“Aprovado” na prova da primeira fase da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ChatGPT tem provocado calafrios em muitos profissionais que se surpreenderam com a capacidade de criação da ferramenta e agora tem medo de serem substituídos. No mundo jurídico, por exemplo, a inteligência artificial consegue criar petições, redigir contratos e minutas, levando advogados e estudantes a se questionarem sobre como será o futuro do direito.
Com 100 milhões de usuários ativos em janeiro, o bate-papo criado pela startup americana OpenAI é uma ferramenta de criação de textos de IA generativa, modelo que possibilita a produção de conteúdos originais via comando de texto. Na prática, é possível solicitar ao robô a criação de uma minuta de contrato de locação de imóvel ou verificar precedentes jurídicos.
A ferramenta tem sido vista como um divisor de águas para o setor que produz, analisa e processa milhares de páginas diariamente. É o que acredita Daniel Marques, diretor da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L). Para ele, a partir dessas novas tecnologias um novo modelo de advocacia está surgindo e quem não acompanhar as mudanças será substituído pelos profissionais que utilizam a IA a seu favor. “Estamos vivendo a época de ouro da advocacia, nunca surgiram tantas oportunidades de atuação dentro do direito”, afirma Marques.
Ferramentas como o ChatGPT, segundo o advogado, serão as melhores amigas do profissional de direito. Elas irão potencializar as principais capacidades cognitivas dos profissionais, tornando seus papéis cada vez mais analíticos e menos burocráticos. “Ele não é uma bola de cristal. A técnica jurídica irá continuar sendo essencial, mas ganharemos em agilidade”, pontua.
Mas Marques alerta: “Se você faz o trabalho de um robô, ele vai te substituir”. O advogado afirma que é preciso deixar a ingenuidade de lado e entender que a inteligência artificial irá mudar a forma de atuação dos profissionais do direito. Os estagiários, que em muitos escritórios tem responsabilidades exclusivamente burocráticas e mecanizadas, terão outros papéis de atuação e poderão analisar os resultados gerados por essas ferramentas, por exemplo.
“Se antes o papel do estagiário era ficar na fila para protocolar um processo judicial, hoje o que precisamos é criar profissionais para produzir trabalho intelectual e não burocrático e administrativo.”
Menos burocracia e mais agilidade
Apesar da resistência de uma parte dos profissionais e escritórios de advocacia, o setor tem compreendido os benefícios que as soluções tecnológicas podem oferecer. Paulo Silvestre, diretor de Inovação da Machado Meyer, um dos principais escritórios de advocacia da América Latina, conta que a utilização do ChatGPT e de outras inteligências artificiais estão sendo testadas na organização.
Com um núcleo dedicado exclusivamente à tecnologia jurídica no escritório, Silvestre afirma que o objetivo é descobrir como essas ferramentas podem automatizar tarefas repetitivas, melhorar a eficiência e a qualidade do trabalho. Além disso, a ideia é automatizar a relação cliente/advogado e criar uma experiência mais personalizada e eficiente, também reduzindo custos operacionais.
“Isso traz eficiência e competitividade para as organizações. Assim, os profissionais do setor jurídico podem se concentrar em questões mais estratégicas e complexas”, diz
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O departamento jurídico da varejista C&A também tem se arriscado na utilização da inteligência artificial para automatizar processos internos. Com mais de 15 mil colaboradores, um dos grandes desafios da companhia é capacitar as equipes. Para tornar esse processo de aprendizagem mais interessante, um chatbot está sendo criado via inteligência artificial para interação entre o departamento jurídico e o público interno.
De acordo com Luis Henrique Ramos, gerente responsável pelos assuntos jurídicos da empresa, o Juridicão - personagem criado em conjunto com uma ferramenta de inteligência artificial - irá concentrar as dúvidas em um banco de dados que será retroalimentado conforme a utilização da ferramenta. O objetivo, segundo ele, é adaptar a linguagem jurídica a um formato que, além de ser fácil e simples de utilizar, tendo um conceito parecido com o ChatGPT, também atrai o público e descomplica o direito na prática, dando mais fluidez para a rotina de trabalho.
Do lado das lawtechs e legaltechs, a utilização da ferramenta também está trazendo mais agilidade e otimizando tarefas burocráticas. Entusiasta das novas tecnologias, O CEO da startup Sem Processo incentiva seus colaboradores desde o lançamento a utilizarem o ChatGPT no dia a dia.
Advogado de formação, Bruno Feigelson explica que a plataforma tem sido um ótimo ponto de partida para a criação de contratos e minutas. O colaborador que precisa escrever uma cláusula de não concorrência, por exemplo, pede para o bate-papo algo nesse molde e a ferramenta entrega pronta, com o trabalho humano sendo mais de interpretação e menos de geração.
Feigelson reitera que o uso da ferramenta é apenas consultivo e não tira a responsabilidade do profissional que está por trás desse movimento. A ideia é utilizar o ChatGPT a favor da eficiência e precisão no dia a dia, como uma espécie de assistente jurídico particular.
“Não dá para apostar cálculo com uma calculadora. A máquina é muito mais rápida e muito mais eficiente em alguns aspectos, mas você tem que ter alguém tomando decisão ali. O que a ferramenta possibilita é que se um advogado consegue atender hoje um cliente por dia, ele vai poder atender 100 e a máquina vai apoiá-lo”, afirma Feigelson.
Quem será mais afetado pela IA?
Edney Souza, professor de Inovação e Negócios Digitais da ESPM, explica que as profissões que utilizam texto serão as mais afetadas pelo ChatGPT. Como ele é um modelo de inteligência artificial que trabalha com uma análise probabilística, o resultado que ele irá produzir tem mais compromisso com a plausabilidade do que com a veracidade. Para ele, é preciso ter muita clareza sobre quais comandos dar para obter o resultado desejado, demandando conhecimento prévio do assunto que será solicitado.
“A vantagem é a velocidade que ele produz esse material. Não é uma substituição do profissional, mas uma aceleração do seu trabalho”.
A reportagem testou uma série de comandos na ferramenta, inclusive para a produção desta matéria. O conteúdo gerado trouxe uma visão geral sobre a utilização da ferramenta na atuação do advogado e algumas dicas sobre como incorporá-la no dia a dia da profissão, mas não trouxe a visão de especialistas sobre o assunto e informações atualizadas, já que a base de dados utilizada pelo ChatGPT está limitada a acontecimentos até setembro de 2021.