CEO 50+ pode estar no auge, mas sociedade espera sua aposentadoria, diz consultor


Sócio fundador da Mais Diversidade, Ricardo Sales afirma que pauta geracional é estratégica para convencer executivos da importância de se discutir diversidade nas empresas

Por Ludimila Honorato

Falar sobre o futuro do trabalho e pautar o tema geracional dentro das empresas envolve um engajamento mais amplo de buscar representatividade aliada à consciência política. Para isso, a democracia é requisito primário e a diversidade traz à tona as múltiplas necessidades sociais e os possíveis caminhos que as organizações podem seguir.

A jornada é longa, mas os avanços já são palpáveis. Na última semana, mais de 90 empresas e ONGs assinaram a Carta Aberta de apoio à Diversidade, ao Respeito e à Inclusão de Pessoas LGBTQI+ nos ambientes de trabalho brasileiros, iniciativa lançada pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, o Instituto Mais Diversidade e a Out & Equal Workplace Advocates.

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O documento, cujas signatárias empregam mais de 430 mil pessoas, reafirma a importância da pauta e o papel das corporações para uma sociedade mais justa e relações de trabalho mais inclusivas e conscientes. Em 2018, quando o Out & Equal lançou a mesma iniciativa, 35 entidades assinaram a carta.

“É uma evolução que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos”, afirma Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade e presidente do conselho do Instituto Mais Diversidade.

Para Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade, é coerente que as empresas se posicionem na esfera política Foto: Kianne Sales Pavarini
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Ele defende que a pauta deve fazer parte das discussões políticas não partidárias, uma vez que os interesses das empresas também se relacionam com as políticas públicas formuladas por legisladores. “A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política”, afirma.

Essa ligação entre o meio empresarial e o campo político tem precedente. A proximidade ganhou coro inédito no ano passado, quando grandes corporações se posicionaram contra um projeto de lei da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que previa proibir a veiculação de peças publicitárias com menção à diversidade sexual.

Na época, Sales foi categórico em artigo ao Estadão. “O projeto é claramente inconstitucional e extrapola as atribuições da Alesp, uma vez que a publicidade é regulada em nível federal. Mas a discussão não é jurídica apenas. A proposição de algo assim é reveladora da agenda de prioridades de quem deveria se ocupar do combate à pandemia, à desigualdade e ao desemprego, três dos nossos maiores problemas atuais”, escreveu.

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Agora, em conversa com a reportagem, o consultor falou sobre como as empresas podem avançar nessa aliança, de que modo a pauta de diversidade se insere nas discussões sobre futuro do trabalho e os desafios atuais para a agenda.

Por que a pauta social é a porta de entrada das empresas na discussão política?

De uma forma mais ampla, o tema ESG tem sido a porta de entrada, mas eu acho que isso tem uma intensidade maior no social, porque você tem uma pressão ainda mais intensa nas localidades em que a maioria dessas grandes empresas estão posicionadas. A pauta ambiental também tem estimulado, de parte de algumas empresas, posicionamentos no sentido de defender a Amazônia, mas a gente sabe que, infelizmente, a pauta ambiental ainda não tem uma circulação nacional como deveria. Não estou hierarquizando as pautas, só acho que o social acaba sendo ainda mais evidente, porque o racismo está em todas as regiões, a homofobia é um traço da cultura, e isso tem aberto essa oportunidade para as empresas falarem.

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Como isso se relaciona com a política, falando de política não partidária?

As empresas passam a falar para ocupar esse vácuo que foi deixado pela falta de atuação do governo federal, dessa agenda dos últimos três anos e meio. Isso faz com que as empresas falem, até por uma questão de coerência. Se elas estão avançando tanto internamente, o público interno espera que a organização faça um anúncio que valorize a diversidade, que ela tenha compromissos públicos com o tema e tenha metas. Outro fator novo é a entrada do regulatório. No ambiental, a gente já tinha normativas do Banco Central e de várias instituições falando sobre emissões e economia de recursos. Agora, isso começa a chegar no social. No ano passado, a CVM divulgou que, a partir desse ano, as empresas precisam prestar contas de representatividade, da base ao conselho, de gênero, raça e idade. No mês passado, a Susep, que regula o mercado segurador, veio com orientações para as questões de diversidade também e, na semana passada, a B3 abriu consulta pública para que, a partir do ano que vem, as 420 empresas listadas tenham pelo menos uma mulher e uma pessoa representante de grupo minorizado no conselho de administração.

Qual o impacto dessas decisões?

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As empresas de capital aberto vão precisar olhar para esse tema com uma racionalidade maior, com planejamento, estratégia, recurso e estruturação das atividades. Mas não é interessante uma representatividade vazia. A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política. Se eu tenho lá uma pessoa LGBT, mas que está presa a um ideal de meritocracia ou está fascinada com a própria trajetória a ponto de achar que pode ser universalizada, tem algo errado. É preciso usar aquele espaço, primeiro, para pautar esses assuntos e fazer com que a presença dela faça a diferença e, segundo, como um compromisso ético de garantir que não será a única.

É todo esse movimento que justifica o aumento no número de empresas signatárias da carta de apoio à diversidade?

É uma evolução mesmo que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos. Há cinco anos, eu diria que nossa grande dificuldade era engajar as empresas brasileiras. Essa dificuldade, a gente está superando. Hoje, você tem várias empresas brasileiras que estão entre aquelas que desenvolvem políticas de diversidade e inclusão. Nosso desafio agora é engajar as empresas pequenas, médias e familiares. E aí entra outro tópico, que são os programas de diversidade na cadeia de fornecedores. Gustavo Werneck, presidente da Gerdau, comentou que a partir de 2025 não seria mais fornecedor da empresa quem não tivesse políticas de diversidade e inclusão. A gente foi contratado pela Gerdau e temos um trabalho lá de ajudar os fornecedores a terem políticas e práticas, que envolve desde o fornecedor da matéria-prima do aço até o restaurante de uma das unidades do interior do Rio Grande do Sul. Isso começa um movimento, porque não importa que o restaurante seja gerido por uma empresa pequena, ela vai ter de avançar e vai receber apoio para avançar. Nenhuma empresa no Brasil, hoje, está em posição de falar: “eu vou encerrar todos os contratos com quem não tiver diversidade”. Mas muitas estão em posição de falar: “eu faço isso, tenho a expectativa que você também faça e eu vou te ajudar”.

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Quando se fala em futuro do trabalho, muito se pensa em modelo remoto, híbrido, relações no escritório. Como a diversidade se encaixa nessa discussão?

Ela tanto se encaixa que a gente tem na Mais Diversidade o Fórum Gerações e Futuro do Trabalho. A discussão sobre diversidade no Brasil ganhou corpo nos últimos anos, sobretudo por conta da atuação dos fóruns, como o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, ONU Mulheres, a Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, a Rede Empresarial da Inclusão das Pessoas com Deficiência, mas não tinha um fórum para discutir a questão geracional. Nós resolvemos criar esse fórum, que é uma iniciativa institucional, sem finalidade comercial, que reúne empresas em torno de seis compromissos com esses temas.

Qual é o olhar desse fórum?

A pergunta que tem de ser feita é: futuro do trabalho para quem? Porque as pesquisas sobre o futuro do trabalho, muitas vezes, têm uma visão idealizada que não corresponde à realidade da maior parte das pessoas. Essa pessoa cercada por um milhão de gadgets (dispositivos eletrêonicos) é um recorte de um jovem urbano de classe média que não é a maioria, porque 30% da nossa população jovem nem estuda nem trabalha. Então, primeiro é olhar esse futuro do trabalho com os recortes de raça, classe, regionalidade, entre vários outros. Outro ponto é como essas tecnologias de automação, de digitalização vão impactar a empregabilidade de grupos minorizados, que é uma pergunta que ninguém está fazendo. Quando uma empresa automatiza um processo, muitas vezes ela demite as pessoas que faziam esse trabalho, que só desempenhavam atividades operacionais, que são pessoas, muitas vezes, negras, com menos escolaridade, pessoas com deficiência, mães que trabalham no período parcial. Com o crescimento da tecnologia, é verdade que vão sumir vários trabalhos e muitos outros vão aparecer, mas a pergunta é: vão aparecer para quem? Quem é altamente escolarizado está habilitado para aprender tecnologias variadas, mas no Brasil, há três anos, o dado era que 50% dos brasileiros não tinham internet. Nas empresas, a gente está num processo de alfabetização ainda para a gente se educar das prioridades, do olhar todo sobre o tema e aí sim construir uma agenda de trabalho.

As empresas têm criado, por exemplo, grupos de afinidade e a pauta geracional fica um pouco de lado. Por quê?

Um cuidado que a gente tem de ter na pauta de diversidade é de não criar divisões. Quando se cria um grupo de afinidade, a gente tem a função de discutir as especificidades num espaço de segurança psicológica por conta de um compartilhamento de experiências. Se não podemos criar divisões, a pauta que nos une é a geracional, que fala de todos e todas nós. A pauta geracional é estratégica para convencer o CEO que, muitas vezes, está com 50, 60 anos e está sacando que ele está no auge do vigor, da produtividade dele, mas o mundo ao redor está pensando em quando ele vai se aposentar ou virar conselheiro.

Como equilibrar as diferentes gerações?

Isso envolve responsabilidade de parte a parte, sem exceção. Você tem de ter da parte do jovem um equilíbrio no sentido de não ter aquela arrogância de achar que sabe de tudo, que conhece tudo de tecnologia. Eventualmente, sem generalizar, conhece mais, mas o mais velho também vai aportar a experiência, a maturidade, que é algo muito valioso. Mas esse mais velho também tem de ter disposição para aprender com o mais jovem.

Você sente que o movimento da diversidade precisa lutar mais para manter o que já foi conquistado do que para pensar nos próximos passos?

Primeiro, é necessário ter uma compreensão de que o rumo é tão importante quanto o ritmo. Tão importante quanto a velocidade é a gente ter clareza do caminho. Eu vejo muitos movimentos com uma ansiedade justificada em relação à velocidade, mas desconsiderando que uma velocidade desembestada nos leva para qualquer lugar, inclusive para onde a gente não quer. Perder o rumo é muito fácil e conquistas sociais se validam a cada dia. Não é possível achar, em nenhuma sociedade, que o jogo está ganho, porque nunca estará. A gente está numa posição de atraso muito grande no que se refere à garantia de direitos para mulheres, pessoas negras, LGBT, pessoas com deficiência e, ao menor vacilo, essas conquistas vão sendo contestadas.

E qual é o papel das empresas nisso?

A gente sempre leva as empresas à seguinte provocação: se vocês não gostam de cotas, criticam, acreditam que esse não é o melhor caminho, pautem a visão de mundo de vocês. E isso é passar pela política. Se você entende que cota não é a solução, use os seus representantes em Brasília, que estão atuando nas áreas de relações governamentais dentro da legalidade, dentro da democracia, para pautar os temas que vocês acham importantes. Eu acho muito justo quando o empresário diz que, no âmbito da Lei de Cotas, você poderia ter, por exemplo, incentivo fiscal. Mas vai do meio empresarial querer se envolver com a política, participar desse debate, porque se não participa, vem o legislador e faz o que ele sabe fazer, que é lei. E no meio político, também não se sabe dessa efervescência do tema de diversidade nas organizações. Eu fui a Brasília no ano passado, passei por várias gabinetes, conversei com alguns deputados e eles não sabiam de nada. Por isso que, para o ano que vem, um dos nossos objetivos maiores no âmbito do Instituto é fazer advocacy. A gente quer promover uma série de estudos para pautar a imprensa e as políticas públicas, porque se você não tem número, é difícil convencer um congressista a olhar para um tema.

Falar sobre o futuro do trabalho e pautar o tema geracional dentro das empresas envolve um engajamento mais amplo de buscar representatividade aliada à consciência política. Para isso, a democracia é requisito primário e a diversidade traz à tona as múltiplas necessidades sociais e os possíveis caminhos que as organizações podem seguir.

A jornada é longa, mas os avanços já são palpáveis. Na última semana, mais de 90 empresas e ONGs assinaram a Carta Aberta de apoio à Diversidade, ao Respeito e à Inclusão de Pessoas LGBTQI+ nos ambientes de trabalho brasileiros, iniciativa lançada pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, o Instituto Mais Diversidade e a Out & Equal Workplace Advocates.

O documento, cujas signatárias empregam mais de 430 mil pessoas, reafirma a importância da pauta e o papel das corporações para uma sociedade mais justa e relações de trabalho mais inclusivas e conscientes. Em 2018, quando o Out & Equal lançou a mesma iniciativa, 35 entidades assinaram a carta.

“É uma evolução que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos”, afirma Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade e presidente do conselho do Instituto Mais Diversidade.

Para Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade, é coerente que as empresas se posicionem na esfera política Foto: Kianne Sales Pavarini

Ele defende que a pauta deve fazer parte das discussões políticas não partidárias, uma vez que os interesses das empresas também se relacionam com as políticas públicas formuladas por legisladores. “A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política”, afirma.

Essa ligação entre o meio empresarial e o campo político tem precedente. A proximidade ganhou coro inédito no ano passado, quando grandes corporações se posicionaram contra um projeto de lei da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que previa proibir a veiculação de peças publicitárias com menção à diversidade sexual.

Na época, Sales foi categórico em artigo ao Estadão. “O projeto é claramente inconstitucional e extrapola as atribuições da Alesp, uma vez que a publicidade é regulada em nível federal. Mas a discussão não é jurídica apenas. A proposição de algo assim é reveladora da agenda de prioridades de quem deveria se ocupar do combate à pandemia, à desigualdade e ao desemprego, três dos nossos maiores problemas atuais”, escreveu.

Agora, em conversa com a reportagem, o consultor falou sobre como as empresas podem avançar nessa aliança, de que modo a pauta de diversidade se insere nas discussões sobre futuro do trabalho e os desafios atuais para a agenda.

Por que a pauta social é a porta de entrada das empresas na discussão política?

De uma forma mais ampla, o tema ESG tem sido a porta de entrada, mas eu acho que isso tem uma intensidade maior no social, porque você tem uma pressão ainda mais intensa nas localidades em que a maioria dessas grandes empresas estão posicionadas. A pauta ambiental também tem estimulado, de parte de algumas empresas, posicionamentos no sentido de defender a Amazônia, mas a gente sabe que, infelizmente, a pauta ambiental ainda não tem uma circulação nacional como deveria. Não estou hierarquizando as pautas, só acho que o social acaba sendo ainda mais evidente, porque o racismo está em todas as regiões, a homofobia é um traço da cultura, e isso tem aberto essa oportunidade para as empresas falarem.

Como isso se relaciona com a política, falando de política não partidária?

As empresas passam a falar para ocupar esse vácuo que foi deixado pela falta de atuação do governo federal, dessa agenda dos últimos três anos e meio. Isso faz com que as empresas falem, até por uma questão de coerência. Se elas estão avançando tanto internamente, o público interno espera que a organização faça um anúncio que valorize a diversidade, que ela tenha compromissos públicos com o tema e tenha metas. Outro fator novo é a entrada do regulatório. No ambiental, a gente já tinha normativas do Banco Central e de várias instituições falando sobre emissões e economia de recursos. Agora, isso começa a chegar no social. No ano passado, a CVM divulgou que, a partir desse ano, as empresas precisam prestar contas de representatividade, da base ao conselho, de gênero, raça e idade. No mês passado, a Susep, que regula o mercado segurador, veio com orientações para as questões de diversidade também e, na semana passada, a B3 abriu consulta pública para que, a partir do ano que vem, as 420 empresas listadas tenham pelo menos uma mulher e uma pessoa representante de grupo minorizado no conselho de administração.

Qual o impacto dessas decisões?

As empresas de capital aberto vão precisar olhar para esse tema com uma racionalidade maior, com planejamento, estratégia, recurso e estruturação das atividades. Mas não é interessante uma representatividade vazia. A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política. Se eu tenho lá uma pessoa LGBT, mas que está presa a um ideal de meritocracia ou está fascinada com a própria trajetória a ponto de achar que pode ser universalizada, tem algo errado. É preciso usar aquele espaço, primeiro, para pautar esses assuntos e fazer com que a presença dela faça a diferença e, segundo, como um compromisso ético de garantir que não será a única.

É todo esse movimento que justifica o aumento no número de empresas signatárias da carta de apoio à diversidade?

É uma evolução mesmo que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos. Há cinco anos, eu diria que nossa grande dificuldade era engajar as empresas brasileiras. Essa dificuldade, a gente está superando. Hoje, você tem várias empresas brasileiras que estão entre aquelas que desenvolvem políticas de diversidade e inclusão. Nosso desafio agora é engajar as empresas pequenas, médias e familiares. E aí entra outro tópico, que são os programas de diversidade na cadeia de fornecedores. Gustavo Werneck, presidente da Gerdau, comentou que a partir de 2025 não seria mais fornecedor da empresa quem não tivesse políticas de diversidade e inclusão. A gente foi contratado pela Gerdau e temos um trabalho lá de ajudar os fornecedores a terem políticas e práticas, que envolve desde o fornecedor da matéria-prima do aço até o restaurante de uma das unidades do interior do Rio Grande do Sul. Isso começa um movimento, porque não importa que o restaurante seja gerido por uma empresa pequena, ela vai ter de avançar e vai receber apoio para avançar. Nenhuma empresa no Brasil, hoje, está em posição de falar: “eu vou encerrar todos os contratos com quem não tiver diversidade”. Mas muitas estão em posição de falar: “eu faço isso, tenho a expectativa que você também faça e eu vou te ajudar”.

Quando se fala em futuro do trabalho, muito se pensa em modelo remoto, híbrido, relações no escritório. Como a diversidade se encaixa nessa discussão?

Ela tanto se encaixa que a gente tem na Mais Diversidade o Fórum Gerações e Futuro do Trabalho. A discussão sobre diversidade no Brasil ganhou corpo nos últimos anos, sobretudo por conta da atuação dos fóruns, como o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, ONU Mulheres, a Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, a Rede Empresarial da Inclusão das Pessoas com Deficiência, mas não tinha um fórum para discutir a questão geracional. Nós resolvemos criar esse fórum, que é uma iniciativa institucional, sem finalidade comercial, que reúne empresas em torno de seis compromissos com esses temas.

Qual é o olhar desse fórum?

A pergunta que tem de ser feita é: futuro do trabalho para quem? Porque as pesquisas sobre o futuro do trabalho, muitas vezes, têm uma visão idealizada que não corresponde à realidade da maior parte das pessoas. Essa pessoa cercada por um milhão de gadgets (dispositivos eletrêonicos) é um recorte de um jovem urbano de classe média que não é a maioria, porque 30% da nossa população jovem nem estuda nem trabalha. Então, primeiro é olhar esse futuro do trabalho com os recortes de raça, classe, regionalidade, entre vários outros. Outro ponto é como essas tecnologias de automação, de digitalização vão impactar a empregabilidade de grupos minorizados, que é uma pergunta que ninguém está fazendo. Quando uma empresa automatiza um processo, muitas vezes ela demite as pessoas que faziam esse trabalho, que só desempenhavam atividades operacionais, que são pessoas, muitas vezes, negras, com menos escolaridade, pessoas com deficiência, mães que trabalham no período parcial. Com o crescimento da tecnologia, é verdade que vão sumir vários trabalhos e muitos outros vão aparecer, mas a pergunta é: vão aparecer para quem? Quem é altamente escolarizado está habilitado para aprender tecnologias variadas, mas no Brasil, há três anos, o dado era que 50% dos brasileiros não tinham internet. Nas empresas, a gente está num processo de alfabetização ainda para a gente se educar das prioridades, do olhar todo sobre o tema e aí sim construir uma agenda de trabalho.

As empresas têm criado, por exemplo, grupos de afinidade e a pauta geracional fica um pouco de lado. Por quê?

Um cuidado que a gente tem de ter na pauta de diversidade é de não criar divisões. Quando se cria um grupo de afinidade, a gente tem a função de discutir as especificidades num espaço de segurança psicológica por conta de um compartilhamento de experiências. Se não podemos criar divisões, a pauta que nos une é a geracional, que fala de todos e todas nós. A pauta geracional é estratégica para convencer o CEO que, muitas vezes, está com 50, 60 anos e está sacando que ele está no auge do vigor, da produtividade dele, mas o mundo ao redor está pensando em quando ele vai se aposentar ou virar conselheiro.

Como equilibrar as diferentes gerações?

Isso envolve responsabilidade de parte a parte, sem exceção. Você tem de ter da parte do jovem um equilíbrio no sentido de não ter aquela arrogância de achar que sabe de tudo, que conhece tudo de tecnologia. Eventualmente, sem generalizar, conhece mais, mas o mais velho também vai aportar a experiência, a maturidade, que é algo muito valioso. Mas esse mais velho também tem de ter disposição para aprender com o mais jovem.

Você sente que o movimento da diversidade precisa lutar mais para manter o que já foi conquistado do que para pensar nos próximos passos?

Primeiro, é necessário ter uma compreensão de que o rumo é tão importante quanto o ritmo. Tão importante quanto a velocidade é a gente ter clareza do caminho. Eu vejo muitos movimentos com uma ansiedade justificada em relação à velocidade, mas desconsiderando que uma velocidade desembestada nos leva para qualquer lugar, inclusive para onde a gente não quer. Perder o rumo é muito fácil e conquistas sociais se validam a cada dia. Não é possível achar, em nenhuma sociedade, que o jogo está ganho, porque nunca estará. A gente está numa posição de atraso muito grande no que se refere à garantia de direitos para mulheres, pessoas negras, LGBT, pessoas com deficiência e, ao menor vacilo, essas conquistas vão sendo contestadas.

E qual é o papel das empresas nisso?

A gente sempre leva as empresas à seguinte provocação: se vocês não gostam de cotas, criticam, acreditam que esse não é o melhor caminho, pautem a visão de mundo de vocês. E isso é passar pela política. Se você entende que cota não é a solução, use os seus representantes em Brasília, que estão atuando nas áreas de relações governamentais dentro da legalidade, dentro da democracia, para pautar os temas que vocês acham importantes. Eu acho muito justo quando o empresário diz que, no âmbito da Lei de Cotas, você poderia ter, por exemplo, incentivo fiscal. Mas vai do meio empresarial querer se envolver com a política, participar desse debate, porque se não participa, vem o legislador e faz o que ele sabe fazer, que é lei. E no meio político, também não se sabe dessa efervescência do tema de diversidade nas organizações. Eu fui a Brasília no ano passado, passei por várias gabinetes, conversei com alguns deputados e eles não sabiam de nada. Por isso que, para o ano que vem, um dos nossos objetivos maiores no âmbito do Instituto é fazer advocacy. A gente quer promover uma série de estudos para pautar a imprensa e as políticas públicas, porque se você não tem número, é difícil convencer um congressista a olhar para um tema.

Falar sobre o futuro do trabalho e pautar o tema geracional dentro das empresas envolve um engajamento mais amplo de buscar representatividade aliada à consciência política. Para isso, a democracia é requisito primário e a diversidade traz à tona as múltiplas necessidades sociais e os possíveis caminhos que as organizações podem seguir.

A jornada é longa, mas os avanços já são palpáveis. Na última semana, mais de 90 empresas e ONGs assinaram a Carta Aberta de apoio à Diversidade, ao Respeito e à Inclusão de Pessoas LGBTQI+ nos ambientes de trabalho brasileiros, iniciativa lançada pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, o Instituto Mais Diversidade e a Out & Equal Workplace Advocates.

O documento, cujas signatárias empregam mais de 430 mil pessoas, reafirma a importância da pauta e o papel das corporações para uma sociedade mais justa e relações de trabalho mais inclusivas e conscientes. Em 2018, quando o Out & Equal lançou a mesma iniciativa, 35 entidades assinaram a carta.

“É uma evolução que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos”, afirma Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade e presidente do conselho do Instituto Mais Diversidade.

Para Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade, é coerente que as empresas se posicionem na esfera política Foto: Kianne Sales Pavarini

Ele defende que a pauta deve fazer parte das discussões políticas não partidárias, uma vez que os interesses das empresas também se relacionam com as políticas públicas formuladas por legisladores. “A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política”, afirma.

Essa ligação entre o meio empresarial e o campo político tem precedente. A proximidade ganhou coro inédito no ano passado, quando grandes corporações se posicionaram contra um projeto de lei da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que previa proibir a veiculação de peças publicitárias com menção à diversidade sexual.

Na época, Sales foi categórico em artigo ao Estadão. “O projeto é claramente inconstitucional e extrapola as atribuições da Alesp, uma vez que a publicidade é regulada em nível federal. Mas a discussão não é jurídica apenas. A proposição de algo assim é reveladora da agenda de prioridades de quem deveria se ocupar do combate à pandemia, à desigualdade e ao desemprego, três dos nossos maiores problemas atuais”, escreveu.

Agora, em conversa com a reportagem, o consultor falou sobre como as empresas podem avançar nessa aliança, de que modo a pauta de diversidade se insere nas discussões sobre futuro do trabalho e os desafios atuais para a agenda.

Por que a pauta social é a porta de entrada das empresas na discussão política?

De uma forma mais ampla, o tema ESG tem sido a porta de entrada, mas eu acho que isso tem uma intensidade maior no social, porque você tem uma pressão ainda mais intensa nas localidades em que a maioria dessas grandes empresas estão posicionadas. A pauta ambiental também tem estimulado, de parte de algumas empresas, posicionamentos no sentido de defender a Amazônia, mas a gente sabe que, infelizmente, a pauta ambiental ainda não tem uma circulação nacional como deveria. Não estou hierarquizando as pautas, só acho que o social acaba sendo ainda mais evidente, porque o racismo está em todas as regiões, a homofobia é um traço da cultura, e isso tem aberto essa oportunidade para as empresas falarem.

Como isso se relaciona com a política, falando de política não partidária?

As empresas passam a falar para ocupar esse vácuo que foi deixado pela falta de atuação do governo federal, dessa agenda dos últimos três anos e meio. Isso faz com que as empresas falem, até por uma questão de coerência. Se elas estão avançando tanto internamente, o público interno espera que a organização faça um anúncio que valorize a diversidade, que ela tenha compromissos públicos com o tema e tenha metas. Outro fator novo é a entrada do regulatório. No ambiental, a gente já tinha normativas do Banco Central e de várias instituições falando sobre emissões e economia de recursos. Agora, isso começa a chegar no social. No ano passado, a CVM divulgou que, a partir desse ano, as empresas precisam prestar contas de representatividade, da base ao conselho, de gênero, raça e idade. No mês passado, a Susep, que regula o mercado segurador, veio com orientações para as questões de diversidade também e, na semana passada, a B3 abriu consulta pública para que, a partir do ano que vem, as 420 empresas listadas tenham pelo menos uma mulher e uma pessoa representante de grupo minorizado no conselho de administração.

Qual o impacto dessas decisões?

As empresas de capital aberto vão precisar olhar para esse tema com uma racionalidade maior, com planejamento, estratégia, recurso e estruturação das atividades. Mas não é interessante uma representatividade vazia. A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política. Se eu tenho lá uma pessoa LGBT, mas que está presa a um ideal de meritocracia ou está fascinada com a própria trajetória a ponto de achar que pode ser universalizada, tem algo errado. É preciso usar aquele espaço, primeiro, para pautar esses assuntos e fazer com que a presença dela faça a diferença e, segundo, como um compromisso ético de garantir que não será a única.

É todo esse movimento que justifica o aumento no número de empresas signatárias da carta de apoio à diversidade?

É uma evolução mesmo que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos. Há cinco anos, eu diria que nossa grande dificuldade era engajar as empresas brasileiras. Essa dificuldade, a gente está superando. Hoje, você tem várias empresas brasileiras que estão entre aquelas que desenvolvem políticas de diversidade e inclusão. Nosso desafio agora é engajar as empresas pequenas, médias e familiares. E aí entra outro tópico, que são os programas de diversidade na cadeia de fornecedores. Gustavo Werneck, presidente da Gerdau, comentou que a partir de 2025 não seria mais fornecedor da empresa quem não tivesse políticas de diversidade e inclusão. A gente foi contratado pela Gerdau e temos um trabalho lá de ajudar os fornecedores a terem políticas e práticas, que envolve desde o fornecedor da matéria-prima do aço até o restaurante de uma das unidades do interior do Rio Grande do Sul. Isso começa um movimento, porque não importa que o restaurante seja gerido por uma empresa pequena, ela vai ter de avançar e vai receber apoio para avançar. Nenhuma empresa no Brasil, hoje, está em posição de falar: “eu vou encerrar todos os contratos com quem não tiver diversidade”. Mas muitas estão em posição de falar: “eu faço isso, tenho a expectativa que você também faça e eu vou te ajudar”.

Quando se fala em futuro do trabalho, muito se pensa em modelo remoto, híbrido, relações no escritório. Como a diversidade se encaixa nessa discussão?

Ela tanto se encaixa que a gente tem na Mais Diversidade o Fórum Gerações e Futuro do Trabalho. A discussão sobre diversidade no Brasil ganhou corpo nos últimos anos, sobretudo por conta da atuação dos fóruns, como o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, ONU Mulheres, a Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, a Rede Empresarial da Inclusão das Pessoas com Deficiência, mas não tinha um fórum para discutir a questão geracional. Nós resolvemos criar esse fórum, que é uma iniciativa institucional, sem finalidade comercial, que reúne empresas em torno de seis compromissos com esses temas.

Qual é o olhar desse fórum?

A pergunta que tem de ser feita é: futuro do trabalho para quem? Porque as pesquisas sobre o futuro do trabalho, muitas vezes, têm uma visão idealizada que não corresponde à realidade da maior parte das pessoas. Essa pessoa cercada por um milhão de gadgets (dispositivos eletrêonicos) é um recorte de um jovem urbano de classe média que não é a maioria, porque 30% da nossa população jovem nem estuda nem trabalha. Então, primeiro é olhar esse futuro do trabalho com os recortes de raça, classe, regionalidade, entre vários outros. Outro ponto é como essas tecnologias de automação, de digitalização vão impactar a empregabilidade de grupos minorizados, que é uma pergunta que ninguém está fazendo. Quando uma empresa automatiza um processo, muitas vezes ela demite as pessoas que faziam esse trabalho, que só desempenhavam atividades operacionais, que são pessoas, muitas vezes, negras, com menos escolaridade, pessoas com deficiência, mães que trabalham no período parcial. Com o crescimento da tecnologia, é verdade que vão sumir vários trabalhos e muitos outros vão aparecer, mas a pergunta é: vão aparecer para quem? Quem é altamente escolarizado está habilitado para aprender tecnologias variadas, mas no Brasil, há três anos, o dado era que 50% dos brasileiros não tinham internet. Nas empresas, a gente está num processo de alfabetização ainda para a gente se educar das prioridades, do olhar todo sobre o tema e aí sim construir uma agenda de trabalho.

As empresas têm criado, por exemplo, grupos de afinidade e a pauta geracional fica um pouco de lado. Por quê?

Um cuidado que a gente tem de ter na pauta de diversidade é de não criar divisões. Quando se cria um grupo de afinidade, a gente tem a função de discutir as especificidades num espaço de segurança psicológica por conta de um compartilhamento de experiências. Se não podemos criar divisões, a pauta que nos une é a geracional, que fala de todos e todas nós. A pauta geracional é estratégica para convencer o CEO que, muitas vezes, está com 50, 60 anos e está sacando que ele está no auge do vigor, da produtividade dele, mas o mundo ao redor está pensando em quando ele vai se aposentar ou virar conselheiro.

Como equilibrar as diferentes gerações?

Isso envolve responsabilidade de parte a parte, sem exceção. Você tem de ter da parte do jovem um equilíbrio no sentido de não ter aquela arrogância de achar que sabe de tudo, que conhece tudo de tecnologia. Eventualmente, sem generalizar, conhece mais, mas o mais velho também vai aportar a experiência, a maturidade, que é algo muito valioso. Mas esse mais velho também tem de ter disposição para aprender com o mais jovem.

Você sente que o movimento da diversidade precisa lutar mais para manter o que já foi conquistado do que para pensar nos próximos passos?

Primeiro, é necessário ter uma compreensão de que o rumo é tão importante quanto o ritmo. Tão importante quanto a velocidade é a gente ter clareza do caminho. Eu vejo muitos movimentos com uma ansiedade justificada em relação à velocidade, mas desconsiderando que uma velocidade desembestada nos leva para qualquer lugar, inclusive para onde a gente não quer. Perder o rumo é muito fácil e conquistas sociais se validam a cada dia. Não é possível achar, em nenhuma sociedade, que o jogo está ganho, porque nunca estará. A gente está numa posição de atraso muito grande no que se refere à garantia de direitos para mulheres, pessoas negras, LGBT, pessoas com deficiência e, ao menor vacilo, essas conquistas vão sendo contestadas.

E qual é o papel das empresas nisso?

A gente sempre leva as empresas à seguinte provocação: se vocês não gostam de cotas, criticam, acreditam que esse não é o melhor caminho, pautem a visão de mundo de vocês. E isso é passar pela política. Se você entende que cota não é a solução, use os seus representantes em Brasília, que estão atuando nas áreas de relações governamentais dentro da legalidade, dentro da democracia, para pautar os temas que vocês acham importantes. Eu acho muito justo quando o empresário diz que, no âmbito da Lei de Cotas, você poderia ter, por exemplo, incentivo fiscal. Mas vai do meio empresarial querer se envolver com a política, participar desse debate, porque se não participa, vem o legislador e faz o que ele sabe fazer, que é lei. E no meio político, também não se sabe dessa efervescência do tema de diversidade nas organizações. Eu fui a Brasília no ano passado, passei por várias gabinetes, conversei com alguns deputados e eles não sabiam de nada. Por isso que, para o ano que vem, um dos nossos objetivos maiores no âmbito do Instituto é fazer advocacy. A gente quer promover uma série de estudos para pautar a imprensa e as políticas públicas, porque se você não tem número, é difícil convencer um congressista a olhar para um tema.

Falar sobre o futuro do trabalho e pautar o tema geracional dentro das empresas envolve um engajamento mais amplo de buscar representatividade aliada à consciência política. Para isso, a democracia é requisito primário e a diversidade traz à tona as múltiplas necessidades sociais e os possíveis caminhos que as organizações podem seguir.

A jornada é longa, mas os avanços já são palpáveis. Na última semana, mais de 90 empresas e ONGs assinaram a Carta Aberta de apoio à Diversidade, ao Respeito e à Inclusão de Pessoas LGBTQI+ nos ambientes de trabalho brasileiros, iniciativa lançada pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, o Instituto Mais Diversidade e a Out & Equal Workplace Advocates.

O documento, cujas signatárias empregam mais de 430 mil pessoas, reafirma a importância da pauta e o papel das corporações para uma sociedade mais justa e relações de trabalho mais inclusivas e conscientes. Em 2018, quando o Out & Equal lançou a mesma iniciativa, 35 entidades assinaram a carta.

“É uma evolução que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos”, afirma Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade e presidente do conselho do Instituto Mais Diversidade.

Para Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade, é coerente que as empresas se posicionem na esfera política Foto: Kianne Sales Pavarini

Ele defende que a pauta deve fazer parte das discussões políticas não partidárias, uma vez que os interesses das empresas também se relacionam com as políticas públicas formuladas por legisladores. “A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política”, afirma.

Essa ligação entre o meio empresarial e o campo político tem precedente. A proximidade ganhou coro inédito no ano passado, quando grandes corporações se posicionaram contra um projeto de lei da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que previa proibir a veiculação de peças publicitárias com menção à diversidade sexual.

Na época, Sales foi categórico em artigo ao Estadão. “O projeto é claramente inconstitucional e extrapola as atribuições da Alesp, uma vez que a publicidade é regulada em nível federal. Mas a discussão não é jurídica apenas. A proposição de algo assim é reveladora da agenda de prioridades de quem deveria se ocupar do combate à pandemia, à desigualdade e ao desemprego, três dos nossos maiores problemas atuais”, escreveu.

Agora, em conversa com a reportagem, o consultor falou sobre como as empresas podem avançar nessa aliança, de que modo a pauta de diversidade se insere nas discussões sobre futuro do trabalho e os desafios atuais para a agenda.

Por que a pauta social é a porta de entrada das empresas na discussão política?

De uma forma mais ampla, o tema ESG tem sido a porta de entrada, mas eu acho que isso tem uma intensidade maior no social, porque você tem uma pressão ainda mais intensa nas localidades em que a maioria dessas grandes empresas estão posicionadas. A pauta ambiental também tem estimulado, de parte de algumas empresas, posicionamentos no sentido de defender a Amazônia, mas a gente sabe que, infelizmente, a pauta ambiental ainda não tem uma circulação nacional como deveria. Não estou hierarquizando as pautas, só acho que o social acaba sendo ainda mais evidente, porque o racismo está em todas as regiões, a homofobia é um traço da cultura, e isso tem aberto essa oportunidade para as empresas falarem.

Como isso se relaciona com a política, falando de política não partidária?

As empresas passam a falar para ocupar esse vácuo que foi deixado pela falta de atuação do governo federal, dessa agenda dos últimos três anos e meio. Isso faz com que as empresas falem, até por uma questão de coerência. Se elas estão avançando tanto internamente, o público interno espera que a organização faça um anúncio que valorize a diversidade, que ela tenha compromissos públicos com o tema e tenha metas. Outro fator novo é a entrada do regulatório. No ambiental, a gente já tinha normativas do Banco Central e de várias instituições falando sobre emissões e economia de recursos. Agora, isso começa a chegar no social. No ano passado, a CVM divulgou que, a partir desse ano, as empresas precisam prestar contas de representatividade, da base ao conselho, de gênero, raça e idade. No mês passado, a Susep, que regula o mercado segurador, veio com orientações para as questões de diversidade também e, na semana passada, a B3 abriu consulta pública para que, a partir do ano que vem, as 420 empresas listadas tenham pelo menos uma mulher e uma pessoa representante de grupo minorizado no conselho de administração.

Qual o impacto dessas decisões?

As empresas de capital aberto vão precisar olhar para esse tema com uma racionalidade maior, com planejamento, estratégia, recurso e estruturação das atividades. Mas não é interessante uma representatividade vazia. A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política. Se eu tenho lá uma pessoa LGBT, mas que está presa a um ideal de meritocracia ou está fascinada com a própria trajetória a ponto de achar que pode ser universalizada, tem algo errado. É preciso usar aquele espaço, primeiro, para pautar esses assuntos e fazer com que a presença dela faça a diferença e, segundo, como um compromisso ético de garantir que não será a única.

É todo esse movimento que justifica o aumento no número de empresas signatárias da carta de apoio à diversidade?

É uma evolução mesmo que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos. Há cinco anos, eu diria que nossa grande dificuldade era engajar as empresas brasileiras. Essa dificuldade, a gente está superando. Hoje, você tem várias empresas brasileiras que estão entre aquelas que desenvolvem políticas de diversidade e inclusão. Nosso desafio agora é engajar as empresas pequenas, médias e familiares. E aí entra outro tópico, que são os programas de diversidade na cadeia de fornecedores. Gustavo Werneck, presidente da Gerdau, comentou que a partir de 2025 não seria mais fornecedor da empresa quem não tivesse políticas de diversidade e inclusão. A gente foi contratado pela Gerdau e temos um trabalho lá de ajudar os fornecedores a terem políticas e práticas, que envolve desde o fornecedor da matéria-prima do aço até o restaurante de uma das unidades do interior do Rio Grande do Sul. Isso começa um movimento, porque não importa que o restaurante seja gerido por uma empresa pequena, ela vai ter de avançar e vai receber apoio para avançar. Nenhuma empresa no Brasil, hoje, está em posição de falar: “eu vou encerrar todos os contratos com quem não tiver diversidade”. Mas muitas estão em posição de falar: “eu faço isso, tenho a expectativa que você também faça e eu vou te ajudar”.

Quando se fala em futuro do trabalho, muito se pensa em modelo remoto, híbrido, relações no escritório. Como a diversidade se encaixa nessa discussão?

Ela tanto se encaixa que a gente tem na Mais Diversidade o Fórum Gerações e Futuro do Trabalho. A discussão sobre diversidade no Brasil ganhou corpo nos últimos anos, sobretudo por conta da atuação dos fóruns, como o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, ONU Mulheres, a Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, a Rede Empresarial da Inclusão das Pessoas com Deficiência, mas não tinha um fórum para discutir a questão geracional. Nós resolvemos criar esse fórum, que é uma iniciativa institucional, sem finalidade comercial, que reúne empresas em torno de seis compromissos com esses temas.

Qual é o olhar desse fórum?

A pergunta que tem de ser feita é: futuro do trabalho para quem? Porque as pesquisas sobre o futuro do trabalho, muitas vezes, têm uma visão idealizada que não corresponde à realidade da maior parte das pessoas. Essa pessoa cercada por um milhão de gadgets (dispositivos eletrêonicos) é um recorte de um jovem urbano de classe média que não é a maioria, porque 30% da nossa população jovem nem estuda nem trabalha. Então, primeiro é olhar esse futuro do trabalho com os recortes de raça, classe, regionalidade, entre vários outros. Outro ponto é como essas tecnologias de automação, de digitalização vão impactar a empregabilidade de grupos minorizados, que é uma pergunta que ninguém está fazendo. Quando uma empresa automatiza um processo, muitas vezes ela demite as pessoas que faziam esse trabalho, que só desempenhavam atividades operacionais, que são pessoas, muitas vezes, negras, com menos escolaridade, pessoas com deficiência, mães que trabalham no período parcial. Com o crescimento da tecnologia, é verdade que vão sumir vários trabalhos e muitos outros vão aparecer, mas a pergunta é: vão aparecer para quem? Quem é altamente escolarizado está habilitado para aprender tecnologias variadas, mas no Brasil, há três anos, o dado era que 50% dos brasileiros não tinham internet. Nas empresas, a gente está num processo de alfabetização ainda para a gente se educar das prioridades, do olhar todo sobre o tema e aí sim construir uma agenda de trabalho.

As empresas têm criado, por exemplo, grupos de afinidade e a pauta geracional fica um pouco de lado. Por quê?

Um cuidado que a gente tem de ter na pauta de diversidade é de não criar divisões. Quando se cria um grupo de afinidade, a gente tem a função de discutir as especificidades num espaço de segurança psicológica por conta de um compartilhamento de experiências. Se não podemos criar divisões, a pauta que nos une é a geracional, que fala de todos e todas nós. A pauta geracional é estratégica para convencer o CEO que, muitas vezes, está com 50, 60 anos e está sacando que ele está no auge do vigor, da produtividade dele, mas o mundo ao redor está pensando em quando ele vai se aposentar ou virar conselheiro.

Como equilibrar as diferentes gerações?

Isso envolve responsabilidade de parte a parte, sem exceção. Você tem de ter da parte do jovem um equilíbrio no sentido de não ter aquela arrogância de achar que sabe de tudo, que conhece tudo de tecnologia. Eventualmente, sem generalizar, conhece mais, mas o mais velho também vai aportar a experiência, a maturidade, que é algo muito valioso. Mas esse mais velho também tem de ter disposição para aprender com o mais jovem.

Você sente que o movimento da diversidade precisa lutar mais para manter o que já foi conquistado do que para pensar nos próximos passos?

Primeiro, é necessário ter uma compreensão de que o rumo é tão importante quanto o ritmo. Tão importante quanto a velocidade é a gente ter clareza do caminho. Eu vejo muitos movimentos com uma ansiedade justificada em relação à velocidade, mas desconsiderando que uma velocidade desembestada nos leva para qualquer lugar, inclusive para onde a gente não quer. Perder o rumo é muito fácil e conquistas sociais se validam a cada dia. Não é possível achar, em nenhuma sociedade, que o jogo está ganho, porque nunca estará. A gente está numa posição de atraso muito grande no que se refere à garantia de direitos para mulheres, pessoas negras, LGBT, pessoas com deficiência e, ao menor vacilo, essas conquistas vão sendo contestadas.

E qual é o papel das empresas nisso?

A gente sempre leva as empresas à seguinte provocação: se vocês não gostam de cotas, criticam, acreditam que esse não é o melhor caminho, pautem a visão de mundo de vocês. E isso é passar pela política. Se você entende que cota não é a solução, use os seus representantes em Brasília, que estão atuando nas áreas de relações governamentais dentro da legalidade, dentro da democracia, para pautar os temas que vocês acham importantes. Eu acho muito justo quando o empresário diz que, no âmbito da Lei de Cotas, você poderia ter, por exemplo, incentivo fiscal. Mas vai do meio empresarial querer se envolver com a política, participar desse debate, porque se não participa, vem o legislador e faz o que ele sabe fazer, que é lei. E no meio político, também não se sabe dessa efervescência do tema de diversidade nas organizações. Eu fui a Brasília no ano passado, passei por várias gabinetes, conversei com alguns deputados e eles não sabiam de nada. Por isso que, para o ano que vem, um dos nossos objetivos maiores no âmbito do Instituto é fazer advocacy. A gente quer promover uma série de estudos para pautar a imprensa e as políticas públicas, porque se você não tem número, é difícil convencer um congressista a olhar para um tema.

Falar sobre o futuro do trabalho e pautar o tema geracional dentro das empresas envolve um engajamento mais amplo de buscar representatividade aliada à consciência política. Para isso, a democracia é requisito primário e a diversidade traz à tona as múltiplas necessidades sociais e os possíveis caminhos que as organizações podem seguir.

A jornada é longa, mas os avanços já são palpáveis. Na última semana, mais de 90 empresas e ONGs assinaram a Carta Aberta de apoio à Diversidade, ao Respeito e à Inclusão de Pessoas LGBTQI+ nos ambientes de trabalho brasileiros, iniciativa lançada pelo Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, o Instituto Mais Diversidade e a Out & Equal Workplace Advocates.

O documento, cujas signatárias empregam mais de 430 mil pessoas, reafirma a importância da pauta e o papel das corporações para uma sociedade mais justa e relações de trabalho mais inclusivas e conscientes. Em 2018, quando o Out & Equal lançou a mesma iniciativa, 35 entidades assinaram a carta.

“É uma evolução que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos”, afirma Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade e presidente do conselho do Instituto Mais Diversidade.

Para Ricardo Sales, CEO e sócio fundador da consultoria Mais Diversidade, é coerente que as empresas se posicionem na esfera política Foto: Kianne Sales Pavarini

Ele defende que a pauta deve fazer parte das discussões políticas não partidárias, uma vez que os interesses das empresas também se relacionam com as políticas públicas formuladas por legisladores. “A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política”, afirma.

Essa ligação entre o meio empresarial e o campo político tem precedente. A proximidade ganhou coro inédito no ano passado, quando grandes corporações se posicionaram contra um projeto de lei da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que previa proibir a veiculação de peças publicitárias com menção à diversidade sexual.

Na época, Sales foi categórico em artigo ao Estadão. “O projeto é claramente inconstitucional e extrapola as atribuições da Alesp, uma vez que a publicidade é regulada em nível federal. Mas a discussão não é jurídica apenas. A proposição de algo assim é reveladora da agenda de prioridades de quem deveria se ocupar do combate à pandemia, à desigualdade e ao desemprego, três dos nossos maiores problemas atuais”, escreveu.

Agora, em conversa com a reportagem, o consultor falou sobre como as empresas podem avançar nessa aliança, de que modo a pauta de diversidade se insere nas discussões sobre futuro do trabalho e os desafios atuais para a agenda.

Por que a pauta social é a porta de entrada das empresas na discussão política?

De uma forma mais ampla, o tema ESG tem sido a porta de entrada, mas eu acho que isso tem uma intensidade maior no social, porque você tem uma pressão ainda mais intensa nas localidades em que a maioria dessas grandes empresas estão posicionadas. A pauta ambiental também tem estimulado, de parte de algumas empresas, posicionamentos no sentido de defender a Amazônia, mas a gente sabe que, infelizmente, a pauta ambiental ainda não tem uma circulação nacional como deveria. Não estou hierarquizando as pautas, só acho que o social acaba sendo ainda mais evidente, porque o racismo está em todas as regiões, a homofobia é um traço da cultura, e isso tem aberto essa oportunidade para as empresas falarem.

Como isso se relaciona com a política, falando de política não partidária?

As empresas passam a falar para ocupar esse vácuo que foi deixado pela falta de atuação do governo federal, dessa agenda dos últimos três anos e meio. Isso faz com que as empresas falem, até por uma questão de coerência. Se elas estão avançando tanto internamente, o público interno espera que a organização faça um anúncio que valorize a diversidade, que ela tenha compromissos públicos com o tema e tenha metas. Outro fator novo é a entrada do regulatório. No ambiental, a gente já tinha normativas do Banco Central e de várias instituições falando sobre emissões e economia de recursos. Agora, isso começa a chegar no social. No ano passado, a CVM divulgou que, a partir desse ano, as empresas precisam prestar contas de representatividade, da base ao conselho, de gênero, raça e idade. No mês passado, a Susep, que regula o mercado segurador, veio com orientações para as questões de diversidade também e, na semana passada, a B3 abriu consulta pública para que, a partir do ano que vem, as 420 empresas listadas tenham pelo menos uma mulher e uma pessoa representante de grupo minorizado no conselho de administração.

Qual o impacto dessas decisões?

As empresas de capital aberto vão precisar olhar para esse tema com uma racionalidade maior, com planejamento, estratégia, recurso e estruturação das atividades. Mas não é interessante uma representatividade vazia. A representatividade só tem valor se for acompanhada de consciência política. Se eu tenho lá uma pessoa LGBT, mas que está presa a um ideal de meritocracia ou está fascinada com a própria trajetória a ponto de achar que pode ser universalizada, tem algo errado. É preciso usar aquele espaço, primeiro, para pautar esses assuntos e fazer com que a presença dela faça a diferença e, segundo, como um compromisso ético de garantir que não será a única.

É todo esse movimento que justifica o aumento no número de empresas signatárias da carta de apoio à diversidade?

É uma evolução mesmo que reflete o crescimento da agenda no meio empresarial brasileiro, sobretudo nos últimos cinco anos. Há cinco anos, eu diria que nossa grande dificuldade era engajar as empresas brasileiras. Essa dificuldade, a gente está superando. Hoje, você tem várias empresas brasileiras que estão entre aquelas que desenvolvem políticas de diversidade e inclusão. Nosso desafio agora é engajar as empresas pequenas, médias e familiares. E aí entra outro tópico, que são os programas de diversidade na cadeia de fornecedores. Gustavo Werneck, presidente da Gerdau, comentou que a partir de 2025 não seria mais fornecedor da empresa quem não tivesse políticas de diversidade e inclusão. A gente foi contratado pela Gerdau e temos um trabalho lá de ajudar os fornecedores a terem políticas e práticas, que envolve desde o fornecedor da matéria-prima do aço até o restaurante de uma das unidades do interior do Rio Grande do Sul. Isso começa um movimento, porque não importa que o restaurante seja gerido por uma empresa pequena, ela vai ter de avançar e vai receber apoio para avançar. Nenhuma empresa no Brasil, hoje, está em posição de falar: “eu vou encerrar todos os contratos com quem não tiver diversidade”. Mas muitas estão em posição de falar: “eu faço isso, tenho a expectativa que você também faça e eu vou te ajudar”.

Quando se fala em futuro do trabalho, muito se pensa em modelo remoto, híbrido, relações no escritório. Como a diversidade se encaixa nessa discussão?

Ela tanto se encaixa que a gente tem na Mais Diversidade o Fórum Gerações e Futuro do Trabalho. A discussão sobre diversidade no Brasil ganhou corpo nos últimos anos, sobretudo por conta da atuação dos fóruns, como o Fórum de Empresas e Direitos LGBT, ONU Mulheres, a Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, a Rede Empresarial da Inclusão das Pessoas com Deficiência, mas não tinha um fórum para discutir a questão geracional. Nós resolvemos criar esse fórum, que é uma iniciativa institucional, sem finalidade comercial, que reúne empresas em torno de seis compromissos com esses temas.

Qual é o olhar desse fórum?

A pergunta que tem de ser feita é: futuro do trabalho para quem? Porque as pesquisas sobre o futuro do trabalho, muitas vezes, têm uma visão idealizada que não corresponde à realidade da maior parte das pessoas. Essa pessoa cercada por um milhão de gadgets (dispositivos eletrêonicos) é um recorte de um jovem urbano de classe média que não é a maioria, porque 30% da nossa população jovem nem estuda nem trabalha. Então, primeiro é olhar esse futuro do trabalho com os recortes de raça, classe, regionalidade, entre vários outros. Outro ponto é como essas tecnologias de automação, de digitalização vão impactar a empregabilidade de grupos minorizados, que é uma pergunta que ninguém está fazendo. Quando uma empresa automatiza um processo, muitas vezes ela demite as pessoas que faziam esse trabalho, que só desempenhavam atividades operacionais, que são pessoas, muitas vezes, negras, com menos escolaridade, pessoas com deficiência, mães que trabalham no período parcial. Com o crescimento da tecnologia, é verdade que vão sumir vários trabalhos e muitos outros vão aparecer, mas a pergunta é: vão aparecer para quem? Quem é altamente escolarizado está habilitado para aprender tecnologias variadas, mas no Brasil, há três anos, o dado era que 50% dos brasileiros não tinham internet. Nas empresas, a gente está num processo de alfabetização ainda para a gente se educar das prioridades, do olhar todo sobre o tema e aí sim construir uma agenda de trabalho.

As empresas têm criado, por exemplo, grupos de afinidade e a pauta geracional fica um pouco de lado. Por quê?

Um cuidado que a gente tem de ter na pauta de diversidade é de não criar divisões. Quando se cria um grupo de afinidade, a gente tem a função de discutir as especificidades num espaço de segurança psicológica por conta de um compartilhamento de experiências. Se não podemos criar divisões, a pauta que nos une é a geracional, que fala de todos e todas nós. A pauta geracional é estratégica para convencer o CEO que, muitas vezes, está com 50, 60 anos e está sacando que ele está no auge do vigor, da produtividade dele, mas o mundo ao redor está pensando em quando ele vai se aposentar ou virar conselheiro.

Como equilibrar as diferentes gerações?

Isso envolve responsabilidade de parte a parte, sem exceção. Você tem de ter da parte do jovem um equilíbrio no sentido de não ter aquela arrogância de achar que sabe de tudo, que conhece tudo de tecnologia. Eventualmente, sem generalizar, conhece mais, mas o mais velho também vai aportar a experiência, a maturidade, que é algo muito valioso. Mas esse mais velho também tem de ter disposição para aprender com o mais jovem.

Você sente que o movimento da diversidade precisa lutar mais para manter o que já foi conquistado do que para pensar nos próximos passos?

Primeiro, é necessário ter uma compreensão de que o rumo é tão importante quanto o ritmo. Tão importante quanto a velocidade é a gente ter clareza do caminho. Eu vejo muitos movimentos com uma ansiedade justificada em relação à velocidade, mas desconsiderando que uma velocidade desembestada nos leva para qualquer lugar, inclusive para onde a gente não quer. Perder o rumo é muito fácil e conquistas sociais se validam a cada dia. Não é possível achar, em nenhuma sociedade, que o jogo está ganho, porque nunca estará. A gente está numa posição de atraso muito grande no que se refere à garantia de direitos para mulheres, pessoas negras, LGBT, pessoas com deficiência e, ao menor vacilo, essas conquistas vão sendo contestadas.

E qual é o papel das empresas nisso?

A gente sempre leva as empresas à seguinte provocação: se vocês não gostam de cotas, criticam, acreditam que esse não é o melhor caminho, pautem a visão de mundo de vocês. E isso é passar pela política. Se você entende que cota não é a solução, use os seus representantes em Brasília, que estão atuando nas áreas de relações governamentais dentro da legalidade, dentro da democracia, para pautar os temas que vocês acham importantes. Eu acho muito justo quando o empresário diz que, no âmbito da Lei de Cotas, você poderia ter, por exemplo, incentivo fiscal. Mas vai do meio empresarial querer se envolver com a política, participar desse debate, porque se não participa, vem o legislador e faz o que ele sabe fazer, que é lei. E no meio político, também não se sabe dessa efervescência do tema de diversidade nas organizações. Eu fui a Brasília no ano passado, passei por várias gabinetes, conversei com alguns deputados e eles não sabiam de nada. Por isso que, para o ano que vem, um dos nossos objetivos maiores no âmbito do Instituto é fazer advocacy. A gente quer promover uma série de estudos para pautar a imprensa e as políticas públicas, porque se você não tem número, é difícil convencer um congressista a olhar para um tema.

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