Uma guerra instalada entre os produtores de aço e as indústrias consumidoras do insumo deve forçar o governo a arbitrar a questão. De um lado, siderúrgicas como a Gerdau, ArcelorMittal e Usiminas, representadas pelo Instituto Aço Brasil e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de forma independente, tentam aumentar o imposto de importação do aço de aproximadamente 12% para 25%.
Na direção oposta, mais de 120 mil empresas trabalham para impedir a sobretaxa. São companhias que atuam nos mercados de construção civil, automotivo, máquinas e equipamentos, eletrodomésticos, indústria naval, transportes, ferrovias, entre outros, liderados por uma coalizão de 16 entidades.
O Instituto Aço Brasil tenta marcar um encontro com Lula o mais rápido possível para convencer o governo a implantar a sobretaxa aos importados. A entidade prevê que o aço estrangeiro somará um quarto do total consumido no País em 2024, valor superior ao registrado em 2023, que foi de cerca de 20%. O governo confirmou a solicitação por uma reunião, mas não detalhou se ela acontecerá ou quando.
As siderúrgicas vêm ameaçando suspender investimentos ou promover demissões devido ao que chamam de “invasão” do aço importado, sobretudo da China. Recentemente, o grupo siderúrgico Aperam South America decidiu postergar a terceira fase de seu plano de investimentos no Brasil, previsto para 2024/2025, considerando o “momento de adversidade enfrentado pela indústria siderúrgica brasileira, com o excesso de aço importado no mercado e a queda nas vendas”. O projeto adiado incluía a instalação de um novo laminador a frio na usina de Timóteo (MG), com a criação de até 1,5 mil vagas temporárias.
Os consumidores do aço, por sua vez, dizem haver um risco de desindustrialização caso o Brasil aumente a taxação das importações do produto. “O aumento de taxas do aço importado poderia gerar impacto direto nos custos para a fabricação de máquinas”, diz José Velloso, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
“Dependendo do tipo, a produção deve ficar 2,3% a 10% mais cara. Portanto, se houver aumento no preço dos nossos produtos, ocorre aumento no custo de investimento do Brasil, além da perda de competitividade das máquinas nacionais ante as importadas.”
O vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Eduardo Aroeira, acrescentou que o setor de construção civil é forte consumidor de vergalhão, um tipo de aço incluído na lista dos 18 produtos importados que poderiam ser sobretaxados. Segundo ele, o aço representa entre 6% a 8% dos custos das obras de moradias populares que contemplam o programa Minha Casa, Minha Vida, além de 8% a 15% para empreendimentos de infraestrutura e 8% a 9% para construções imobiliárias no geral.
A responsabilidade por analisar o mérito de aumentar o imposto para o aço importado é do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex-Camex), composto por representantes de dez ministérios e presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Há um encontro mensal para deliberar sobre os pleitos de defesa comercial protocolados por grupos empresariais do País.
O MDIC, por sua vez, informou ao Estadão/Broadcast que não há data prevista para o colegiado apreciar o pleito do Instituto Aço Brasil, mas que o pedido estaria “em análise”. O Ministério das Relações Exteriores (MRE), membro do colegiado, mencionou que o Brasil tem atuado no Fórum Global sobre o Excesso de Capacidade de Aço (GFSEC) e busca maior cooperação para fortalecer a transparência e o diálogo com “países produtores com relevante participação nos fluxos globais de produtos siderúrgicos”. Procurado, o Ministério da Fazenda não se manifestou.
Guerra entre os setores
As disputas sobre a mudança na taxa de importação vêm se intensificando nos últimos meses. O setor siderúrgico é criticado pelos consumidores de aço, que apontam a sobretaxa do insumo estrangeiro como uma medida indireta para favorecer o aumento de preços do produto nacional. O argumento é que, se o aço chinês ficar com o mesmo preço do aço nacional, as companhias locais vão ter um ambiente mais favorável para aumentar seus preços.
Segundo especialistas, as importações de aço costumam ser vantajosas apenas quando o produto estrangeiro é mais barato em uma faixa acima de 15%, por conta de riscos relacionados ao frete marítimo e variação de câmbio.
Hoje, a tonelada do aço doméstico é negociada na faixa de US$ 825. Já o mesmo produto chinês no Brasil custa US$ 725 a tonelada, segundo dados da consultoria CRU. A diferença entre preços alcançou intervalos próximos a 30% em 2023 para alguns modelos.
Os compradores de aço também apontam que, se o interesse real fosse garantir condições de igualdade contra a China, acusada pelas usinas nacionais de promover dumping (concorrência desleal), o pleito oficial do segmento seria direcionado apenas para as importações do aço chinês, e não para todos os países estrangeiros.
O setor siderúrgico, por sua vez, defende que a forte entrada de aço chinês traz riscos ao País de desorganização da cadeia produtiva, capaz de provocar a falta do insumo no futuro para o mercado interno, por meio da paralisação de usinas. Outro ponto levantado é que a sobretaxa atingiria 18 produtos, classificados como os principais que estariam sofrendo ou sob risco de serem afetados pela concorrência desleal, de um total de mais de 270.
“A situação é extremamente difícil. Se nada for feito, esses mesmos setores que estão fazendo essas ilações vão sofrer as consequências por conta do desdobramento desta crise. O que vai acontecer é que veremos novas paralisações de usinas, vai faltar aço no mercado interno e haverá um desarranjo da cadeia produtiva”, disse Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil.
Já com relação à sobretaxa para 25%, ela não poderia ser colocada diretamente contra a China, segundo uma pessoa ligada às siderúrgicas, visto que tal pleito poderia comprometer a relação comercial entre o Brasil e seu maior parceiro comercial. Especialistas também endossam a preocupação e apontam que, mesmo aumentando o imposto para importados no geral, não há garantias de que a China aceitaria a ação pacificamente.
Mudança de jogo
Analistas de consultorias de preço, corretoras e bancos apontam que o cenário que as usinas nacionais enfrentam atualmente passaria por uma “grande mudança” positiva, para elas, caso o governo atenda o pedido de aumentar o imposto de importação do aço.
Para a analista sênior de siderurgia da CRU, Thais Terzian, um aumento na taxação para 25% dos importados poderia permitir às usinas um reajuste de 10% no aço, mas ela aponta preocupações com a demanda.
“Se aumentar o imposto, eles provavelmente vão aumentar o preço. O risco é um efeito colateral. Estamos falando de uma alta forte nos preços, que podem provocar uma destruição de demanda. As usinas falam em proteger o mercado, mas isso pode acabar prejudicando os consumidores”, afirmou.
A editora-chefe da consultoria S&P Global Platts, Adriana Carvalho, acrescenta que, por outro lado, os preços das matérias-primas do setor siderúrgico aumentaram, mas as usinas mantiveram os preços domésticos, o que coibiu reajustes desde o terceiro trimestre de 2023.
“O prêmio do material nacional sobre o material importado ficou abaixo dos 15% durante todo o mês de dezembro, o que indica um esforço das siderúrgicas em conter as importações e se manterem competitivas no âmbito mundial”, acrescentou.
Outro cenário
Daniel Sasson, analista do Itaú BBA, diz estar cético com relação ao governo sobretaxar em 25% a importação de aço. O especialista, contudo, reconhece que haveria uma “mudança no jogo” caso o cenário aconteça. Para ele, a Usiminas seria a empresa mais beneficiada.
“Vemos a Usiminas se beneficiando um pouco mais pela maior exposição ao negócio de siderurgia doméstico. É importante lembrar que a Gerdau tem metade dos resultados fora do Brasil, e para a Companhia Siderúrgica Nacional, metade dos resultados são apurados a partir das atividades de mineração. Então, eu diria que a Usiminas deve ser a mais beneficiada nesse cenário”, afirmou.
Já o analista Igor Guedes, da Genial Investimentos, acrescenta que as siderúrgicas estão “desesperadas” para aumentar preços, em função das margens (diferença entre custo e venda do produto) estarem registrando um nível abaixo do valor tradicional. Para ele, o governo pode realizar algum movimento de defesa comercial no primeiro trimestre de 2024, com algum nível menor de aumento na taxa de importação do aço, mas fora dos 25% pleiteados pelas siderúrgicas.
“Trabalhamos com a possibilidade de aumento para algum valor próximo de 17%”, afirmou Guedes. O analista acrescentou que o pedido do setor siderúrgico não é excessivo, mas há dificuldade por conta dos riscos de danos à demanda em um movimento do tipo.