O dia de trabalho da CEO Mônica Hauck, 44, começa muito cedo. Ela acorda entre 2h e 3h da madrugada e já lê e responde a e-mails. Mas não recomenda o estilo de vida e pretende mudar. “Tenho que conciliar os filhos com a empresa, é tudo junto e misturado. Brinco que é uma energia caótica que eu gosto. (...) Esse equilíbrio do jeito que as pessoas tentam nunca busquei. Busco ter a consciência de como é a dinâmica da vida”, conta em entrevista ao Estadão.
A executiva costuma dizer que aprendeu a gerir pessoas na trincheira. O estilo informal e intimista de liderar é uma das chaves para criar conexão com os quase 800 colaboradores que compõem a Sólides, empresa de tecnologia de Belo Horizonte (MG) que oferece soluções de RH para pequenas e médias empresas.
“O jogo que jogamos é um jogo de gente, e lidera quem conhece profundamente o ser humano”, diz a executiva, que teve uma trajetória diferenciada antes de ocupar a cadeira de CEO. Formada em história pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), fez faxina, vendeu produtos da Avon, trabalhou em museus e até em oficina mecânica. Logo depois da faculdade decidiu migrar para o empreendedorismo e montar uma startup de tecnologia (serviços de internet para o agronegócio) ao lado do marido, Alessandro Garcia.
Foi após esse test-drive que nasceu a Sólides, em meados de 2010. Mas foram altos e baixos até o negócio deslanchar. “Poderia ter acabado com a empresa no momento em que resolvi expandir. Fiz tudo errado”, conta ao relembrar o período em que quase quebrou a HRTech, em 2014.
O aprendizado virou combustível no comando de Hauck. Hoje, dez anos depois, ela assume a dupla função de empreender e liderar: a empresa comemora o recente aporte de R$ 530 milhões, e a CEO figura como uma das 100 pessoas mais inovadoras da América Latina, segundo a Bloomberg Línea.
Confira trechos da entrevista:
Como foi o início da sua carreira?
Comecei a trabalhar aos 14 anos fazendo faxina, vendi Natura, vendi Avon, dava meu jeito. Aos 18 anos, meu pai arrumou um emprego pra mim em uma oficina mecânica. Eu amei, foi superlegal, trabalhava na parte administrativa, mas na hora do almoço disponibilizavam alguns cursos para os mecânicos. Eu fazia todos os cursos, aprendi sobre injeção eletrônica. Teve até um curso que tinha um ranking e fiquei em primeiro lugar. Pouco tempo depois entrei na universidade federal. Por causa do horário, precisei abandonar.
Quando me formei em história, fui trabalhar na área de contabilidade de um banco, fiquei dois anos. De lá, saí para empreender.
Quando decidiu cursar história?
Nunca pensei em história como carreira. Estudei durante sete anos, fiz licenciatura e depois fiz uma pós em culturas políticas. Mas nunca entreguei currículo em uma escola. Fiz mais pelo conhecimento. Tinha muita vontade de aprender antropologia, sociologia e economia.
Na faculdade, trabalhei em museus e fiz estágios. Mas a verdade é que eu não me via exercendo. Lembro que tinha mais vocação para museu do que para sala de aula. Ficava na reserva técnica olhando aquelas esculturas, pinturas, quadros.
Nem imaginava que um dia trabalharia com tecnologia, muito menos que seria empreendedora. É impressionante como as coisas se conectam.
Como o empreendedorismo chegou na sua vida?
Eu me casei com o Ale (Alessandro Garcia, cofundador da Sólides) e ele tinha uma empresa (e-commerce). Saí de onde trabalhava para trabalhar com ele. A partir daí, dei a ideia de abrir uma empresa de tecnologia. Começamos assim, de uma forma um pouco instintiva, eu ia enxergando as oportunidades e encaminhando.
Essas vivências te ensinaram algo sobre liderança?
Aprendi tudo na trincheira, com as pessoas, errando e acertando. Nós somos frutos de tudo que vivemos. Mas não lembro de ter aprendido uma técnica de liderança. Contudo, a bagagem intelectual que adquiri me moldou. Por exemplo, hoje tenho que liderar quase 800 pessoas, a minha mente volta lá na faculdade de história quando estudava comportamentos coletivos para entender determinados fenômenos históricos.
O tempo todo pego exemplos da história para exercer minha liderança. Isso é bom e é ruim porque traz um olhar único. As pessoas falam: ‘Nossa, Mônica, você tem um ponto de vista que nunca tinha pensado’. Por outro lado, as coisas que são óbvias para mim não são óbvias para todo mundo. Porque não é algo que as pessoas leram ou aprenderam na faculdade de administração ou de psicologia.
Qual erro trouxe mais aprendizado para o seu jeito de liderar?
Foram vários, mas o principal que poderia ter acabado com a Sólides foi no momento em que resolvi expandir. Percebi que precisava expandir em termos de produto. Atualmente, a Sólides entrega uma solução completa para gestão de pessoas, mas ela não nasceu assim, nasceu entregando só a parte de mapeamento comportamental, isso lá em 2014.
Notei que, se quisesse realmente gerar impacto no mercado, tinha que entregar uma solução completa para as pequenas e médias empresas. Só que fiz tudo do jeito errado.
Primeira coisa que errei: em vez de ter aquela lógica de começar pequeno, quis começar grande demais. Chegou no meio do caminho, acabou o dinheiro. E aí aquela situação horrível de ter que mandar um monte de gente embora, de ter que negociar com fornecedor. Já estava casada e com filho, sem receber um centavo e ter de pegar empréstimo no banco para pagar o time. Foi muito difícil.
E o pior erro foi não ouvir o meu sócio. Fui extremamente arrogante e prepotente. O meu sócio estava do meu lado o tempo todo mostrando tudo que podia dar errado. Esse foi o maior aprendizado: olhei só para as minhas habilidades e não tive a sabedoria de ouvir uma opinião diferente da minha.
Tendemos a valorizar aquilo que temos. Como líder, imaginava que tinha que ser agressiva, arrojada e querer dominar o mundo. Se você é assim, tem que procurar alguém que é mais conservador, ponderado e racional para equilibrar as coisas. A partir do momento em que há uma pessoa trabalhando com você que é tão diferente e você não valoriza, está perdendo oportunidade de ser completo de verdade.
Depois disso também comecei a valorizar muito mais os times em que as pessoas são diferentes e que têm o perfil completamente diferente do meu. Isso abriu o meu olhar, nunca mais vou esquecer, carrego para a vida.
Existe alguma diferença entre a Mônica empreendedora e a Mônica líder?
Não é que existam diferenças, mas a cada vez que a sua empresa cresce, você tem que começar a pensar mais como acionista. Óbvio que a empreendedora, que é aquela que está vendo problema e resolvendo, está aqui todos os dias, mas precisei adicionar um repertório a mais, precisei pensar em coisas que não pensava antes: de governança, em termos de como perpetuar a própria sofisticação que o negócio vai exigindo ano após ano.
No início, você contrata aquela pessoa que um amigo indica, é tudo muito simples. Quando vai crescendo, tem que ter um processo bem definido. Começa a contratar executivos, menor aprendiz.
Preciso entender como liderar o executivo, mas também tenho que ter sensibilidade de como vou fazer a gestão, mesmo que não seja de forma direta, desse menor aprendiz que acabou de chegar.
É uma responsabilidade muito grande. Preciso criar um ambiente na Sólides no qual as pessoas cresçam e tenham uma relação positiva com o trabalho.
Defina seu estilo de liderança.
A resposta técnica é que existem quatro tipos de liderança: um estilo formal e informal, e a liderança mais dominante ou condescendente. O meu estilo de liderança é dominante e informal.
Significa que tenho pulso. Sou a líder que chama todo mundo, se precisar ter conversas difíceis, tenho. Se precisar falar não, eu falo não. Sou a pessoa que faz o que precisa ser feito.
Também sou informal, eu improviso. Consigo entrar rápido, mudar o que tem que mudar e de forma criativa. Envolve um jeito leve de gerir as pessoas.
Estou vendo que você está em uma sala integrada com o escritório, é a sua?
Não, essa é a de reunião. Para você ter ideia, até tenho uma sala teoricamente, mas ela está sempre ocupada por outras pessoas. Fico pouco na minha sala, gosto de ficar com a galera, ficar em uma sala fechada me incomoda bastante. Raramente uso minha sala, todo mundo usa a minha sala, menos eu (risadas). Gosto realmente de estar no meio para entender o que está acontecendo.
Essa coisa de estar junto é importante para mim. Não sou aquela líder que fica enfiada em uma sala. Gosto de estar em campo com o time.
Você assume um pouco dos dois mundos: empreender e liderar. Como faz para manter o equilíbrio entre vida pessoal e profissional?
Olha que engraçado, esses dias me fizeram essa pergunta lá no Instagram. E aí, falei: ‘gente, o que é equilíbrio? Porque acho que não tenho equilíbrio’. Então, até peguei o significado no dicionário, que diz: ‘é uma posição estável de um corpo sem oscilações, sem desvios’.
Sem chance de ter equilíbrio e sem chance de a vida de um empreendedor ser assim. A dinâmica da vida não funciona assim. Uma coisa que busco é ter paz e ter convicção das coisas que estou fazendo. E a certeza de que estou fazendo o certo e que estou colocando as coisas certas que têm prioridade maior para mim em primeiro lugar.
Muitas vezes, (equilibrar) a vida familiar com a vida profissional é difícil. Tenho que conciliar os filhos com a empresa, é tudo junto e misturado. Brinco que é uma energia caótica de que eu gosto.
As coisas não são lineares. Tem hora em que está tudo bem em casa. Então, sou a mamãe do ano! Quando olho para o lado, surge um problema na empresa, tenho que correr e olhar mais para a empresa.
Mas o que faz isso tudo isso ser tão gostoso e divertido? É ter a paz de que aquilo que é realmente importante você mantém preservado.
Como funciona?
Por exemplo, não abro mão dos meus filhos. Hoje mesmo meu filho mais novo está aqui brincando na colônia de férias da empresa, mas as férias são um desafio.
As crianças não estão na escola e eu fico: ‘Poxa vida, como posso organizar uma agenda para que eles tenham uma experiência legal com a família?’ Já virei para minha assistente e falei: ‘Vic, reduza umas reuniões porque preciso levar meu filho ao cinema’.
Não é uma coisa equilibrada, mas, quando sabemos o que é mais importante, conseguimos colocar na perspectiva correta. Então, ao longo dos anos dormi menos do que deveria, fiz até umas loucuras para dar conta de tudo. Muitas vezes, não dei conta de tudo, que é outra coisa importante.
Não me cobro para dar conta de tudo, sei que em alguns momentos alguns pratos vão cair. Mas está tudo certo, eu tenho paz, porque foi a decisão que tomei de ter uma carreira, de ter minha família e de ter a minha vida. Nós somos integrais, não dá para focar em uma coisa só.
Esse equilíbrio do jeito que as pessoas tentam nunca busquei. Busco ter a consciência de como é a dinâmica da vida.
Como é a sua rotina?
Vou te contar a verdade, você vai colocar uma legenda falando que não estou recomendando isso para ninguém. Durmo muito pouco, então acordo cedo, 2h/3h da manhã. Não quero que ninguém faça igual. Inclusive, quero conseguir mudar. Também durmo cedo. Deito 22 horas.
Às 2 horas da manhã estou pronta. Normalmente acordo, vou ler meus e-mails, respondo mensagens, depois vou fazer exercício físico.
Às 4 horas da manhã faço meu cardio. Às 6 horas vou para a academia. Às 7h termino a academia e volto para casa, vou tomar meu café, começo o dia de casa, dou um beijo nos filhotes que estão indo para escola.
Minha agenda é dinâmica, mas normalmente às 9 horas já estou na Sólides. E aí, não tem horário para ir embora, depende da demanda. Viajo bastante, pelo menos uma vez a cada 15 dias.
Tem dias em que fico na empresa até 20h. O que faço é tentar não sair muito tarde para poder ficar um pouco com a família.
Você costuma ter quantas reuniões diárias?
Em torno de sete reuniões por dia.
Qual conselho você deixa para as pessoas que assumem a dupla função de empreender e liderar?
A primeira é autoconhecimento. É saber do que você é capaz para o bem e para o mal. O que tem dentro de você que pode colocar tudo a perder? Em segundo lugar, o conhecimento do outro. Porque ninguém trabalha sozinho.
Existem pessoas que não querem ampliar a empresa porque não gostam de lidar com gente, mas os clientes são pessoas, o fornecedor é uma pessoa. Então, precisamos ter um conhecimento profundo de quem é o ser humano com quem nos relacionamos, seja ele um colaborador, sócio, fornecedor ou principalmente um cliente.
O jogo que jogamos é um jogo de gente, e lidera quem conhece profundamente o ser humano. Tenho uma obsessão assim de conhecer profundamente quem são as pessoas que estão trabalhando comigo, quem são os meus clientes, o que é valor para eles?
Esse conhecimento sobre o ser humano muda tudo, muda relacionamento, muda clima organizacional, muda resultado financeiro e muda as relações interpessoais. É isso que recomendo: conheça profundamente você e o outro.