da Official Airlines Guide (OAG), houve um incremento de quase 33% no número de ações judiciais no Brasil de 2022 para 2023.” Para 2024, a empresa prevê um gasto de mais de R$ 350 milhões apenas com custos da judicialização no País.

“O dado da Latam é compatível com o mercado e o problema pode ser ainda maior”, afirma Ricardo Bernardi, especialista em Direito Aeronáutico do escritório Bernardi&Schnapp e consultor jurídico da IATA no Brasil.

Ele pondera que não há números gerais sobre a judicialização. No entanto, um levantamento feito pelo consultor da IATA reforça que o Brasil ocupa o pódio dos países com maior número de processos movidos por clientes contra companhias aéreas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2019 uma ação foi movida para cada 1,2 milhão de passageiros transportados. No mesmo período, a proporção no Brasil foi muito maior: de uma ação para cada 227 passageiros. O levantamento considerou dados de três principais companhias aéreas que operam entre Brasil e Estados Unidos.

Essa discrepância se repete quando se compara o mercado brasileiro com outros países da América Latina. Considerando empresas que atuam no País e no México, por exemplo, em 2019, uma ação foi movida a cada 522 passageiros transportados no Brasil. Já no México essa relação foi de uma ação para quase 27 mil passageiros.

Impactos

Além da pressão nas tarifas, a judicialização excessiva cria uma barreira à entrada de novas empresas interessadas em voar no País. Elas veem nesse grande volume de processos um risco à operação.

Jurema Monteiro, presidente da Abear, diz que 'site abutres' turbinam o número de processos Foto: Erivelton Viana

O diretor da IATA lembra que, em entrevistas recentes, executivos de duas companhias de baixo custo, a JetSmart, baseada no Chile, e a Flybondi, na Argentina, relataram a grande preocupação dos custos de ação judicial no Brasil. “Não apenas pelo custo, que já é muito alto, mas porque traz muita insegurança jurídica para o negócio, postergando o enorme potencial (de mercado) a ser destravado”, diz Oliveira.

Esse grande volume de processos também complica a vida das companhias já estabelecidas no País. A Gol, por exemplo, que entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos em janeiro deste ano, reduziu em julho do ano passado em 48% a oferta de assentos no Estado de Rondônia em relação a maio de 2023.

Além disso, a empresa cancelou voos de Porto Velho (RO) para Manaus (AM). O fator decisivo para esse corte na malha aérea foi a judicialização enfrentada em Rondônia, informa a companhia, em nota.

A Azul diz, por meio de nota, que “a judicialização é um problema crítico do Brasil, e os excessos trazem consequências importantes para o setor aéreo. Os impactos vão desde o aumento dos custos e das passagens aéreas, a redução da oferta de voos e podem chegar até a inviabilidade econômica das empresas”.

Por que o País está no topo do ranking da judicialização?

Apesar de o cidadão comum perceber perda gradativa de qualidade dos serviços prestados pelas companhias e aumentos das tarifas – dois pontos refutados veementemente pelas empresas aéreas –, a verdadeira causa do avanço da judicialização, segundo Bernardi, “é uma interpretação inadequada dos tribunais sobre o cabimento do dano moral presumido nas hipóteses de atraso de cancelamento de voo, ou mesmo de problemas com bagagem”.

Existe uma legislação específica do setor que exige a comprovação do dano moral. Inclusive, segundo o consultor, há posições do STJ em ações envolvendo transporte aéreo, relatando que, em caso de atraso, por exemplo, o passageiro precisa comprovar o motivo pelo qual é alegado o dano moral.

No entanto, esses princípios, de acordo com Bernardi, nunca foram aplicados no Brasil. Começou-se a seguir as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) de forma extremamente ampla e inadequada no transporte aéreo. É que muitas vezes voos são atrasados ou cancelados por questões meteorológicas, de segurança e, mesmo assim, aplica-se o dano moral nas ações.

A presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, também atribui o excesso de judicialização no setor aéreo à interpretação da Justiça de dano moral sem a comprovação. Neste caso, os valores aumentam muito. A indenização de um bilhete de R$ 200, R$ 300 pode chegar a R$ 20 mil em caso de dano moral. E isso onera todo o setor, observa.

“Nossas empresas são muito competitivas e prestam um bom serviço”, ressalta a executiva, citando dados de rankings internacionais. A regularidade de voos no Brasil, por exemplo, é de 98%, indicador semelhante ao dos Estados Unidos e da Europa, diz. Quanto à pontualidade, no Brasil é de 82%, à frente dos EUA (74%) e da Europa (80%).

Apesar de outros países terem indicadores piores em relação ao Brasil, o volume de processos é menor porque o ambiente regulatório dificulta um pouco esse tipo de ação, argumenta.

‘Sites abutres’

Tanto a presidente da Abear como o diretor geral da IATA no Brasil apontam empresas que fomentam o litígio, que eles denominam como “sites abutres”, como outro fator que ajuda a turbinar o volume de ações contra as companhias aéreas.

Esses sites, segundo os executivos, abordam passageiros que tiveram problemas e oferecem os serviços de litigância. Jurema conta que há escritórios de advocacia que ficam dentro dos aeroportos monitorando voos com atraso para identificar passageiros que tiveram algum prejuízo e estimular que eles acionem a Justiça, antes mesmo de procurar a companhia aérea para obter uma solução administrativa.

Segundo o diretor de relações externas da IATA, Marcelo Pedroso, alguns sites compram os direitos creditórios. Outros obtêm procuração do passageiro, entram na Justiça e cobram um porcentual sobre o valor da causa ganha.

Pedroso diz que chegaram a ser identificados 65 sites atuando desta forma e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) conseguiu bloquear 40, sob a alegação de que o advogado não pode fomentar a litigância em benefício próprio.

Luciano Barreto, diretor geral da empresa AirHelp, plataforma líder mundial em diretos de passageiros aéreos, porém, contesta essas acusações. “As companhias aéreas têm o hábito de dizer que empresas como a AirHelp fazem essa judicialização predatória, mas isso não é verdade”, diz. Ele conta que na totalidade dos casos que a empresa tenta resolver diretamente, sem intervenção da Justiça, as companhias aéreas no Brasil preferem postergar o processo e não abrem um canal direto de negociação. “As empresas (aéreas) são as grandes incentivadoras desse grande número de processos”, afirma o executivo.

O trabalho da startup, que não revela faturamento, número de clientes atendidos nem a posição do Brasil entre os demais países onde atua, é identificar os direitos dos passageiros que tiveram algum problema e encaminhá-los para escritórios de advocacia parceiros, diz Barreto. “A AirHelp atua para tentar ser esse facilitador”, diz. Inicialmente é feita uma triagem para verificar se cabe um pedido de indenização. Barreto conta que a empresa rejeita mais de 80% dos casos. Mesmo assim, antes de iniciar o processo judicial é tentada uma negociação direta com a companhia aérea. Fundada em 2013 na Dinamarca, a AirHelp está presente em 35 países e atua desde 2021 no Brasil.

Reclamações

A presidente da Abear, por sua vez, diz que o setor aéreo foi o primeiro a assinar com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, um compromisso para usar a plataforma do consumidor.gov.br como instrumento de mediação. E os índices obtidos têm sido muito bons, destaca a executiva.

De 2022 para 2023, houve uma redução de 30% no número de queixas registrada na plataforma e um aumento de 10% no índice de resolução de problemas. E a nota dada pelos usuários que registraram alguma reclamação sobre o setor foi de 3,82, a melhor desde o início da série histórica da plataforma consumidor.gov.br, no primeiro trimestre de 2017. A nota varia entre 1 e 5.

Dados da Fundação Procon de São Paulo mostram que no primeiro trimestre deste ano foram registradas 2.134 queixas contra o setor aéreo, um volume quase 4% menor em relação a igual período do ano passado e um quarto do que foi no primeiro trimestre de 2022.

Apesar da queda, os dados da plataforma consumidor.gov.br mostram que desde 2022 o setor aéreo é o segundo mais reclamado, atrás apenas de cartões de crédito. Em 2020, ele ocupava a quinta posição no ranking dos assuntos mais reclamados e, no ano seguinte, subiu para o terceiro lugar.

A presidente da Abear ressalta que o setor nunca se colocou contrário ao direito do passageiro de acessar a Justiça e a própria companhia, caso o contrato não seja cumprido. “Isso é um direito que tem de ser mantido.” Mas ela frisa que é preciso melhorar o ambiente regulatório para reduzir o custo da judicialização.

O setor aéreo brasileiro vive uma situação paradoxal. Por um lado, há uma enorme queixa dos consumidores em relação aos serviços prestados pelas empresas. Atrasos, cancelamentos, voos lotados e dificuldades de conseguir reembolso são alguns dos problemas que levam as pessoas à Justiça contra as aéreas e transformaram o Brasil em um campeão mundial da judicialização. Por outro, o setor diz que esse excesso de processos prejudica a operação das empresas, encarece as passagens, reduz a malha aérea e afasta novos competidores - que poderiam forçar uma melhora nos serviços.

De acordo com a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), com base em informações reportadas pelas empresas à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o custo dos processos movidos por passageiros supera R$ 1 bilhão por ano. Apesar de o setor ter muitos problemas e o serviço deixar a desejar aos consumidores, os números brasileiros são bem acima da média mundial.

“Obviamente, isso é repassado para o preço do bilhete”, diz o diretor geral da IATA no Brasil, Dany Oliveira. Ele calcula que a despesa representa entre R$ 10 e R$ 12 do valor de cada bilhete vendido, levando em conta que cerca de 100 milhões de passageiros são transportados anualmente no País.

Brasil é campeão de processos contra companhias aéreas Foto: Fabio Motta/Estadão

Um levantamento feito pela Latam mostra que o Brasil, que representa quase metade da operação de todo o grupo, responde por mais de 98% dos processos judiciais movidos pelos clientes contra a companhia. A empresa atua no Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru, e tem voos internacionais dentro da América Latina e para Europa, Oceania, Estados Unidos e o Caribe.

Em nota, a Latam diz que o dado “demonstra a magnitude deste fenômeno no Brasil”. “Apesar de ser reconhecida como a segunda empresa mais pontual do mundo em 2023, de acordo como o ranking da Official Airlines Guide (OAG), houve um incremento de quase 33% no número de ações judiciais no Brasil de 2022 para 2023.” Para 2024, a empresa prevê um gasto de mais de R$ 350 milhões apenas com custos da judicialização no País.

“O dado da Latam é compatível com o mercado e o problema pode ser ainda maior”, afirma Ricardo Bernardi, especialista em Direito Aeronáutico do escritório Bernardi&Schnapp e consultor jurídico da IATA no Brasil.

Ele pondera que não há números gerais sobre a judicialização. No entanto, um levantamento feito pelo consultor da IATA reforça que o Brasil ocupa o pódio dos países com maior número de processos movidos por clientes contra companhias aéreas.

Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2019 uma ação foi movida para cada 1,2 milhão de passageiros transportados. No mesmo período, a proporção no Brasil foi muito maior: de uma ação para cada 227 passageiros. O levantamento considerou dados de três principais companhias aéreas que operam entre Brasil e Estados Unidos.

Essa discrepância se repete quando se compara o mercado brasileiro com outros países da América Latina. Considerando empresas que atuam no País e no México, por exemplo, em 2019, uma ação foi movida a cada 522 passageiros transportados no Brasil. Já no México essa relação foi de uma ação para quase 27 mil passageiros.

Impactos

Além da pressão nas tarifas, a judicialização excessiva cria uma barreira à entrada de novas empresas interessadas em voar no País. Elas veem nesse grande volume de processos um risco à operação.

Jurema Monteiro, presidente da Abear, diz que 'site abutres' turbinam o número de processos Foto: Erivelton Viana

O diretor da IATA lembra que, em entrevistas recentes, executivos de duas companhias de baixo custo, a JetSmart, baseada no Chile, e a Flybondi, na Argentina, relataram a grande preocupação dos custos de ação judicial no Brasil. “Não apenas pelo custo, que já é muito alto, mas porque traz muita insegurança jurídica para o negócio, postergando o enorme potencial (de mercado) a ser destravado”, diz Oliveira.

Esse grande volume de processos também complica a vida das companhias já estabelecidas no País. A Gol, por exemplo, que entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos em janeiro deste ano, reduziu em julho do ano passado em 48% a oferta de assentos no Estado de Rondônia em relação a maio de 2023.

Além disso, a empresa cancelou voos de Porto Velho (RO) para Manaus (AM). O fator decisivo para esse corte na malha aérea foi a judicialização enfrentada em Rondônia, informa a companhia, em nota.

A Azul diz, por meio de nota, que “a judicialização é um problema crítico do Brasil, e os excessos trazem consequências importantes para o setor aéreo. Os impactos vão desde o aumento dos custos e das passagens aéreas, a redução da oferta de voos e podem chegar até a inviabilidade econômica das empresas”.

Por que o País está no topo do ranking da judicialização?

Apesar de o cidadão comum perceber perda gradativa de qualidade dos serviços prestados pelas companhias e aumentos das tarifas – dois pontos refutados veementemente pelas empresas aéreas –, a verdadeira causa do avanço da judicialização, segundo Bernardi, “é uma interpretação inadequada dos tribunais sobre o cabimento do dano moral presumido nas hipóteses de atraso de cancelamento de voo, ou mesmo de problemas com bagagem”.

Existe uma legislação específica do setor que exige a comprovação do dano moral. Inclusive, segundo o consultor, há posições do STJ em ações envolvendo transporte aéreo, relatando que, em caso de atraso, por exemplo, o passageiro precisa comprovar o motivo pelo qual é alegado o dano moral.

No entanto, esses princípios, de acordo com Bernardi, nunca foram aplicados no Brasil. Começou-se a seguir as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) de forma extremamente ampla e inadequada no transporte aéreo. É que muitas vezes voos são atrasados ou cancelados por questões meteorológicas, de segurança e, mesmo assim, aplica-se o dano moral nas ações.

A presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Jurema Monteiro, também atribui o excesso de judicialização no setor aéreo à interpretação da Justiça de dano moral sem a comprovação. Neste caso, os valores aumentam muito. A indenização de um bilhete de R$ 200, R$ 300 pode chegar a R$ 20 mil em caso de dano moral. E isso onera todo o setor, observa.

“Nossas empresas são muito competitivas e prestam um bom serviço”, ressalta a executiva, citando dados de rankings internacionais. A regularidade de voos no Brasil, por exemplo, é de 98%, indicador semelhante ao dos Estados Unidos e da Europa, diz. Quanto à pontualidade, no Brasil é de 82%, à frente dos EUA (74%) e da Europa (80%).

Apesar de outros países terem indicadores piores em relação ao Brasil, o volume de processos é menor porque o ambiente regulatório dificulta um pouco esse tipo de ação, argumenta.

‘Sites abutres’

Tanto a presidente da Abear como o diretor geral da IATA no Brasil apontam empresas que fomentam o litígio, que eles denominam como “sites abutres”, como outro fator que ajuda a turbinar o volume de ações contra as companhias aéreas.

Esses sites, segundo os executivos, abordam passageiros que tiveram problemas e oferecem os serviços de litigância. Jurema conta que há escritórios de advocacia que ficam dentro dos aeroportos monitorando voos com atraso para identificar passageiros que tiveram algum prejuízo e estimular que eles acionem a Justiça, antes mesmo de procurar a companhia aérea para obter uma solução administrativa.

Segundo o diretor de relações externas da IATA, Marcelo Pedroso, alguns sites compram os direitos creditórios. Outros obtêm procuração do passageiro, entram na Justiça e cobram um porcentual sobre o valor da causa ganha.

Pedroso diz que chegaram a ser identificados 65 sites atuando desta forma e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) conseguiu bloquear 40, sob a alegação de que o advogado não pode fomentar a litigância em benefício próprio.

Luciano Barreto, diretor geral da empresa AirHelp, plataforma líder mundial em diretos de passageiros aéreos, porém, contesta essas acusações. “As companhias aéreas têm o hábito de dizer que empresas como a AirHelp fazem essa judicialização predatória, mas isso não é verdade”, diz. Ele conta que na totalidade dos casos que a empresa tenta resolver diretamente, sem intervenção da Justiça, as companhias aéreas no Brasil preferem postergar o processo e não abrem um canal direto de negociação. “As empresas (aéreas) são as grandes incentivadoras desse grande número de processos”, afirma o executivo.

O trabalho da startup, que não revela faturamento, número de clientes atendidos nem a posição do Brasil entre os demais países onde atua, é identificar os direitos dos passageiros que tiveram algum problema e encaminhá-los para escritórios de advocacia parceiros, diz Barreto. “A AirHelp atua para tentar ser esse facilitador”, diz. Inicialmente é feita uma triagem para verificar se cabe um pedido de indenização. Barreto conta que a empresa rejeita mais de 80% dos casos. Mesmo assim, antes de iniciar o processo judicial é tentada uma negociação direta com a companhia aérea. Fundada em 2013 na Dinamarca, a AirHelp está presente em 35 países e atua desde 2021 no Brasil.

Reclamações

A presidente da Abear, por sua vez, diz que o setor aéreo foi o primeiro a assinar com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, um compromisso para usar a plataforma do consumidor.gov.br como instrumento de mediação. E os índices obtidos têm sido muito bons, destaca a executiva.

De 2022 para 2023, houve uma redução de 30% no número de queixas registrada na plataforma e um aumento de 10% no índice de resolução de problemas. E a nota dada pelos usuários que registraram alguma reclamação sobre o setor foi de 3,82, a melhor desde o início da série histórica da plataforma consumidor.gov.br, no primeiro trimestre de 2017. A nota varia entre 1 e 5.

Dados da Fundação Procon de São Paulo mostram que no primeiro trimestre deste ano foram registradas 2.134 queixas contra o setor aéreo, um volume quase 4% menor em relação a igual período do ano passado e um quarto do que foi no primeiro trimestre de 2022.

Apesar da queda, os dados da plataforma consumidor.gov.br mostram que desde 2022 o setor aéreo é o segundo mais reclamado, atrás apenas de cartões de crédito. Em 2020, ele ocupava a quinta posição no ranking dos assuntos mais reclamados e, no ano seguinte, subiu para o terceiro lugar.

A presidente da Abear ressalta que o setor nunca se colocou contrário ao direito do passageiro de acessar a Justiça e a própria companhia, caso o contrato não seja cumprido. “Isso é um direito que tem de ser mantido.” Mas ela frisa que é preciso melhorar o ambiente regulatório para reduzir o custo da judicialização.

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