Quando criança, ele queria ser médico ou bombeiro. Hoje, aos 64 anos, como presidente do Incor, diretor-geral da Cardiologia no Hospital Sírio-Libanês e ainda titular de Cardiologia na Medicina da USP, Roberto Kalil Filho poderia até ser chamado de um “médico presidencial” – já cuidou de Luiz Inácio Lula da Silva, José Sarney, Dilma Rousseff e Michel Temer. Mas a vida corrida que o faz jantar à meia-noite não o impede de dar suas três caminhadas por semana. “Olhando para trás, não faria nada diferente”, resume Kalil, em entrevista a Cenários.
Seu olhar para a saúde, no Brasil, é o de um profissional prático e vivido. O SUS é um sistema “brilhante”, mas “tem de ser repensado um pouco, remodelado”, pondera. “Mas sem verba suficiente não dá para reajustar.” Com o avanço técnico, “a oncologia melhorou bem. Muitos cânceres têm cura hoje”, acrescenta. Desafios? Um dos principais, avisa, é de que os brasileiros também precisam ajudar: “Só 30% das pessoas já diagnosticadas com hipertensão seguem à risca o tratamento”, alerta. Recomendações de cuidados contra a dengue são ignoradas por muitos. Em resumo, “a sociedade tem de cumprir a função dela nas medidas de proteção”. A seguir, os principais trechos da conversa:
Fala-se muito no País em medicina preventiva. Ela é boa, ajuda na saúde geral?
Sim, tanto no SUS, o Sistema Único de Saúde, quanto no Saúde da Família e na medicina privada, com a orientação dos médicos. O que é essa prevenção? Fazer exercícios, alimentar-se bem, não fumar. Além disso, os pacientes precisam, sim, cuidar da pressão arterial, do colesterol, da diabete, da obesidade. Então, o País tem, sim, uma medicina preventiva. Se as pessoas não se previnem, isso é outro problema. Exemplo: só 30% dos já diagnosticados com hipertensão seguem à risca o tratamento.
Como é feita essa prevenção em outros países?
Cada cultura tem um sistema diferente. A do Brasil é muito boa, uma das melhores do mundo – basta lembrar que o SUS é o maior sistema de saúde do mundo, com mais de 100 milhões de pessoas. Mas falta verba, e o sistema tem de ser repensado.
O governo está investindo?
Não é questão do governo, é dos governos. Na minha cabeça, tem de ser uma política única: muda o governo, mas tem de continuar a mesma política. Principalmente, hoje, pois a população envelheceu. Precisamos mais de alta tecnologia, a medicina ficou mais custosa. E é impossível melhorar um sistema desse tamanho sem financiamento adequado.
Hoje, a epidemia de dengue está afetando o País de maneira bastante severa. Faltou prevenção?
Primeiro, a sociedade tem de cumprir a função dela de tomar medidas de proteção. Todo mundo sabe que a água parada é um perigo, o mosquito da dengue gosta dela assim. E as pessoas não tomam o cuidado devido. E também usar repelente para afastar os riscos. Não adianta culpar o governo. As vacinas estão começando agora. No entanto, por mais vacinas que você tenha, não vai ser possível ainda no próximo verão, no próximo ano, vacinar a população inteira. Então, as pessoas precisam ajudar. Claro, os governos também, começar antes com algum tipo de vigilância e com medidas de proteção. Por outro lado, as mudanças climáticas atrapalharam muito.
As pessoas usam muito o Google para automedicação. Não é perigoso?
A automedicação é um problema sério. Seja para remédio para dormir, emagrecer, para qualquer coisa. Não existe automedicação boa, todas são ruins. É fundamental ouvir o profissional da saúde. O controle do acesso a remédios tem de ser mais rigoroso.
O quanto o estado de ânimo das pessoas influi numa doença?
Total. Muda tudo, emocional e fisicamente. As doenças vêm, e você vê as diferentes reações do paciente. Aquele que acredita que vai dar certo, geralmente vai melhor no tratamento. Ele faz exercícios, se alimenta bem... Se a pessoa se deprime, isso é muito ruim, a depressão é um mal. E o Brasil é um dos países com o maior índice de depressão no planeta. Esse também é um problema sério de saúde pública.
A telemedicina já tem dado uma boa contribuição?
Ela não substitui a relação médico-paciente de jeito nenhum. Tem de ser usada com cuidado. Mas, em termos de levar conhecimento para o País inteiro, ela é extremamente importante, cumpre o papel de ciência, de ensino e de assistência. Os grandes centros de saúde devem orientar os menores em relação às condutas, aos protocolos de UTI. Ela pode ajudar o SUS para consultas de retorno, por exemplo.
Como vão as parcerias privadas com o SUS?
Vários hospitais têm essa parceria, e isso deve ser expandido. O SUS nunca será privatizado, e não deve ser. Auxílios e parcerias são bem-vindos para se acoplar ao sistema, já que ele não tem o recurso que deveria ter. Mas veja, essa ajuda das instituições privadas é pífia, muito pequena. Precisamos de uma verba fixa, de um financiamento perene.