Formada pelo ITA, a engenheira aeronáutica Claudia Massei tem um currículo invejável. Fala oito idiomas, tem MBA na escola de negócios mais antiga dos EUA e foi a única mulher estrangeira CEO no Oriente Médio, de 2018 a 2020, em Omã (país que faz fronteira com Emirados Árabes Unidos e Iêmen). Ainda no início da sua carreira, a executiva brasileira foi professora em um cursinho preparatório e conta que várias das habilidades que usa até hoje vieram da época de sala de aula.
Hoje ela atua como assessora do CEO global na unidade de negócios de motion control (controle de movimento) e é líder de transformação da empresa na Alemanha. Para ela, fornecer um ambiente onde as pessoas se sintam motivadas a tentar coisas é essencial para impulsionar o crescimento da companhia.
“Enquanto CEO, eu pensava a partir da ideia que eu trabalhava para os meus funcionários, eu estava ali para servir se algum deles tivesse um problema”, conta.
Confira trechos da entrevista:
Como foi o início da sua carreira?
Comecei minha carreira como professora de cursinho durante a faculdade de engenharia aeronáutica no ITA e eu acho que várias das habilidades que uso até hoje vieram da época de sala de aula. Em seguida, fiz um estágio de pesquisa na França, quando me encantei com a ideia de morar fora do país. Ao retornar ao Brasil, escolhi não seguir a engenharia e entrei na consultoria estratégica em São Paulo.
No segundo ano efetivada, tive uma chance de voltar para a França e depois para África do Sul participar de alguns projetos. Voltei para o Brasil e comecei a aplicar para o MBA em algumas escolas. Acabei indo para o Wharton, nos Estados Unidos, e fiz meu estágio de verão na Microsoft.
Nessa época, um rapaz do ITA que conheci na época em que eu estava indo para o MBA me escreveu falando que estava começando um projeto para fazer uma empresa de educação tecnológica e que ele precisava de investimento. Resolvi investir. Trabalhamos juntos nesse período, mas precisava de um emprego. Busquei algumas oportunidades, mas acabei escolhendo ir para a Siemens. A empresa me esperou por um ano e meio para eu ajustar a minha empresa e quem tocou foi meu sócio.
Quando entrei na Siemens , participei de um programa chamado CEO Program. Fiz rotações na Alemanha, Portugal, China, Alemanha, Dinamarca. Depois do programa, voltei para a Alemanha e então tive a chance, depois de um ano, de me chamarem para um processo seletivo para CEO em Omã. Passei e fiquei como CEO por 4 anos, de 2018 a 2020
Como dar aula ajudou profissionalmente?
Dar aula nada mais é do que você contar uma história com a ajuda de gráfico, de material visual. Quando eu dava aula, eu precisava preparar o storytelling. Eu precisava preparar a lousa de forma que fique tudo bonitinho do começo até o fim para o aluno que perdeu a aula por qualquer razão.
E isso é muito parecido com o trabalho em consultoria, porque você vai fazer uma apresentação para o seu cliente, você tem que ter uma história, você tem que ter todos os slides.
Na verdade, você está querendo provar um ponto ou você está querendo expor uma ideia e você precisa das partezinhas. Você tem que levar todo mundo para a mesma página e depois garantir que vai chegar ao seu objetivo, convencendo o público daquele ponto que você quer.
Como é o seu dia a dia de trabalho hoje?
Hoje em dia, ocupo a posição de assessora de um CEO global em uma unidade de negócios chamada Motion Control. Eu lido com diversos temas estratégicos, comunicação e programas especiais.
Além disso, participo ativamente do planejamento de reuniões, visitas e viagens, quando ocorrem. Sou também a líder de transformação na mesma unidade de negócios, cujo foco é promover uma transformação cultural, indo além do digital.
Nós gostamos de afirmar que já realizamos as transformações digitais nesta unidade de negócios, direcionando nossos esforços para a transformação cultural. O objetivo é justamente fazer as pessoas colaborarem mais umas com as outras aqui dentro.
Você foi uma das principais executivas do Oriente Médio no período em que liderou a Siemens em Omã. Como foi essa experiência?
Acho que as pessoas pensam que é mais diferente do que realmente é, tendo como referência do Brasil. Omã é o país mais simpático do Golfo Pérsico (região que inclui Irã, Emirados Árabes Unidos e outros países). Então eu não achei assim tão desafiador.
Claro que sendo mulher e sendo estrangeira, ajudou um pouco mais do que se eu fosse só mulher. Eu era é a única mulher estrangeira CEO no país, então as pessoas não sabiam exatamente onde me encaixar, mas foi mais fácil por eu ser CEO do que se eu fosse gerente, por exemplo, porque no fim das contas, eu era CEO antes de ser mulher.
Experimentei um choque cultural maior na Alemanha. Lá, as interações eram diretas; se você fazia uma pergunta e as pessoas não estavam interessadas, elas simplesmente diziam não na sua cara.
Em certo sentido, liderar uma equipe onde nem todos realizam o trabalho perfeitamente pode ser mais desafiador, mas também mais gratificante.
Tive a oportunidade de desempenhar um papel crucial, atuando como um filtro de qualidade, garantindo que detalhes importantes não fossem negligenciados.
Minha experiência em Omã foi muito valiosa, porque eu sentia que minha presença fazia diferença. Essa é uma das maiores vantagens: se eu não tivesse lá vendo aquele documento naquela hora, uma determinada cláusula do contrato teria passado e ninguém teria visto.
Quais características são essenciais para um líder?
De certa maneira tem o lado de você ganhar o respeito das pessoas. Talvez eu esteja falando isso pela minha experiência como mulher em lugares em que somos minoria, mas acho que você tem de ganhar respeito, e às vezes você ganha o respeito de pessoas diferentes de maneiras diferentes.
Tem as pessoas que vão valorizar um título acadêmico ou o fato de você ter atingido recorde de vendas em algum lugar. Então o negócio é você entender isso.
Basicamente você precisa personalizar sua mensagem no seu pitch (idéia, resumo breve) para cada pessoa, mas ao mesmo sem parecer muito arrogante, tentar explicar o que você fez que foi bom, mas sem parecer que você se acha superior aos outros.
Outro ponto importante é criar um ambiente de segurança psicológica. Em Omã minha porta ficava sempre aberta, porque quando eu queria falar algo confidencial eu falava em alemão e pronto, mas a minha porta era sempre aberta.
Na hora em que algum colaborador queria falar comigo, eu parava o que estava fazendo. Algumas pessoas por definição cultural tinham um certo receio de falar com a chefe. Então eu pensava que se tivesse uma pequena barreira que seja eles vão iam se privar de tentar falar comigo.
Você também tem de fazer as pessoas sentirem que você confia nelas. Então, por exemplo, às vezes a pessoa não sabe fazer uma coisa, mas você fala: ‘vai lá e tenta, e se der errado você volta aqui, a gente conversa então’.
Ela precisa saber que, se ela errar ou se estiver com algum problema, não haverá uma retaliação.
Quais são as dicas que você dá para quem quer chegar a um cargo de liderança?
Liderança tem a ver com cuidado das pessoas. Acho que diferentes pessoas têm diferentes motivações para estar à frente de uma equipe, mas acredito que a mais legítima delas é justamente você querer cuidar daquelas pessoas.
Cuidar pode ser em termos de ajudar a se desenvolver ou simplesmente ajudar a proteger e conseguir a atenção que o funcionário precisa ter nos seus projetos, por exemplo.
Além disso, fornecer esse ambiente para pessoas se sentirem motivadas a tentar coisas, porque acredito que isso que faz uma equipe crescer. E as pessoas não devem ter medo de tentar.
Então minha dica é você desenvolver sua capacidade de liderança pensando muito em como consigo fazer o melhor para as pessoas que estão abaixo de mim?
Enquanto CEO, eu pensava a partir da ideia que eu trabalhava para os meus funcionários, eu estava ali para servir se algum deles tivesse um problema.
Você precisa sempre se preocupar em como servir o time e em como fazer com que essas pessoas se tornem pessoas melhores. E como que você pode desenvolvê-las a ponto de que o conjunto cresça junto.