BRASÍLIA – O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a Âmbar, empresa do Grupo J&F, dos irmãos Batista, desencadearam uma estratégia para mostrar que a venda da Amazonas Energia, distribuidora de energia elétrica do Estado, cobiçada pelo grupo empresarial, é a solução mais benéfica e mais barata para o consumidor.
Silveira e a Âmbar pressionam a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que reprovou a proposta dos irmãos Batista, a calcular e mostrar os custos de uma intervenção na companhia amazonense. A intervenção é uma medida estudada caso a companhia não tenha o controle transferido. A operação do grupo seria bancada pelos consumidores da conta de luz. O custo da intervenção, por sua vez, sairia dos cofres públicos.
A Âmbar afirmou que a proposta da companhia é o caminho mais viável para o consumidor. Procurados, o ministro e a agência não quiseram se manifestar oficialmente.
O caso está sob impasse após a Justiça obrigar a agência reguladora a repassar a Amazonas para a Âmbar pela segunda vez. Conforme o Estadão revelou, a Aneel desenhava cenários para uma intervenção antes da decisão judicial. Nos últimos dias, o ministro e a Âmbar enviaram correspondências diferentes pedindo a mesma coisa para a agência reguladora: que seja calculado quanto custaria uma intervenção federal em comparação ao que está sendo ofertado pela Âmbar para assumir a empresa.
A pessoas próximas, o ministro Silveira disse que defende uma solução para o problema pela Aneel e que não tem preferência por uma ou outra saída. A Aneel não comentou. A agência marcou para terça-feira, 8, a análise do caso. O órgão recorreu à Justiça alegando que a decisão judicial não foi clara ao determinar a transferência da Amazonas Energia para os irmãos Batista, mas a juíza negou o pedido e não forneceu novos esclarecimentos.
O plano dos irmãos Batista teria um custo de R$ 14 bilhões para consumidores de todo o País durante 15 anos. O dinheiro corresponde ao valor pago na conta de luz para bancar os problemas da concessão no Amazonas, como furto de energia e o caixa necessário para manter a empresa de pé. A Aneel entende que o máximo a ser cobrado do consumidor é R$ 8 bilhões e exige aportes maiores da empresa no negócio.
Em ofício enviado à Aneel na quinta-feira, 3, o Ministério de Minas e Energia faz referência ao diagnóstico feito por grupo de trabalho formado por integrantes da pasta e da agência que examinou a companhia e teve conclusão em fevereiro. Nele, havia três soluções possíveis para a Amazonas: intervenção estatal e relicitação; intervenção estatal e transferência de controle e transferência de controle. Dos três, o que se mostrou menos problemático foi a transferência de controle, segundo o ministério.
O ofício pede que a agência apresente cálculos comparando o cenário de intervenção com o da transferência tendo em vista: o tempo esperado de intervenção federal, com os custos associados durante esse período; as flexibilizações para um novo controlador e seus custos; a indenização à atual controladora da Amazonas Energia, que é o Grupo Oliveira Energia.
O documento foi direcionado ao diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa. Silveira alertou ainda para os riscos da falta de um investimento na Amazonas Energia, que exigiria mais dinheiro do governo em caso de intervenção. Os irmãos Batista foram os únicos a apresentarem uma oferta pela distribuidora do Amazonas, após comprarem usinas térmicas que abastecem a companhia e terem sido beneficiados por uma medida provisória de Lula.
“Assim, entendemos que devem ser sopesados, em face da situação atual, os custos, riscos e análises reportados na presente correspondência, segundo o prudente critério técnico dessa Agência, com o objetivo precípuo de garantir o pleno atendimento da energia elétrica para os consumidores do Estado do Amazonas, com o menor custo possível para a sociedade”, diz o ofício do ministro. Conforme o Estadão revelou, Silveira se reuniu pessoalmente com diretores da Aneel e pressionou pela venda da Amazonas Energia. Interlocutores do ministro dizem, por sua vez, que não houve pressão e que Silveira recomendou à agência encontrar uma solução técnica para o problema.
A Âmbar, empresa do Grupo J&F, encaminhou um pedido de reconsideração para a Aneel na última quarta-feira, 2, também levantando o questionamento sobre os custos de uma intervenção. “É importante que, na avaliação da nova proposta das Interessadas, seja sopesada a possibilidade de, no caso de sua frustração, não haver a troca de controle da AmE (Amazonas Energia)”, diz o ofício. “A proposta das áreas técnicas (da Aneel), com o devido respeito, acaba por ser uma aposta de alto risco, que não faz a comparação adequada do custo para a sociedade advindo da não realização da troca de controle.”
No mesmo dia, em nota à imprensa, a empresa defendeu o plano apresentado como a melhor solução para os consumidores e para a União. “Não há ganho maior para os consumidores de energia do que a solução definitiva da situação da Amazonas Energia, que enfrenta um cenário operacional único em termos de distribuição geográfica, índice de furtos e inadimplência. Por isso, o plano apresentado pela Âmbar é o caminho mais viável para evitar o agravamento da insegurança energética para os consumidores do Amazonas e o acúmulo de prejuízos para a União”, informou a empresa.
Nesta sexta-feira, 4, a Âmbar reforçou o mesmo posicionamento. “O plano apresentado pela Âmbar enfrenta a realidade dos fatos: em 25 anos, sob gestão de duas empresas do setor elétrico, a distribuidora perdeu R$ 40 bilhões, mesmo com diversas flexibilizações regulatórias. Todos os planos desenhados no passado para recuperar a Amazonas Energia falharam e a Âmbar busca evitar a repetição desses erros”, disse a companhia.
O governo corre contra o tempo, uma vez que a medida provisória que permitiu retirar obrigações da Amazonas Energia, tornando a companhia mais “leve” para ser transferida a novos sócios, termina em 10 de de outubro. O argumento do ministério e da Âmbar, porém, é alvo de questionamentos. Agentes do mercado de energia lamentam que o Poder Executivo não tenha feito um leilão para oferecer a potenciais interessados privados o controle da Amazonas Energia.
No caso das termoelétricas, a mesma medida provisória garantiu que elas vão receber pela energia gerada – a Amazonas Energia estava inadimplente desde novembro. Os irmãos Batista arremataram o negócio dois dias antes da edição da MP, oferecendo assumir o risco de calote, o que acabou sumindo com a conta sendo bancada pelos consumidores do País.
Quanto custaria uma intervenção?
Internamente, a empresa calcula, com base em dados divulgados pelo Ministério de Minas e Energia, que uma intervenção custaria R$ 7 bilhões para o governo em dois anos. Ou seja, quase o custo total que a Aneel aponta como ideal em 15 anos (R$ 8 bilhões).
Caso a empresa não seja transferida para os irmãos Batista e medida provisória perca a validade, a Aneel pode decretar uma intervenção. Nesse caso, ela escolhe um interventor para gerir a companhia e preparar a empresa para eventualmente ser repassada a algum outro interessado no futuro. O ministro Alexandre Silveira defende a venda da Amazonas Energia e tenta evitar a alternativa, que seria a devolução da concessão à União.
Integrantes do governo próximos ao ministro afirmam que os custos para assumir a companhia sob intervenção pode variar de R$ 3 bilhões a R$ 5 bilhões por ano, até repassar o controle a outro privado interessado na distribuição do Amazonas. O valor por ano é considerado elevado e, segundo essa mesma avaliação, pode ficar mais caro do que deixar a Âmbar assumir a empresa. Só os irmãos Batista apresentaram proposta para assumir a Amazonas Energia.
Silveira disse publicamente que a intervenção do governo, com a caducidade da concessão atual, poderia custar R$ 4 bilhões para a União, além de R$ 2,7 bilhões por ano para o governo federal tocar uma operação complexa no Amazonas, onde mais da metade da energia é furtada e boa parte dos consumidores é inadimplente.
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“A melhor solução, ao nosso ver, é a passagem de controle. Caso não haja, nós vamos estudar intervenção, vamos estudar caducidade, que nunca foi feito no Brasil. Mas aí já tem ônus para o caixa da União. Essas duas a conta vai cair no colo da viúva, que é o governo e o consumidor”, disse o ministro, em agosto.
Nesta semana, antes de enviar o ofício, Silveira cobrou publicamente a Aneel a mostrar e explicar os custos. “A Aneel não conseguiu apresentar ainda dados objetivos de quanto cada alternativa vai custar. É justo que o povo brasileiro com os impostos venha financiar uma intervenção?”.