Mais do que uma competição esportiva, o Grande Prêmio de São Paulo (GPSP) de Fórmula 1 é uma verdadeira plataforma de negócios. “Envolve uma força de trabalho de mais de 10 mil pessoas, 300 marcas, cerca de 200 mil espectadores em três dias e R$ 1 bilhão de impacto econômico para São Paulo. O mundo corporativo se encontra no GP”, afirma o CEO do GPSP, Alan Adler.
Desde a realização do evento de estreia na capital paulista há 50 anos, pela primeira vez, profissionais de áreas diversas tiveram a oportunidade de conhecer de perto os bastidores e entender como funciona a complexa organização de uma corrida de Fórmula 1, por meio de um curso realizado diretamente do Autódromo de Interlagos.
A iniciativa segue uma nova tendência de educação corporativa, conforme apontam especialistas ouvidos pela reportagem. Cada vez mais, a sala de aula de líderes e executivos vem se transformando em experiências imersivas que colocam empresas e negócios de sucesso como protagonistas do ensino.
O objetivo é aumentar o engajamento e melhorar a absorção do conteúdo a partir de vivências práticas de acordo com o que demanda o mercado atualmente. Os formatos das capacitações imersivas são diversos e costumam incluir experiência de casos reais, experiências com tecnologias, viagens internacionais e metodologias interativas, como edutainment (junção entre educação e entretenimento) e fishbowl (método aquário).
“A nossa estrutura tem muitas áreas: operação, logística, engenharia, comercial, financeira, jurídica e um grande trabalho de planejamento e execução o ano inteiro. Temos metas, colaboradores, preocupações com o meio ambiente e com o social, ou seja, tudo o que se emprega nos negócios”, justifica o CEO do GPSP.
O executivo atuou por 14 anos na indústria mecânica antes de entrar para o mundo do entretenimento e, segundo ele, levou muito do que aprendeu. “É importante ter a base teórica, mas é no mundo real que você coloca em prática essas ideias. Compartilhar e ouvir a experiência do outro, muitas vezes, abre a cabeça para seguir caminhos que você não havia pensado.”
A etapa brasileira do campeonato automobilístico ocorreu entre os dias 11 e 13 de novembro. Pouco antes, no dia 7, cerca de 450 pessoas participaram do GPSP Academy, iniciativa promovida em parceria com a plataforma de educação HSM.
“A sala de aula hoje está em todo lugar. Falávamos muito de universidades corporativas e, agora, estamos chamando as organizações de empresas universitárias. Esse é o conceito. Toda companhia, de alguma forma, vai virar uma empresa de educação”, destaca o CEO da HSM, Reynaldo Gama.
Além de acompanharem a montagem do circuito em Interlagos, com direito à visita aos boxes e à pista da corrida, os profissionais participaram de palestras e painéis sobre temas ligados a negócios, como gestão, inovação, liderança, marketing e experiência do cliente. Ao todo, foram cerca de 10 horas de conteúdo em um dia, e a sala de aula era o próprio autódromo.
“Os executivos têm buscado por experiências mais imersivas, que saiam de seus ambientes de trabalho e core business. Eles querem aprender e levar essa experiência de excelência, como é o caso do GP, para o seu negócio. Vemos uma procura muito grande”, garante o CEO da HSM.
Entretenimento aliado da educação
A inscrição no GP Academy ainda dava acesso aos treinos, à Sprint (corrida de classificação) e à competição oficial na arquibancada “R”. O custo total era de R$ 4 mil por profissional. Essa é a primeira edição do curso em Interlagos, mas a HSM tem outros programas imersivos no portfólio em que o valor pode chegar à casa dos R$ 40 mil.
“Esse é o caso do Executive Program, em parceria com a Singularity University, que reuniu cerca de 80 CEOs em Campos do Jordão, interior de São Paulo”, lembra Gama. Outro curso promovido pela plataforma é o Rock in Rio Academy, que leva profissionais para uma vivência na cidade do rock, na capital carioca, durante o festival.
Segundo o CEO da HSM, a absorção do conteúdo tende a ser maior quando a experiência acontece fora de uma sala de aula convencional. “Os próprios executivos relatam que conseguem se concentrar mais quando saem de um local formal e vão para um ambiente de aprendizado imersivo.”
Foi o que levou Eduardo Dallastra, CEO da Agro-Sol, empresa de sementes de soja, a sair de Cuiabá e ir até São Paulo para participar do GPSP Academy. Ele sempre gostou do esporte e se interessou ainda mais pela história do negócio. Quatro colaboradores da sua companhia também o acompanharam na imersão, como uma forma de premiação pelo bom desempenho.
“Num bate-papo com acionista, surgiu a ideia de fazer a conexão com a F1. Esses dois mundos buscam uma performance diferenciada, atenção aos detalhes e trabalho em equipe”, explica Dallastra. O executivo ainda ressalta que foi interessante ouvir depoimentos de outros CEOs. “Vamos fazer conexões com a nossa realidade. O que aprendemos vai ficar bem registrado pela emoção que foi estar no GP Brasil.”
Conhecimento aplicado à vivência prática
Segundo o CEO da Startse, Junior Borneli, esse conceito do aprendizado por experimentação vem de uma mudança cultural global. “Antigamente, a gente era assistente das coisas, hoje, somos protagonistas. Por isso, o conhecimento, quando vai para o caminho da experimentação e de botar a mão na massa, é muito mais efetivo”, explica.
A Startse, escola internacional de negócios que também aposta na educação experiencial, prevê crescer 120% este ano em relação a 2021. A empresa fornece capacitação para líderes, executivos e empresas, e realiza frequentemente imersões internacionais para locais onde a inovação se destaca, como Vale do Silício, Miami, Israel, Estônia e Portugal.
“É muito legal saber o que a Ford fez há 100 anos e se inspirar no modelo industrial. Mas o que a Tesla está fazendo hoje, e como o seu modelo de negócios vem mudando o mercado, representa o futuro”, destaca Borneli. “Quando você vê um carro autônomo passando na rua, no Vale do Silício, fica em choque. Esse contato com o real provoca uma transformação muito mais poderosa nas pessoas. Deixa de ser algo que apenas ouviram falar.”
Recentemente, a empresa realizou o Portugal Experience. Durante cinco dias, 50 executivos de companhias consolidadas tiveram a oportunidade de participar do Web Summit Lisboa 2022, evento global de tecnologia e empreendedorismo, e conhecer 10 cases diferentes do ecossistema português e mundial. O custo do programa foi de R$ 21 mil, por profissional.
“Quando as pessoas entendem o processo educacional como algo mais amplo do que assistir a uma aula, passam a desejar esse tipo de educação com entretenimento, porque é um momento em que você também relaxa e se diverte. Essa interação é fundamental para o engajamento no processo de aprendizagem” ressalta Borneli.
Alta liderança engajada
A Startse já promoveu experiências imersivas para executivos de empresas diversas, como Bayer, Itaú, Volvo, Bradesco, Totvs, Zup, Nestlé e Disney. Na visão do CEO, as organizações precisam ser provedoras de conhecimento, com uma estratégia de crescimento. “Estamos num cenário global de incertezas. É importante incentivar a experimentação, e a transformação de uma companhia só funciona se os líderes estiverem alinhados a esse conceito.”
O grande desafio, no entanto, quando se fala em criar uma cultura de aprendizagem nas organizações, segundo Glaucia Ghirardini, especialista em desenvolvimento de lideranças da Zup, é o engajamento das pessoas. “Não existe mais a ideia de obrigar a participar de um treinamento”, ressalta a executiva da empresa de tecnologia, que conta com 3 mil funcionários em 10 países.
Recentemente, a Zup promoveu um programa de desenvolvimento para a alta liderança, que contou com workshops presenciais e virtuais e uma imersão em 18 empresas e organizações em Israel. “Aproveitamos para conhecer a cultura e a história do país. Isso foi fundamental para entendermos o mindset que encontramos nas startups que visitamos. Esse foi um dos aprendizados mais relevantes”, conta Ghirardini.
De acordo com a especialista, em programas com experiências imersivas, o engajamento acontece naturalmente. “Você consegue um espaço na agenda atribulada de um executivo para um momento de aprendizado, porque as pessoas ficam curiosas e se interessam pelo novo. Isso pode ser feito de diversas formas, não apenas em um curso formal”, afirma. “Foi tão transformador que os próprios executivos começaram a compartilhar internamente o que viram. Isso é a cultura de aprendizagem.”
Participação ativa
Nessa tendência de experiências de aprendizagem imersivas que tem como proposta engajar e aumentar a absorção do conteúdo, o Ensino Einstein incorporou pela primeira vez na grade curricular do Pós-MBA em Gestão de Saúde a metodologia de discussão ativa em grupo fishbowl, desenvolvida pelo Problem Based Learning Laboratory (PBL Lab), da Universidade de Stanford.
A experiência foi inspirada nas faculdades de medicina em que, enquanto os cirurgiões operam, estudantes assistem aos procedimentos por trás de paredes de vidro, aprendendo com base nas observações de seus mentores. A ideia é promover o diálogo e a troca de experiência entre os participantes. O formato ainda permite que todos tenham as mesmas chances de opinar e expressar seus pontos de vista.
Quem tiver familiaridade ou souber mais sobre um assunto se dirige para o meio de um círculo (fishbowl, ou aquário, na tradução para o português) para debater pontos centrais levantados pelo professor, enquanto permanece rodeado por um grupo de observadores.
A primeira experiência com a metodologia ocorreu em outubro e contou com a participação de consultores especialistas em gestão de hospitais. Eles foram convidados para debater problemas reais trazidos por um executivo, que é aluno do Pós-MBA.
De acordo com João Paulo Bittencourt, coordenador da graduação em administração do Einstein e pesquisador da área de gestão em saúde, a experiência envolve diferentes perspectivas, desafios, competências e ajuda a desenvolver habilidades de trabalho em equipe interdisciplinar e colaborativa.
“Ao gerar discussão, o processo vai além da partilha de experiência e cria um ambiente rico de insights e compartilhamento dos próprios colegas, muitas vezes próximos em suas realidades, facilitando a transposição de conhecimento.”