Conheça a CEO que fez home office em alto-mar por 40 dias, é mergulhadora e toca surdo no Carnaval


Andréa Migliori é CEO da Workhub, empresa de tecnologia em RH, defende o trabalho remoto, tem certificação de mergulhadora desde os 13 anos e toca surdo em um bloco de Carnaval em São Paulo

Por Jayanne Rodrigues
Atualização:
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comAndréa MiglioriCEO da Workhub

Em agosto do ano passado, a executiva Andréa Migliori, 47, CEO da Workhub, empresa de RH que oferece soluções para organizações, decidiu passar 40 dias trabalhando remotamente enquanto velejava pelo Mar Mediterrâneo. Embora a equipe interna soubesse da viagem, a informação foi mantida em sigilo para alguns clientes, com o intuito de evitar uma reação negativa.

“Ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra”, afirma em entrevista ao Estadão.

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Certificada como mergulhadora autônoma desde os 13 anos, a executiva também é entusiasta do Carnaval. Ela toca surdo em um bloco de São Paulo. Andréa defende que não há como separar o pessoal do profissional. “Não existem duas pessoas. É uma vida só”, diz.

No veleiro, a CEO descobriu uma maneira de usar o tempo livre. Em alto-mar, ela conseguia aproveitar melhor as horas de descanso. “Fora do veleiro, quando o expediente se estendia, a sensação de cansaço e esgotamento era muito maior”, comenta.

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De volta à terra firme, Andréa passou a refletir sobre novas estratégias para que os funcionários da Workhub também pudessem encontrar mais equilíbrio fora do expediente. Hoje, a Workhub conta com 14 funcionários, todos trabalhando em modelo 100% remoto.

Quando o assunto é confiar no trabalho de quem atua a distância, Andréa é categórica: “Parto do princípio de que todos somos adultos comprometidos e responsáveis.”

A CEO revelou que está se preparando para uma nova viagem no veleiro. Desta vez, começa no Caribe.

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Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Sou formada em design industrial. A minha família é de mulheres empreendedoras. Minha avó foi a primeira mulher a tocar uma metalúrgica na América Latina.

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Minha carreira empreendedora começa em uma editora de livro, depois trabalhei em várias agências de publicidade. Após um tempo, tive a minha primeira agência. Mas queria ter uma experiência corporativa e ver como era sentar do outro lado do balcão.

No ano passado, você decidiu passar 40 dias trabalhando de um veleiro no mar aberto. Conta como a experiência impactou a sua vida profissional.

Sempre gostei do mar e de esportes aquáticos, incluindo vela, até participei de regatas. Mas o meu negócio sempre foi vela cruzeiro (grandes viagens de barco).

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Meu cunhado, marido da minha irmã, que mora em Ilhabela (litoral de São Paulo), tinha o sonho de dar a volta ao mundo velejando. Ele e o pai dele começaram essa viagem, comecei a acompanhar a distância, ajudar no planejamento até conseguir me organizar para ir junto. Fiquei 40 dias em alto-mar entre os meses de agosto e setembro do ano passado.

Andréa Migliori, CEO da Workhub, durante viagem no mar mediterrâneo. Foto: Arquivo pessoal

No trabalho, a informação era pública de que iria trabalhar 40 dias de um veleiro?

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Tinha gente que sabia, outras, não. Dos dois lados, renderam boas histórias. As pessoas da empresa sabiam. Mantivemos normalmente as rotinas de encontros e reuniões periódicas com clientes. Do ponto de vista de gestão, o fato de ser uma empresa remota facilitou fazer a viagem de uma forma mais tranquila.

Já para o lado dos clientes e fornecedores, nem todo mundo sabia porque ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra.

Tem gente que torce o nariz ou acha que você não está comprometida com o que está fazendo.

Andréa Migliori, CEO da Workhub

É engraçado que aqueles clientes que sabiam marcavam reunião só para saber como eu estava ou olhar a vista. Velejei pelo Mediterrâneo, passei por França, Itália e Grécia.

Quando retornou da experiência, algo mudou na sua gestão ou na forma de liderar?

Mudou e tem coisas que até hoje luto para fazer adaptações. A principal delas é a seguinte: estava no fuso de quatro ou cinco horas para frente. Enquanto no Brasil, eram 9 horas da manhã, lá eram 13h. Nessa altura, já tinha resolvido logística, preparação, roteiro, almoçado e feito outras organizações. Às vezes, ia até meia-noite por causa do fuso.

Em termos de volume de horas de trabalho por dia, era o mesmo volume de horas lá e aqui. Mas a sensação era de que estava aproveitando mais as horas no veleiro. Acho que o equilíbrio entre as horas que tem para dedicar para si mesma e para tudo que está em volta - amigos, família, lazer, estudo e trabalho - foi importante.

Às vezes, nem reparava que já eram 23h. Estava no mesmo ritmo de trabalho. Mas fora do veleiro, quando o horário esticava, a sensação de cansaço e de esgotamento era maior.

Andréa Migliori

A divisão das horas com propósitos diferentes ao longo do dia foi a principal mudança. Por isso, estamos testando novos modelos e dinâmicas para ver se conseguimos achar um aproveitamento maior em usar as horas livres.

De onde veio o desejo de passar 40 dias em um veleiro enquanto trabalhava?

Por ser uma empresa remota, temos um modelo de gestão criado para que as rotinas permitam que a equipe inteira esteja remotamente. Então, não precisei condicionar essa viagem ao período das férias. Tanto faz onde eu estivesse.

Quando você encara desse jeito, deixa de ter uma separação de férias, trabalho e diversão. A viagem foi uma grande motivação e comprovou que dá certo. Mas não é um modelo para todo mundo e não é para todas as empresas.

Defina seu estilo de liderança.

Sou democrática no sentido de respeitar alguns rituais e metodologias. Parto do princípio que somos todos adultos comprometidos e responsáveis.

É importante ter um modelo de gestão claro para todo mundo. Além disso, os valores e os propósitos devem ser informados de forma transparente.

Por exemplo: “Esse é o sonho da empresa, faz sentido para você? Não faz? Talvez aqui não seja o melhor lugar para aportar o seu conhecimento e as suas contribuições”.

Não acredito nesse modelo que diz: “Ah, os seus problemas devem estar da porta para fora.” Ninguém tem duas vidas. É uma vida só, e é uma só pessoa.

Andréa Migliori

As pessoas também precisam entender a responsabilidade que elas têm e o que elas estão assumindo como compromisso. Para isso, partimos do ponto que todo mundo é adulto, responsável e comprometido.

Na sua perspectiva, como as lideranças estão lidando com os novos modelos de trabalho que estão surgindo?

Não tem como negar ou nadar contra a corrente. O modelo existe, tem gente que quer e não adianta ignorar. Por outro lado, acredito que uma das coisas que devem ser desmistificadas do home office e do modelo híbrido é de que funciona para todas as empresas e para todas as pessoas. Existem atividades que não acontecem remotamente. Algumas pessoas não gostam, e está tudo bem.

Não é porque está na moda que a empresa precisa adotar.

Se fizer sentido, o primeiro passo a observar é o modelo de gestão. Na minha visão, boa parte dos problemas que temos com o trabalho remoto não tem nada a ver com produtividade.

Acredito que a produtividade seja consequência do modelo de gestão. Não adianta pegar uma solução antiga para resolver um problema novo.

Andréa Migliori

Se o cenário é outro, você precisa adaptar processos ou desenhar algo específico para o novo. E aí, sim, treinar e capacitar as lideranças. Não é simplesmente falar para a liderança: “se vira aí, agora está todo mundo remoto”.

Cansei de ver gestores em plataformas online de chamada perguntando o que o funcionário está fazendo. Isso equivale a uma pessoa em pé do seu lado no escritório perguntando se você já terminou a demanda.

Esse estilo de liderança um dia funcionou, hoje não funciona mais.

Andréa Migliori, CEO da Workhub. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como CEO em um formato de trabalho 100% remoto, o que faz para equilibrar vida pessoal e profissional?

Tento ser muito organizada nos compromissos, respeito horário e não gosto de quem atrasa. Sempre pego uns minutos de manhã para repassar o dia. Tem coisas em relação à família e amigos de que não abro mão. Acho que esse foi um aprendizado ao longo do tempo.

Nada é tão urgente quanto a empresa acha que é. Olha que estou falando da minha própria empresa, então muitas vezes sou eu mesma que imponho a urgência. Revi esses conceitos de urgência, como atender ligação a qualquer hora ou 7h já estar respondendo a e-mails.

Andréa Migliori

Colocar alguns limites para os outros e para si mesmo também é importante. A minha geração cresceu com aquele mantra de que o trabalho enobrece.

Tem uma passagem do livro “Virando a Própria Mesa”, do Ricardo Semler, em que ele diz: “Por que quando chega o domingo você não tem problema em não ir ao almoço da família por ter determinada demanda do trabalho?”

De certa forma, o pessoal até olha essa ausência com um certo glamour. Mas essa mesma pessoa é incapaz de pegar, sei lá, um cinema em uma terça-feira, às 13h30, e voltar para o escritório às 15h30.

Por que temos dois pesos e duas medidas? Por que com o trabalho pode e com a família não pode?

Andréa Migliori

Diante da sua vivência, como avalia a relevância de ter CEOs LGBTQIA+ ocupando cargos de liderança no ambiente corporativo?

Mesmo que tenha melhorado, ainda é um lugar ocupado por poucas, falta referência para as mulheres. Por exemplo, quando você vê um grupo de homens líderes conversando tem algumas cenas típicas, como: “E aí, Jorjão!”

Qual é o paralelo disso no mundo feminino quando você une um grupo de mulheres líderes? Qual é a referência quando pensamos nas coisas mais simples como a forma de se vestir para uma palestra? A gente sabe como um homem vai estar vestido, mas como uma mulher vai estar?

Se tem o clube do charuto, qual é o clube das mulheres? Faço parte de um grupo chamado máfia do moscatel. O nome veio justamente da máfia do charuto.

Andréa Migliori

Enquanto ainda estivermos discutindo cota em conselho, número de mulheres em cargos de liderança e equidade de gênero, ainda temos trabalho a fazer. A meta é acabar. Todas as iniciativas são importantes para construir um novo caminho. Inclusive, a questão da linguagem neutra. Não acho necessário usar, por exemplo, “todes”, não precisa.

Só o fato de ter a intenção de pensar nas frases e nos textos de uma forma mais neutra é importante porque a língua portuguesa é capciosa nesse aspecto. Acabamos dando todos os exemplos no masculino: “os CEOs, os diretores, os empresários, os fundadores”.

Andréa Migliori

Cansei de ouvir falarem: “o CEO da Workhub”. Esses são exemplos de que é necessário esticar um pouco mais a língua. Dá mais trabalho falar “os CEOs e as CEOs?” Sim, mas elas existem e nós vamos nomeá-las. Tem jeito de usar a língua portuguesa a nosso favor.

Em agosto do ano passado, a executiva Andréa Migliori, 47, CEO da Workhub, empresa de RH que oferece soluções para organizações, decidiu passar 40 dias trabalhando remotamente enquanto velejava pelo Mar Mediterrâneo. Embora a equipe interna soubesse da viagem, a informação foi mantida em sigilo para alguns clientes, com o intuito de evitar uma reação negativa.

“Ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra”, afirma em entrevista ao Estadão.

Certificada como mergulhadora autônoma desde os 13 anos, a executiva também é entusiasta do Carnaval. Ela toca surdo em um bloco de São Paulo. Andréa defende que não há como separar o pessoal do profissional. “Não existem duas pessoas. É uma vida só”, diz.

No veleiro, a CEO descobriu uma maneira de usar o tempo livre. Em alto-mar, ela conseguia aproveitar melhor as horas de descanso. “Fora do veleiro, quando o expediente se estendia, a sensação de cansaço e esgotamento era muito maior”, comenta.

De volta à terra firme, Andréa passou a refletir sobre novas estratégias para que os funcionários da Workhub também pudessem encontrar mais equilíbrio fora do expediente. Hoje, a Workhub conta com 14 funcionários, todos trabalhando em modelo 100% remoto.

Quando o assunto é confiar no trabalho de quem atua a distância, Andréa é categórica: “Parto do princípio de que todos somos adultos comprometidos e responsáveis.”

A CEO revelou que está se preparando para uma nova viagem no veleiro. Desta vez, começa no Caribe.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Sou formada em design industrial. A minha família é de mulheres empreendedoras. Minha avó foi a primeira mulher a tocar uma metalúrgica na América Latina.

Minha carreira empreendedora começa em uma editora de livro, depois trabalhei em várias agências de publicidade. Após um tempo, tive a minha primeira agência. Mas queria ter uma experiência corporativa e ver como era sentar do outro lado do balcão.

No ano passado, você decidiu passar 40 dias trabalhando de um veleiro no mar aberto. Conta como a experiência impactou a sua vida profissional.

Sempre gostei do mar e de esportes aquáticos, incluindo vela, até participei de regatas. Mas o meu negócio sempre foi vela cruzeiro (grandes viagens de barco).

Meu cunhado, marido da minha irmã, que mora em Ilhabela (litoral de São Paulo), tinha o sonho de dar a volta ao mundo velejando. Ele e o pai dele começaram essa viagem, comecei a acompanhar a distância, ajudar no planejamento até conseguir me organizar para ir junto. Fiquei 40 dias em alto-mar entre os meses de agosto e setembro do ano passado.

Andréa Migliori, CEO da Workhub, durante viagem no mar mediterrâneo. Foto: Arquivo pessoal

No trabalho, a informação era pública de que iria trabalhar 40 dias de um veleiro?

Tinha gente que sabia, outras, não. Dos dois lados, renderam boas histórias. As pessoas da empresa sabiam. Mantivemos normalmente as rotinas de encontros e reuniões periódicas com clientes. Do ponto de vista de gestão, o fato de ser uma empresa remota facilitou fazer a viagem de uma forma mais tranquila.

Já para o lado dos clientes e fornecedores, nem todo mundo sabia porque ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra.

Tem gente que torce o nariz ou acha que você não está comprometida com o que está fazendo.

Andréa Migliori, CEO da Workhub

É engraçado que aqueles clientes que sabiam marcavam reunião só para saber como eu estava ou olhar a vista. Velejei pelo Mediterrâneo, passei por França, Itália e Grécia.

Quando retornou da experiência, algo mudou na sua gestão ou na forma de liderar?

Mudou e tem coisas que até hoje luto para fazer adaptações. A principal delas é a seguinte: estava no fuso de quatro ou cinco horas para frente. Enquanto no Brasil, eram 9 horas da manhã, lá eram 13h. Nessa altura, já tinha resolvido logística, preparação, roteiro, almoçado e feito outras organizações. Às vezes, ia até meia-noite por causa do fuso.

Em termos de volume de horas de trabalho por dia, era o mesmo volume de horas lá e aqui. Mas a sensação era de que estava aproveitando mais as horas no veleiro. Acho que o equilíbrio entre as horas que tem para dedicar para si mesma e para tudo que está em volta - amigos, família, lazer, estudo e trabalho - foi importante.

Às vezes, nem reparava que já eram 23h. Estava no mesmo ritmo de trabalho. Mas fora do veleiro, quando o horário esticava, a sensação de cansaço e de esgotamento era maior.

Andréa Migliori

A divisão das horas com propósitos diferentes ao longo do dia foi a principal mudança. Por isso, estamos testando novos modelos e dinâmicas para ver se conseguimos achar um aproveitamento maior em usar as horas livres.

De onde veio o desejo de passar 40 dias em um veleiro enquanto trabalhava?

Por ser uma empresa remota, temos um modelo de gestão criado para que as rotinas permitam que a equipe inteira esteja remotamente. Então, não precisei condicionar essa viagem ao período das férias. Tanto faz onde eu estivesse.

Quando você encara desse jeito, deixa de ter uma separação de férias, trabalho e diversão. A viagem foi uma grande motivação e comprovou que dá certo. Mas não é um modelo para todo mundo e não é para todas as empresas.

Defina seu estilo de liderança.

Sou democrática no sentido de respeitar alguns rituais e metodologias. Parto do princípio que somos todos adultos comprometidos e responsáveis.

É importante ter um modelo de gestão claro para todo mundo. Além disso, os valores e os propósitos devem ser informados de forma transparente.

Por exemplo: “Esse é o sonho da empresa, faz sentido para você? Não faz? Talvez aqui não seja o melhor lugar para aportar o seu conhecimento e as suas contribuições”.

Não acredito nesse modelo que diz: “Ah, os seus problemas devem estar da porta para fora.” Ninguém tem duas vidas. É uma vida só, e é uma só pessoa.

Andréa Migliori

As pessoas também precisam entender a responsabilidade que elas têm e o que elas estão assumindo como compromisso. Para isso, partimos do ponto que todo mundo é adulto, responsável e comprometido.

Na sua perspectiva, como as lideranças estão lidando com os novos modelos de trabalho que estão surgindo?

Não tem como negar ou nadar contra a corrente. O modelo existe, tem gente que quer e não adianta ignorar. Por outro lado, acredito que uma das coisas que devem ser desmistificadas do home office e do modelo híbrido é de que funciona para todas as empresas e para todas as pessoas. Existem atividades que não acontecem remotamente. Algumas pessoas não gostam, e está tudo bem.

Não é porque está na moda que a empresa precisa adotar.

Se fizer sentido, o primeiro passo a observar é o modelo de gestão. Na minha visão, boa parte dos problemas que temos com o trabalho remoto não tem nada a ver com produtividade.

Acredito que a produtividade seja consequência do modelo de gestão. Não adianta pegar uma solução antiga para resolver um problema novo.

Andréa Migliori

Se o cenário é outro, você precisa adaptar processos ou desenhar algo específico para o novo. E aí, sim, treinar e capacitar as lideranças. Não é simplesmente falar para a liderança: “se vira aí, agora está todo mundo remoto”.

Cansei de ver gestores em plataformas online de chamada perguntando o que o funcionário está fazendo. Isso equivale a uma pessoa em pé do seu lado no escritório perguntando se você já terminou a demanda.

Esse estilo de liderança um dia funcionou, hoje não funciona mais.

Andréa Migliori, CEO da Workhub. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como CEO em um formato de trabalho 100% remoto, o que faz para equilibrar vida pessoal e profissional?

Tento ser muito organizada nos compromissos, respeito horário e não gosto de quem atrasa. Sempre pego uns minutos de manhã para repassar o dia. Tem coisas em relação à família e amigos de que não abro mão. Acho que esse foi um aprendizado ao longo do tempo.

Nada é tão urgente quanto a empresa acha que é. Olha que estou falando da minha própria empresa, então muitas vezes sou eu mesma que imponho a urgência. Revi esses conceitos de urgência, como atender ligação a qualquer hora ou 7h já estar respondendo a e-mails.

Andréa Migliori

Colocar alguns limites para os outros e para si mesmo também é importante. A minha geração cresceu com aquele mantra de que o trabalho enobrece.

Tem uma passagem do livro “Virando a Própria Mesa”, do Ricardo Semler, em que ele diz: “Por que quando chega o domingo você não tem problema em não ir ao almoço da família por ter determinada demanda do trabalho?”

De certa forma, o pessoal até olha essa ausência com um certo glamour. Mas essa mesma pessoa é incapaz de pegar, sei lá, um cinema em uma terça-feira, às 13h30, e voltar para o escritório às 15h30.

Por que temos dois pesos e duas medidas? Por que com o trabalho pode e com a família não pode?

Andréa Migliori

Diante da sua vivência, como avalia a relevância de ter CEOs LGBTQIA+ ocupando cargos de liderança no ambiente corporativo?

Mesmo que tenha melhorado, ainda é um lugar ocupado por poucas, falta referência para as mulheres. Por exemplo, quando você vê um grupo de homens líderes conversando tem algumas cenas típicas, como: “E aí, Jorjão!”

Qual é o paralelo disso no mundo feminino quando você une um grupo de mulheres líderes? Qual é a referência quando pensamos nas coisas mais simples como a forma de se vestir para uma palestra? A gente sabe como um homem vai estar vestido, mas como uma mulher vai estar?

Se tem o clube do charuto, qual é o clube das mulheres? Faço parte de um grupo chamado máfia do moscatel. O nome veio justamente da máfia do charuto.

Andréa Migliori

Enquanto ainda estivermos discutindo cota em conselho, número de mulheres em cargos de liderança e equidade de gênero, ainda temos trabalho a fazer. A meta é acabar. Todas as iniciativas são importantes para construir um novo caminho. Inclusive, a questão da linguagem neutra. Não acho necessário usar, por exemplo, “todes”, não precisa.

Só o fato de ter a intenção de pensar nas frases e nos textos de uma forma mais neutra é importante porque a língua portuguesa é capciosa nesse aspecto. Acabamos dando todos os exemplos no masculino: “os CEOs, os diretores, os empresários, os fundadores”.

Andréa Migliori

Cansei de ouvir falarem: “o CEO da Workhub”. Esses são exemplos de que é necessário esticar um pouco mais a língua. Dá mais trabalho falar “os CEOs e as CEOs?” Sim, mas elas existem e nós vamos nomeá-las. Tem jeito de usar a língua portuguesa a nosso favor.

Em agosto do ano passado, a executiva Andréa Migliori, 47, CEO da Workhub, empresa de RH que oferece soluções para organizações, decidiu passar 40 dias trabalhando remotamente enquanto velejava pelo Mar Mediterrâneo. Embora a equipe interna soubesse da viagem, a informação foi mantida em sigilo para alguns clientes, com o intuito de evitar uma reação negativa.

“Ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra”, afirma em entrevista ao Estadão.

Certificada como mergulhadora autônoma desde os 13 anos, a executiva também é entusiasta do Carnaval. Ela toca surdo em um bloco de São Paulo. Andréa defende que não há como separar o pessoal do profissional. “Não existem duas pessoas. É uma vida só”, diz.

No veleiro, a CEO descobriu uma maneira de usar o tempo livre. Em alto-mar, ela conseguia aproveitar melhor as horas de descanso. “Fora do veleiro, quando o expediente se estendia, a sensação de cansaço e esgotamento era muito maior”, comenta.

De volta à terra firme, Andréa passou a refletir sobre novas estratégias para que os funcionários da Workhub também pudessem encontrar mais equilíbrio fora do expediente. Hoje, a Workhub conta com 14 funcionários, todos trabalhando em modelo 100% remoto.

Quando o assunto é confiar no trabalho de quem atua a distância, Andréa é categórica: “Parto do princípio de que todos somos adultos comprometidos e responsáveis.”

A CEO revelou que está se preparando para uma nova viagem no veleiro. Desta vez, começa no Caribe.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Sou formada em design industrial. A minha família é de mulheres empreendedoras. Minha avó foi a primeira mulher a tocar uma metalúrgica na América Latina.

Minha carreira empreendedora começa em uma editora de livro, depois trabalhei em várias agências de publicidade. Após um tempo, tive a minha primeira agência. Mas queria ter uma experiência corporativa e ver como era sentar do outro lado do balcão.

No ano passado, você decidiu passar 40 dias trabalhando de um veleiro no mar aberto. Conta como a experiência impactou a sua vida profissional.

Sempre gostei do mar e de esportes aquáticos, incluindo vela, até participei de regatas. Mas o meu negócio sempre foi vela cruzeiro (grandes viagens de barco).

Meu cunhado, marido da minha irmã, que mora em Ilhabela (litoral de São Paulo), tinha o sonho de dar a volta ao mundo velejando. Ele e o pai dele começaram essa viagem, comecei a acompanhar a distância, ajudar no planejamento até conseguir me organizar para ir junto. Fiquei 40 dias em alto-mar entre os meses de agosto e setembro do ano passado.

Andréa Migliori, CEO da Workhub, durante viagem no mar mediterrâneo. Foto: Arquivo pessoal

No trabalho, a informação era pública de que iria trabalhar 40 dias de um veleiro?

Tinha gente que sabia, outras, não. Dos dois lados, renderam boas histórias. As pessoas da empresa sabiam. Mantivemos normalmente as rotinas de encontros e reuniões periódicas com clientes. Do ponto de vista de gestão, o fato de ser uma empresa remota facilitou fazer a viagem de uma forma mais tranquila.

Já para o lado dos clientes e fornecedores, nem todo mundo sabia porque ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra.

Tem gente que torce o nariz ou acha que você não está comprometida com o que está fazendo.

Andréa Migliori, CEO da Workhub

É engraçado que aqueles clientes que sabiam marcavam reunião só para saber como eu estava ou olhar a vista. Velejei pelo Mediterrâneo, passei por França, Itália e Grécia.

Quando retornou da experiência, algo mudou na sua gestão ou na forma de liderar?

Mudou e tem coisas que até hoje luto para fazer adaptações. A principal delas é a seguinte: estava no fuso de quatro ou cinco horas para frente. Enquanto no Brasil, eram 9 horas da manhã, lá eram 13h. Nessa altura, já tinha resolvido logística, preparação, roteiro, almoçado e feito outras organizações. Às vezes, ia até meia-noite por causa do fuso.

Em termos de volume de horas de trabalho por dia, era o mesmo volume de horas lá e aqui. Mas a sensação era de que estava aproveitando mais as horas no veleiro. Acho que o equilíbrio entre as horas que tem para dedicar para si mesma e para tudo que está em volta - amigos, família, lazer, estudo e trabalho - foi importante.

Às vezes, nem reparava que já eram 23h. Estava no mesmo ritmo de trabalho. Mas fora do veleiro, quando o horário esticava, a sensação de cansaço e de esgotamento era maior.

Andréa Migliori

A divisão das horas com propósitos diferentes ao longo do dia foi a principal mudança. Por isso, estamos testando novos modelos e dinâmicas para ver se conseguimos achar um aproveitamento maior em usar as horas livres.

De onde veio o desejo de passar 40 dias em um veleiro enquanto trabalhava?

Por ser uma empresa remota, temos um modelo de gestão criado para que as rotinas permitam que a equipe inteira esteja remotamente. Então, não precisei condicionar essa viagem ao período das férias. Tanto faz onde eu estivesse.

Quando você encara desse jeito, deixa de ter uma separação de férias, trabalho e diversão. A viagem foi uma grande motivação e comprovou que dá certo. Mas não é um modelo para todo mundo e não é para todas as empresas.

Defina seu estilo de liderança.

Sou democrática no sentido de respeitar alguns rituais e metodologias. Parto do princípio que somos todos adultos comprometidos e responsáveis.

É importante ter um modelo de gestão claro para todo mundo. Além disso, os valores e os propósitos devem ser informados de forma transparente.

Por exemplo: “Esse é o sonho da empresa, faz sentido para você? Não faz? Talvez aqui não seja o melhor lugar para aportar o seu conhecimento e as suas contribuições”.

Não acredito nesse modelo que diz: “Ah, os seus problemas devem estar da porta para fora.” Ninguém tem duas vidas. É uma vida só, e é uma só pessoa.

Andréa Migliori

As pessoas também precisam entender a responsabilidade que elas têm e o que elas estão assumindo como compromisso. Para isso, partimos do ponto que todo mundo é adulto, responsável e comprometido.

Na sua perspectiva, como as lideranças estão lidando com os novos modelos de trabalho que estão surgindo?

Não tem como negar ou nadar contra a corrente. O modelo existe, tem gente que quer e não adianta ignorar. Por outro lado, acredito que uma das coisas que devem ser desmistificadas do home office e do modelo híbrido é de que funciona para todas as empresas e para todas as pessoas. Existem atividades que não acontecem remotamente. Algumas pessoas não gostam, e está tudo bem.

Não é porque está na moda que a empresa precisa adotar.

Se fizer sentido, o primeiro passo a observar é o modelo de gestão. Na minha visão, boa parte dos problemas que temos com o trabalho remoto não tem nada a ver com produtividade.

Acredito que a produtividade seja consequência do modelo de gestão. Não adianta pegar uma solução antiga para resolver um problema novo.

Andréa Migliori

Se o cenário é outro, você precisa adaptar processos ou desenhar algo específico para o novo. E aí, sim, treinar e capacitar as lideranças. Não é simplesmente falar para a liderança: “se vira aí, agora está todo mundo remoto”.

Cansei de ver gestores em plataformas online de chamada perguntando o que o funcionário está fazendo. Isso equivale a uma pessoa em pé do seu lado no escritório perguntando se você já terminou a demanda.

Esse estilo de liderança um dia funcionou, hoje não funciona mais.

Andréa Migliori, CEO da Workhub. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como CEO em um formato de trabalho 100% remoto, o que faz para equilibrar vida pessoal e profissional?

Tento ser muito organizada nos compromissos, respeito horário e não gosto de quem atrasa. Sempre pego uns minutos de manhã para repassar o dia. Tem coisas em relação à família e amigos de que não abro mão. Acho que esse foi um aprendizado ao longo do tempo.

Nada é tão urgente quanto a empresa acha que é. Olha que estou falando da minha própria empresa, então muitas vezes sou eu mesma que imponho a urgência. Revi esses conceitos de urgência, como atender ligação a qualquer hora ou 7h já estar respondendo a e-mails.

Andréa Migliori

Colocar alguns limites para os outros e para si mesmo também é importante. A minha geração cresceu com aquele mantra de que o trabalho enobrece.

Tem uma passagem do livro “Virando a Própria Mesa”, do Ricardo Semler, em que ele diz: “Por que quando chega o domingo você não tem problema em não ir ao almoço da família por ter determinada demanda do trabalho?”

De certa forma, o pessoal até olha essa ausência com um certo glamour. Mas essa mesma pessoa é incapaz de pegar, sei lá, um cinema em uma terça-feira, às 13h30, e voltar para o escritório às 15h30.

Por que temos dois pesos e duas medidas? Por que com o trabalho pode e com a família não pode?

Andréa Migliori

Diante da sua vivência, como avalia a relevância de ter CEOs LGBTQIA+ ocupando cargos de liderança no ambiente corporativo?

Mesmo que tenha melhorado, ainda é um lugar ocupado por poucas, falta referência para as mulheres. Por exemplo, quando você vê um grupo de homens líderes conversando tem algumas cenas típicas, como: “E aí, Jorjão!”

Qual é o paralelo disso no mundo feminino quando você une um grupo de mulheres líderes? Qual é a referência quando pensamos nas coisas mais simples como a forma de se vestir para uma palestra? A gente sabe como um homem vai estar vestido, mas como uma mulher vai estar?

Se tem o clube do charuto, qual é o clube das mulheres? Faço parte de um grupo chamado máfia do moscatel. O nome veio justamente da máfia do charuto.

Andréa Migliori

Enquanto ainda estivermos discutindo cota em conselho, número de mulheres em cargos de liderança e equidade de gênero, ainda temos trabalho a fazer. A meta é acabar. Todas as iniciativas são importantes para construir um novo caminho. Inclusive, a questão da linguagem neutra. Não acho necessário usar, por exemplo, “todes”, não precisa.

Só o fato de ter a intenção de pensar nas frases e nos textos de uma forma mais neutra é importante porque a língua portuguesa é capciosa nesse aspecto. Acabamos dando todos os exemplos no masculino: “os CEOs, os diretores, os empresários, os fundadores”.

Andréa Migliori

Cansei de ouvir falarem: “o CEO da Workhub”. Esses são exemplos de que é necessário esticar um pouco mais a língua. Dá mais trabalho falar “os CEOs e as CEOs?” Sim, mas elas existem e nós vamos nomeá-las. Tem jeito de usar a língua portuguesa a nosso favor.

Em agosto do ano passado, a executiva Andréa Migliori, 47, CEO da Workhub, empresa de RH que oferece soluções para organizações, decidiu passar 40 dias trabalhando remotamente enquanto velejava pelo Mar Mediterrâneo. Embora a equipe interna soubesse da viagem, a informação foi mantida em sigilo para alguns clientes, com o intuito de evitar uma reação negativa.

“Ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra”, afirma em entrevista ao Estadão.

Certificada como mergulhadora autônoma desde os 13 anos, a executiva também é entusiasta do Carnaval. Ela toca surdo em um bloco de São Paulo. Andréa defende que não há como separar o pessoal do profissional. “Não existem duas pessoas. É uma vida só”, diz.

No veleiro, a CEO descobriu uma maneira de usar o tempo livre. Em alto-mar, ela conseguia aproveitar melhor as horas de descanso. “Fora do veleiro, quando o expediente se estendia, a sensação de cansaço e esgotamento era muito maior”, comenta.

De volta à terra firme, Andréa passou a refletir sobre novas estratégias para que os funcionários da Workhub também pudessem encontrar mais equilíbrio fora do expediente. Hoje, a Workhub conta com 14 funcionários, todos trabalhando em modelo 100% remoto.

Quando o assunto é confiar no trabalho de quem atua a distância, Andréa é categórica: “Parto do princípio de que todos somos adultos comprometidos e responsáveis.”

A CEO revelou que está se preparando para uma nova viagem no veleiro. Desta vez, começa no Caribe.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Sou formada em design industrial. A minha família é de mulheres empreendedoras. Minha avó foi a primeira mulher a tocar uma metalúrgica na América Latina.

Minha carreira empreendedora começa em uma editora de livro, depois trabalhei em várias agências de publicidade. Após um tempo, tive a minha primeira agência. Mas queria ter uma experiência corporativa e ver como era sentar do outro lado do balcão.

No ano passado, você decidiu passar 40 dias trabalhando de um veleiro no mar aberto. Conta como a experiência impactou a sua vida profissional.

Sempre gostei do mar e de esportes aquáticos, incluindo vela, até participei de regatas. Mas o meu negócio sempre foi vela cruzeiro (grandes viagens de barco).

Meu cunhado, marido da minha irmã, que mora em Ilhabela (litoral de São Paulo), tinha o sonho de dar a volta ao mundo velejando. Ele e o pai dele começaram essa viagem, comecei a acompanhar a distância, ajudar no planejamento até conseguir me organizar para ir junto. Fiquei 40 dias em alto-mar entre os meses de agosto e setembro do ano passado.

Andréa Migliori, CEO da Workhub, durante viagem no mar mediterrâneo. Foto: Arquivo pessoal

No trabalho, a informação era pública de que iria trabalhar 40 dias de um veleiro?

Tinha gente que sabia, outras, não. Dos dois lados, renderam boas histórias. As pessoas da empresa sabiam. Mantivemos normalmente as rotinas de encontros e reuniões periódicas com clientes. Do ponto de vista de gestão, o fato de ser uma empresa remota facilitou fazer a viagem de uma forma mais tranquila.

Já para o lado dos clientes e fornecedores, nem todo mundo sabia porque ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra.

Tem gente que torce o nariz ou acha que você não está comprometida com o que está fazendo.

Andréa Migliori, CEO da Workhub

É engraçado que aqueles clientes que sabiam marcavam reunião só para saber como eu estava ou olhar a vista. Velejei pelo Mediterrâneo, passei por França, Itália e Grécia.

Quando retornou da experiência, algo mudou na sua gestão ou na forma de liderar?

Mudou e tem coisas que até hoje luto para fazer adaptações. A principal delas é a seguinte: estava no fuso de quatro ou cinco horas para frente. Enquanto no Brasil, eram 9 horas da manhã, lá eram 13h. Nessa altura, já tinha resolvido logística, preparação, roteiro, almoçado e feito outras organizações. Às vezes, ia até meia-noite por causa do fuso.

Em termos de volume de horas de trabalho por dia, era o mesmo volume de horas lá e aqui. Mas a sensação era de que estava aproveitando mais as horas no veleiro. Acho que o equilíbrio entre as horas que tem para dedicar para si mesma e para tudo que está em volta - amigos, família, lazer, estudo e trabalho - foi importante.

Às vezes, nem reparava que já eram 23h. Estava no mesmo ritmo de trabalho. Mas fora do veleiro, quando o horário esticava, a sensação de cansaço e de esgotamento era maior.

Andréa Migliori

A divisão das horas com propósitos diferentes ao longo do dia foi a principal mudança. Por isso, estamos testando novos modelos e dinâmicas para ver se conseguimos achar um aproveitamento maior em usar as horas livres.

De onde veio o desejo de passar 40 dias em um veleiro enquanto trabalhava?

Por ser uma empresa remota, temos um modelo de gestão criado para que as rotinas permitam que a equipe inteira esteja remotamente. Então, não precisei condicionar essa viagem ao período das férias. Tanto faz onde eu estivesse.

Quando você encara desse jeito, deixa de ter uma separação de férias, trabalho e diversão. A viagem foi uma grande motivação e comprovou que dá certo. Mas não é um modelo para todo mundo e não é para todas as empresas.

Defina seu estilo de liderança.

Sou democrática no sentido de respeitar alguns rituais e metodologias. Parto do princípio que somos todos adultos comprometidos e responsáveis.

É importante ter um modelo de gestão claro para todo mundo. Além disso, os valores e os propósitos devem ser informados de forma transparente.

Por exemplo: “Esse é o sonho da empresa, faz sentido para você? Não faz? Talvez aqui não seja o melhor lugar para aportar o seu conhecimento e as suas contribuições”.

Não acredito nesse modelo que diz: “Ah, os seus problemas devem estar da porta para fora.” Ninguém tem duas vidas. É uma vida só, e é uma só pessoa.

Andréa Migliori

As pessoas também precisam entender a responsabilidade que elas têm e o que elas estão assumindo como compromisso. Para isso, partimos do ponto que todo mundo é adulto, responsável e comprometido.

Na sua perspectiva, como as lideranças estão lidando com os novos modelos de trabalho que estão surgindo?

Não tem como negar ou nadar contra a corrente. O modelo existe, tem gente que quer e não adianta ignorar. Por outro lado, acredito que uma das coisas que devem ser desmistificadas do home office e do modelo híbrido é de que funciona para todas as empresas e para todas as pessoas. Existem atividades que não acontecem remotamente. Algumas pessoas não gostam, e está tudo bem.

Não é porque está na moda que a empresa precisa adotar.

Se fizer sentido, o primeiro passo a observar é o modelo de gestão. Na minha visão, boa parte dos problemas que temos com o trabalho remoto não tem nada a ver com produtividade.

Acredito que a produtividade seja consequência do modelo de gestão. Não adianta pegar uma solução antiga para resolver um problema novo.

Andréa Migliori

Se o cenário é outro, você precisa adaptar processos ou desenhar algo específico para o novo. E aí, sim, treinar e capacitar as lideranças. Não é simplesmente falar para a liderança: “se vira aí, agora está todo mundo remoto”.

Cansei de ver gestores em plataformas online de chamada perguntando o que o funcionário está fazendo. Isso equivale a uma pessoa em pé do seu lado no escritório perguntando se você já terminou a demanda.

Esse estilo de liderança um dia funcionou, hoje não funciona mais.

Andréa Migliori, CEO da Workhub. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como CEO em um formato de trabalho 100% remoto, o que faz para equilibrar vida pessoal e profissional?

Tento ser muito organizada nos compromissos, respeito horário e não gosto de quem atrasa. Sempre pego uns minutos de manhã para repassar o dia. Tem coisas em relação à família e amigos de que não abro mão. Acho que esse foi um aprendizado ao longo do tempo.

Nada é tão urgente quanto a empresa acha que é. Olha que estou falando da minha própria empresa, então muitas vezes sou eu mesma que imponho a urgência. Revi esses conceitos de urgência, como atender ligação a qualquer hora ou 7h já estar respondendo a e-mails.

Andréa Migliori

Colocar alguns limites para os outros e para si mesmo também é importante. A minha geração cresceu com aquele mantra de que o trabalho enobrece.

Tem uma passagem do livro “Virando a Própria Mesa”, do Ricardo Semler, em que ele diz: “Por que quando chega o domingo você não tem problema em não ir ao almoço da família por ter determinada demanda do trabalho?”

De certa forma, o pessoal até olha essa ausência com um certo glamour. Mas essa mesma pessoa é incapaz de pegar, sei lá, um cinema em uma terça-feira, às 13h30, e voltar para o escritório às 15h30.

Por que temos dois pesos e duas medidas? Por que com o trabalho pode e com a família não pode?

Andréa Migliori

Diante da sua vivência, como avalia a relevância de ter CEOs LGBTQIA+ ocupando cargos de liderança no ambiente corporativo?

Mesmo que tenha melhorado, ainda é um lugar ocupado por poucas, falta referência para as mulheres. Por exemplo, quando você vê um grupo de homens líderes conversando tem algumas cenas típicas, como: “E aí, Jorjão!”

Qual é o paralelo disso no mundo feminino quando você une um grupo de mulheres líderes? Qual é a referência quando pensamos nas coisas mais simples como a forma de se vestir para uma palestra? A gente sabe como um homem vai estar vestido, mas como uma mulher vai estar?

Se tem o clube do charuto, qual é o clube das mulheres? Faço parte de um grupo chamado máfia do moscatel. O nome veio justamente da máfia do charuto.

Andréa Migliori

Enquanto ainda estivermos discutindo cota em conselho, número de mulheres em cargos de liderança e equidade de gênero, ainda temos trabalho a fazer. A meta é acabar. Todas as iniciativas são importantes para construir um novo caminho. Inclusive, a questão da linguagem neutra. Não acho necessário usar, por exemplo, “todes”, não precisa.

Só o fato de ter a intenção de pensar nas frases e nos textos de uma forma mais neutra é importante porque a língua portuguesa é capciosa nesse aspecto. Acabamos dando todos os exemplos no masculino: “os CEOs, os diretores, os empresários, os fundadores”.

Andréa Migliori

Cansei de ouvir falarem: “o CEO da Workhub”. Esses são exemplos de que é necessário esticar um pouco mais a língua. Dá mais trabalho falar “os CEOs e as CEOs?” Sim, mas elas existem e nós vamos nomeá-las. Tem jeito de usar a língua portuguesa a nosso favor.

Em agosto do ano passado, a executiva Andréa Migliori, 47, CEO da Workhub, empresa de RH que oferece soluções para organizações, decidiu passar 40 dias trabalhando remotamente enquanto velejava pelo Mar Mediterrâneo. Embora a equipe interna soubesse da viagem, a informação foi mantida em sigilo para alguns clientes, com o intuito de evitar uma reação negativa.

“Ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra”, afirma em entrevista ao Estadão.

Certificada como mergulhadora autônoma desde os 13 anos, a executiva também é entusiasta do Carnaval. Ela toca surdo em um bloco de São Paulo. Andréa defende que não há como separar o pessoal do profissional. “Não existem duas pessoas. É uma vida só”, diz.

No veleiro, a CEO descobriu uma maneira de usar o tempo livre. Em alto-mar, ela conseguia aproveitar melhor as horas de descanso. “Fora do veleiro, quando o expediente se estendia, a sensação de cansaço e esgotamento era muito maior”, comenta.

De volta à terra firme, Andréa passou a refletir sobre novas estratégias para que os funcionários da Workhub também pudessem encontrar mais equilíbrio fora do expediente. Hoje, a Workhub conta com 14 funcionários, todos trabalhando em modelo 100% remoto.

Quando o assunto é confiar no trabalho de quem atua a distância, Andréa é categórica: “Parto do princípio de que todos somos adultos comprometidos e responsáveis.”

A CEO revelou que está se preparando para uma nova viagem no veleiro. Desta vez, começa no Caribe.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Sou formada em design industrial. A minha família é de mulheres empreendedoras. Minha avó foi a primeira mulher a tocar uma metalúrgica na América Latina.

Minha carreira empreendedora começa em uma editora de livro, depois trabalhei em várias agências de publicidade. Após um tempo, tive a minha primeira agência. Mas queria ter uma experiência corporativa e ver como era sentar do outro lado do balcão.

No ano passado, você decidiu passar 40 dias trabalhando de um veleiro no mar aberto. Conta como a experiência impactou a sua vida profissional.

Sempre gostei do mar e de esportes aquáticos, incluindo vela, até participei de regatas. Mas o meu negócio sempre foi vela cruzeiro (grandes viagens de barco).

Meu cunhado, marido da minha irmã, que mora em Ilhabela (litoral de São Paulo), tinha o sonho de dar a volta ao mundo velejando. Ele e o pai dele começaram essa viagem, comecei a acompanhar a distância, ajudar no planejamento até conseguir me organizar para ir junto. Fiquei 40 dias em alto-mar entre os meses de agosto e setembro do ano passado.

Andréa Migliori, CEO da Workhub, durante viagem no mar mediterrâneo. Foto: Arquivo pessoal

No trabalho, a informação era pública de que iria trabalhar 40 dias de um veleiro?

Tinha gente que sabia, outras, não. Dos dois lados, renderam boas histórias. As pessoas da empresa sabiam. Mantivemos normalmente as rotinas de encontros e reuniões periódicas com clientes. Do ponto de vista de gestão, o fato de ser uma empresa remota facilitou fazer a viagem de uma forma mais tranquila.

Já para o lado dos clientes e fornecedores, nem todo mundo sabia porque ainda tem empresa com a visão de que trabalho e diversão são duas coisas que andam em uma distância muito grande uma da outra.

Tem gente que torce o nariz ou acha que você não está comprometida com o que está fazendo.

Andréa Migliori, CEO da Workhub

É engraçado que aqueles clientes que sabiam marcavam reunião só para saber como eu estava ou olhar a vista. Velejei pelo Mediterrâneo, passei por França, Itália e Grécia.

Quando retornou da experiência, algo mudou na sua gestão ou na forma de liderar?

Mudou e tem coisas que até hoje luto para fazer adaptações. A principal delas é a seguinte: estava no fuso de quatro ou cinco horas para frente. Enquanto no Brasil, eram 9 horas da manhã, lá eram 13h. Nessa altura, já tinha resolvido logística, preparação, roteiro, almoçado e feito outras organizações. Às vezes, ia até meia-noite por causa do fuso.

Em termos de volume de horas de trabalho por dia, era o mesmo volume de horas lá e aqui. Mas a sensação era de que estava aproveitando mais as horas no veleiro. Acho que o equilíbrio entre as horas que tem para dedicar para si mesma e para tudo que está em volta - amigos, família, lazer, estudo e trabalho - foi importante.

Às vezes, nem reparava que já eram 23h. Estava no mesmo ritmo de trabalho. Mas fora do veleiro, quando o horário esticava, a sensação de cansaço e de esgotamento era maior.

Andréa Migliori

A divisão das horas com propósitos diferentes ao longo do dia foi a principal mudança. Por isso, estamos testando novos modelos e dinâmicas para ver se conseguimos achar um aproveitamento maior em usar as horas livres.

De onde veio o desejo de passar 40 dias em um veleiro enquanto trabalhava?

Por ser uma empresa remota, temos um modelo de gestão criado para que as rotinas permitam que a equipe inteira esteja remotamente. Então, não precisei condicionar essa viagem ao período das férias. Tanto faz onde eu estivesse.

Quando você encara desse jeito, deixa de ter uma separação de férias, trabalho e diversão. A viagem foi uma grande motivação e comprovou que dá certo. Mas não é um modelo para todo mundo e não é para todas as empresas.

Defina seu estilo de liderança.

Sou democrática no sentido de respeitar alguns rituais e metodologias. Parto do princípio que somos todos adultos comprometidos e responsáveis.

É importante ter um modelo de gestão claro para todo mundo. Além disso, os valores e os propósitos devem ser informados de forma transparente.

Por exemplo: “Esse é o sonho da empresa, faz sentido para você? Não faz? Talvez aqui não seja o melhor lugar para aportar o seu conhecimento e as suas contribuições”.

Não acredito nesse modelo que diz: “Ah, os seus problemas devem estar da porta para fora.” Ninguém tem duas vidas. É uma vida só, e é uma só pessoa.

Andréa Migliori

As pessoas também precisam entender a responsabilidade que elas têm e o que elas estão assumindo como compromisso. Para isso, partimos do ponto que todo mundo é adulto, responsável e comprometido.

Na sua perspectiva, como as lideranças estão lidando com os novos modelos de trabalho que estão surgindo?

Não tem como negar ou nadar contra a corrente. O modelo existe, tem gente que quer e não adianta ignorar. Por outro lado, acredito que uma das coisas que devem ser desmistificadas do home office e do modelo híbrido é de que funciona para todas as empresas e para todas as pessoas. Existem atividades que não acontecem remotamente. Algumas pessoas não gostam, e está tudo bem.

Não é porque está na moda que a empresa precisa adotar.

Se fizer sentido, o primeiro passo a observar é o modelo de gestão. Na minha visão, boa parte dos problemas que temos com o trabalho remoto não tem nada a ver com produtividade.

Acredito que a produtividade seja consequência do modelo de gestão. Não adianta pegar uma solução antiga para resolver um problema novo.

Andréa Migliori

Se o cenário é outro, você precisa adaptar processos ou desenhar algo específico para o novo. E aí, sim, treinar e capacitar as lideranças. Não é simplesmente falar para a liderança: “se vira aí, agora está todo mundo remoto”.

Cansei de ver gestores em plataformas online de chamada perguntando o que o funcionário está fazendo. Isso equivale a uma pessoa em pé do seu lado no escritório perguntando se você já terminou a demanda.

Esse estilo de liderança um dia funcionou, hoje não funciona mais.

Andréa Migliori, CEO da Workhub. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Como CEO em um formato de trabalho 100% remoto, o que faz para equilibrar vida pessoal e profissional?

Tento ser muito organizada nos compromissos, respeito horário e não gosto de quem atrasa. Sempre pego uns minutos de manhã para repassar o dia. Tem coisas em relação à família e amigos de que não abro mão. Acho que esse foi um aprendizado ao longo do tempo.

Nada é tão urgente quanto a empresa acha que é. Olha que estou falando da minha própria empresa, então muitas vezes sou eu mesma que imponho a urgência. Revi esses conceitos de urgência, como atender ligação a qualquer hora ou 7h já estar respondendo a e-mails.

Andréa Migliori

Colocar alguns limites para os outros e para si mesmo também é importante. A minha geração cresceu com aquele mantra de que o trabalho enobrece.

Tem uma passagem do livro “Virando a Própria Mesa”, do Ricardo Semler, em que ele diz: “Por que quando chega o domingo você não tem problema em não ir ao almoço da família por ter determinada demanda do trabalho?”

De certa forma, o pessoal até olha essa ausência com um certo glamour. Mas essa mesma pessoa é incapaz de pegar, sei lá, um cinema em uma terça-feira, às 13h30, e voltar para o escritório às 15h30.

Por que temos dois pesos e duas medidas? Por que com o trabalho pode e com a família não pode?

Andréa Migliori

Diante da sua vivência, como avalia a relevância de ter CEOs LGBTQIA+ ocupando cargos de liderança no ambiente corporativo?

Mesmo que tenha melhorado, ainda é um lugar ocupado por poucas, falta referência para as mulheres. Por exemplo, quando você vê um grupo de homens líderes conversando tem algumas cenas típicas, como: “E aí, Jorjão!”

Qual é o paralelo disso no mundo feminino quando você une um grupo de mulheres líderes? Qual é a referência quando pensamos nas coisas mais simples como a forma de se vestir para uma palestra? A gente sabe como um homem vai estar vestido, mas como uma mulher vai estar?

Se tem o clube do charuto, qual é o clube das mulheres? Faço parte de um grupo chamado máfia do moscatel. O nome veio justamente da máfia do charuto.

Andréa Migliori

Enquanto ainda estivermos discutindo cota em conselho, número de mulheres em cargos de liderança e equidade de gênero, ainda temos trabalho a fazer. A meta é acabar. Todas as iniciativas são importantes para construir um novo caminho. Inclusive, a questão da linguagem neutra. Não acho necessário usar, por exemplo, “todes”, não precisa.

Só o fato de ter a intenção de pensar nas frases e nos textos de uma forma mais neutra é importante porque a língua portuguesa é capciosa nesse aspecto. Acabamos dando todos os exemplos no masculino: “os CEOs, os diretores, os empresários, os fundadores”.

Andréa Migliori

Cansei de ouvir falarem: “o CEO da Workhub”. Esses são exemplos de que é necessário esticar um pouco mais a língua. Dá mais trabalho falar “os CEOs e as CEOs?” Sim, mas elas existem e nós vamos nomeá-las. Tem jeito de usar a língua portuguesa a nosso favor.

Entrevista por Jayanne Rodrigues

Formada em jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia, é repórter de Carreiras. Cobre futuro do trabalho, tendências no mundo corporativo, lideranças e outros assuntos que impactam diretamente a cultura de trabalho no Brasil. No Estadão, também atuou como plantonista da madrugada, cobriu judiciário e tem passagem pela home page do jornal.

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