Situação da Light ficará mais complicada sem a recuperação judicial, diz Thomas Felsberg


Segundo jurista, Light entra em uma situação que cria insegurança para a população que depende dos serviços por não poder apelar à recuperação judicial

Por Cynthia Decloedt, Luciana Collet e Cristiane Barbieri

Um dos pais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, o jurista Thomas Felsberg faz um paralelo entre a situação da Light e uma tradição brasileira: quando não se reconhece com bom senso um problema, diz ele, começa-se a fazer um puxadinho.

Felsberg afirma que estratégia da Light é uma inovação criativa, porém sem base jurídica Foto: Wilton Júnior/Estadão

Mesmo com sérios problemas financeiros, a empresa não pode pedir recuperação judicial por ser uma concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Assim, foi obrigada a apelar para uma mediação junto à Justiça, enquanto ganha tempo para se organizar com os credores e negociar uma antecipação de renovação da concessão. Uma inovação criativa, porém sem base jurídica, diz Felsberg - e que chama do “famoso puxadinho”. “É um malabarismo jurídico brilhante e uma tentativa de ganhar tempo para negociar, mas não deve prosperar porque não há lei que suporte isso”, afirma.

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Segundo ele, ao não poder apelar à recuperação judicial, a Light entra em uma situação que cria insegurança para a população que depende dos serviços; para o Estado, que não tem orçamento para socorrer concessionárias em dificuldades; além dos investidores. “O acionamento da recuperação judicial permitiria que a empresa pudesse repactuar seus compromissos com credores e manter a prestação de serviços fundamentais à sociedade”, diz Felsberg.

Há ainda um agravante: tramita no Congresso um projeto que, caso aprovado, impedirá todas as concessionárias de serviços públicos de entrar em recuperação judicial. “A premissa [equivocada] das medidas em discussão no parlamento é a pretensa defesa do interesse público”, diz ele. Porém, na prática, os legisladores podem impedir a renegociação de dívidas de concessionárias.

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Celpa

Um exemplo prático e bem sucedido do uso da recuperação judicial em concessionárias, afirma Felsberg, aconteceu no caso da Celpa (Centrais Elétrica do Pará), no qual ele trabalhou. “Graças ao instrumento da recuperação judicial, a Celpa pode equacionar seu endividamento, tendo os credores, à época, concordado em reduzir substancialmente as dívidas do grupo”, diz. “Na ocasião, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, paralelamente à aprovação do plano de recuperação judicial, uma estratégia de recuperação operacional da empresa.”

Foi após o saneamento da Celpa que a Lei 12.767, de 2012, vetou a aplicação da recuperação judicial em concessionárias de energia elétrica. Entre os motivos para a promulgação da lei, estaria uma decisão da Justiça no caso, que tirou os créditos a serem recebidos pelo governo da lista de prioridades do pagamento - e permitiu que fossem sujeitos a desconto, como os demais credores.

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Outro argumento defendido pelo governo é que as distribuidoras concentram toda a captação e distribuição de pagamentos e recebimentos do setor de energia. Uma recuperação judicial em uma empresa da área cria processos com milhares de envolvidos, em diferentes pontas que vão do consumo à transmissão de energia, passando por geração e o governo - o que desestabilizaria todo o setor.

Impasse maior

Só que, sem o instrumento da recuperação judicial, diz Felsberg, o impasse é ainda maior para resolver a situação. “Como todo processo de reestruturação de passivo pode implicar em redução, por parte de todos os credores, do valor a ser pago, no caso das agências [reguladoras], essa possibilidade provoca verdadeira ‘pane’ no processo decisório desses órgãos”, afirma Felsberg. “Instala-se a lentidão, alimentada por burocracia ou temor de eventual responsabilização, que pode matar as empresas em dificuldade.” Segundo ele, a restrição a que as concessionárias em crise estão sujeitas acaba por restringir a utilização de mecanismos a que todas as demais empresas têm acesso.

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Felsberg cita como emblemático o caso da Rodovias do Tietê. Com um passivo de quase R$ 2 bilhões, a concessionária rodoviária teve seu plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado pela Justiça. Porém, aguarda desde setembro de 2021 um posicionamento da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) para implantar as medidas saneadoras. A agência precisa aprovar a troca de controle prevista no plano e renegociar o passivo da concessionária.

A Artesp briga na Justiça para que a própria agência reguladora não esteja sujeita ao procedimento da recuperação judicial, com o argumento de que créditos de entes públicos não podem fazer parte da reestruturação. “Não há qualquer disposição legal nesse sentido”, diz ele. “Tanto é possível a reestruturação de créditos públicos, que os próprios fiscos realizam programas de parcelamento todos os anos.”

Intervenção

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No caso da Light, caso não se chegue a um acordo na mediação, uma alternativa poderia ser uma intervenção pela Aneel, o que por ora o órgão nega. “A intervenção, que é uma obrigação da reguladora, é complicada”, diz ele. “Há uma máxima da nossa área de que não há recuperação sem dinheiro.” Só que, apesar de ter o poder, as agências não têm orçamento para isso. “Se a empresa ficar insolvente, o que sobra é a falência ou esperar a concessão caducar”, afirma. Encontrar uma empresa que toque o negócio numa situação dessa será impossível, de acordo com ele

Para Felsberg, cabe priorizar o interesse público e não a regularização da estrutura de capital da empresa, cujo interesse é secundário. “Permitir a reestruturação do capital de uma empresa é do interesse público e primordial”, afirma. “A proibição tem mais a ver com preconceito cultural do que com as necessidades da economia.”

Um dos pais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, o jurista Thomas Felsberg faz um paralelo entre a situação da Light e uma tradição brasileira: quando não se reconhece com bom senso um problema, diz ele, começa-se a fazer um puxadinho.

Felsberg afirma que estratégia da Light é uma inovação criativa, porém sem base jurídica Foto: Wilton Júnior/Estadão

Mesmo com sérios problemas financeiros, a empresa não pode pedir recuperação judicial por ser uma concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Assim, foi obrigada a apelar para uma mediação junto à Justiça, enquanto ganha tempo para se organizar com os credores e negociar uma antecipação de renovação da concessão. Uma inovação criativa, porém sem base jurídica, diz Felsberg - e que chama do “famoso puxadinho”. “É um malabarismo jurídico brilhante e uma tentativa de ganhar tempo para negociar, mas não deve prosperar porque não há lei que suporte isso”, afirma.

Segundo ele, ao não poder apelar à recuperação judicial, a Light entra em uma situação que cria insegurança para a população que depende dos serviços; para o Estado, que não tem orçamento para socorrer concessionárias em dificuldades; além dos investidores. “O acionamento da recuperação judicial permitiria que a empresa pudesse repactuar seus compromissos com credores e manter a prestação de serviços fundamentais à sociedade”, diz Felsberg.

Há ainda um agravante: tramita no Congresso um projeto que, caso aprovado, impedirá todas as concessionárias de serviços públicos de entrar em recuperação judicial. “A premissa [equivocada] das medidas em discussão no parlamento é a pretensa defesa do interesse público”, diz ele. Porém, na prática, os legisladores podem impedir a renegociação de dívidas de concessionárias.

Celpa

Um exemplo prático e bem sucedido do uso da recuperação judicial em concessionárias, afirma Felsberg, aconteceu no caso da Celpa (Centrais Elétrica do Pará), no qual ele trabalhou. “Graças ao instrumento da recuperação judicial, a Celpa pode equacionar seu endividamento, tendo os credores, à época, concordado em reduzir substancialmente as dívidas do grupo”, diz. “Na ocasião, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, paralelamente à aprovação do plano de recuperação judicial, uma estratégia de recuperação operacional da empresa.”

Foi após o saneamento da Celpa que a Lei 12.767, de 2012, vetou a aplicação da recuperação judicial em concessionárias de energia elétrica. Entre os motivos para a promulgação da lei, estaria uma decisão da Justiça no caso, que tirou os créditos a serem recebidos pelo governo da lista de prioridades do pagamento - e permitiu que fossem sujeitos a desconto, como os demais credores.

Outro argumento defendido pelo governo é que as distribuidoras concentram toda a captação e distribuição de pagamentos e recebimentos do setor de energia. Uma recuperação judicial em uma empresa da área cria processos com milhares de envolvidos, em diferentes pontas que vão do consumo à transmissão de energia, passando por geração e o governo - o que desestabilizaria todo o setor.

Impasse maior

Só que, sem o instrumento da recuperação judicial, diz Felsberg, o impasse é ainda maior para resolver a situação. “Como todo processo de reestruturação de passivo pode implicar em redução, por parte de todos os credores, do valor a ser pago, no caso das agências [reguladoras], essa possibilidade provoca verdadeira ‘pane’ no processo decisório desses órgãos”, afirma Felsberg. “Instala-se a lentidão, alimentada por burocracia ou temor de eventual responsabilização, que pode matar as empresas em dificuldade.” Segundo ele, a restrição a que as concessionárias em crise estão sujeitas acaba por restringir a utilização de mecanismos a que todas as demais empresas têm acesso.

Felsberg cita como emblemático o caso da Rodovias do Tietê. Com um passivo de quase R$ 2 bilhões, a concessionária rodoviária teve seu plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado pela Justiça. Porém, aguarda desde setembro de 2021 um posicionamento da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) para implantar as medidas saneadoras. A agência precisa aprovar a troca de controle prevista no plano e renegociar o passivo da concessionária.

A Artesp briga na Justiça para que a própria agência reguladora não esteja sujeita ao procedimento da recuperação judicial, com o argumento de que créditos de entes públicos não podem fazer parte da reestruturação. “Não há qualquer disposição legal nesse sentido”, diz ele. “Tanto é possível a reestruturação de créditos públicos, que os próprios fiscos realizam programas de parcelamento todos os anos.”

Intervenção

No caso da Light, caso não se chegue a um acordo na mediação, uma alternativa poderia ser uma intervenção pela Aneel, o que por ora o órgão nega. “A intervenção, que é uma obrigação da reguladora, é complicada”, diz ele. “Há uma máxima da nossa área de que não há recuperação sem dinheiro.” Só que, apesar de ter o poder, as agências não têm orçamento para isso. “Se a empresa ficar insolvente, o que sobra é a falência ou esperar a concessão caducar”, afirma. Encontrar uma empresa que toque o negócio numa situação dessa será impossível, de acordo com ele

Para Felsberg, cabe priorizar o interesse público e não a regularização da estrutura de capital da empresa, cujo interesse é secundário. “Permitir a reestruturação do capital de uma empresa é do interesse público e primordial”, afirma. “A proibição tem mais a ver com preconceito cultural do que com as necessidades da economia.”

Um dos pais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, o jurista Thomas Felsberg faz um paralelo entre a situação da Light e uma tradição brasileira: quando não se reconhece com bom senso um problema, diz ele, começa-se a fazer um puxadinho.

Felsberg afirma que estratégia da Light é uma inovação criativa, porém sem base jurídica Foto: Wilton Júnior/Estadão

Mesmo com sérios problemas financeiros, a empresa não pode pedir recuperação judicial por ser uma concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Assim, foi obrigada a apelar para uma mediação junto à Justiça, enquanto ganha tempo para se organizar com os credores e negociar uma antecipação de renovação da concessão. Uma inovação criativa, porém sem base jurídica, diz Felsberg - e que chama do “famoso puxadinho”. “É um malabarismo jurídico brilhante e uma tentativa de ganhar tempo para negociar, mas não deve prosperar porque não há lei que suporte isso”, afirma.

Segundo ele, ao não poder apelar à recuperação judicial, a Light entra em uma situação que cria insegurança para a população que depende dos serviços; para o Estado, que não tem orçamento para socorrer concessionárias em dificuldades; além dos investidores. “O acionamento da recuperação judicial permitiria que a empresa pudesse repactuar seus compromissos com credores e manter a prestação de serviços fundamentais à sociedade”, diz Felsberg.

Há ainda um agravante: tramita no Congresso um projeto que, caso aprovado, impedirá todas as concessionárias de serviços públicos de entrar em recuperação judicial. “A premissa [equivocada] das medidas em discussão no parlamento é a pretensa defesa do interesse público”, diz ele. Porém, na prática, os legisladores podem impedir a renegociação de dívidas de concessionárias.

Celpa

Um exemplo prático e bem sucedido do uso da recuperação judicial em concessionárias, afirma Felsberg, aconteceu no caso da Celpa (Centrais Elétrica do Pará), no qual ele trabalhou. “Graças ao instrumento da recuperação judicial, a Celpa pode equacionar seu endividamento, tendo os credores, à época, concordado em reduzir substancialmente as dívidas do grupo”, diz. “Na ocasião, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, paralelamente à aprovação do plano de recuperação judicial, uma estratégia de recuperação operacional da empresa.”

Foi após o saneamento da Celpa que a Lei 12.767, de 2012, vetou a aplicação da recuperação judicial em concessionárias de energia elétrica. Entre os motivos para a promulgação da lei, estaria uma decisão da Justiça no caso, que tirou os créditos a serem recebidos pelo governo da lista de prioridades do pagamento - e permitiu que fossem sujeitos a desconto, como os demais credores.

Outro argumento defendido pelo governo é que as distribuidoras concentram toda a captação e distribuição de pagamentos e recebimentos do setor de energia. Uma recuperação judicial em uma empresa da área cria processos com milhares de envolvidos, em diferentes pontas que vão do consumo à transmissão de energia, passando por geração e o governo - o que desestabilizaria todo o setor.

Impasse maior

Só que, sem o instrumento da recuperação judicial, diz Felsberg, o impasse é ainda maior para resolver a situação. “Como todo processo de reestruturação de passivo pode implicar em redução, por parte de todos os credores, do valor a ser pago, no caso das agências [reguladoras], essa possibilidade provoca verdadeira ‘pane’ no processo decisório desses órgãos”, afirma Felsberg. “Instala-se a lentidão, alimentada por burocracia ou temor de eventual responsabilização, que pode matar as empresas em dificuldade.” Segundo ele, a restrição a que as concessionárias em crise estão sujeitas acaba por restringir a utilização de mecanismos a que todas as demais empresas têm acesso.

Felsberg cita como emblemático o caso da Rodovias do Tietê. Com um passivo de quase R$ 2 bilhões, a concessionária rodoviária teve seu plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado pela Justiça. Porém, aguarda desde setembro de 2021 um posicionamento da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) para implantar as medidas saneadoras. A agência precisa aprovar a troca de controle prevista no plano e renegociar o passivo da concessionária.

A Artesp briga na Justiça para que a própria agência reguladora não esteja sujeita ao procedimento da recuperação judicial, com o argumento de que créditos de entes públicos não podem fazer parte da reestruturação. “Não há qualquer disposição legal nesse sentido”, diz ele. “Tanto é possível a reestruturação de créditos públicos, que os próprios fiscos realizam programas de parcelamento todos os anos.”

Intervenção

No caso da Light, caso não se chegue a um acordo na mediação, uma alternativa poderia ser uma intervenção pela Aneel, o que por ora o órgão nega. “A intervenção, que é uma obrigação da reguladora, é complicada”, diz ele. “Há uma máxima da nossa área de que não há recuperação sem dinheiro.” Só que, apesar de ter o poder, as agências não têm orçamento para isso. “Se a empresa ficar insolvente, o que sobra é a falência ou esperar a concessão caducar”, afirma. Encontrar uma empresa que toque o negócio numa situação dessa será impossível, de acordo com ele

Para Felsberg, cabe priorizar o interesse público e não a regularização da estrutura de capital da empresa, cujo interesse é secundário. “Permitir a reestruturação do capital de uma empresa é do interesse público e primordial”, afirma. “A proibição tem mais a ver com preconceito cultural do que com as necessidades da economia.”

Um dos pais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, o jurista Thomas Felsberg faz um paralelo entre a situação da Light e uma tradição brasileira: quando não se reconhece com bom senso um problema, diz ele, começa-se a fazer um puxadinho.

Felsberg afirma que estratégia da Light é uma inovação criativa, porém sem base jurídica Foto: Wilton Júnior/Estadão

Mesmo com sérios problemas financeiros, a empresa não pode pedir recuperação judicial por ser uma concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Assim, foi obrigada a apelar para uma mediação junto à Justiça, enquanto ganha tempo para se organizar com os credores e negociar uma antecipação de renovação da concessão. Uma inovação criativa, porém sem base jurídica, diz Felsberg - e que chama do “famoso puxadinho”. “É um malabarismo jurídico brilhante e uma tentativa de ganhar tempo para negociar, mas não deve prosperar porque não há lei que suporte isso”, afirma.

Segundo ele, ao não poder apelar à recuperação judicial, a Light entra em uma situação que cria insegurança para a população que depende dos serviços; para o Estado, que não tem orçamento para socorrer concessionárias em dificuldades; além dos investidores. “O acionamento da recuperação judicial permitiria que a empresa pudesse repactuar seus compromissos com credores e manter a prestação de serviços fundamentais à sociedade”, diz Felsberg.

Há ainda um agravante: tramita no Congresso um projeto que, caso aprovado, impedirá todas as concessionárias de serviços públicos de entrar em recuperação judicial. “A premissa [equivocada] das medidas em discussão no parlamento é a pretensa defesa do interesse público”, diz ele. Porém, na prática, os legisladores podem impedir a renegociação de dívidas de concessionárias.

Celpa

Um exemplo prático e bem sucedido do uso da recuperação judicial em concessionárias, afirma Felsberg, aconteceu no caso da Celpa (Centrais Elétrica do Pará), no qual ele trabalhou. “Graças ao instrumento da recuperação judicial, a Celpa pode equacionar seu endividamento, tendo os credores, à época, concordado em reduzir substancialmente as dívidas do grupo”, diz. “Na ocasião, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, paralelamente à aprovação do plano de recuperação judicial, uma estratégia de recuperação operacional da empresa.”

Foi após o saneamento da Celpa que a Lei 12.767, de 2012, vetou a aplicação da recuperação judicial em concessionárias de energia elétrica. Entre os motivos para a promulgação da lei, estaria uma decisão da Justiça no caso, que tirou os créditos a serem recebidos pelo governo da lista de prioridades do pagamento - e permitiu que fossem sujeitos a desconto, como os demais credores.

Outro argumento defendido pelo governo é que as distribuidoras concentram toda a captação e distribuição de pagamentos e recebimentos do setor de energia. Uma recuperação judicial em uma empresa da área cria processos com milhares de envolvidos, em diferentes pontas que vão do consumo à transmissão de energia, passando por geração e o governo - o que desestabilizaria todo o setor.

Impasse maior

Só que, sem o instrumento da recuperação judicial, diz Felsberg, o impasse é ainda maior para resolver a situação. “Como todo processo de reestruturação de passivo pode implicar em redução, por parte de todos os credores, do valor a ser pago, no caso das agências [reguladoras], essa possibilidade provoca verdadeira ‘pane’ no processo decisório desses órgãos”, afirma Felsberg. “Instala-se a lentidão, alimentada por burocracia ou temor de eventual responsabilização, que pode matar as empresas em dificuldade.” Segundo ele, a restrição a que as concessionárias em crise estão sujeitas acaba por restringir a utilização de mecanismos a que todas as demais empresas têm acesso.

Felsberg cita como emblemático o caso da Rodovias do Tietê. Com um passivo de quase R$ 2 bilhões, a concessionária rodoviária teve seu plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado pela Justiça. Porém, aguarda desde setembro de 2021 um posicionamento da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) para implantar as medidas saneadoras. A agência precisa aprovar a troca de controle prevista no plano e renegociar o passivo da concessionária.

A Artesp briga na Justiça para que a própria agência reguladora não esteja sujeita ao procedimento da recuperação judicial, com o argumento de que créditos de entes públicos não podem fazer parte da reestruturação. “Não há qualquer disposição legal nesse sentido”, diz ele. “Tanto é possível a reestruturação de créditos públicos, que os próprios fiscos realizam programas de parcelamento todos os anos.”

Intervenção

No caso da Light, caso não se chegue a um acordo na mediação, uma alternativa poderia ser uma intervenção pela Aneel, o que por ora o órgão nega. “A intervenção, que é uma obrigação da reguladora, é complicada”, diz ele. “Há uma máxima da nossa área de que não há recuperação sem dinheiro.” Só que, apesar de ter o poder, as agências não têm orçamento para isso. “Se a empresa ficar insolvente, o que sobra é a falência ou esperar a concessão caducar”, afirma. Encontrar uma empresa que toque o negócio numa situação dessa será impossível, de acordo com ele

Para Felsberg, cabe priorizar o interesse público e não a regularização da estrutura de capital da empresa, cujo interesse é secundário. “Permitir a reestruturação do capital de uma empresa é do interesse público e primordial”, afirma. “A proibição tem mais a ver com preconceito cultural do que com as necessidades da economia.”

Um dos pais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, o jurista Thomas Felsberg faz um paralelo entre a situação da Light e uma tradição brasileira: quando não se reconhece com bom senso um problema, diz ele, começa-se a fazer um puxadinho.

Felsberg afirma que estratégia da Light é uma inovação criativa, porém sem base jurídica Foto: Wilton Júnior/Estadão

Mesmo com sérios problemas financeiros, a empresa não pode pedir recuperação judicial por ser uma concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Assim, foi obrigada a apelar para uma mediação junto à Justiça, enquanto ganha tempo para se organizar com os credores e negociar uma antecipação de renovação da concessão. Uma inovação criativa, porém sem base jurídica, diz Felsberg - e que chama do “famoso puxadinho”. “É um malabarismo jurídico brilhante e uma tentativa de ganhar tempo para negociar, mas não deve prosperar porque não há lei que suporte isso”, afirma.

Segundo ele, ao não poder apelar à recuperação judicial, a Light entra em uma situação que cria insegurança para a população que depende dos serviços; para o Estado, que não tem orçamento para socorrer concessionárias em dificuldades; além dos investidores. “O acionamento da recuperação judicial permitiria que a empresa pudesse repactuar seus compromissos com credores e manter a prestação de serviços fundamentais à sociedade”, diz Felsberg.

Há ainda um agravante: tramita no Congresso um projeto que, caso aprovado, impedirá todas as concessionárias de serviços públicos de entrar em recuperação judicial. “A premissa [equivocada] das medidas em discussão no parlamento é a pretensa defesa do interesse público”, diz ele. Porém, na prática, os legisladores podem impedir a renegociação de dívidas de concessionárias.

Celpa

Um exemplo prático e bem sucedido do uso da recuperação judicial em concessionárias, afirma Felsberg, aconteceu no caso da Celpa (Centrais Elétrica do Pará), no qual ele trabalhou. “Graças ao instrumento da recuperação judicial, a Celpa pode equacionar seu endividamento, tendo os credores, à época, concordado em reduzir substancialmente as dívidas do grupo”, diz. “Na ocasião, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, paralelamente à aprovação do plano de recuperação judicial, uma estratégia de recuperação operacional da empresa.”

Foi após o saneamento da Celpa que a Lei 12.767, de 2012, vetou a aplicação da recuperação judicial em concessionárias de energia elétrica. Entre os motivos para a promulgação da lei, estaria uma decisão da Justiça no caso, que tirou os créditos a serem recebidos pelo governo da lista de prioridades do pagamento - e permitiu que fossem sujeitos a desconto, como os demais credores.

Outro argumento defendido pelo governo é que as distribuidoras concentram toda a captação e distribuição de pagamentos e recebimentos do setor de energia. Uma recuperação judicial em uma empresa da área cria processos com milhares de envolvidos, em diferentes pontas que vão do consumo à transmissão de energia, passando por geração e o governo - o que desestabilizaria todo o setor.

Impasse maior

Só que, sem o instrumento da recuperação judicial, diz Felsberg, o impasse é ainda maior para resolver a situação. “Como todo processo de reestruturação de passivo pode implicar em redução, por parte de todos os credores, do valor a ser pago, no caso das agências [reguladoras], essa possibilidade provoca verdadeira ‘pane’ no processo decisório desses órgãos”, afirma Felsberg. “Instala-se a lentidão, alimentada por burocracia ou temor de eventual responsabilização, que pode matar as empresas em dificuldade.” Segundo ele, a restrição a que as concessionárias em crise estão sujeitas acaba por restringir a utilização de mecanismos a que todas as demais empresas têm acesso.

Felsberg cita como emblemático o caso da Rodovias do Tietê. Com um passivo de quase R$ 2 bilhões, a concessionária rodoviária teve seu plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado pela Justiça. Porém, aguarda desde setembro de 2021 um posicionamento da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) para implantar as medidas saneadoras. A agência precisa aprovar a troca de controle prevista no plano e renegociar o passivo da concessionária.

A Artesp briga na Justiça para que a própria agência reguladora não esteja sujeita ao procedimento da recuperação judicial, com o argumento de que créditos de entes públicos não podem fazer parte da reestruturação. “Não há qualquer disposição legal nesse sentido”, diz ele. “Tanto é possível a reestruturação de créditos públicos, que os próprios fiscos realizam programas de parcelamento todos os anos.”

Intervenção

No caso da Light, caso não se chegue a um acordo na mediação, uma alternativa poderia ser uma intervenção pela Aneel, o que por ora o órgão nega. “A intervenção, que é uma obrigação da reguladora, é complicada”, diz ele. “Há uma máxima da nossa área de que não há recuperação sem dinheiro.” Só que, apesar de ter o poder, as agências não têm orçamento para isso. “Se a empresa ficar insolvente, o que sobra é a falência ou esperar a concessão caducar”, afirma. Encontrar uma empresa que toque o negócio numa situação dessa será impossível, de acordo com ele

Para Felsberg, cabe priorizar o interesse público e não a regularização da estrutura de capital da empresa, cujo interesse é secundário. “Permitir a reestruturação do capital de uma empresa é do interesse público e primordial”, afirma. “A proibição tem mais a ver com preconceito cultural do que com as necessidades da economia.”

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