Muitos profissionais estão gravando a própria demissão e compartilhando nas redes sociais, em especial no TikTok. A maioria dos cortes, conforme relatos dos vídeos de brasileiros, foram feitos por chamada de vídeo. Nos últimos meses, os registros repercutiram acumulando milhões de visualizações. Isso fez mudar a forma como as empresas anunciam as demissões?
Especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que a resposta não é tão simples, levando em consideração que a prática da “demissão responsável” ainda é incipiente na cultura organizacional das empresas brasileiras. Demissão responsável é um conjunto de ações para minimizar os impactos negativos que a demissão tem na vida do profissional.
Conforme mostrou o Estadão, o número de pedidos de demissão bateu recorde em 2023, com 7,3 milhões de pessoas deixando seus empregos. O assunto segue como tabu nas organizações.
“Se não falamos sobre demissão, não conseguimos melhorar o processo. As lideranças não recebem treinamento nem se planejam. Elas só vão pensar em como fazer uma demissão quando precisam, de fato, demitir”, questiona Lucy Nunes, fundadora da Prepara.me, empresa focada em demissão responsável para cargos até média gerência.
Despreparo deixa liderança insegura
Segundo Nunes, o despreparo acaba deixando a liderança insegura. Em muitos casos, o líder não tem ideia do que precisa ser dito e teme que surja alguma dúvida. A reação é se livrar da situação o quanto antes.
“As pessoas têm medo de demitir porque não sabem como dar a notícia. É um sentimento real de quem demite. É desconfortável”, afirma.
O reflexo desse comportamento pode ser visto nos vídeos compartilhados na internet. Dos conteúdos analisados pela reportagem, a maioria das pessoas reclama da falta de transparência. Dizem não ter recebido qualquer feedback anteriormente. Algumas foram desligadas por chamada de vídeo que durou menos de um minuto.
Não à toa o assunto virou meme, como este feito pela atriz e humorista Jessica Diniz:
“As pessoas normalizaram a demissão, mas as empresas, não”, avalia Eymi Rocha, psicóloga e consultora de RH.
A solução é ofertar uma estratégia antes, durante e após o desligamento para evitar um momento traumático para ambas as partes. Isso inclui assertividade e o entendimento de que a demissão tem que ter cara de demissão, afirma Rocha.
Demissão não é feliz ou fofa, mas cuidadosa
Geralmente, os cortes acontecem por três motivos: comportamento, entrega ou em massa.
Em todas as condições, é possível fazer um desligamento responsável que, de acordo com Lucy Nunes, “não tem nada a ver com demissão feliz ou fofa. É no sentido de a empresa entender que o corte causa impacto na vida emocional e financeira da pessoa, e como pode minimizar esses efeitos”.
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O processo que antecede a demissão envolve, principalmente a prática de feedbacks. Por exemplo, caso o motivo do corte seja desempenho ou entrega, é imprescindível que o funcionário tenha recebido previamente informações a respeito do trabalho desenvolvido, além de sugestões para melhoria. Se, por alguma razão, a pessoa não apresentou mudanças, a demissão não será uma surpresa.
Na hora de anunciar o corte, a calma e o respeito devem ditar o desenrolar do comunicado. Não faça brincadeiras ou piadas, vá direto ao ponto. O momento de lavar roupas sujas ficou para trás. A liderança deve estar pronta para responder às dúvidas e ouvir atentamente.
Já o corte em massa exige uma preparação do ponto de vista coletivo um pouco mais complexa. Nos último anos, grandes companhias convocaram centenas de funcionários para uma reunião online com o objetivo de realizar as demissões.
Lucy Nunes, da Prepara.me, reconhece que o cenário é desafiador porque acontece no mesmo dia em várias áreas. Ainda assim, ela defende que o corte responsável é viável, desde que tenha planejamento, como a escolha de horários e um plano de ação/benefícios para auxiliar o colaborador na recolocação no mercado.
Confira abaixo o manual de boas práticas:
Independentemente da motivação, a liderança deve comunicar a razão do desligamento.
A cultura de transparência permite que o funcionário recalcule a rota profissional com mais clareza e, do lado da empresa, evita que a reputação da companhia seja comprometida, aponta Valéria Viana, consultora de carreira.
Ela também faz um alerta para as pessoas que decidem gravar a própria demissão: “precisa ter cuidado de como vai conduzir essa (gravação) para que a empresa não tome medidas legais e não gere impacto negativo na carreira”, esclarece.
O desligamento não acaba na sala
Organizações que incorporam a demissão responsável na jornada do colaborador se diferenciam no mercado, ressalta Valéria Resende, especialista em recrutamento.
O ex-funcionário recebe ajuda para se realocar no mercado e tem acesso prorrogado a alguns benefícios (plano de saúde, apoio emocional, vale-alimentação etc.) enquanto procura outro emprego.
Internamente, começa um trabalho de comunicação com a equipe para informar o futuro do cargo da pessoa que saiu e os próximos passos. Outro detalhe, que é responsabilidade da liderança, diz respeito a todas as etapas da demissão (melhorias, possíveis erros):
- Houve erro na contratação?
- Aconteceu alguma falha nos treinamentos?
- Os feedbacks foram realizados?
O processo cuidadoso dificulta a propagação de fofocas e, consequentemente, evita a sensação de insegurança na equipe.
Embora os vídeos compartilhados no TikTok por trabalhadores tenha um impacto mais direto na vida do colaborador do que na reputação da empresa em si, hoje uma pequena parcela da população está “escolhendo onde quer trabalhar”, reforça Valéria Resende.
Companhias que apostam em uma jornada do colaborador que se preocupa com o durante e o pós-demissão podem, aos poucos, amplificar uma vantagem competitiva.