BRASÍLIA – A Agência Nacional de Mineração (ANM) baixou uma norma, no mês passado, que reduziu a um terço o número de municípios afetados pela produção de minério de ferro aptos a receber a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) por sediar estruturas de apoio ou de beneficiamento, como pilhas de minério ou barragens.
Na lista, permaneceram majoritariamente cidades de Minas Gerais, Estado natal do ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira, a quem a agência é vinculada. Elas vão receber uma fatia maior da verba, que no ano passado foi repartida com cidades do Rio Grande do Norte, Tocantins, Amapá, Pará e Bahia.
Procurado, Silveira não se manifestou. A ANM alega que houve uma mudança de critérios para restringir o pagamento a cidades onde há efetiva contribuição para a produção mineral (veja mais abaixo).
No dia 24 de julho, a ANM divulgou a primeira lista de cidades que serão atendidas no ciclo 2024/2025 pela Cfem-estruturas. A contribuição é recolhida das mineradoras e é distribuída para municípios e Estados onde há mineração ou que sofrem influência dessa atividade econômica. O valor mais relevante é o pago a cidades pela exploração do minério de ferro, uma vez que 89% da arrecadação da Cfem deriva deste mineral.
Prefeitos de Estados do Norte e Nordeste do País afirmam que foram surpreendidos com a retirada de suas cidades do rol de beneficiárias da Cfem-estruturas. De um total de 100 cidades afetadas pela mineração de ferro por meio da instalação de estruturas produtivas em seus territórios, ficaram apenas 31 – das quais só quatro fora de Minas Gerais. Antes, as cidades mineiras representavam metade (52%) da lista.
O Pará, onde se produz 44% do minério de ferro comercializado pelo País, ficou com apenas uma cidade na lista: Parauapebas, onde fica a maior mina da Vale. Nenhuma cidade do Tocantins, Rio Grande do Norte e do Amapá, até então atendidas, vai receber.
O valor distribuído de Cfem para cidades afetadas pela mineração foi de cerca de R$ 1 bilhão no ciclo 2023/2024. Ele é destinado a cidades por onde passam ferrovias, minerodutos ou onde são instaladas estruturas para empilhamento de minério, de pesquisa ou barragens, por exemplo. A extração é feita em um município vizinho, mas essas cidades têm parte da produção em seus territórios – e, por isso, são atendidas com a Cfem na condição de “afetadas”.
Cidades mineradoras repartem 60% de toda a arrecadação da Cfem, os Estados produtores recebem 15%, a União recebe 10%, e os municípios afetados, 15%.
As cidades afetadas são divididas em subgrupos: ferrovias, portos, minerodutos e estruturas. Este último grupo é alvo da alteração que provocou a concentração de Minas na lista de atendidos pela Cfem-estruturas.
Em dezembro de 2022, já no fim do governo Jair Bolsonaro, o Congresso aprovou uma lei ampliando o escopo de municípios que podem ser atendidos pela Cfem. No ano seguinte, o Ministério de Minas e Energia, já sob Alexandre Silveira, promoveu uma revisão do rateio dos recursos da Cfem para municípios afetados – o que fez com que a pasta levasse meses para editar um decreto com novas regras. O pagamento do ciclo 2023/2024, que deveria ter começado em maio, só ocorreu em dezembro.
Até então, a divisão da Cfem-estruturas levava em conta a ocupação do solo com essas unidades nos municípios afetados. O decreto do MME diz que as cidades devem ser remuneradas de acordo com a contribuição dessas estruturas para o resultado da produção.
Como já haviam passado meses, a ANM pagou os municípios pelo modo antigo e adiou para este ano o estabelecimento dos novos critérios.
Antes das novas regras estabelecidas pela agência neste ano, um município podia receber pagamentos se tivesse a estrututura pronta, mesmo que não estivesse funcionando. A partir de agora, só haverá pagamento onde há registro ativo de mineração, uso da estrutura produtiva e recolhimento, pela mineradora, de Cfem.
Os dados atuais da ANM, porém, não permitem segmentar a contribuição de cada estrutura para a produção. A agência então criou um sistema em que a informação é prestada pelas mineradoras e isso determina o quanto o município vai receber.
Se as mineradoras informarem ao governo federal que não produziram usando aquelas estruturas ou se não recolheram Cfem, as cidades não recebem nada.
‘Não é justo’, diz prefeito
É o caso de Lagoa Nova (RN), que perderá toda a arrecadação da Cfem-estruturas como cidade afetada. O prefeito Luciano Santos (MDB) não sabe o motivo do corte, porque a informação é prestada pela mineradora ao governo federal e não ao município. Ele descobriu ao acessar a lista de beneficiários da ANM que a cidade ficou de fora da Cfem-estruturas no atual ciclo 2024/2025. Segundo ele, há empilhamento de minério na cidade e estrutura de pesquisa minerária.
Santos afirma que prepara um recurso à agência alegando que as estruturas estão ativas no seu município e que a nova regra é injusta.
“Essa é a nossa crítica ao MME. Por coincidência, o ministro é do Estado de Minas e um pretenso candidato a governador. Não quero crer que o ministro esteja beneficiando apenas os municípios do seu Estado. Minas historicamente tem uma riquíssima exploração minerária, mas o Norte e Nordeste também têm atividade minerária e precisam desses recursos. Não é justo que todo o dinheiro da Cfem fique apenas para Minas”, disse.
O município recebeu pouco mais de R$ 4,8 milhões no último ciclo – recursos que foram empregados, segundo o prefeito, em reforma de escolas e em obras de drenagem na principal avenida da cidade.
“A falta do recurso vai mudar a realidade, tendo em vista que vamos deixar de receber dinheiro para educação e saúde básica. É preciso que a população entenda que é um retorno da atividade desenvolvida no município”, disse Santos.
ANM cita nova resolução
A ANM afirma não ter uma explicação sobre o motivo que provocou uma concentração da Cfem-estruturas para municípios em Minas Gerais. O superintendente de Arrecadação e Fiscalização de Receitas da agência, Rui Giordani, afirma que estruturas paradas, onde não há registro de produção, não podem mais receber Cfem a partir da nova resolução da agência.
“Não é o simples fato de ter estrutura que dá o direito ao município de receber Cfem pelo novo regramento; é preciso que a empresa tenha declarado produção no ano anterior”, disse o superintendente.
Em muitos casos, acrescenta ele, empresas fazem o registro da lavra, mas a produção não é feita por razões econômicas, e a Cfem, apesar de levar o nome de compensação, tem como objetivo repartir o resultado da produção mineral.
Giordani admite, no entanto, que a agência não tem como assegurar que as estruturas estão de fato paradas, uma vez que a informação é prestada pelas empresas e a ANM não tem capacidade de checagem.
Ele diz que a lista divulgada no dia 24 é provisória e será modificada caso os municípios comprovem que houve erro de declaração pelas empresas. O prazo de recurso termina no dia 12.
Como tudo começou
A modificação na forma de pagar os municípios que levou à preponderância das cidades mineiras na Cfem-estruturas – 87% das cidades atendidas são no Estado – começou com uma nova interpretação da ANM sobre o decreto baixado pelo ministro Alexandre Silveira em 2023.
O decreto prevê que sejam remuneradas pela Cfem “estruturas de mineração que viabilizem o aproveitamento industrial da jazida”.
Em abril deste ano, o diretor da agência Caio Seabra apresentou um parecer dizendo que a divisão da Cfem-estruturas deveria ser vinculada à produção e o rateio, como era feito no passado – apenas de acordo com o uso do território –, era ilegal e desrespeitava o decreto do MME. Esse episódio acionou a reforma dos critérios apresentada em julho pela agência.
Seabra é mineiro e chegou à ANM por indicação de Silveira. O ministro acompanhou a aprovação do nome dele no plenário do Senado, em 13 de dezembro. Durante a sabatina, feita pelos senadores horas antes, Seabra agradeceu ao ministro pela “indicação e confiança”.
Procurado pela reportagem, Seabra afirmou que a decisão que acabou beneficiando cidades mineiras foi tomada de maneira colegiada pela ANM – o voto dele foi seguido por três diretores, de um total de cinco membros da diretoria colegiada da agência, incluindo o diretor-geral.
“Todas as decisões da Agência Nacional de Mineração são submetidas a esse colegiado, que age de forma fundamentada e transparente”, afirmou ele, em nota. “Importante reforçar que os diretores passam pelo processo de sabatina no Senado Federal e são nomeados pelo presidente da República. Apresentam diferentes formações, experiências e visões do setor de mineração, o que viabiliza ricas discussões e legitima a tomada de decisões, o que se dá por maioria de votos, conforme a lei.”