O lançamento do ChatGPT pela OpenAI, em novembro do ano passado, levou a uma verdadeira corrida entre as empresas de tecnologia para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de seus próprios sistemas de inteligência artificial (IA). As possibilidades abertas com o avanço da tecnologia vem levantando uma série de discussões, especialmente sobre o futuro do trabalho.
Sobre o tema, o diretor de ciência aplicada da Microsoft, Brent Hecht é enfático ao mencionar que colocar a tecnologia à frente das pessoas, sem considerar suas consequências para a sociedade, “não é a melhor estratégia”. Hecht é pesquisador, especializado em IA e com trabalhos que envolvem ética na computação e na identificação do que chamamos de viés algorítmico - quando sistemas fazem ações discriminatórias contra indivíduos. Ele ainda é professor na universidade de Northwestern University e, recentemente, palestrou sobre o tema na Brazil at Silicon Valley, evento organizado por estudantes das universidades de Stanford e Berkeley, que discute inovação e tecnologia com foco no Brasil.
Em entrevista ao Estadão, ele pontua a dificuldade de se fazer previsões certeiras sobre o futuro de profissões ou áreas de atuação, mas enfatiza a necessidade de se considerar os mais diferentes cenários para o futuro do trabalho. “Você diversifica as suas expectativas e se planeja para uma variedade de resultados diferentes”, recomenda. Ele compara as mudanças com a chegada do motor à combustão e da eletricidade, que mudaram a economia global por completo. “Incerteza é a primeira coisa a se abraçar. É uma resposta frustrante, mas acho que é a resposta primária e responsável”, diz.
O papel de Hecht é especialmente relevante em um momento que a Microsoft aposta muitas fichas no desenvolvimento de produtos com IA. Em janeiro, a empresa anunciou uma parceria com a OpenAI, dona do ChatGPT, que inclui o investimento de aproximadamente US$ 10 bilhões. Assim, os recursos do sistema começaram a ser integrados ao buscador da empresa, Bing, e ao navegador Microsoft Edge, no que pode ser um passo importante da companhia no momento que novas tecnologias de IA fazem cada vez mais parte do nosso dia a dia.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Quais seriam as principais implicações do avanço de inteligência artificial no futuro do trabalho?
Precisamos abraçar a modéstia, em frente ao processo complexo que envolve esta questão. Eu acho que agora, caso alguém tenha uma previsão muito forte ou que faça garantias sobre como o futuro do trabalho será daqui a cinco até dez anos, esta pessoa tem muita confiança. Não quer dizer que precisamos colocar as mãos para o alto e dizer que não tem nada que possamos fazer para nos preparar, mas é absolutamente essencial abraçar a incerteza e a complexidade do processo.
Vamos olhar através de todas as possibilidade e ter um entendimento de como algumas das mais prováveis consequências podem ser e debater o que isso significa para um determinado problema. O futuro do trabalho pode ser um pouco diferente, bem diferente ou completamente diferente. Depois, vamos olhar para como o trabalho funciona agora e considerar as capacidades de desenvolvimento desses novos sistemas de inteligência artificial e como podemos integrar eles com sucesso nos nossos esquemas de produtividade. Você diversifica as suas expectativas e se planeja para uma variedade de resultados diferentes.
É possível que os profissionais se preparem desde já para as transformações que a IA irá trazer para o mercado de trabalho?
Quando me perguntam isso, geralmente as pessoas falam de uma posição de medo. Medo da mudança, do que isso irá significar para seus planos de carreira, de não saber como aconselhar os filhos para terem sucesso nas suas próprias carreiras. Uma maneira poderosa de usarmos a abordagem que discutimos é mudar o pensamento das pessoas sobre preparação, potencializando os aspectos positivos disso e mitigando os aspectos negativos. Saindo de uma resposta emocional às mudanças para uma resposta lógica.
Nós temos vários precedentes históricos ao logo de todo esse espectro que podem nos ajudar a pensar o que fazer e como maximizar os benefícios dessa transição. A calculadora é um bom exemplo e nós vimos um número grande deles no passado, mesmo durante o nosso tempo de vida. Sim, é uma mudança grande, mas não muda fundamentalmente o valor dos humanos se engajando com algo por um longo período de tempo. Não vimos muito mudanças assim, mas a humanidade viu. Energia a vapor, eletricidade e o motor à combustão são exemplos disso. Essas foram mudanças muito grandes e substanciais na maneira como a economia funcionava.
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Não vai ser o melhor cenário para as pessoas se deixarmos a tecnologia fazer o que ela quiser fazer sem considerar as pessoas e a sociedade como um todo. Colocar a tecnologia em primeiro lugar e as pessoas em segundo não é a melhor estratégia. Há muita teoria de ciência social que podemos utilizar para tentar pensar sobre como podemos querer nos organizar melhor nas nossas vidas, famílias e empresas. Se uma pessoa do mundo dos negócios vem até mim dizendo que eles estão com medo do que está ocorrendo, eu direi a ela que ela sabe como lidar com essa quantidade de incerteza. Você diversifica as suas expectativas e se planeja para uma variedade de resultados diferentes.
Mas seria possível apontar alguma área ou tipo de atividade mais afetada?
Incerteza é a primeira coisa a se abraçar. É uma resposta frustrante, mas eu acho que é a resposta primária e responsável. De maneira abrangente, é aqueles que dizem algo diferente disso geralmente me trazem preocupação, por estarem fazendo previsões sobre processos que são muito complexos. Os processos sociais são tremendamente complexos e temos que ter um grande grau de modéstia aqui.
Mas uma abordagem que é mais útil para a necessidade de mais informações que as pessoas tem agora é das minhas colegas Sonia Jaffe e Nora Dillon, que aponta três frentem em que as tecnologias de IA nos ajudariam. Substituir coisas existentes que os humanos fazem, aumentar o que humanos conseguem fazer e a criatividade e inovação, onde há toda uma gama de novas tarefas que poderemos fazer. O legal disso é que a substituição é somente um terço e dois terços envolvem humanos sendo uma parte fundamental da equação. Eu peço desculpas por não poder dizer “não aposte nessa carreira específica”, mas é algo que eu não acho responsável de se dizer.
Há um instinto humano de rejeitar os passos das capacidades de substituição de novas tecnologias, sejam elas a IA, ou energia a vapor, ou o motor à combustão, ou coisas do tipo. Isso geralmente não tem sido a melhor rota a se seguir historicamente. Uma atitude muito mais construtiva pode ser como podemos usar isso para fazer mais rápido ou como posso usar isso para criar uma tremenda quantidade adicional de produtividade. Em último caso, se todas essas tecnologias realmente substituíssem o trabalho humano, teríamos um baixo potencial de aumentar a produtividade humana. Em comparação, nas categorias de aumento de produtividade ou invenções você tem um potencial muito maior.
Tivemos vozes importante argumentando em favor da desaceleração do desenvolvimento de novas tecnologias de IA para se ter mais tempo para compreender suas possíveis consequências na sociedade. Qual a sua visão e a da Microsoft sobre isso?
Estudo a relação entre IA e sociedade e como tentar melhorar essa relação ou ter certeza que maximizamos os benefícios da IA e diminuímos os pontos negativos. A Microsoft estava muito interessada em me contratar e em elevar a minha voz na companhia e não estou sozinho. Há muitas pessoas na empresa que pensam profundamente sobre essas questões. Eles me contrataram e ouviram um número grande de outros acadêmicos mundialmente renomados nesses tópicos, e esses acadêmicos estão definitivamente envolvidos nessas conversas. Meu trabalho é ter certeza de que os tomadores de decisão têm todas as informações que precisam para um entendimento preciso do que uma certa decisão pode significar.