Eles pediram demissão no auge da pandemia. Saiba como estão vivendo agora


‘NYT’ perguntou às pessoas que deixaram seus empregos durante o período que ficou conhecido como a “grande renúncia” quais consequências financeiras a decisão provocou. Veja a seguir o que elas nos disseram

Atualização:

Melody e Ian Karle não estavam felizes. Era fevereiro de 2021 e o casal vivia em Houston. A crise energética após o inverno rigoroso no Texas havia começado, o que os levou a ficar sem água corrente ou aquecimento. Mas isso não era tudo. Ian, que trabalhava como gerente de qualidade em uma empresa do setor de petróleo e gás, não aguentava mais seu trabalho. Ajudava a pagar as contas, sem dúvidas, mas fazia com que ele se sentisse esgotado e insatisfeito.

“A temperatura dentro de casa era congelante, estávamos sentados no sofá, e eu pensei: ‘espera aí, por que raios estamos aqui?’”, disse Ian, 43 anos.

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“Ele não gostava do emprego que tinha, a rede elétrica era precária e éramos duas pessoas que trabalhavam e tinham suas próprias carreiras. Começamos a pensar, então, como poderíamos sair daquela [situação]”, disse Melody, 43 anos, que trabalhava como bibliotecária em uma universidade.

Eles fizeram as contas e decidiram que Ian podia pedir demissão e deixar o setor no qual trabalhava se vendessem a casa onde viviam e se mudassem para algum lugar com um custo de vida menor. Eles se mudaram para Cut Bank, em Montana. Melody conseguiu um emprego como administradora remota de um sistema de biblioteca, e Ian abriu sua própria empresa de chocolate artesanal, um projeto pessoal iniciado nos primeiros dias da pandemia.

No total, os dois juntos tiveram uma redução de renda anual de US$ 100 mil e agora ganham cerca de US$ 70 mil. Eles tiveram de abrir mão das saídas noturnas luxuosas, mas esse tipo de tentação não existe na cidade pequena onde vivem, segundo eles. Em vez disso, estão curtindo atividades mais econômicas, como caminhadas e jardinagem.

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“Você não faz ideia do quanto de estresse está submetido até se livrar dele. É absurdo o quanto estou mais feliz agora do que costumava ser”, disse Ian.

No ano passado, mais de 40 milhões de pessoas pediram demissão de seus empregos. A chamada grande renúncia foi motivada por pessoas que estavam cansadas de empregos frustrantes, de se sentirem esgotadas pelas demandas de trabalho e das dificuldades para conseguir se sustentar.

Nós não conseguimos nem acreditar nos estávamos fazendo antes

Melody Karle

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Embora algumas pessoas estejam atualmente em uma situação financeira melhor e ganhando um salário mais alto, outras que deixaram seus empregos têm enfrentado problemas financeiros. Elas deram um jeito de fazer isso dar certo pegando empregos de meio-período, renunciando a certos luxos ou, como os Karles, se mudando para algum lugar mais barato. E apesar do estresse adicional, muitos acham que a decisão valeu a pena.

Os Karles sentem que estão vivendo uma vida com mais propósito. Várias vezes por semana, eles vendem as barras de chocolate de Ian nas feiras de produtores locais, além de cuidar de gatos resgatados em casa (esta última atividade é voluntária, não há remuneração por ela). Melody está plantando beterraba, ruibarbo, aspargos e muito mais em sua horta. O casal teve uma redução no orçamento, mas acredita ter encontrado algo melhor.

“Nós não conseguimos nem acreditar no que estávamos fazendo antes”, disse Melody. “Esta foi a melhor decisão que já tomamos.”

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Os Karles representam um grupo de indivíduos e famílias que fizeram uma mudança e agora estão lidando com as consequências financeiras, para o bem ou para o mal. “A pandemia fez as pessoas pensarem e avaliarem de verdade como estavam vivendo”, disse Cliff Robb, professor de ciência do consumidor da Universidade de Wisconsin-Madison. “Vimos tantas oportunidades de emprego diferentes se tornarem flexíveis em suas estruturas, então as pessoas começaram a reavaliar tudo.”

Perguntamos aos leitores que fizeram esse balanço pessoal como isso afetou suas vidas financeiras. Aqui estão alguns relatos.

“Eu ainda estava muito apreensiva quanto a pedir demissão”

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Em junho de 2021, Natalie Hanson, 26 anos, deixou seu emprego em um jornal de sua cidade natal, Chico, na Califórnia, onde ela cobria o governo municipal, habitação e falta de moradia. O salário não era dos melhores, segundo Natalie, e ela enfrentava assédio on-line quase contínuo por causa dos temas sobre os quais escrevia. O preço psicológico tornou-se insuportável.

“Pago minhas contas desde o ensino médio. Trabalhei durante toda a faculdade”, disse Natalie. “Mas eu ainda estava muito apreensiva quanto a pedir demissão.”

Ela conseguiu um novo emprego em um jornal em Oakland, na Califórnia, com um salário melhor. Mas o custo de vida em Oakland era bem maior do que aquele com o qual Natalie estava acostumada em Chico, cerca de três horas ao norte da região da baía de São Francisco. O valor que pagava pelo aluguel mais que dobrou e o preço do seguro de seu carro aumentou.

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Em maio, Natalie pediu demissão e passou a trabalhar como repórter no serviço de notícias jurídicas Courthouse News Service. Embora o novo emprego ofereça um salário melhor que o anterior, Natalie escreve artigos como freelance para organizações sem fins lucrativos locais e consegue uma renda extra de US$ 800 por mês, mas ela planeja se mudar para um apartamento mais barato na cidade até o fim do ano.

Valeu a pena?

Apesar dos transtornos, Natalie não se arrepende de sua decisão inicial de pedir demissão do emprego em Chico. Ela agora vive em uma região que adora.

“Não esperava poder viver na região da baía de São Francisco, trabalhando como jornalista, antes dos 30 anos”, disse ela. “Ficou bastante claro que existem possibilidades. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso com as finanças.”

“Não paga as contas, mas é muito gratificante”

Susan Woodland, 67 anos, pediu demissão do emprego como diretora de coleções em um museu em Nova York em maio de 2020. Seu trabalho exigia muito trabalho administrativo, o que ela não gostava, e quando a pandemia surgiu, ela se viu tendo que decidir entre demitir outros funcionários de seu departamento ou deixar seu emprego. Ela escolheu a segunda opção.

Susan agora trabalha meio período como freelancer para museus, e pode lidar diretamente com as coleções deles, algo que ela acha muito gratificante. “Tem sido o melhor dos dois mundos. Posso definir meu próprio horário. Não paga as contas, mas é muito gratificante”, afirmou. Foi um tremendo alívio emocional sair do expediente de 9h às 17h, e ela agora tem “a liberdade de ganhar bem, bem menos dinheiro, mas seguindo as próprias regras”.

Ela também tem alguma renda com investimentos, o que ajuda a cobrir seus custos de vida. Susan sempre foi pertinaz em relação a economizar, mesmo quando era mais nova, e isso tem sido uma ajuda extra. “Sempre que recebia um pouco a mais – podia ser US$ 20 por semana –, meus pais diziam: ‘Guarde metade’. E eu sempre fiz isso”, afirmou.

O dinheiro está com certeza um pouco limitado agora, mas pedir demissão ainda valeu a pena, disse Susan.

“Eu sabia que estava sendo extremamente mal remunerada”

Para alguns, deixar o antigo emprego levou a uma recém-descoberta liberdade financeira. No ano passado, Maeve Connor, 35 anos, pediu demissão de seu trabalho como gerente de marketing em uma empresa com orçamento limitado de postos de serviços para caminhões. “Eu sabia que estava sendo extremamente mal remunerada”, disse Maeve, que mora em Portland, no Oregon. Ela também não conseguia se livrar da sensação de que queria ter uma carreira mais significativa, então começou a se candidatar a vagas de empregos.

Em pouco tempo, Maeve foi chamada para assumir o cargo de especialista em comunicação na Central City Concern, uma organização sem fins lucrativos local que ajuda pessoas em situação de rua, e agora ganha US$ 63 mil por ano. “Isso teve um impacto enorme na minha qualidade de vida”, disse ela. “Compro alimentos mais sofisticados agora. Tenho uma poupança com saldo considerável. Estou tentando descobrir se será possível algum dia comprar uma casa, o que nem sequer passava pela minha cabeça antes.”

Ela também tem conseguido pagar por aulas de direção (“Não teria condições de pagá-las com meu salário anterior, e descobri que sou muito ruim dirigindo, então preciso de um monte de aulas.”), comprou uma aliança para a esposa e uma viagem para Nova Orleans. “Não precisei me preocupar com dinheiro de forma alguma enquanto estávamos lá”, disse ela.

Maeve está satisfeita com a decisão de pedir demissão, sobretudo levando em consideração que a inflação fez os preços subirem e seu aluguel aumentou quase US$ 100 este mês. “Se eu ainda estivesse no meu antigo emprego, não sei como estaria lidando com essas coisas”, disse Maeve.

“Ainda não conseguimos digerir bem tudo isso”

Rachel Sobel, 53 anos, deixou seu emprego como diretora de comunicações em uma seguradora de saúde em fevereiro.

Rachel Sobel, 53 anos, deixou o emprego em uma seguradora. Foto: Evan Jenkins/The New York Times

Ela havia começado a trabalhar ali durante a pandemia, por isso estava se sentindo isolada no emprego, e depois de ser diagnosticada com uma doença autoimune, percebeu que não podia continuar no cargo. “Não me sinto bem durante muitas horas ao longo do dia, senti que estava abrindo mão de todas as que estava bem para trabalhar”, disse ela.

Rachel, que mora em Chicago, conseguiu passar a ser dependente do plano de saúde do marido, o que tornou possível pedir demissão. Segundo ela, o salário do marido mal dá para cobrir as despesas básicas, e coisas como férias, melhorias na casa ou gastos inesperados não são possíveis neste momento.

“Houve um pouco de arrependimento e pânico” no início, disse Rachel. De qualquer modo, ela não está 100% segura de como vão ficar as finanças do casal, “ainda não conseguimos digerir bem tudo isso”.

Agora, ela trabalha como freelancer, editando, escrevendo e dando consultoria, o que cobre parte, mas não completamente, de seu antigo salário. Até mesmo as despesas necessárias foram adiadas.

“Vivemos em uma casa construída há cem anos”, disse ela. “Sempre há algo que precisa ser feito, e tínhamos um cronograma de coisas para consertar, porém agora precisamos reavaliar isso.” Uma parte do teto do porão está começando a desmoronar, mas ela não tem dinheiro para consertá-lo agora, o que tem sido uma fonte de frustração.

Problemas que talvez no passado fossem apenas pequenos ajustes passaram a ser dores de cabeça hoje. “Meu carro está ficando mais velho e, se precisar de um conserto de US$1.000, pode ser que eu apenas o venda e abra mão de ter um automóvel”, disse ela.

Talvez o mais difícil seja o fato de sua filha ser uma estudante de pós-graduação que vive fora do estado e ela não poder mais visitá-la com a frequência de antes. “Enquanto antes eu podia facilmente viajar durante um fim de semana para visitá-la, fazer isso hoje seria um baque financeiro”, disse Rachel. Ela está tentando lançar um coletivo criativo com alguns colegas e espera aumentar sua renda, no mínimo, em 50% do que ganhava trabalhando em período integral.

Apesar de todos os novos desafios, pedir demissão valeu a pena para Rachel. Ela disse que se sentia uma pessoa mais feliz.

“Estou me exercitando de novo, cozinhando mais, cuidando do meu jardim, fazendo passeios mais longos com meu cachorro”, disse ela. “Eu me sinto melhor, física e mentalmente.”

Joshua Needelman contribuiu com esta reportagem.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Melody e Ian Karle não estavam felizes. Era fevereiro de 2021 e o casal vivia em Houston. A crise energética após o inverno rigoroso no Texas havia começado, o que os levou a ficar sem água corrente ou aquecimento. Mas isso não era tudo. Ian, que trabalhava como gerente de qualidade em uma empresa do setor de petróleo e gás, não aguentava mais seu trabalho. Ajudava a pagar as contas, sem dúvidas, mas fazia com que ele se sentisse esgotado e insatisfeito.

“A temperatura dentro de casa era congelante, estávamos sentados no sofá, e eu pensei: ‘espera aí, por que raios estamos aqui?’”, disse Ian, 43 anos.

“Ele não gostava do emprego que tinha, a rede elétrica era precária e éramos duas pessoas que trabalhavam e tinham suas próprias carreiras. Começamos a pensar, então, como poderíamos sair daquela [situação]”, disse Melody, 43 anos, que trabalhava como bibliotecária em uma universidade.

Eles fizeram as contas e decidiram que Ian podia pedir demissão e deixar o setor no qual trabalhava se vendessem a casa onde viviam e se mudassem para algum lugar com um custo de vida menor. Eles se mudaram para Cut Bank, em Montana. Melody conseguiu um emprego como administradora remota de um sistema de biblioteca, e Ian abriu sua própria empresa de chocolate artesanal, um projeto pessoal iniciado nos primeiros dias da pandemia.

No total, os dois juntos tiveram uma redução de renda anual de US$ 100 mil e agora ganham cerca de US$ 70 mil. Eles tiveram de abrir mão das saídas noturnas luxuosas, mas esse tipo de tentação não existe na cidade pequena onde vivem, segundo eles. Em vez disso, estão curtindo atividades mais econômicas, como caminhadas e jardinagem.

“Você não faz ideia do quanto de estresse está submetido até se livrar dele. É absurdo o quanto estou mais feliz agora do que costumava ser”, disse Ian.

No ano passado, mais de 40 milhões de pessoas pediram demissão de seus empregos. A chamada grande renúncia foi motivada por pessoas que estavam cansadas de empregos frustrantes, de se sentirem esgotadas pelas demandas de trabalho e das dificuldades para conseguir se sustentar.

Nós não conseguimos nem acreditar nos estávamos fazendo antes

Melody Karle

Embora algumas pessoas estejam atualmente em uma situação financeira melhor e ganhando um salário mais alto, outras que deixaram seus empregos têm enfrentado problemas financeiros. Elas deram um jeito de fazer isso dar certo pegando empregos de meio-período, renunciando a certos luxos ou, como os Karles, se mudando para algum lugar mais barato. E apesar do estresse adicional, muitos acham que a decisão valeu a pena.

Os Karles sentem que estão vivendo uma vida com mais propósito. Várias vezes por semana, eles vendem as barras de chocolate de Ian nas feiras de produtores locais, além de cuidar de gatos resgatados em casa (esta última atividade é voluntária, não há remuneração por ela). Melody está plantando beterraba, ruibarbo, aspargos e muito mais em sua horta. O casal teve uma redução no orçamento, mas acredita ter encontrado algo melhor.

“Nós não conseguimos nem acreditar no que estávamos fazendo antes”, disse Melody. “Esta foi a melhor decisão que já tomamos.”

Os Karles representam um grupo de indivíduos e famílias que fizeram uma mudança e agora estão lidando com as consequências financeiras, para o bem ou para o mal. “A pandemia fez as pessoas pensarem e avaliarem de verdade como estavam vivendo”, disse Cliff Robb, professor de ciência do consumidor da Universidade de Wisconsin-Madison. “Vimos tantas oportunidades de emprego diferentes se tornarem flexíveis em suas estruturas, então as pessoas começaram a reavaliar tudo.”

Perguntamos aos leitores que fizeram esse balanço pessoal como isso afetou suas vidas financeiras. Aqui estão alguns relatos.

“Eu ainda estava muito apreensiva quanto a pedir demissão”

Em junho de 2021, Natalie Hanson, 26 anos, deixou seu emprego em um jornal de sua cidade natal, Chico, na Califórnia, onde ela cobria o governo municipal, habitação e falta de moradia. O salário não era dos melhores, segundo Natalie, e ela enfrentava assédio on-line quase contínuo por causa dos temas sobre os quais escrevia. O preço psicológico tornou-se insuportável.

“Pago minhas contas desde o ensino médio. Trabalhei durante toda a faculdade”, disse Natalie. “Mas eu ainda estava muito apreensiva quanto a pedir demissão.”

Ela conseguiu um novo emprego em um jornal em Oakland, na Califórnia, com um salário melhor. Mas o custo de vida em Oakland era bem maior do que aquele com o qual Natalie estava acostumada em Chico, cerca de três horas ao norte da região da baía de São Francisco. O valor que pagava pelo aluguel mais que dobrou e o preço do seguro de seu carro aumentou.

Em maio, Natalie pediu demissão e passou a trabalhar como repórter no serviço de notícias jurídicas Courthouse News Service. Embora o novo emprego ofereça um salário melhor que o anterior, Natalie escreve artigos como freelance para organizações sem fins lucrativos locais e consegue uma renda extra de US$ 800 por mês, mas ela planeja se mudar para um apartamento mais barato na cidade até o fim do ano.

Valeu a pena?

Apesar dos transtornos, Natalie não se arrepende de sua decisão inicial de pedir demissão do emprego em Chico. Ela agora vive em uma região que adora.

“Não esperava poder viver na região da baía de São Francisco, trabalhando como jornalista, antes dos 30 anos”, disse ela. “Ficou bastante claro que existem possibilidades. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso com as finanças.”

“Não paga as contas, mas é muito gratificante”

Susan Woodland, 67 anos, pediu demissão do emprego como diretora de coleções em um museu em Nova York em maio de 2020. Seu trabalho exigia muito trabalho administrativo, o que ela não gostava, e quando a pandemia surgiu, ela se viu tendo que decidir entre demitir outros funcionários de seu departamento ou deixar seu emprego. Ela escolheu a segunda opção.

Susan agora trabalha meio período como freelancer para museus, e pode lidar diretamente com as coleções deles, algo que ela acha muito gratificante. “Tem sido o melhor dos dois mundos. Posso definir meu próprio horário. Não paga as contas, mas é muito gratificante”, afirmou. Foi um tremendo alívio emocional sair do expediente de 9h às 17h, e ela agora tem “a liberdade de ganhar bem, bem menos dinheiro, mas seguindo as próprias regras”.

Ela também tem alguma renda com investimentos, o que ajuda a cobrir seus custos de vida. Susan sempre foi pertinaz em relação a economizar, mesmo quando era mais nova, e isso tem sido uma ajuda extra. “Sempre que recebia um pouco a mais – podia ser US$ 20 por semana –, meus pais diziam: ‘Guarde metade’. E eu sempre fiz isso”, afirmou.

O dinheiro está com certeza um pouco limitado agora, mas pedir demissão ainda valeu a pena, disse Susan.

“Eu sabia que estava sendo extremamente mal remunerada”

Para alguns, deixar o antigo emprego levou a uma recém-descoberta liberdade financeira. No ano passado, Maeve Connor, 35 anos, pediu demissão de seu trabalho como gerente de marketing em uma empresa com orçamento limitado de postos de serviços para caminhões. “Eu sabia que estava sendo extremamente mal remunerada”, disse Maeve, que mora em Portland, no Oregon. Ela também não conseguia se livrar da sensação de que queria ter uma carreira mais significativa, então começou a se candidatar a vagas de empregos.

Em pouco tempo, Maeve foi chamada para assumir o cargo de especialista em comunicação na Central City Concern, uma organização sem fins lucrativos local que ajuda pessoas em situação de rua, e agora ganha US$ 63 mil por ano. “Isso teve um impacto enorme na minha qualidade de vida”, disse ela. “Compro alimentos mais sofisticados agora. Tenho uma poupança com saldo considerável. Estou tentando descobrir se será possível algum dia comprar uma casa, o que nem sequer passava pela minha cabeça antes.”

Ela também tem conseguido pagar por aulas de direção (“Não teria condições de pagá-las com meu salário anterior, e descobri que sou muito ruim dirigindo, então preciso de um monte de aulas.”), comprou uma aliança para a esposa e uma viagem para Nova Orleans. “Não precisei me preocupar com dinheiro de forma alguma enquanto estávamos lá”, disse ela.

Maeve está satisfeita com a decisão de pedir demissão, sobretudo levando em consideração que a inflação fez os preços subirem e seu aluguel aumentou quase US$ 100 este mês. “Se eu ainda estivesse no meu antigo emprego, não sei como estaria lidando com essas coisas”, disse Maeve.

“Ainda não conseguimos digerir bem tudo isso”

Rachel Sobel, 53 anos, deixou seu emprego como diretora de comunicações em uma seguradora de saúde em fevereiro.

Rachel Sobel, 53 anos, deixou o emprego em uma seguradora. Foto: Evan Jenkins/The New York Times

Ela havia começado a trabalhar ali durante a pandemia, por isso estava se sentindo isolada no emprego, e depois de ser diagnosticada com uma doença autoimune, percebeu que não podia continuar no cargo. “Não me sinto bem durante muitas horas ao longo do dia, senti que estava abrindo mão de todas as que estava bem para trabalhar”, disse ela.

Rachel, que mora em Chicago, conseguiu passar a ser dependente do plano de saúde do marido, o que tornou possível pedir demissão. Segundo ela, o salário do marido mal dá para cobrir as despesas básicas, e coisas como férias, melhorias na casa ou gastos inesperados não são possíveis neste momento.

“Houve um pouco de arrependimento e pânico” no início, disse Rachel. De qualquer modo, ela não está 100% segura de como vão ficar as finanças do casal, “ainda não conseguimos digerir bem tudo isso”.

Agora, ela trabalha como freelancer, editando, escrevendo e dando consultoria, o que cobre parte, mas não completamente, de seu antigo salário. Até mesmo as despesas necessárias foram adiadas.

“Vivemos em uma casa construída há cem anos”, disse ela. “Sempre há algo que precisa ser feito, e tínhamos um cronograma de coisas para consertar, porém agora precisamos reavaliar isso.” Uma parte do teto do porão está começando a desmoronar, mas ela não tem dinheiro para consertá-lo agora, o que tem sido uma fonte de frustração.

Problemas que talvez no passado fossem apenas pequenos ajustes passaram a ser dores de cabeça hoje. “Meu carro está ficando mais velho e, se precisar de um conserto de US$1.000, pode ser que eu apenas o venda e abra mão de ter um automóvel”, disse ela.

Talvez o mais difícil seja o fato de sua filha ser uma estudante de pós-graduação que vive fora do estado e ela não poder mais visitá-la com a frequência de antes. “Enquanto antes eu podia facilmente viajar durante um fim de semana para visitá-la, fazer isso hoje seria um baque financeiro”, disse Rachel. Ela está tentando lançar um coletivo criativo com alguns colegas e espera aumentar sua renda, no mínimo, em 50% do que ganhava trabalhando em período integral.

Apesar de todos os novos desafios, pedir demissão valeu a pena para Rachel. Ela disse que se sentia uma pessoa mais feliz.

“Estou me exercitando de novo, cozinhando mais, cuidando do meu jardim, fazendo passeios mais longos com meu cachorro”, disse ela. “Eu me sinto melhor, física e mentalmente.”

Joshua Needelman contribuiu com esta reportagem.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Melody e Ian Karle não estavam felizes. Era fevereiro de 2021 e o casal vivia em Houston. A crise energética após o inverno rigoroso no Texas havia começado, o que os levou a ficar sem água corrente ou aquecimento. Mas isso não era tudo. Ian, que trabalhava como gerente de qualidade em uma empresa do setor de petróleo e gás, não aguentava mais seu trabalho. Ajudava a pagar as contas, sem dúvidas, mas fazia com que ele se sentisse esgotado e insatisfeito.

“A temperatura dentro de casa era congelante, estávamos sentados no sofá, e eu pensei: ‘espera aí, por que raios estamos aqui?’”, disse Ian, 43 anos.

“Ele não gostava do emprego que tinha, a rede elétrica era precária e éramos duas pessoas que trabalhavam e tinham suas próprias carreiras. Começamos a pensar, então, como poderíamos sair daquela [situação]”, disse Melody, 43 anos, que trabalhava como bibliotecária em uma universidade.

Eles fizeram as contas e decidiram que Ian podia pedir demissão e deixar o setor no qual trabalhava se vendessem a casa onde viviam e se mudassem para algum lugar com um custo de vida menor. Eles se mudaram para Cut Bank, em Montana. Melody conseguiu um emprego como administradora remota de um sistema de biblioteca, e Ian abriu sua própria empresa de chocolate artesanal, um projeto pessoal iniciado nos primeiros dias da pandemia.

No total, os dois juntos tiveram uma redução de renda anual de US$ 100 mil e agora ganham cerca de US$ 70 mil. Eles tiveram de abrir mão das saídas noturnas luxuosas, mas esse tipo de tentação não existe na cidade pequena onde vivem, segundo eles. Em vez disso, estão curtindo atividades mais econômicas, como caminhadas e jardinagem.

“Você não faz ideia do quanto de estresse está submetido até se livrar dele. É absurdo o quanto estou mais feliz agora do que costumava ser”, disse Ian.

No ano passado, mais de 40 milhões de pessoas pediram demissão de seus empregos. A chamada grande renúncia foi motivada por pessoas que estavam cansadas de empregos frustrantes, de se sentirem esgotadas pelas demandas de trabalho e das dificuldades para conseguir se sustentar.

Nós não conseguimos nem acreditar nos estávamos fazendo antes

Melody Karle

Embora algumas pessoas estejam atualmente em uma situação financeira melhor e ganhando um salário mais alto, outras que deixaram seus empregos têm enfrentado problemas financeiros. Elas deram um jeito de fazer isso dar certo pegando empregos de meio-período, renunciando a certos luxos ou, como os Karles, se mudando para algum lugar mais barato. E apesar do estresse adicional, muitos acham que a decisão valeu a pena.

Os Karles sentem que estão vivendo uma vida com mais propósito. Várias vezes por semana, eles vendem as barras de chocolate de Ian nas feiras de produtores locais, além de cuidar de gatos resgatados em casa (esta última atividade é voluntária, não há remuneração por ela). Melody está plantando beterraba, ruibarbo, aspargos e muito mais em sua horta. O casal teve uma redução no orçamento, mas acredita ter encontrado algo melhor.

“Nós não conseguimos nem acreditar no que estávamos fazendo antes”, disse Melody. “Esta foi a melhor decisão que já tomamos.”

Os Karles representam um grupo de indivíduos e famílias que fizeram uma mudança e agora estão lidando com as consequências financeiras, para o bem ou para o mal. “A pandemia fez as pessoas pensarem e avaliarem de verdade como estavam vivendo”, disse Cliff Robb, professor de ciência do consumidor da Universidade de Wisconsin-Madison. “Vimos tantas oportunidades de emprego diferentes se tornarem flexíveis em suas estruturas, então as pessoas começaram a reavaliar tudo.”

Perguntamos aos leitores que fizeram esse balanço pessoal como isso afetou suas vidas financeiras. Aqui estão alguns relatos.

“Eu ainda estava muito apreensiva quanto a pedir demissão”

Em junho de 2021, Natalie Hanson, 26 anos, deixou seu emprego em um jornal de sua cidade natal, Chico, na Califórnia, onde ela cobria o governo municipal, habitação e falta de moradia. O salário não era dos melhores, segundo Natalie, e ela enfrentava assédio on-line quase contínuo por causa dos temas sobre os quais escrevia. O preço psicológico tornou-se insuportável.

“Pago minhas contas desde o ensino médio. Trabalhei durante toda a faculdade”, disse Natalie. “Mas eu ainda estava muito apreensiva quanto a pedir demissão.”

Ela conseguiu um novo emprego em um jornal em Oakland, na Califórnia, com um salário melhor. Mas o custo de vida em Oakland era bem maior do que aquele com o qual Natalie estava acostumada em Chico, cerca de três horas ao norte da região da baía de São Francisco. O valor que pagava pelo aluguel mais que dobrou e o preço do seguro de seu carro aumentou.

Em maio, Natalie pediu demissão e passou a trabalhar como repórter no serviço de notícias jurídicas Courthouse News Service. Embora o novo emprego ofereça um salário melhor que o anterior, Natalie escreve artigos como freelance para organizações sem fins lucrativos locais e consegue uma renda extra de US$ 800 por mês, mas ela planeja se mudar para um apartamento mais barato na cidade até o fim do ano.

Valeu a pena?

Apesar dos transtornos, Natalie não se arrepende de sua decisão inicial de pedir demissão do emprego em Chico. Ela agora vive em uma região que adora.

“Não esperava poder viver na região da baía de São Francisco, trabalhando como jornalista, antes dos 30 anos”, disse ela. “Ficou bastante claro que existem possibilidades. No entanto, é preciso ser muito cuidadoso com as finanças.”

“Não paga as contas, mas é muito gratificante”

Susan Woodland, 67 anos, pediu demissão do emprego como diretora de coleções em um museu em Nova York em maio de 2020. Seu trabalho exigia muito trabalho administrativo, o que ela não gostava, e quando a pandemia surgiu, ela se viu tendo que decidir entre demitir outros funcionários de seu departamento ou deixar seu emprego. Ela escolheu a segunda opção.

Susan agora trabalha meio período como freelancer para museus, e pode lidar diretamente com as coleções deles, algo que ela acha muito gratificante. “Tem sido o melhor dos dois mundos. Posso definir meu próprio horário. Não paga as contas, mas é muito gratificante”, afirmou. Foi um tremendo alívio emocional sair do expediente de 9h às 17h, e ela agora tem “a liberdade de ganhar bem, bem menos dinheiro, mas seguindo as próprias regras”.

Ela também tem alguma renda com investimentos, o que ajuda a cobrir seus custos de vida. Susan sempre foi pertinaz em relação a economizar, mesmo quando era mais nova, e isso tem sido uma ajuda extra. “Sempre que recebia um pouco a mais – podia ser US$ 20 por semana –, meus pais diziam: ‘Guarde metade’. E eu sempre fiz isso”, afirmou.

O dinheiro está com certeza um pouco limitado agora, mas pedir demissão ainda valeu a pena, disse Susan.

“Eu sabia que estava sendo extremamente mal remunerada”

Para alguns, deixar o antigo emprego levou a uma recém-descoberta liberdade financeira. No ano passado, Maeve Connor, 35 anos, pediu demissão de seu trabalho como gerente de marketing em uma empresa com orçamento limitado de postos de serviços para caminhões. “Eu sabia que estava sendo extremamente mal remunerada”, disse Maeve, que mora em Portland, no Oregon. Ela também não conseguia se livrar da sensação de que queria ter uma carreira mais significativa, então começou a se candidatar a vagas de empregos.

Em pouco tempo, Maeve foi chamada para assumir o cargo de especialista em comunicação na Central City Concern, uma organização sem fins lucrativos local que ajuda pessoas em situação de rua, e agora ganha US$ 63 mil por ano. “Isso teve um impacto enorme na minha qualidade de vida”, disse ela. “Compro alimentos mais sofisticados agora. Tenho uma poupança com saldo considerável. Estou tentando descobrir se será possível algum dia comprar uma casa, o que nem sequer passava pela minha cabeça antes.”

Ela também tem conseguido pagar por aulas de direção (“Não teria condições de pagá-las com meu salário anterior, e descobri que sou muito ruim dirigindo, então preciso de um monte de aulas.”), comprou uma aliança para a esposa e uma viagem para Nova Orleans. “Não precisei me preocupar com dinheiro de forma alguma enquanto estávamos lá”, disse ela.

Maeve está satisfeita com a decisão de pedir demissão, sobretudo levando em consideração que a inflação fez os preços subirem e seu aluguel aumentou quase US$ 100 este mês. “Se eu ainda estivesse no meu antigo emprego, não sei como estaria lidando com essas coisas”, disse Maeve.

“Ainda não conseguimos digerir bem tudo isso”

Rachel Sobel, 53 anos, deixou seu emprego como diretora de comunicações em uma seguradora de saúde em fevereiro.

Rachel Sobel, 53 anos, deixou o emprego em uma seguradora. Foto: Evan Jenkins/The New York Times

Ela havia começado a trabalhar ali durante a pandemia, por isso estava se sentindo isolada no emprego, e depois de ser diagnosticada com uma doença autoimune, percebeu que não podia continuar no cargo. “Não me sinto bem durante muitas horas ao longo do dia, senti que estava abrindo mão de todas as que estava bem para trabalhar”, disse ela.

Rachel, que mora em Chicago, conseguiu passar a ser dependente do plano de saúde do marido, o que tornou possível pedir demissão. Segundo ela, o salário do marido mal dá para cobrir as despesas básicas, e coisas como férias, melhorias na casa ou gastos inesperados não são possíveis neste momento.

“Houve um pouco de arrependimento e pânico” no início, disse Rachel. De qualquer modo, ela não está 100% segura de como vão ficar as finanças do casal, “ainda não conseguimos digerir bem tudo isso”.

Agora, ela trabalha como freelancer, editando, escrevendo e dando consultoria, o que cobre parte, mas não completamente, de seu antigo salário. Até mesmo as despesas necessárias foram adiadas.

“Vivemos em uma casa construída há cem anos”, disse ela. “Sempre há algo que precisa ser feito, e tínhamos um cronograma de coisas para consertar, porém agora precisamos reavaliar isso.” Uma parte do teto do porão está começando a desmoronar, mas ela não tem dinheiro para consertá-lo agora, o que tem sido uma fonte de frustração.

Problemas que talvez no passado fossem apenas pequenos ajustes passaram a ser dores de cabeça hoje. “Meu carro está ficando mais velho e, se precisar de um conserto de US$1.000, pode ser que eu apenas o venda e abra mão de ter um automóvel”, disse ela.

Talvez o mais difícil seja o fato de sua filha ser uma estudante de pós-graduação que vive fora do estado e ela não poder mais visitá-la com a frequência de antes. “Enquanto antes eu podia facilmente viajar durante um fim de semana para visitá-la, fazer isso hoje seria um baque financeiro”, disse Rachel. Ela está tentando lançar um coletivo criativo com alguns colegas e espera aumentar sua renda, no mínimo, em 50% do que ganhava trabalhando em período integral.

Apesar de todos os novos desafios, pedir demissão valeu a pena para Rachel. Ela disse que se sentia uma pessoa mais feliz.

“Estou me exercitando de novo, cozinhando mais, cuidando do meu jardim, fazendo passeios mais longos com meu cachorro”, disse ela. “Eu me sinto melhor, física e mentalmente.”

Joshua Needelman contribuiu com esta reportagem.

TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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