‘O setor privado precisa ser mais ambicioso na transição energética’, diz Denise Hills


Conselheira de empresas e pioneira global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela ONU, executiva afirma que mercado está em ‘tensão’ diante da necessidade de fazer grandes investimentos e da escassez de capital

Por Luciana Dyniewicz
Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Entrevista comDenise HillsConselheira e pioneira global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

A transição energética vai demandar investimentos vultosos por parte das empresas, que terão de fazer grandes aportes em novas tecnologias, mas podem demorar para ter retornos. Não investir, porém, será arriscado, segundo Denise Hills, conselheira de empresas e pioneira global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela ONU. “Nós (setor privado) precisamos ser mais ambiciosos, mas o capital é escasso. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão”, afirma a executiva, que já comandou as áreas de sustentabilidade da Natura e do Itaú. Como pioneira dos ODS, Hills trabalha pela implementação, no mundo corporativo, de princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção.

Hills acrescenta que companhias que não forem ousadas na transição energética poderão quebrar quando novas soluções surgirem no exterior. “Existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou posso quebrar – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo à inovação mais verde.”

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Ela destaca que o desafio do Brasil na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30) – marcada para acontecer em novembro de 2025 em Belém – é se mostrar como um país que traz soluções para o mundo controlar o aquecimento global, e não como parte do problema.

A seguir, trechos da entrevista:

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O Brasil está preparado para receber a COP-30 e aproveitar a conferência para mostrar ao mundo seu potencial como um país que pode oferecer soluções econômicas ‘verdes’?

Seja pelas questões climáticas, pelo papel da floresta, dos biomas e da biodiversidade, pela relevância de uma matriz energética limpa ou por o País ter 15% do mercado global de soluções baseadas na natureza, a gente é muito relevante nessa discussão – daí a importância de receber e se preparar para esse evento. Nos últimos anos, a gente vem acompanhando uma evolução de planos do governo, da transição ecológica, de regulamentação do mercado de carbono... É importante o País se preparar, estar pronto para oferecer soluções e se posicionar como alguém relevante, inclusive para capturar fundos de mitigação e adaptação. É muito importante ter um evento como esse no Brasil, e eu creio que a jornada daqui até lá é a de garantir que o Brasil tenha uma posição protagonista nas soluções para as mudanças climáticas.

'A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática', diz a executiva Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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O que é preciso fazer para ser protagonista?

Por um lado, a gente vem caminhando para bater nossa meta de emissões, com a redução do desmatamento; por outro lado, temos imensos desafios para criar políticas públicas e arcabouços. O governo já apresentou o plano de transformação ecológica e vem trabalhando para garantir que o mercado de carbono se implemente. O que ainda é difícil? Articulação entre os diversos organismos do governo para garantir que tenhamos propostas. Propostas que possam dar garantia institucional para investimentos virem para o Brasil. Uma preocupação é lembrar que a COP-30, apesar de acontecer na floresta, não é só sobre a floresta. É sobre como a gente faz uma economia menos emissora, mais inclusiva e mais eficiente. Muito se fala da posição no Brasil, porque pouquíssimos países têm uma matriz energética limpa com essa capacidade e autonomia. Mas estamos falando também de sistemas alimentares que, desde a última COP, fazem parte da agenda de clima, e o Brasil é um exemplo na produção de alimentos e da tecnologia agrícola. O grande desafio é mostrar essa economia mais a favor de um enfrentamento das mudanças climáticas, menos emissora. Um lugar que possa atrair industrialização e investimentos com essa característica e, principalmente, trazer esse olhar de um grande exemplo do sul global, que pode ser muito mais a solução e cada vez menos ser parte do problema. A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática, além de alinhar incentivos para promover um desenvolvimento que considere isso como base, não como exceção. Quero crer que vários dos exemplos do que pode ser feito já estão acontecendo aqui. O grande desafio é a escala.

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O governo está fazendo sua parte para o País conseguir esse protagonismo?

O desafio é coordenar os programas entre os diversos ministérios. Temos visto que joga contra – ou a favor – a intensificação dos efeitos do clima, que são críticos para a economia do Brasil. Tem cidades e estados que ainda não têm planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O que a gente está vendo como excepcional – o que aconteceu no Rio Grande do Sul, as queimadas no Cerrado – é o novo normal. Não estamos adaptados. Precisamos definir quais são os planos e começar a implementá-los. Tudo isso vai requerer alinhamento de incentivos e de fundos, que vão ter que caminhar para a mitigação dos efeitos e para adaptação da economia a essas mudanças do clima. Mas este é um País que, apesar de sofrer os efeitos das mudanças do clima, tem mais a ganhar, pode ser solução. O Brasil tem uma posição muito especial, que não vai durar para sempre, mas está muito à frente em termos como transição energética.

Qual é o papel das empresas nisso?

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O setor financeiro, por exemplo, tem um papel – e acho que tem avançado nele – de financiar mais essa economia verde. Mais recentemente os bancos passaram a reportar as suas emissões. Reportar as emissões financiadas é uma forma de dizer: ‘estou financiando atividades que são menos emissoras e estou restringindo o crédito para atividades que são marrom’. Isso é um movimento que não começou hoje, mas tem se intensificado.

Para Hills, transição energética pode colocar empresas em risco por causa da necessidade de grandes investimentos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

E das empresas em geral?

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O desafio das empresas é inovar e se adaptar a essa nova economia. Daqui para frente, qualquer atividade emissora de carbono tende a ter um custo adicional e qualquer atividade menos emissora tende a receber (recursos). Mas isso vem com uma rapidez muito grande de inovação e de atração de capital para esse tipo de transformação, que não é pequena e não é de curto prazo. As empresas necessitam de investimentos intensivos. Por outro lado, tem excelentes exemplos do que elas podem fazer: etanol de segunda geração, regeneração de floresta com precificação de carbono, pagamentos por serviços ambientais. O papel das empresas é entender que essa mudança veio para ficar, que carbono é um dado que tem de ser considerado quando se arquiteta alocação de capital. É impossível negociar qualquer coisa fora do Brasil sem saber demonstrar se as atividades vêm de algo relacionado ao desmatamento ou se você considerou o risco das mudanças climáticas como parte da equação.

Muitas empresas ligadas à transição energética têm pedido subsídios ao governo para desenvolver suas atividades e investir no País. O setor privado não precisa assumir riscos também?

A questão é como você materializa (a transição energética) e quanto você precisa de capital para fazer isso. Pode ser que essa seja uma questão de caixa, porque fazer uma transição como essa pode colocar várias empresas em risco. A pauta que o setor empresarial discute com o governo, por exemplo, é se os incentivos estão alinhados. Se o subsídio do governo não está mais conectado às atividades mais emissoras, ao invés de patrocinar a inovação em atividades menos emissoras. Por outro lado: dá para fazer isso amanhã? Amanhã a gente faz as contas, baixa um decreto, zera os subsídios de um lado e os coloca para outro lado? Não, porque a gente ainda não tem resposta da tecnologia para 100% da economia deste lado (de baixo carbono). Então tem que ir calibrando os incentivos.

As empresas estão, então, fazendo o que é possível?

Acho que as empresas poderiam ser mais ambiciosas. Elas vão precisar investir muito dinheiro em alguns setores e vão capturar esse valor talvez em muito tempo. Existe um risco de quanto tempo isso vai levar e quanto caixa a empresa tem para fazer essa transição. Por outro lado, também existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou meu negócio vai quebrar por alguma tecnologia nova – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo a inovação ‘verde’. A gente precisa ser mais ambicioso, mas o capital é escasso, a gente está em um momento de inflação no mundo inteiro. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão.

A transição energética vai demandar investimentos vultosos por parte das empresas, que terão de fazer grandes aportes em novas tecnologias, mas podem demorar para ter retornos. Não investir, porém, será arriscado, segundo Denise Hills, conselheira de empresas e pioneira global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela ONU. “Nós (setor privado) precisamos ser mais ambiciosos, mas o capital é escasso. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão”, afirma a executiva, que já comandou as áreas de sustentabilidade da Natura e do Itaú. Como pioneira dos ODS, Hills trabalha pela implementação, no mundo corporativo, de princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção.

Hills acrescenta que companhias que não forem ousadas na transição energética poderão quebrar quando novas soluções surgirem no exterior. “Existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou posso quebrar – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo à inovação mais verde.”

Ela destaca que o desafio do Brasil na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30) – marcada para acontecer em novembro de 2025 em Belém – é se mostrar como um país que traz soluções para o mundo controlar o aquecimento global, e não como parte do problema.

A seguir, trechos da entrevista:

O Brasil está preparado para receber a COP-30 e aproveitar a conferência para mostrar ao mundo seu potencial como um país que pode oferecer soluções econômicas ‘verdes’?

Seja pelas questões climáticas, pelo papel da floresta, dos biomas e da biodiversidade, pela relevância de uma matriz energética limpa ou por o País ter 15% do mercado global de soluções baseadas na natureza, a gente é muito relevante nessa discussão – daí a importância de receber e se preparar para esse evento. Nos últimos anos, a gente vem acompanhando uma evolução de planos do governo, da transição ecológica, de regulamentação do mercado de carbono... É importante o País se preparar, estar pronto para oferecer soluções e se posicionar como alguém relevante, inclusive para capturar fundos de mitigação e adaptação. É muito importante ter um evento como esse no Brasil, e eu creio que a jornada daqui até lá é a de garantir que o Brasil tenha uma posição protagonista nas soluções para as mudanças climáticas.

'A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática', diz a executiva Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O que é preciso fazer para ser protagonista?

Por um lado, a gente vem caminhando para bater nossa meta de emissões, com a redução do desmatamento; por outro lado, temos imensos desafios para criar políticas públicas e arcabouços. O governo já apresentou o plano de transformação ecológica e vem trabalhando para garantir que o mercado de carbono se implemente. O que ainda é difícil? Articulação entre os diversos organismos do governo para garantir que tenhamos propostas. Propostas que possam dar garantia institucional para investimentos virem para o Brasil. Uma preocupação é lembrar que a COP-30, apesar de acontecer na floresta, não é só sobre a floresta. É sobre como a gente faz uma economia menos emissora, mais inclusiva e mais eficiente. Muito se fala da posição no Brasil, porque pouquíssimos países têm uma matriz energética limpa com essa capacidade e autonomia. Mas estamos falando também de sistemas alimentares que, desde a última COP, fazem parte da agenda de clima, e o Brasil é um exemplo na produção de alimentos e da tecnologia agrícola. O grande desafio é mostrar essa economia mais a favor de um enfrentamento das mudanças climáticas, menos emissora. Um lugar que possa atrair industrialização e investimentos com essa característica e, principalmente, trazer esse olhar de um grande exemplo do sul global, que pode ser muito mais a solução e cada vez menos ser parte do problema. A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática, além de alinhar incentivos para promover um desenvolvimento que considere isso como base, não como exceção. Quero crer que vários dos exemplos do que pode ser feito já estão acontecendo aqui. O grande desafio é a escala.

O governo está fazendo sua parte para o País conseguir esse protagonismo?

O desafio é coordenar os programas entre os diversos ministérios. Temos visto que joga contra – ou a favor – a intensificação dos efeitos do clima, que são críticos para a economia do Brasil. Tem cidades e estados que ainda não têm planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O que a gente está vendo como excepcional – o que aconteceu no Rio Grande do Sul, as queimadas no Cerrado – é o novo normal. Não estamos adaptados. Precisamos definir quais são os planos e começar a implementá-los. Tudo isso vai requerer alinhamento de incentivos e de fundos, que vão ter que caminhar para a mitigação dos efeitos e para adaptação da economia a essas mudanças do clima. Mas este é um País que, apesar de sofrer os efeitos das mudanças do clima, tem mais a ganhar, pode ser solução. O Brasil tem uma posição muito especial, que não vai durar para sempre, mas está muito à frente em termos como transição energética.

Qual é o papel das empresas nisso?

O setor financeiro, por exemplo, tem um papel – e acho que tem avançado nele – de financiar mais essa economia verde. Mais recentemente os bancos passaram a reportar as suas emissões. Reportar as emissões financiadas é uma forma de dizer: ‘estou financiando atividades que são menos emissoras e estou restringindo o crédito para atividades que são marrom’. Isso é um movimento que não começou hoje, mas tem se intensificado.

Para Hills, transição energética pode colocar empresas em risco por causa da necessidade de grandes investimentos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

E das empresas em geral?

O desafio das empresas é inovar e se adaptar a essa nova economia. Daqui para frente, qualquer atividade emissora de carbono tende a ter um custo adicional e qualquer atividade menos emissora tende a receber (recursos). Mas isso vem com uma rapidez muito grande de inovação e de atração de capital para esse tipo de transformação, que não é pequena e não é de curto prazo. As empresas necessitam de investimentos intensivos. Por outro lado, tem excelentes exemplos do que elas podem fazer: etanol de segunda geração, regeneração de floresta com precificação de carbono, pagamentos por serviços ambientais. O papel das empresas é entender que essa mudança veio para ficar, que carbono é um dado que tem de ser considerado quando se arquiteta alocação de capital. É impossível negociar qualquer coisa fora do Brasil sem saber demonstrar se as atividades vêm de algo relacionado ao desmatamento ou se você considerou o risco das mudanças climáticas como parte da equação.

Muitas empresas ligadas à transição energética têm pedido subsídios ao governo para desenvolver suas atividades e investir no País. O setor privado não precisa assumir riscos também?

A questão é como você materializa (a transição energética) e quanto você precisa de capital para fazer isso. Pode ser que essa seja uma questão de caixa, porque fazer uma transição como essa pode colocar várias empresas em risco. A pauta que o setor empresarial discute com o governo, por exemplo, é se os incentivos estão alinhados. Se o subsídio do governo não está mais conectado às atividades mais emissoras, ao invés de patrocinar a inovação em atividades menos emissoras. Por outro lado: dá para fazer isso amanhã? Amanhã a gente faz as contas, baixa um decreto, zera os subsídios de um lado e os coloca para outro lado? Não, porque a gente ainda não tem resposta da tecnologia para 100% da economia deste lado (de baixo carbono). Então tem que ir calibrando os incentivos.

As empresas estão, então, fazendo o que é possível?

Acho que as empresas poderiam ser mais ambiciosas. Elas vão precisar investir muito dinheiro em alguns setores e vão capturar esse valor talvez em muito tempo. Existe um risco de quanto tempo isso vai levar e quanto caixa a empresa tem para fazer essa transição. Por outro lado, também existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou meu negócio vai quebrar por alguma tecnologia nova – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo a inovação ‘verde’. A gente precisa ser mais ambicioso, mas o capital é escasso, a gente está em um momento de inflação no mundo inteiro. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão.

A transição energética vai demandar investimentos vultosos por parte das empresas, que terão de fazer grandes aportes em novas tecnologias, mas podem demorar para ter retornos. Não investir, porém, será arriscado, segundo Denise Hills, conselheira de empresas e pioneira global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela ONU. “Nós (setor privado) precisamos ser mais ambiciosos, mas o capital é escasso. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão”, afirma a executiva, que já comandou as áreas de sustentabilidade da Natura e do Itaú. Como pioneira dos ODS, Hills trabalha pela implementação, no mundo corporativo, de princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção.

Hills acrescenta que companhias que não forem ousadas na transição energética poderão quebrar quando novas soluções surgirem no exterior. “Existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou posso quebrar – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo à inovação mais verde.”

Ela destaca que o desafio do Brasil na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30) – marcada para acontecer em novembro de 2025 em Belém – é se mostrar como um país que traz soluções para o mundo controlar o aquecimento global, e não como parte do problema.

A seguir, trechos da entrevista:

O Brasil está preparado para receber a COP-30 e aproveitar a conferência para mostrar ao mundo seu potencial como um país que pode oferecer soluções econômicas ‘verdes’?

Seja pelas questões climáticas, pelo papel da floresta, dos biomas e da biodiversidade, pela relevância de uma matriz energética limpa ou por o País ter 15% do mercado global de soluções baseadas na natureza, a gente é muito relevante nessa discussão – daí a importância de receber e se preparar para esse evento. Nos últimos anos, a gente vem acompanhando uma evolução de planos do governo, da transição ecológica, de regulamentação do mercado de carbono... É importante o País se preparar, estar pronto para oferecer soluções e se posicionar como alguém relevante, inclusive para capturar fundos de mitigação e adaptação. É muito importante ter um evento como esse no Brasil, e eu creio que a jornada daqui até lá é a de garantir que o Brasil tenha uma posição protagonista nas soluções para as mudanças climáticas.

'A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática', diz a executiva Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O que é preciso fazer para ser protagonista?

Por um lado, a gente vem caminhando para bater nossa meta de emissões, com a redução do desmatamento; por outro lado, temos imensos desafios para criar políticas públicas e arcabouços. O governo já apresentou o plano de transformação ecológica e vem trabalhando para garantir que o mercado de carbono se implemente. O que ainda é difícil? Articulação entre os diversos organismos do governo para garantir que tenhamos propostas. Propostas que possam dar garantia institucional para investimentos virem para o Brasil. Uma preocupação é lembrar que a COP-30, apesar de acontecer na floresta, não é só sobre a floresta. É sobre como a gente faz uma economia menos emissora, mais inclusiva e mais eficiente. Muito se fala da posição no Brasil, porque pouquíssimos países têm uma matriz energética limpa com essa capacidade e autonomia. Mas estamos falando também de sistemas alimentares que, desde a última COP, fazem parte da agenda de clima, e o Brasil é um exemplo na produção de alimentos e da tecnologia agrícola. O grande desafio é mostrar essa economia mais a favor de um enfrentamento das mudanças climáticas, menos emissora. Um lugar que possa atrair industrialização e investimentos com essa característica e, principalmente, trazer esse olhar de um grande exemplo do sul global, que pode ser muito mais a solução e cada vez menos ser parte do problema. A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática, além de alinhar incentivos para promover um desenvolvimento que considere isso como base, não como exceção. Quero crer que vários dos exemplos do que pode ser feito já estão acontecendo aqui. O grande desafio é a escala.

O governo está fazendo sua parte para o País conseguir esse protagonismo?

O desafio é coordenar os programas entre os diversos ministérios. Temos visto que joga contra – ou a favor – a intensificação dos efeitos do clima, que são críticos para a economia do Brasil. Tem cidades e estados que ainda não têm planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O que a gente está vendo como excepcional – o que aconteceu no Rio Grande do Sul, as queimadas no Cerrado – é o novo normal. Não estamos adaptados. Precisamos definir quais são os planos e começar a implementá-los. Tudo isso vai requerer alinhamento de incentivos e de fundos, que vão ter que caminhar para a mitigação dos efeitos e para adaptação da economia a essas mudanças do clima. Mas este é um País que, apesar de sofrer os efeitos das mudanças do clima, tem mais a ganhar, pode ser solução. O Brasil tem uma posição muito especial, que não vai durar para sempre, mas está muito à frente em termos como transição energética.

Qual é o papel das empresas nisso?

O setor financeiro, por exemplo, tem um papel – e acho que tem avançado nele – de financiar mais essa economia verde. Mais recentemente os bancos passaram a reportar as suas emissões. Reportar as emissões financiadas é uma forma de dizer: ‘estou financiando atividades que são menos emissoras e estou restringindo o crédito para atividades que são marrom’. Isso é um movimento que não começou hoje, mas tem se intensificado.

Para Hills, transição energética pode colocar empresas em risco por causa da necessidade de grandes investimentos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

E das empresas em geral?

O desafio das empresas é inovar e se adaptar a essa nova economia. Daqui para frente, qualquer atividade emissora de carbono tende a ter um custo adicional e qualquer atividade menos emissora tende a receber (recursos). Mas isso vem com uma rapidez muito grande de inovação e de atração de capital para esse tipo de transformação, que não é pequena e não é de curto prazo. As empresas necessitam de investimentos intensivos. Por outro lado, tem excelentes exemplos do que elas podem fazer: etanol de segunda geração, regeneração de floresta com precificação de carbono, pagamentos por serviços ambientais. O papel das empresas é entender que essa mudança veio para ficar, que carbono é um dado que tem de ser considerado quando se arquiteta alocação de capital. É impossível negociar qualquer coisa fora do Brasil sem saber demonstrar se as atividades vêm de algo relacionado ao desmatamento ou se você considerou o risco das mudanças climáticas como parte da equação.

Muitas empresas ligadas à transição energética têm pedido subsídios ao governo para desenvolver suas atividades e investir no País. O setor privado não precisa assumir riscos também?

A questão é como você materializa (a transição energética) e quanto você precisa de capital para fazer isso. Pode ser que essa seja uma questão de caixa, porque fazer uma transição como essa pode colocar várias empresas em risco. A pauta que o setor empresarial discute com o governo, por exemplo, é se os incentivos estão alinhados. Se o subsídio do governo não está mais conectado às atividades mais emissoras, ao invés de patrocinar a inovação em atividades menos emissoras. Por outro lado: dá para fazer isso amanhã? Amanhã a gente faz as contas, baixa um decreto, zera os subsídios de um lado e os coloca para outro lado? Não, porque a gente ainda não tem resposta da tecnologia para 100% da economia deste lado (de baixo carbono). Então tem que ir calibrando os incentivos.

As empresas estão, então, fazendo o que é possível?

Acho que as empresas poderiam ser mais ambiciosas. Elas vão precisar investir muito dinheiro em alguns setores e vão capturar esse valor talvez em muito tempo. Existe um risco de quanto tempo isso vai levar e quanto caixa a empresa tem para fazer essa transição. Por outro lado, também existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou meu negócio vai quebrar por alguma tecnologia nova – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo a inovação ‘verde’. A gente precisa ser mais ambicioso, mas o capital é escasso, a gente está em um momento de inflação no mundo inteiro. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão.

A transição energética vai demandar investimentos vultosos por parte das empresas, que terão de fazer grandes aportes em novas tecnologias, mas podem demorar para ter retornos. Não investir, porém, será arriscado, segundo Denise Hills, conselheira de empresas e pioneira global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela ONU. “Nós (setor privado) precisamos ser mais ambiciosos, mas o capital é escasso. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão”, afirma a executiva, que já comandou as áreas de sustentabilidade da Natura e do Itaú. Como pioneira dos ODS, Hills trabalha pela implementação, no mundo corporativo, de princípios nas áreas de direitos humanos, trabalho, meio ambiente e anticorrupção.

Hills acrescenta que companhias que não forem ousadas na transição energética poderão quebrar quando novas soluções surgirem no exterior. “Existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou posso quebrar – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo à inovação mais verde.”

Ela destaca que o desafio do Brasil na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30) – marcada para acontecer em novembro de 2025 em Belém – é se mostrar como um país que traz soluções para o mundo controlar o aquecimento global, e não como parte do problema.

A seguir, trechos da entrevista:

O Brasil está preparado para receber a COP-30 e aproveitar a conferência para mostrar ao mundo seu potencial como um país que pode oferecer soluções econômicas ‘verdes’?

Seja pelas questões climáticas, pelo papel da floresta, dos biomas e da biodiversidade, pela relevância de uma matriz energética limpa ou por o País ter 15% do mercado global de soluções baseadas na natureza, a gente é muito relevante nessa discussão – daí a importância de receber e se preparar para esse evento. Nos últimos anos, a gente vem acompanhando uma evolução de planos do governo, da transição ecológica, de regulamentação do mercado de carbono... É importante o País se preparar, estar pronto para oferecer soluções e se posicionar como alguém relevante, inclusive para capturar fundos de mitigação e adaptação. É muito importante ter um evento como esse no Brasil, e eu creio que a jornada daqui até lá é a de garantir que o Brasil tenha uma posição protagonista nas soluções para as mudanças climáticas.

'A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática', diz a executiva Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O que é preciso fazer para ser protagonista?

Por um lado, a gente vem caminhando para bater nossa meta de emissões, com a redução do desmatamento; por outro lado, temos imensos desafios para criar políticas públicas e arcabouços. O governo já apresentou o plano de transformação ecológica e vem trabalhando para garantir que o mercado de carbono se implemente. O que ainda é difícil? Articulação entre os diversos organismos do governo para garantir que tenhamos propostas. Propostas que possam dar garantia institucional para investimentos virem para o Brasil. Uma preocupação é lembrar que a COP-30, apesar de acontecer na floresta, não é só sobre a floresta. É sobre como a gente faz uma economia menos emissora, mais inclusiva e mais eficiente. Muito se fala da posição no Brasil, porque pouquíssimos países têm uma matriz energética limpa com essa capacidade e autonomia. Mas estamos falando também de sistemas alimentares que, desde a última COP, fazem parte da agenda de clima, e o Brasil é um exemplo na produção de alimentos e da tecnologia agrícola. O grande desafio é mostrar essa economia mais a favor de um enfrentamento das mudanças climáticas, menos emissora. Um lugar que possa atrair industrialização e investimentos com essa característica e, principalmente, trazer esse olhar de um grande exemplo do sul global, que pode ser muito mais a solução e cada vez menos ser parte do problema. A grande discussão é como criar indústria, empresas e políticas públicas que incorporem a emergência climática, além de alinhar incentivos para promover um desenvolvimento que considere isso como base, não como exceção. Quero crer que vários dos exemplos do que pode ser feito já estão acontecendo aqui. O grande desafio é a escala.

O governo está fazendo sua parte para o País conseguir esse protagonismo?

O desafio é coordenar os programas entre os diversos ministérios. Temos visto que joga contra – ou a favor – a intensificação dos efeitos do clima, que são críticos para a economia do Brasil. Tem cidades e estados que ainda não têm planos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. O que a gente está vendo como excepcional – o que aconteceu no Rio Grande do Sul, as queimadas no Cerrado – é o novo normal. Não estamos adaptados. Precisamos definir quais são os planos e começar a implementá-los. Tudo isso vai requerer alinhamento de incentivos e de fundos, que vão ter que caminhar para a mitigação dos efeitos e para adaptação da economia a essas mudanças do clima. Mas este é um País que, apesar de sofrer os efeitos das mudanças do clima, tem mais a ganhar, pode ser solução. O Brasil tem uma posição muito especial, que não vai durar para sempre, mas está muito à frente em termos como transição energética.

Qual é o papel das empresas nisso?

O setor financeiro, por exemplo, tem um papel – e acho que tem avançado nele – de financiar mais essa economia verde. Mais recentemente os bancos passaram a reportar as suas emissões. Reportar as emissões financiadas é uma forma de dizer: ‘estou financiando atividades que são menos emissoras e estou restringindo o crédito para atividades que são marrom’. Isso é um movimento que não começou hoje, mas tem se intensificado.

Para Hills, transição energética pode colocar empresas em risco por causa da necessidade de grandes investimentos Foto: Daniel Teixeira/Estadão

E das empresas em geral?

O desafio das empresas é inovar e se adaptar a essa nova economia. Daqui para frente, qualquer atividade emissora de carbono tende a ter um custo adicional e qualquer atividade menos emissora tende a receber (recursos). Mas isso vem com uma rapidez muito grande de inovação e de atração de capital para esse tipo de transformação, que não é pequena e não é de curto prazo. As empresas necessitam de investimentos intensivos. Por outro lado, tem excelentes exemplos do que elas podem fazer: etanol de segunda geração, regeneração de floresta com precificação de carbono, pagamentos por serviços ambientais. O papel das empresas é entender que essa mudança veio para ficar, que carbono é um dado que tem de ser considerado quando se arquiteta alocação de capital. É impossível negociar qualquer coisa fora do Brasil sem saber demonstrar se as atividades vêm de algo relacionado ao desmatamento ou se você considerou o risco das mudanças climáticas como parte da equação.

Muitas empresas ligadas à transição energética têm pedido subsídios ao governo para desenvolver suas atividades e investir no País. O setor privado não precisa assumir riscos também?

A questão é como você materializa (a transição energética) e quanto você precisa de capital para fazer isso. Pode ser que essa seja uma questão de caixa, porque fazer uma transição como essa pode colocar várias empresas em risco. A pauta que o setor empresarial discute com o governo, por exemplo, é se os incentivos estão alinhados. Se o subsídio do governo não está mais conectado às atividades mais emissoras, ao invés de patrocinar a inovação em atividades menos emissoras. Por outro lado: dá para fazer isso amanhã? Amanhã a gente faz as contas, baixa um decreto, zera os subsídios de um lado e os coloca para outro lado? Não, porque a gente ainda não tem resposta da tecnologia para 100% da economia deste lado (de baixo carbono). Então tem que ir calibrando os incentivos.

As empresas estão, então, fazendo o que é possível?

Acho que as empresas poderiam ser mais ambiciosas. Elas vão precisar investir muito dinheiro em alguns setores e vão capturar esse valor talvez em muito tempo. Existe um risco de quanto tempo isso vai levar e quanto caixa a empresa tem para fazer essa transição. Por outro lado, também existe o risco de alguém acordar amanhã, fora do Brasil, com uma inovação. Então, se eu não faço, pode ser que a tecnologia surja em algum lugar. Aí talvez eu possa comprá-la, se eu tiver caixa, ou meu negócio vai quebrar por alguma tecnologia nova – o que pode acontecer facilmente em tempos de inteligência artificial e de incentivo a inovação ‘verde’. A gente precisa ser mais ambicioso, mas o capital é escasso, a gente está em um momento de inflação no mundo inteiro. Agora, ficar parado e não fazer nada não é uma opção. Então existe mais do que um risco, existe uma tensão.

Entrevista por Luciana Dyniewicz

Repórter de Economia & Negócios. Formada em jornalismo pela UFSC e em ciências econômicas pela PUC-SP. Vencedora dos prêmios Citi Journalistic Excellence, Boeing Abear de Jornalismo e CNT de Jornalismo na categoria meio ambiente. É fellow do World Press Institute (WPI).

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