Tenha ouvido de penico e procure as más notícias: conselhos de veterano que liderou Telemar e Sharp


Com passagem também pela Vale e outras empresas, o executivo Manoel Horácio conta os bastidores da trajetória profissional nesta edição da série ‘DNA da Liderança’

Por Jayanne Rodrigues
Atualização:
Foto: Leo Martins/Estadao
Entrevista comManoel HorácioEx-CEO da Telemar, Sharp e outras empresas

Do quintal de sua casa na zona sul da capital paulista onde vive com Maria Lúcia e Serena (pet da família), Manoel Horácio exibe a concretização de um sonho antigo: o próprio vinho, feito em um vinhedo localizado em Mendonza, região argentina de Cuyo. Mesmo com uma produção relativamente expressiva, cerca de 10 mil garrafas por ano, o negócio não é a razão que tornou Horácio um dos executivos mais renomados do País. Nascido em Portugal, ele migrou para o Brasil com os pais e os irmãos ainda na infância. Sem conexões, plano de carreira e influência familiar, Horácio alcançou cargos de liderança no mundo corporativo antes dos 30 anos.

Durante a trajetória profissional, o executivo não só foi cortejado por grandes empresas, como também ocupou o topo do alto escalão em corporações de bilhões. Suas passagens pelo Grupo Sharp, Ericsson, Banco Fator, Vale e Telemar (atual Oi) e outras empresas são marcadas por premiações, momentos solitários, conflitos com acionistas e situações que envolviam a vaidade de outros líderes.

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“Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo”, reflete em entrevista ao Estadão quase 23 anos depois do imbróglio que sucedeu a demissão na Telemar.

“A versão oficial causou desconfiança no mercado financeiro que via no executivo o homem que transformou a Telemar na menina dos olhos dos investidores e nos principais negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)”, comunicava matéria publicada no Estadão em 21 de julho de 2001, poucos dias após a saída do executivo.

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Manoel Horácio, 79, em sua casa na capital paulista.  Foto: Leo Martins/Estadao

O sucesso dos negócios não blindou Horácio da soberba presente nos círculos de poder. “Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2 a 3 horas por mês para ouvi-los antes de tomar uma decisão. Quantos você acha que me chamaram? Nenhum”, conta.

O dia a dia contrasta com o passado no mundo corporativo, o atual cotidiano inclui manhãs de leitura e uma rotina de exercícios para viver melhor com a doença de Parkinson: “Tenho medo de perder a voz”. Mas se um dia teve dificuldade em ter “ouvido de penico” para executivos, agora a agenda é disputada por recém-formados e veteranos do mercado para escutar seus conselhos.

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Nesta entrevista, publicada no dia em que celebra 79 anos, Manoel Horácio detalha episódios revelados em sua autobiografia “O Equilibrista” (Editora Almedina, 2023) e traz novos relatos da sua vida profissional. Confira:

O que resume a sua trajetória como líder?

Comecei minha carreira do zero, sem nenhuma influência familiar. Meu pai trabalhou a vida inteira, e não havia helicópteros ou conexões que me colocassem no topo das empresas. Conquistei tudo sozinho, subindo degrau por degrau, sem padrinhos ou facilidades. Para mim, isso é um verdadeiro exemplo de liderança.

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É sobre ser autêntico e consistente. Um verdadeiro líder deve ser ele mesmo o tempo todo, sem tentar ser alguém que não é. Existe um ditado que diz que você pode enganar muitas pessoas por um tempo, mas não todas o tempo todo.

Para ser um líder eficaz, é fundamental colocar o coração em tudo que se faz, ser íntegro e iluminado.

Essas características definem a sua liderança?

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Sim. Inclusive, me perguntaram se o perfil do líder de hoje é igual ao de antigamente. O líder é o líder, não mudou nada. É claro que, para ser líder hoje, o enfoque é outro. Você nota que a geração Z sai da faculdade e quer ser presidente de empresa, não gosta de ser avaliada, não pode ser mais tão firme, isso não é mais aceito, tem que ser politicamente correto.

Na realidade, os problemas são os mesmos: o líder tem que conhecer o mercado, o produto dele, qual o diferencial do produto e o que o vai fazer crescer. São as mesmas características, mas agora é mais difícil ser líder.

Por quê?

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Exatamente por causa do espírito das novas gerações. Ninguém quer ralar para crescer. A pessoa faz um trabalho razoável e acha que é maravilhoso.

No seu livro “O Equilibrista”, o sr. menciona que não nasceu líder, aprendeu levando muita “porrada” e por meio de cursos. Como foram esses processos de altos e baixos desde o seu primeiro cargo de liderança aos 26 anos?

No começo, você se acha o rei da cocada. Com o tempo, vai acumulando experiências e descobre que, por mais brilhante que seja como líder, a empresa é mais brilhante que uma única pessoa.

Por isso, que o líder tem de vender os seus sonhos. É vender sonhos no sentido de desafios e de conseguir criar algo novo. Quem faz as transformações e toca as melodias é a organização como um todo, não é apenas o líder.

Em todas as empresas em que trabalhei, quem fez a transformação foi a corporação. Enquanto líder, tive o papel de quebrar alguns credos quando achavam que algo não ia dar certo. Chamava para discutir o porquê determinada mudança poderia funcionar. É uma somatória de todos os envolvidos.

Edição de 18 de março de 1996 do Estadão apresentava as mudanças do Grupo Sharp sob o comando do executivo Manoel Horácio, que ocupava o cargo de presidente. Foto: Acervo Estadão

Foi difícil ser um vendedor de sonhos?

No início fazia na porrada: dizia que tinha que ser e ponto. Por exemplo, na década de 60, atuava no setor de cabos. Em um certo dia, quebraram três empilhadeiras onde ficavam os estoques. Vi aquela bagunça e chamei: “Minha gente, vocês não têm força? Vamos lá, vamos empurrar isso!”

Ajudei a empurrar. Mas tem algo que sempre defendi e tomei cuidado na minha liderança que é: não peço nada que eu não faria. Não quero benefícios para mim e esforço para os outros, dividia na mesma proporção.

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Quando se fala sobre salário, acho que o executivo não deve ter carro da companhia. Tem que ter um bom salário e bônus pelo que faz, o resto é igualzinho a todo mundo. Na hora de ir ao refeitório da companhia, se for de bandejão, que seja para todo mundo, inclusive o presidente.

Assim você começa a criar uma liderança mais forte porque ela participa das coisas de que os outros funcionários participam. Ele não tem nenhum privilégio por ser o presidente.

Dizem que quem faz o líder é a mãe. A minha mãe escolheu-me como líder entre os meus três irmãos. Ela sempre previu. Ela tinha uma visão impressionante, e tudo o que ela dizia que eu poderia alcançar, consegui aplicar no ambiente de trabalho.

Em outro trecho do livro, o sr. não recomenda que uma liderança passe mais de cinco anos na mesma empresa. Pensando no episódio de demissão da Telemar em 2001, em que ocupava o cargo de presidente, naquela época considerava que estava na hora de novos desafios?

Não, achava que tinha mais coisa para fazer. Naquela situação, existia uma visão estratégica dos acionistas diferente da minha. Do meu lado, queria melhorar a qualidade do serviço e do produto.

Já os controladores queriam usar a síndrome de “Wall Street”: mais resultado, mais dividendo e mais resultado. Porém, acreditava que precisava investir mais na qualidade. Mas acho que a minha saída foi na hora certa. Vou citar um trecho do poema Certeza, de Fernando Sabino:

“De tudo na vida, ficaram três coisas:

A certeza de que estamos sempre começando

A certeza de que precisamos continuar

A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar....”

Quando você está lá em cima, ganhando um bom dinheiro e fazendo um bom trabalho, não pensa que está na hora de mudar. Sempre acha que tem alguma coisinha para fazer, mas alguém interrompe.

Você já viu uma bailarina se esborrachar no chão e ficar no chão? Ela levanta e continua dançando. Se você me perguntar quantas vezes parei porque pensei que estava na hora, não sei dizer. Eu acreditava que podia fazer mais. As pessoas me diziam que eu era corajoso, não tinha medo. Bom, tenho medo. Corajoso é aquele que tem medo, avalia o risco e vai em frente.

Pode citar um exemplo?

Um dia o meu filho disse que não queria levar o lanche para a escola porque tinha um menino que roubava o lanche dele. Falei para dar uma porrada. Meu filho me mostrou que era menor, que alcançava na altura do peitoral do menino. Voltei atrás e disse para reclamar com a professora.

A análise de risco do meu filho estava perfeita, não adiantava brigar com um garoto que tinha o dobro da altura dele porque ia apanhar.

Com a liderança, não tem esse negócio de líder p*rr* louca. Tem que avaliar os riscos.

Então, quando falo em cinco anos, estou olhando meu protótipo. Quando você está em uma empresa liderando, trazendo novidades e criando coisas novas, depois de cinco anos, fica mais acomodado às pessoas e à organização.

Tem poucas pessoas que são longevas e conseguem se motivar o tempo todo. Eu consegui. O que me propus a fazer, fiz e fiz bem.

“Enxergar castelos onde os outros veem pedras”. Todo líder consegue ter essa habilidade que comenta no livro?

Se não consegue, não é um líder completo. Logo quando assumi um cargo de presidente na década de 90, conversei com cada diretor e gerente. Todo mundo se achava excelente na sua área. Era mais ou menos assim: o culpado é você na sua área, mas na minha área está tudo certo.

Achei aquilo gozado porque a empresa estava quebrando, e o somatório de cada área era excelente. Pensei em como formatar e juntar as pedras para a empresa dar certo.

O auditor reclamava violentamente do diretor financeiro. Então, tornei o auditor o diretor financeiro. O cara de compras reclamava da área de tecnologia. Também fiz a troca. É arriscado, mas funcionou.

A maioria das vezes em que fiz transformações nas empresas, não trouxe gente de fora, usei as próprias pessoas das empresas. O conhecimento está nessas pessoas. Se você manda muita gente embora, o teto fica baixo. Tem que construir a companhia com aqueles que ficaram.

Claro, quando a companhia der resultado, tem que melhorar bônus e salários. Tem empresário e companhia que pedem o sacrifício dos funcionários quando está quebrando, mas quando têm um bom lucro não distribui parte disso. Tem que ter coerência.

O sr. revelou que enfrentou episódios de ciúmes durante a trajetória profissional. Como lidar com a vaidade e a inveja no alto escalão?

Pergunta difícil. Primeiro, quando o líder é invejado na companhia, é preciso perguntar de que lado ele está. É do lado da companhia? Se não for, vá fazer algo que traz mais prazer, em que possa colocar o coração para ter sucesso.

A vaidade é um problema. Se a imprensa gosta de você, te põe lá no céu, e bota o outro lado no inferno.

Manoel Horácio

O líder também acaba achando que adquiriu o sobrenome da companhia e que os resultados foram graças a ele. Nunca achei isso, sempre agi com humildade. O líder tem que saber respeitar, ter ouvido de penico e capacidade de ouvir.

Quando existem muitos círculos de poder em uma empresa, costuma acontecer que nada de ruim chega ao presidente, só as coisas boas. Se por acaso as notícias ruins não chegam à presidência, há filtros que não estão permitindo que a informação suba.

Para evitar esse problema, a cada 15 dias fazia um café da manhã para o chão de fábrica, com office boy, operador de máquina e outros operários.

Ficava olhando para eles e ninguém dizia nada. Quebrava o silêncio falando de futebol. “Vocês viram o jogo do Flamengo?” Entrava exatamente no que eles costumavam discutir na segunda-feira.

Começava falando de futebol, depois partia para os problemas da empresa, informava o propósito e onde queríamos chegar. Aprendi muito com esse método.

Teve resultado?

Certo dia um operário que atuava no setor de cabos de internet me perguntou o que a empresa ia fazer com as 20 bobinas que estavam encostadas em uma ala.

Não tinha ideia disso, era um dinheirão parado. Questionei por que ele estava preocupado, e ele respondeu que estava apreensivo com o emprego.

Na primeira reunião com a diretoria, perguntei por que ninguém abria o jogo. Então, ouvi muita coisa do chão de fábrica que me ajudou a transformar a empresa.

Por isso, é preciso respeitar as pessoas independentemente do nível hierárquico e ter paciência de ouvir.

Tem um capítulo do seu livro chamado ‘quanto maior a altura, maior a queda’. O cargo de liderança é muito solitário?

Completamente solitário. O líder ouve todo mundo e tem que pegar o melhor de cada um. Porque na hora de tomar decisão não vai perguntar para o cara se é para adicionar a ou b, se ele concorda com isso ou se deve ser uma outra decisão.

No momento em que tomou uma decisão, todo mundo tem que estar no barco. Cada um deu pitaco, mas a decisão é do líder. É solitário.

Quando saí da Telemar, estava no topo do alto escalão, conhecia executivos renomados. Na época, achei que poderia ser - nem falo coach ou mentor -, mas um ouvido de penico para outros executivos.

Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2/3 horas por mês para ouvir o que eles queriam falar antes de tomar uma decisão.

Quantos você acha que me chamaram? Nenhum. Vaidade é fogo. Eles podiam até me admirar, mas se achavam melhor em suas respectivas posições.

Tentei fazer isso porque o momento da decisão é solitário. Por isso, é bom ter alguém para ouvir e que não tenha nada a ver com a organização.

É preciso ter uma humildade brutal quando se está em uma empresa de grande porte.

Manoel Horácio

Depois da saída, surge outro problema: não há muitos convites. Achavam que ganhava muito dinheiro. Então, as empresas não iam conseguir pagar o meu salário. Convites fabulosos? Não vinham.

Fazendo uma retrospectiva da sua carreira, tem algum arrependimento?

Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo. Mesmo nas empresas em que fui mandado embora, incluindo a Telemar, não me arrependo de ter ido. Também saí da Vale em um momento bom para mim, gostava de lá.

Mesmo quando disseram que entrei no formigueiro, na época em que migrei para a área financeira aos 57 anos na cadeira de presidente do Banco Fator, não me arrependo.

Manoel Horácio

Após a minha saída da Telemar e o período sabático de seis meses, liguei para a ex-headhunter Fátima Zorzato e perguntei se o fracasso viesse em um ano, estaria perdido profissionalmente ou conseguiria me empregar novamente? Ela disse que se eu pedisse demissão seria normal porque não era bem minha área.

Então, pensando em tudo, não me arrependi. Apesar de muitas vezes me perguntar o que estava fazendo em determinado lugar em meio a tanta pressão.

Manoel Horácio ao lado de Serena, filha pet da família.  Foto: Leo Martins/Estadao

Na época em que atuava como presidente na Telemar e até em outros momentos que assumiu diferentes cargos, conseguia manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional?

Hoje em dia, é difícil ficar longe do celular. Mas nunca me conectei no fim de semana para responder a e-mails. Sempre fui extremamente disciplinado. Lá na década de 60, saia às 17h da empresa e ainda ia para piscina com as crianças.

Existem dois tipos de seres humanos:

Aquele que se dedica e depende completamente da empresa, tem medo de ser mandado embora e acaba sendo meio chinfrim porque não tem coragem de ameaçar o sistema.

E tem o outro que o porto seguro dele é a família e a casa dele. Então, se for mandado embora, ele chega em casa e ainda é um herói.

Valeu a pena escrever meu livro só para ler o depoimento dos meus filhos Alexandre e Anacelia. O que eles escreveram responde bastante a essa pergunta.

“Enquanto ia lendo... Vejo a data e me lembro que você me levava para a escola. Jantávamos todos juntos... Finais de semana com piscina, carrinho de rolimã, churrasco, filme... Fui crescendo, mas nunca tive um pai ausente ou nervoso em casa. Não sei onde estava esse leão nos negócios. Em casa, sempre foi só o meu pai. O melhor do mundo”, escreveu a filha Anacelia.

Qual conselho deixa para executivos e executivas que ocupam cargos no alto escalão?

O primeiro é: ouça a organização. Não é possível que você tenha inúmeras diretorias, que estão há tanto tempo dentro da empresa, e não saibam mais que você, é impossível. Também diria para pular um nível abaixo e escutar a gerência.

Ouça a organização. E quando tomar uma decisão, comunique a empresa, seja transparente.

Manoel Horácio

Nunca falei uma mentira para a organização, às vezes dizia que não podia responder. Mas avisava que contaria quando fosse possível, mas nunca enganei.

Seja você o tempo todo, seja íntegro. Você não faz uma boa reputação falando mentiras para a organização.

Manoel Horácio em seu escritório, local em que costuma passar a maior parte do dia. Uma das paredes do cômodo reúne quadros, prêmios e manchetes de jornais.  Foto: Leo Martins/Estadao

Segundo Horácio, a essência de um líder pode ser capturada no poema que abre a autobiografia “O Equilibrista”, escrita por Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Leia abaixo:

“Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilhe, porque alta vive.”

Do quintal de sua casa na zona sul da capital paulista onde vive com Maria Lúcia e Serena (pet da família), Manoel Horácio exibe a concretização de um sonho antigo: o próprio vinho, feito em um vinhedo localizado em Mendonza, região argentina de Cuyo. Mesmo com uma produção relativamente expressiva, cerca de 10 mil garrafas por ano, o negócio não é a razão que tornou Horácio um dos executivos mais renomados do País. Nascido em Portugal, ele migrou para o Brasil com os pais e os irmãos ainda na infância. Sem conexões, plano de carreira e influência familiar, Horácio alcançou cargos de liderança no mundo corporativo antes dos 30 anos.

Durante a trajetória profissional, o executivo não só foi cortejado por grandes empresas, como também ocupou o topo do alto escalão em corporações de bilhões. Suas passagens pelo Grupo Sharp, Ericsson, Banco Fator, Vale e Telemar (atual Oi) e outras empresas são marcadas por premiações, momentos solitários, conflitos com acionistas e situações que envolviam a vaidade de outros líderes.

“Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo”, reflete em entrevista ao Estadão quase 23 anos depois do imbróglio que sucedeu a demissão na Telemar.

“A versão oficial causou desconfiança no mercado financeiro que via no executivo o homem que transformou a Telemar na menina dos olhos dos investidores e nos principais negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)”, comunicava matéria publicada no Estadão em 21 de julho de 2001, poucos dias após a saída do executivo.

Manoel Horácio, 79, em sua casa na capital paulista.  Foto: Leo Martins/Estadao

O sucesso dos negócios não blindou Horácio da soberba presente nos círculos de poder. “Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2 a 3 horas por mês para ouvi-los antes de tomar uma decisão. Quantos você acha que me chamaram? Nenhum”, conta.

O dia a dia contrasta com o passado no mundo corporativo, o atual cotidiano inclui manhãs de leitura e uma rotina de exercícios para viver melhor com a doença de Parkinson: “Tenho medo de perder a voz”. Mas se um dia teve dificuldade em ter “ouvido de penico” para executivos, agora a agenda é disputada por recém-formados e veteranos do mercado para escutar seus conselhos.

Nesta entrevista, publicada no dia em que celebra 79 anos, Manoel Horácio detalha episódios revelados em sua autobiografia “O Equilibrista” (Editora Almedina, 2023) e traz novos relatos da sua vida profissional. Confira:

O que resume a sua trajetória como líder?

Comecei minha carreira do zero, sem nenhuma influência familiar. Meu pai trabalhou a vida inteira, e não havia helicópteros ou conexões que me colocassem no topo das empresas. Conquistei tudo sozinho, subindo degrau por degrau, sem padrinhos ou facilidades. Para mim, isso é um verdadeiro exemplo de liderança.

É sobre ser autêntico e consistente. Um verdadeiro líder deve ser ele mesmo o tempo todo, sem tentar ser alguém que não é. Existe um ditado que diz que você pode enganar muitas pessoas por um tempo, mas não todas o tempo todo.

Para ser um líder eficaz, é fundamental colocar o coração em tudo que se faz, ser íntegro e iluminado.

Essas características definem a sua liderança?

Sim. Inclusive, me perguntaram se o perfil do líder de hoje é igual ao de antigamente. O líder é o líder, não mudou nada. É claro que, para ser líder hoje, o enfoque é outro. Você nota que a geração Z sai da faculdade e quer ser presidente de empresa, não gosta de ser avaliada, não pode ser mais tão firme, isso não é mais aceito, tem que ser politicamente correto.

Na realidade, os problemas são os mesmos: o líder tem que conhecer o mercado, o produto dele, qual o diferencial do produto e o que o vai fazer crescer. São as mesmas características, mas agora é mais difícil ser líder.

Por quê?

Exatamente por causa do espírito das novas gerações. Ninguém quer ralar para crescer. A pessoa faz um trabalho razoável e acha que é maravilhoso.

No seu livro “O Equilibrista”, o sr. menciona que não nasceu líder, aprendeu levando muita “porrada” e por meio de cursos. Como foram esses processos de altos e baixos desde o seu primeiro cargo de liderança aos 26 anos?

No começo, você se acha o rei da cocada. Com o tempo, vai acumulando experiências e descobre que, por mais brilhante que seja como líder, a empresa é mais brilhante que uma única pessoa.

Por isso, que o líder tem de vender os seus sonhos. É vender sonhos no sentido de desafios e de conseguir criar algo novo. Quem faz as transformações e toca as melodias é a organização como um todo, não é apenas o líder.

Em todas as empresas em que trabalhei, quem fez a transformação foi a corporação. Enquanto líder, tive o papel de quebrar alguns credos quando achavam que algo não ia dar certo. Chamava para discutir o porquê determinada mudança poderia funcionar. É uma somatória de todos os envolvidos.

Edição de 18 de março de 1996 do Estadão apresentava as mudanças do Grupo Sharp sob o comando do executivo Manoel Horácio, que ocupava o cargo de presidente. Foto: Acervo Estadão

Foi difícil ser um vendedor de sonhos?

No início fazia na porrada: dizia que tinha que ser e ponto. Por exemplo, na década de 60, atuava no setor de cabos. Em um certo dia, quebraram três empilhadeiras onde ficavam os estoques. Vi aquela bagunça e chamei: “Minha gente, vocês não têm força? Vamos lá, vamos empurrar isso!”

Ajudei a empurrar. Mas tem algo que sempre defendi e tomei cuidado na minha liderança que é: não peço nada que eu não faria. Não quero benefícios para mim e esforço para os outros, dividia na mesma proporção.

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Quando se fala sobre salário, acho que o executivo não deve ter carro da companhia. Tem que ter um bom salário e bônus pelo que faz, o resto é igualzinho a todo mundo. Na hora de ir ao refeitório da companhia, se for de bandejão, que seja para todo mundo, inclusive o presidente.

Assim você começa a criar uma liderança mais forte porque ela participa das coisas de que os outros funcionários participam. Ele não tem nenhum privilégio por ser o presidente.

Dizem que quem faz o líder é a mãe. A minha mãe escolheu-me como líder entre os meus três irmãos. Ela sempre previu. Ela tinha uma visão impressionante, e tudo o que ela dizia que eu poderia alcançar, consegui aplicar no ambiente de trabalho.

Em outro trecho do livro, o sr. não recomenda que uma liderança passe mais de cinco anos na mesma empresa. Pensando no episódio de demissão da Telemar em 2001, em que ocupava o cargo de presidente, naquela época considerava que estava na hora de novos desafios?

Não, achava que tinha mais coisa para fazer. Naquela situação, existia uma visão estratégica dos acionistas diferente da minha. Do meu lado, queria melhorar a qualidade do serviço e do produto.

Já os controladores queriam usar a síndrome de “Wall Street”: mais resultado, mais dividendo e mais resultado. Porém, acreditava que precisava investir mais na qualidade. Mas acho que a minha saída foi na hora certa. Vou citar um trecho do poema Certeza, de Fernando Sabino:

“De tudo na vida, ficaram três coisas:

A certeza de que estamos sempre começando

A certeza de que precisamos continuar

A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar....”

Quando você está lá em cima, ganhando um bom dinheiro e fazendo um bom trabalho, não pensa que está na hora de mudar. Sempre acha que tem alguma coisinha para fazer, mas alguém interrompe.

Você já viu uma bailarina se esborrachar no chão e ficar no chão? Ela levanta e continua dançando. Se você me perguntar quantas vezes parei porque pensei que estava na hora, não sei dizer. Eu acreditava que podia fazer mais. As pessoas me diziam que eu era corajoso, não tinha medo. Bom, tenho medo. Corajoso é aquele que tem medo, avalia o risco e vai em frente.

Pode citar um exemplo?

Um dia o meu filho disse que não queria levar o lanche para a escola porque tinha um menino que roubava o lanche dele. Falei para dar uma porrada. Meu filho me mostrou que era menor, que alcançava na altura do peitoral do menino. Voltei atrás e disse para reclamar com a professora.

A análise de risco do meu filho estava perfeita, não adiantava brigar com um garoto que tinha o dobro da altura dele porque ia apanhar.

Com a liderança, não tem esse negócio de líder p*rr* louca. Tem que avaliar os riscos.

Então, quando falo em cinco anos, estou olhando meu protótipo. Quando você está em uma empresa liderando, trazendo novidades e criando coisas novas, depois de cinco anos, fica mais acomodado às pessoas e à organização.

Tem poucas pessoas que são longevas e conseguem se motivar o tempo todo. Eu consegui. O que me propus a fazer, fiz e fiz bem.

“Enxergar castelos onde os outros veem pedras”. Todo líder consegue ter essa habilidade que comenta no livro?

Se não consegue, não é um líder completo. Logo quando assumi um cargo de presidente na década de 90, conversei com cada diretor e gerente. Todo mundo se achava excelente na sua área. Era mais ou menos assim: o culpado é você na sua área, mas na minha área está tudo certo.

Achei aquilo gozado porque a empresa estava quebrando, e o somatório de cada área era excelente. Pensei em como formatar e juntar as pedras para a empresa dar certo.

O auditor reclamava violentamente do diretor financeiro. Então, tornei o auditor o diretor financeiro. O cara de compras reclamava da área de tecnologia. Também fiz a troca. É arriscado, mas funcionou.

A maioria das vezes em que fiz transformações nas empresas, não trouxe gente de fora, usei as próprias pessoas das empresas. O conhecimento está nessas pessoas. Se você manda muita gente embora, o teto fica baixo. Tem que construir a companhia com aqueles que ficaram.

Claro, quando a companhia der resultado, tem que melhorar bônus e salários. Tem empresário e companhia que pedem o sacrifício dos funcionários quando está quebrando, mas quando têm um bom lucro não distribui parte disso. Tem que ter coerência.

O sr. revelou que enfrentou episódios de ciúmes durante a trajetória profissional. Como lidar com a vaidade e a inveja no alto escalão?

Pergunta difícil. Primeiro, quando o líder é invejado na companhia, é preciso perguntar de que lado ele está. É do lado da companhia? Se não for, vá fazer algo que traz mais prazer, em que possa colocar o coração para ter sucesso.

A vaidade é um problema. Se a imprensa gosta de você, te põe lá no céu, e bota o outro lado no inferno.

Manoel Horácio

O líder também acaba achando que adquiriu o sobrenome da companhia e que os resultados foram graças a ele. Nunca achei isso, sempre agi com humildade. O líder tem que saber respeitar, ter ouvido de penico e capacidade de ouvir.

Quando existem muitos círculos de poder em uma empresa, costuma acontecer que nada de ruim chega ao presidente, só as coisas boas. Se por acaso as notícias ruins não chegam à presidência, há filtros que não estão permitindo que a informação suba.

Para evitar esse problema, a cada 15 dias fazia um café da manhã para o chão de fábrica, com office boy, operador de máquina e outros operários.

Ficava olhando para eles e ninguém dizia nada. Quebrava o silêncio falando de futebol. “Vocês viram o jogo do Flamengo?” Entrava exatamente no que eles costumavam discutir na segunda-feira.

Começava falando de futebol, depois partia para os problemas da empresa, informava o propósito e onde queríamos chegar. Aprendi muito com esse método.

Teve resultado?

Certo dia um operário que atuava no setor de cabos de internet me perguntou o que a empresa ia fazer com as 20 bobinas que estavam encostadas em uma ala.

Não tinha ideia disso, era um dinheirão parado. Questionei por que ele estava preocupado, e ele respondeu que estava apreensivo com o emprego.

Na primeira reunião com a diretoria, perguntei por que ninguém abria o jogo. Então, ouvi muita coisa do chão de fábrica que me ajudou a transformar a empresa.

Por isso, é preciso respeitar as pessoas independentemente do nível hierárquico e ter paciência de ouvir.

Tem um capítulo do seu livro chamado ‘quanto maior a altura, maior a queda’. O cargo de liderança é muito solitário?

Completamente solitário. O líder ouve todo mundo e tem que pegar o melhor de cada um. Porque na hora de tomar decisão não vai perguntar para o cara se é para adicionar a ou b, se ele concorda com isso ou se deve ser uma outra decisão.

No momento em que tomou uma decisão, todo mundo tem que estar no barco. Cada um deu pitaco, mas a decisão é do líder. É solitário.

Quando saí da Telemar, estava no topo do alto escalão, conhecia executivos renomados. Na época, achei que poderia ser - nem falo coach ou mentor -, mas um ouvido de penico para outros executivos.

Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2/3 horas por mês para ouvir o que eles queriam falar antes de tomar uma decisão.

Quantos você acha que me chamaram? Nenhum. Vaidade é fogo. Eles podiam até me admirar, mas se achavam melhor em suas respectivas posições.

Tentei fazer isso porque o momento da decisão é solitário. Por isso, é bom ter alguém para ouvir e que não tenha nada a ver com a organização.

É preciso ter uma humildade brutal quando se está em uma empresa de grande porte.

Manoel Horácio

Depois da saída, surge outro problema: não há muitos convites. Achavam que ganhava muito dinheiro. Então, as empresas não iam conseguir pagar o meu salário. Convites fabulosos? Não vinham.

Fazendo uma retrospectiva da sua carreira, tem algum arrependimento?

Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo. Mesmo nas empresas em que fui mandado embora, incluindo a Telemar, não me arrependo de ter ido. Também saí da Vale em um momento bom para mim, gostava de lá.

Mesmo quando disseram que entrei no formigueiro, na época em que migrei para a área financeira aos 57 anos na cadeira de presidente do Banco Fator, não me arrependo.

Manoel Horácio

Após a minha saída da Telemar e o período sabático de seis meses, liguei para a ex-headhunter Fátima Zorzato e perguntei se o fracasso viesse em um ano, estaria perdido profissionalmente ou conseguiria me empregar novamente? Ela disse que se eu pedisse demissão seria normal porque não era bem minha área.

Então, pensando em tudo, não me arrependi. Apesar de muitas vezes me perguntar o que estava fazendo em determinado lugar em meio a tanta pressão.

Manoel Horácio ao lado de Serena, filha pet da família.  Foto: Leo Martins/Estadao

Na época em que atuava como presidente na Telemar e até em outros momentos que assumiu diferentes cargos, conseguia manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional?

Hoje em dia, é difícil ficar longe do celular. Mas nunca me conectei no fim de semana para responder a e-mails. Sempre fui extremamente disciplinado. Lá na década de 60, saia às 17h da empresa e ainda ia para piscina com as crianças.

Existem dois tipos de seres humanos:

Aquele que se dedica e depende completamente da empresa, tem medo de ser mandado embora e acaba sendo meio chinfrim porque não tem coragem de ameaçar o sistema.

E tem o outro que o porto seguro dele é a família e a casa dele. Então, se for mandado embora, ele chega em casa e ainda é um herói.

Valeu a pena escrever meu livro só para ler o depoimento dos meus filhos Alexandre e Anacelia. O que eles escreveram responde bastante a essa pergunta.

“Enquanto ia lendo... Vejo a data e me lembro que você me levava para a escola. Jantávamos todos juntos... Finais de semana com piscina, carrinho de rolimã, churrasco, filme... Fui crescendo, mas nunca tive um pai ausente ou nervoso em casa. Não sei onde estava esse leão nos negócios. Em casa, sempre foi só o meu pai. O melhor do mundo”, escreveu a filha Anacelia.

Qual conselho deixa para executivos e executivas que ocupam cargos no alto escalão?

O primeiro é: ouça a organização. Não é possível que você tenha inúmeras diretorias, que estão há tanto tempo dentro da empresa, e não saibam mais que você, é impossível. Também diria para pular um nível abaixo e escutar a gerência.

Ouça a organização. E quando tomar uma decisão, comunique a empresa, seja transparente.

Manoel Horácio

Nunca falei uma mentira para a organização, às vezes dizia que não podia responder. Mas avisava que contaria quando fosse possível, mas nunca enganei.

Seja você o tempo todo, seja íntegro. Você não faz uma boa reputação falando mentiras para a organização.

Manoel Horácio em seu escritório, local em que costuma passar a maior parte do dia. Uma das paredes do cômodo reúne quadros, prêmios e manchetes de jornais.  Foto: Leo Martins/Estadao

Segundo Horácio, a essência de um líder pode ser capturada no poema que abre a autobiografia “O Equilibrista”, escrita por Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Leia abaixo:

“Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilhe, porque alta vive.”

Do quintal de sua casa na zona sul da capital paulista onde vive com Maria Lúcia e Serena (pet da família), Manoel Horácio exibe a concretização de um sonho antigo: o próprio vinho, feito em um vinhedo localizado em Mendonza, região argentina de Cuyo. Mesmo com uma produção relativamente expressiva, cerca de 10 mil garrafas por ano, o negócio não é a razão que tornou Horácio um dos executivos mais renomados do País. Nascido em Portugal, ele migrou para o Brasil com os pais e os irmãos ainda na infância. Sem conexões, plano de carreira e influência familiar, Horácio alcançou cargos de liderança no mundo corporativo antes dos 30 anos.

Durante a trajetória profissional, o executivo não só foi cortejado por grandes empresas, como também ocupou o topo do alto escalão em corporações de bilhões. Suas passagens pelo Grupo Sharp, Ericsson, Banco Fator, Vale e Telemar (atual Oi) e outras empresas são marcadas por premiações, momentos solitários, conflitos com acionistas e situações que envolviam a vaidade de outros líderes.

“Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo”, reflete em entrevista ao Estadão quase 23 anos depois do imbróglio que sucedeu a demissão na Telemar.

“A versão oficial causou desconfiança no mercado financeiro que via no executivo o homem que transformou a Telemar na menina dos olhos dos investidores e nos principais negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)”, comunicava matéria publicada no Estadão em 21 de julho de 2001, poucos dias após a saída do executivo.

Manoel Horácio, 79, em sua casa na capital paulista.  Foto: Leo Martins/Estadao

O sucesso dos negócios não blindou Horácio da soberba presente nos círculos de poder. “Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2 a 3 horas por mês para ouvi-los antes de tomar uma decisão. Quantos você acha que me chamaram? Nenhum”, conta.

O dia a dia contrasta com o passado no mundo corporativo, o atual cotidiano inclui manhãs de leitura e uma rotina de exercícios para viver melhor com a doença de Parkinson: “Tenho medo de perder a voz”. Mas se um dia teve dificuldade em ter “ouvido de penico” para executivos, agora a agenda é disputada por recém-formados e veteranos do mercado para escutar seus conselhos.

Nesta entrevista, publicada no dia em que celebra 79 anos, Manoel Horácio detalha episódios revelados em sua autobiografia “O Equilibrista” (Editora Almedina, 2023) e traz novos relatos da sua vida profissional. Confira:

O que resume a sua trajetória como líder?

Comecei minha carreira do zero, sem nenhuma influência familiar. Meu pai trabalhou a vida inteira, e não havia helicópteros ou conexões que me colocassem no topo das empresas. Conquistei tudo sozinho, subindo degrau por degrau, sem padrinhos ou facilidades. Para mim, isso é um verdadeiro exemplo de liderança.

É sobre ser autêntico e consistente. Um verdadeiro líder deve ser ele mesmo o tempo todo, sem tentar ser alguém que não é. Existe um ditado que diz que você pode enganar muitas pessoas por um tempo, mas não todas o tempo todo.

Para ser um líder eficaz, é fundamental colocar o coração em tudo que se faz, ser íntegro e iluminado.

Essas características definem a sua liderança?

Sim. Inclusive, me perguntaram se o perfil do líder de hoje é igual ao de antigamente. O líder é o líder, não mudou nada. É claro que, para ser líder hoje, o enfoque é outro. Você nota que a geração Z sai da faculdade e quer ser presidente de empresa, não gosta de ser avaliada, não pode ser mais tão firme, isso não é mais aceito, tem que ser politicamente correto.

Na realidade, os problemas são os mesmos: o líder tem que conhecer o mercado, o produto dele, qual o diferencial do produto e o que o vai fazer crescer. São as mesmas características, mas agora é mais difícil ser líder.

Por quê?

Exatamente por causa do espírito das novas gerações. Ninguém quer ralar para crescer. A pessoa faz um trabalho razoável e acha que é maravilhoso.

No seu livro “O Equilibrista”, o sr. menciona que não nasceu líder, aprendeu levando muita “porrada” e por meio de cursos. Como foram esses processos de altos e baixos desde o seu primeiro cargo de liderança aos 26 anos?

No começo, você se acha o rei da cocada. Com o tempo, vai acumulando experiências e descobre que, por mais brilhante que seja como líder, a empresa é mais brilhante que uma única pessoa.

Por isso, que o líder tem de vender os seus sonhos. É vender sonhos no sentido de desafios e de conseguir criar algo novo. Quem faz as transformações e toca as melodias é a organização como um todo, não é apenas o líder.

Em todas as empresas em que trabalhei, quem fez a transformação foi a corporação. Enquanto líder, tive o papel de quebrar alguns credos quando achavam que algo não ia dar certo. Chamava para discutir o porquê determinada mudança poderia funcionar. É uma somatória de todos os envolvidos.

Edição de 18 de março de 1996 do Estadão apresentava as mudanças do Grupo Sharp sob o comando do executivo Manoel Horácio, que ocupava o cargo de presidente. Foto: Acervo Estadão

Foi difícil ser um vendedor de sonhos?

No início fazia na porrada: dizia que tinha que ser e ponto. Por exemplo, na década de 60, atuava no setor de cabos. Em um certo dia, quebraram três empilhadeiras onde ficavam os estoques. Vi aquela bagunça e chamei: “Minha gente, vocês não têm força? Vamos lá, vamos empurrar isso!”

Ajudei a empurrar. Mas tem algo que sempre defendi e tomei cuidado na minha liderança que é: não peço nada que eu não faria. Não quero benefícios para mim e esforço para os outros, dividia na mesma proporção.

custom_embed - assets

Quando se fala sobre salário, acho que o executivo não deve ter carro da companhia. Tem que ter um bom salário e bônus pelo que faz, o resto é igualzinho a todo mundo. Na hora de ir ao refeitório da companhia, se for de bandejão, que seja para todo mundo, inclusive o presidente.

Assim você começa a criar uma liderança mais forte porque ela participa das coisas de que os outros funcionários participam. Ele não tem nenhum privilégio por ser o presidente.

Dizem que quem faz o líder é a mãe. A minha mãe escolheu-me como líder entre os meus três irmãos. Ela sempre previu. Ela tinha uma visão impressionante, e tudo o que ela dizia que eu poderia alcançar, consegui aplicar no ambiente de trabalho.

Em outro trecho do livro, o sr. não recomenda que uma liderança passe mais de cinco anos na mesma empresa. Pensando no episódio de demissão da Telemar em 2001, em que ocupava o cargo de presidente, naquela época considerava que estava na hora de novos desafios?

Não, achava que tinha mais coisa para fazer. Naquela situação, existia uma visão estratégica dos acionistas diferente da minha. Do meu lado, queria melhorar a qualidade do serviço e do produto.

Já os controladores queriam usar a síndrome de “Wall Street”: mais resultado, mais dividendo e mais resultado. Porém, acreditava que precisava investir mais na qualidade. Mas acho que a minha saída foi na hora certa. Vou citar um trecho do poema Certeza, de Fernando Sabino:

“De tudo na vida, ficaram três coisas:

A certeza de que estamos sempre começando

A certeza de que precisamos continuar

A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar....”

Quando você está lá em cima, ganhando um bom dinheiro e fazendo um bom trabalho, não pensa que está na hora de mudar. Sempre acha que tem alguma coisinha para fazer, mas alguém interrompe.

Você já viu uma bailarina se esborrachar no chão e ficar no chão? Ela levanta e continua dançando. Se você me perguntar quantas vezes parei porque pensei que estava na hora, não sei dizer. Eu acreditava que podia fazer mais. As pessoas me diziam que eu era corajoso, não tinha medo. Bom, tenho medo. Corajoso é aquele que tem medo, avalia o risco e vai em frente.

Pode citar um exemplo?

Um dia o meu filho disse que não queria levar o lanche para a escola porque tinha um menino que roubava o lanche dele. Falei para dar uma porrada. Meu filho me mostrou que era menor, que alcançava na altura do peitoral do menino. Voltei atrás e disse para reclamar com a professora.

A análise de risco do meu filho estava perfeita, não adiantava brigar com um garoto que tinha o dobro da altura dele porque ia apanhar.

Com a liderança, não tem esse negócio de líder p*rr* louca. Tem que avaliar os riscos.

Então, quando falo em cinco anos, estou olhando meu protótipo. Quando você está em uma empresa liderando, trazendo novidades e criando coisas novas, depois de cinco anos, fica mais acomodado às pessoas e à organização.

Tem poucas pessoas que são longevas e conseguem se motivar o tempo todo. Eu consegui. O que me propus a fazer, fiz e fiz bem.

“Enxergar castelos onde os outros veem pedras”. Todo líder consegue ter essa habilidade que comenta no livro?

Se não consegue, não é um líder completo. Logo quando assumi um cargo de presidente na década de 90, conversei com cada diretor e gerente. Todo mundo se achava excelente na sua área. Era mais ou menos assim: o culpado é você na sua área, mas na minha área está tudo certo.

Achei aquilo gozado porque a empresa estava quebrando, e o somatório de cada área era excelente. Pensei em como formatar e juntar as pedras para a empresa dar certo.

O auditor reclamava violentamente do diretor financeiro. Então, tornei o auditor o diretor financeiro. O cara de compras reclamava da área de tecnologia. Também fiz a troca. É arriscado, mas funcionou.

A maioria das vezes em que fiz transformações nas empresas, não trouxe gente de fora, usei as próprias pessoas das empresas. O conhecimento está nessas pessoas. Se você manda muita gente embora, o teto fica baixo. Tem que construir a companhia com aqueles que ficaram.

Claro, quando a companhia der resultado, tem que melhorar bônus e salários. Tem empresário e companhia que pedem o sacrifício dos funcionários quando está quebrando, mas quando têm um bom lucro não distribui parte disso. Tem que ter coerência.

O sr. revelou que enfrentou episódios de ciúmes durante a trajetória profissional. Como lidar com a vaidade e a inveja no alto escalão?

Pergunta difícil. Primeiro, quando o líder é invejado na companhia, é preciso perguntar de que lado ele está. É do lado da companhia? Se não for, vá fazer algo que traz mais prazer, em que possa colocar o coração para ter sucesso.

A vaidade é um problema. Se a imprensa gosta de você, te põe lá no céu, e bota o outro lado no inferno.

Manoel Horácio

O líder também acaba achando que adquiriu o sobrenome da companhia e que os resultados foram graças a ele. Nunca achei isso, sempre agi com humildade. O líder tem que saber respeitar, ter ouvido de penico e capacidade de ouvir.

Quando existem muitos círculos de poder em uma empresa, costuma acontecer que nada de ruim chega ao presidente, só as coisas boas. Se por acaso as notícias ruins não chegam à presidência, há filtros que não estão permitindo que a informação suba.

Para evitar esse problema, a cada 15 dias fazia um café da manhã para o chão de fábrica, com office boy, operador de máquina e outros operários.

Ficava olhando para eles e ninguém dizia nada. Quebrava o silêncio falando de futebol. “Vocês viram o jogo do Flamengo?” Entrava exatamente no que eles costumavam discutir na segunda-feira.

Começava falando de futebol, depois partia para os problemas da empresa, informava o propósito e onde queríamos chegar. Aprendi muito com esse método.

Teve resultado?

Certo dia um operário que atuava no setor de cabos de internet me perguntou o que a empresa ia fazer com as 20 bobinas que estavam encostadas em uma ala.

Não tinha ideia disso, era um dinheirão parado. Questionei por que ele estava preocupado, e ele respondeu que estava apreensivo com o emprego.

Na primeira reunião com a diretoria, perguntei por que ninguém abria o jogo. Então, ouvi muita coisa do chão de fábrica que me ajudou a transformar a empresa.

Por isso, é preciso respeitar as pessoas independentemente do nível hierárquico e ter paciência de ouvir.

Tem um capítulo do seu livro chamado ‘quanto maior a altura, maior a queda’. O cargo de liderança é muito solitário?

Completamente solitário. O líder ouve todo mundo e tem que pegar o melhor de cada um. Porque na hora de tomar decisão não vai perguntar para o cara se é para adicionar a ou b, se ele concorda com isso ou se deve ser uma outra decisão.

No momento em que tomou uma decisão, todo mundo tem que estar no barco. Cada um deu pitaco, mas a decisão é do líder. É solitário.

Quando saí da Telemar, estava no topo do alto escalão, conhecia executivos renomados. Na época, achei que poderia ser - nem falo coach ou mentor -, mas um ouvido de penico para outros executivos.

Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2/3 horas por mês para ouvir o que eles queriam falar antes de tomar uma decisão.

Quantos você acha que me chamaram? Nenhum. Vaidade é fogo. Eles podiam até me admirar, mas se achavam melhor em suas respectivas posições.

Tentei fazer isso porque o momento da decisão é solitário. Por isso, é bom ter alguém para ouvir e que não tenha nada a ver com a organização.

É preciso ter uma humildade brutal quando se está em uma empresa de grande porte.

Manoel Horácio

Depois da saída, surge outro problema: não há muitos convites. Achavam que ganhava muito dinheiro. Então, as empresas não iam conseguir pagar o meu salário. Convites fabulosos? Não vinham.

Fazendo uma retrospectiva da sua carreira, tem algum arrependimento?

Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo. Mesmo nas empresas em que fui mandado embora, incluindo a Telemar, não me arrependo de ter ido. Também saí da Vale em um momento bom para mim, gostava de lá.

Mesmo quando disseram que entrei no formigueiro, na época em que migrei para a área financeira aos 57 anos na cadeira de presidente do Banco Fator, não me arrependo.

Manoel Horácio

Após a minha saída da Telemar e o período sabático de seis meses, liguei para a ex-headhunter Fátima Zorzato e perguntei se o fracasso viesse em um ano, estaria perdido profissionalmente ou conseguiria me empregar novamente? Ela disse que se eu pedisse demissão seria normal porque não era bem minha área.

Então, pensando em tudo, não me arrependi. Apesar de muitas vezes me perguntar o que estava fazendo em determinado lugar em meio a tanta pressão.

Manoel Horácio ao lado de Serena, filha pet da família.  Foto: Leo Martins/Estadao

Na época em que atuava como presidente na Telemar e até em outros momentos que assumiu diferentes cargos, conseguia manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional?

Hoje em dia, é difícil ficar longe do celular. Mas nunca me conectei no fim de semana para responder a e-mails. Sempre fui extremamente disciplinado. Lá na década de 60, saia às 17h da empresa e ainda ia para piscina com as crianças.

Existem dois tipos de seres humanos:

Aquele que se dedica e depende completamente da empresa, tem medo de ser mandado embora e acaba sendo meio chinfrim porque não tem coragem de ameaçar o sistema.

E tem o outro que o porto seguro dele é a família e a casa dele. Então, se for mandado embora, ele chega em casa e ainda é um herói.

Valeu a pena escrever meu livro só para ler o depoimento dos meus filhos Alexandre e Anacelia. O que eles escreveram responde bastante a essa pergunta.

“Enquanto ia lendo... Vejo a data e me lembro que você me levava para a escola. Jantávamos todos juntos... Finais de semana com piscina, carrinho de rolimã, churrasco, filme... Fui crescendo, mas nunca tive um pai ausente ou nervoso em casa. Não sei onde estava esse leão nos negócios. Em casa, sempre foi só o meu pai. O melhor do mundo”, escreveu a filha Anacelia.

Qual conselho deixa para executivos e executivas que ocupam cargos no alto escalão?

O primeiro é: ouça a organização. Não é possível que você tenha inúmeras diretorias, que estão há tanto tempo dentro da empresa, e não saibam mais que você, é impossível. Também diria para pular um nível abaixo e escutar a gerência.

Ouça a organização. E quando tomar uma decisão, comunique a empresa, seja transparente.

Manoel Horácio

Nunca falei uma mentira para a organização, às vezes dizia que não podia responder. Mas avisava que contaria quando fosse possível, mas nunca enganei.

Seja você o tempo todo, seja íntegro. Você não faz uma boa reputação falando mentiras para a organização.

Manoel Horácio em seu escritório, local em que costuma passar a maior parte do dia. Uma das paredes do cômodo reúne quadros, prêmios e manchetes de jornais.  Foto: Leo Martins/Estadao

Segundo Horácio, a essência de um líder pode ser capturada no poema que abre a autobiografia “O Equilibrista”, escrita por Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Leia abaixo:

“Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilhe, porque alta vive.”

Do quintal de sua casa na zona sul da capital paulista onde vive com Maria Lúcia e Serena (pet da família), Manoel Horácio exibe a concretização de um sonho antigo: o próprio vinho, feito em um vinhedo localizado em Mendonza, região argentina de Cuyo. Mesmo com uma produção relativamente expressiva, cerca de 10 mil garrafas por ano, o negócio não é a razão que tornou Horácio um dos executivos mais renomados do País. Nascido em Portugal, ele migrou para o Brasil com os pais e os irmãos ainda na infância. Sem conexões, plano de carreira e influência familiar, Horácio alcançou cargos de liderança no mundo corporativo antes dos 30 anos.

Durante a trajetória profissional, o executivo não só foi cortejado por grandes empresas, como também ocupou o topo do alto escalão em corporações de bilhões. Suas passagens pelo Grupo Sharp, Ericsson, Banco Fator, Vale e Telemar (atual Oi) e outras empresas são marcadas por premiações, momentos solitários, conflitos com acionistas e situações que envolviam a vaidade de outros líderes.

“Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo”, reflete em entrevista ao Estadão quase 23 anos depois do imbróglio que sucedeu a demissão na Telemar.

“A versão oficial causou desconfiança no mercado financeiro que via no executivo o homem que transformou a Telemar na menina dos olhos dos investidores e nos principais negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)”, comunicava matéria publicada no Estadão em 21 de julho de 2001, poucos dias após a saída do executivo.

Manoel Horácio, 79, em sua casa na capital paulista.  Foto: Leo Martins/Estadao

O sucesso dos negócios não blindou Horácio da soberba presente nos círculos de poder. “Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2 a 3 horas por mês para ouvi-los antes de tomar uma decisão. Quantos você acha que me chamaram? Nenhum”, conta.

O dia a dia contrasta com o passado no mundo corporativo, o atual cotidiano inclui manhãs de leitura e uma rotina de exercícios para viver melhor com a doença de Parkinson: “Tenho medo de perder a voz”. Mas se um dia teve dificuldade em ter “ouvido de penico” para executivos, agora a agenda é disputada por recém-formados e veteranos do mercado para escutar seus conselhos.

Nesta entrevista, publicada no dia em que celebra 79 anos, Manoel Horácio detalha episódios revelados em sua autobiografia “O Equilibrista” (Editora Almedina, 2023) e traz novos relatos da sua vida profissional. Confira:

O que resume a sua trajetória como líder?

Comecei minha carreira do zero, sem nenhuma influência familiar. Meu pai trabalhou a vida inteira, e não havia helicópteros ou conexões que me colocassem no topo das empresas. Conquistei tudo sozinho, subindo degrau por degrau, sem padrinhos ou facilidades. Para mim, isso é um verdadeiro exemplo de liderança.

É sobre ser autêntico e consistente. Um verdadeiro líder deve ser ele mesmo o tempo todo, sem tentar ser alguém que não é. Existe um ditado que diz que você pode enganar muitas pessoas por um tempo, mas não todas o tempo todo.

Para ser um líder eficaz, é fundamental colocar o coração em tudo que se faz, ser íntegro e iluminado.

Essas características definem a sua liderança?

Sim. Inclusive, me perguntaram se o perfil do líder de hoje é igual ao de antigamente. O líder é o líder, não mudou nada. É claro que, para ser líder hoje, o enfoque é outro. Você nota que a geração Z sai da faculdade e quer ser presidente de empresa, não gosta de ser avaliada, não pode ser mais tão firme, isso não é mais aceito, tem que ser politicamente correto.

Na realidade, os problemas são os mesmos: o líder tem que conhecer o mercado, o produto dele, qual o diferencial do produto e o que o vai fazer crescer. São as mesmas características, mas agora é mais difícil ser líder.

Por quê?

Exatamente por causa do espírito das novas gerações. Ninguém quer ralar para crescer. A pessoa faz um trabalho razoável e acha que é maravilhoso.

No seu livro “O Equilibrista”, o sr. menciona que não nasceu líder, aprendeu levando muita “porrada” e por meio de cursos. Como foram esses processos de altos e baixos desde o seu primeiro cargo de liderança aos 26 anos?

No começo, você se acha o rei da cocada. Com o tempo, vai acumulando experiências e descobre que, por mais brilhante que seja como líder, a empresa é mais brilhante que uma única pessoa.

Por isso, que o líder tem de vender os seus sonhos. É vender sonhos no sentido de desafios e de conseguir criar algo novo. Quem faz as transformações e toca as melodias é a organização como um todo, não é apenas o líder.

Em todas as empresas em que trabalhei, quem fez a transformação foi a corporação. Enquanto líder, tive o papel de quebrar alguns credos quando achavam que algo não ia dar certo. Chamava para discutir o porquê determinada mudança poderia funcionar. É uma somatória de todos os envolvidos.

Edição de 18 de março de 1996 do Estadão apresentava as mudanças do Grupo Sharp sob o comando do executivo Manoel Horácio, que ocupava o cargo de presidente. Foto: Acervo Estadão

Foi difícil ser um vendedor de sonhos?

No início fazia na porrada: dizia que tinha que ser e ponto. Por exemplo, na década de 60, atuava no setor de cabos. Em um certo dia, quebraram três empilhadeiras onde ficavam os estoques. Vi aquela bagunça e chamei: “Minha gente, vocês não têm força? Vamos lá, vamos empurrar isso!”

Ajudei a empurrar. Mas tem algo que sempre defendi e tomei cuidado na minha liderança que é: não peço nada que eu não faria. Não quero benefícios para mim e esforço para os outros, dividia na mesma proporção.

custom_embed - assets

Quando se fala sobre salário, acho que o executivo não deve ter carro da companhia. Tem que ter um bom salário e bônus pelo que faz, o resto é igualzinho a todo mundo. Na hora de ir ao refeitório da companhia, se for de bandejão, que seja para todo mundo, inclusive o presidente.

Assim você começa a criar uma liderança mais forte porque ela participa das coisas de que os outros funcionários participam. Ele não tem nenhum privilégio por ser o presidente.

Dizem que quem faz o líder é a mãe. A minha mãe escolheu-me como líder entre os meus três irmãos. Ela sempre previu. Ela tinha uma visão impressionante, e tudo o que ela dizia que eu poderia alcançar, consegui aplicar no ambiente de trabalho.

Em outro trecho do livro, o sr. não recomenda que uma liderança passe mais de cinco anos na mesma empresa. Pensando no episódio de demissão da Telemar em 2001, em que ocupava o cargo de presidente, naquela época considerava que estava na hora de novos desafios?

Não, achava que tinha mais coisa para fazer. Naquela situação, existia uma visão estratégica dos acionistas diferente da minha. Do meu lado, queria melhorar a qualidade do serviço e do produto.

Já os controladores queriam usar a síndrome de “Wall Street”: mais resultado, mais dividendo e mais resultado. Porém, acreditava que precisava investir mais na qualidade. Mas acho que a minha saída foi na hora certa. Vou citar um trecho do poema Certeza, de Fernando Sabino:

“De tudo na vida, ficaram três coisas:

A certeza de que estamos sempre começando

A certeza de que precisamos continuar

A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar....”

Quando você está lá em cima, ganhando um bom dinheiro e fazendo um bom trabalho, não pensa que está na hora de mudar. Sempre acha que tem alguma coisinha para fazer, mas alguém interrompe.

Você já viu uma bailarina se esborrachar no chão e ficar no chão? Ela levanta e continua dançando. Se você me perguntar quantas vezes parei porque pensei que estava na hora, não sei dizer. Eu acreditava que podia fazer mais. As pessoas me diziam que eu era corajoso, não tinha medo. Bom, tenho medo. Corajoso é aquele que tem medo, avalia o risco e vai em frente.

Pode citar um exemplo?

Um dia o meu filho disse que não queria levar o lanche para a escola porque tinha um menino que roubava o lanche dele. Falei para dar uma porrada. Meu filho me mostrou que era menor, que alcançava na altura do peitoral do menino. Voltei atrás e disse para reclamar com a professora.

A análise de risco do meu filho estava perfeita, não adiantava brigar com um garoto que tinha o dobro da altura dele porque ia apanhar.

Com a liderança, não tem esse negócio de líder p*rr* louca. Tem que avaliar os riscos.

Então, quando falo em cinco anos, estou olhando meu protótipo. Quando você está em uma empresa liderando, trazendo novidades e criando coisas novas, depois de cinco anos, fica mais acomodado às pessoas e à organização.

Tem poucas pessoas que são longevas e conseguem se motivar o tempo todo. Eu consegui. O que me propus a fazer, fiz e fiz bem.

“Enxergar castelos onde os outros veem pedras”. Todo líder consegue ter essa habilidade que comenta no livro?

Se não consegue, não é um líder completo. Logo quando assumi um cargo de presidente na década de 90, conversei com cada diretor e gerente. Todo mundo se achava excelente na sua área. Era mais ou menos assim: o culpado é você na sua área, mas na minha área está tudo certo.

Achei aquilo gozado porque a empresa estava quebrando, e o somatório de cada área era excelente. Pensei em como formatar e juntar as pedras para a empresa dar certo.

O auditor reclamava violentamente do diretor financeiro. Então, tornei o auditor o diretor financeiro. O cara de compras reclamava da área de tecnologia. Também fiz a troca. É arriscado, mas funcionou.

A maioria das vezes em que fiz transformações nas empresas, não trouxe gente de fora, usei as próprias pessoas das empresas. O conhecimento está nessas pessoas. Se você manda muita gente embora, o teto fica baixo. Tem que construir a companhia com aqueles que ficaram.

Claro, quando a companhia der resultado, tem que melhorar bônus e salários. Tem empresário e companhia que pedem o sacrifício dos funcionários quando está quebrando, mas quando têm um bom lucro não distribui parte disso. Tem que ter coerência.

O sr. revelou que enfrentou episódios de ciúmes durante a trajetória profissional. Como lidar com a vaidade e a inveja no alto escalão?

Pergunta difícil. Primeiro, quando o líder é invejado na companhia, é preciso perguntar de que lado ele está. É do lado da companhia? Se não for, vá fazer algo que traz mais prazer, em que possa colocar o coração para ter sucesso.

A vaidade é um problema. Se a imprensa gosta de você, te põe lá no céu, e bota o outro lado no inferno.

Manoel Horácio

O líder também acaba achando que adquiriu o sobrenome da companhia e que os resultados foram graças a ele. Nunca achei isso, sempre agi com humildade. O líder tem que saber respeitar, ter ouvido de penico e capacidade de ouvir.

Quando existem muitos círculos de poder em uma empresa, costuma acontecer que nada de ruim chega ao presidente, só as coisas boas. Se por acaso as notícias ruins não chegam à presidência, há filtros que não estão permitindo que a informação suba.

Para evitar esse problema, a cada 15 dias fazia um café da manhã para o chão de fábrica, com office boy, operador de máquina e outros operários.

Ficava olhando para eles e ninguém dizia nada. Quebrava o silêncio falando de futebol. “Vocês viram o jogo do Flamengo?” Entrava exatamente no que eles costumavam discutir na segunda-feira.

Começava falando de futebol, depois partia para os problemas da empresa, informava o propósito e onde queríamos chegar. Aprendi muito com esse método.

Teve resultado?

Certo dia um operário que atuava no setor de cabos de internet me perguntou o que a empresa ia fazer com as 20 bobinas que estavam encostadas em uma ala.

Não tinha ideia disso, era um dinheirão parado. Questionei por que ele estava preocupado, e ele respondeu que estava apreensivo com o emprego.

Na primeira reunião com a diretoria, perguntei por que ninguém abria o jogo. Então, ouvi muita coisa do chão de fábrica que me ajudou a transformar a empresa.

Por isso, é preciso respeitar as pessoas independentemente do nível hierárquico e ter paciência de ouvir.

Tem um capítulo do seu livro chamado ‘quanto maior a altura, maior a queda’. O cargo de liderança é muito solitário?

Completamente solitário. O líder ouve todo mundo e tem que pegar o melhor de cada um. Porque na hora de tomar decisão não vai perguntar para o cara se é para adicionar a ou b, se ele concorda com isso ou se deve ser uma outra decisão.

No momento em que tomou uma decisão, todo mundo tem que estar no barco. Cada um deu pitaco, mas a decisão é do líder. É solitário.

Quando saí da Telemar, estava no topo do alto escalão, conhecia executivos renomados. Na época, achei que poderia ser - nem falo coach ou mentor -, mas um ouvido de penico para outros executivos.

Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2/3 horas por mês para ouvir o que eles queriam falar antes de tomar uma decisão.

Quantos você acha que me chamaram? Nenhum. Vaidade é fogo. Eles podiam até me admirar, mas se achavam melhor em suas respectivas posições.

Tentei fazer isso porque o momento da decisão é solitário. Por isso, é bom ter alguém para ouvir e que não tenha nada a ver com a organização.

É preciso ter uma humildade brutal quando se está em uma empresa de grande porte.

Manoel Horácio

Depois da saída, surge outro problema: não há muitos convites. Achavam que ganhava muito dinheiro. Então, as empresas não iam conseguir pagar o meu salário. Convites fabulosos? Não vinham.

Fazendo uma retrospectiva da sua carreira, tem algum arrependimento?

Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo. Mesmo nas empresas em que fui mandado embora, incluindo a Telemar, não me arrependo de ter ido. Também saí da Vale em um momento bom para mim, gostava de lá.

Mesmo quando disseram que entrei no formigueiro, na época em que migrei para a área financeira aos 57 anos na cadeira de presidente do Banco Fator, não me arrependo.

Manoel Horácio

Após a minha saída da Telemar e o período sabático de seis meses, liguei para a ex-headhunter Fátima Zorzato e perguntei se o fracasso viesse em um ano, estaria perdido profissionalmente ou conseguiria me empregar novamente? Ela disse que se eu pedisse demissão seria normal porque não era bem minha área.

Então, pensando em tudo, não me arrependi. Apesar de muitas vezes me perguntar o que estava fazendo em determinado lugar em meio a tanta pressão.

Manoel Horácio ao lado de Serena, filha pet da família.  Foto: Leo Martins/Estadao

Na época em que atuava como presidente na Telemar e até em outros momentos que assumiu diferentes cargos, conseguia manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional?

Hoje em dia, é difícil ficar longe do celular. Mas nunca me conectei no fim de semana para responder a e-mails. Sempre fui extremamente disciplinado. Lá na década de 60, saia às 17h da empresa e ainda ia para piscina com as crianças.

Existem dois tipos de seres humanos:

Aquele que se dedica e depende completamente da empresa, tem medo de ser mandado embora e acaba sendo meio chinfrim porque não tem coragem de ameaçar o sistema.

E tem o outro que o porto seguro dele é a família e a casa dele. Então, se for mandado embora, ele chega em casa e ainda é um herói.

Valeu a pena escrever meu livro só para ler o depoimento dos meus filhos Alexandre e Anacelia. O que eles escreveram responde bastante a essa pergunta.

“Enquanto ia lendo... Vejo a data e me lembro que você me levava para a escola. Jantávamos todos juntos... Finais de semana com piscina, carrinho de rolimã, churrasco, filme... Fui crescendo, mas nunca tive um pai ausente ou nervoso em casa. Não sei onde estava esse leão nos negócios. Em casa, sempre foi só o meu pai. O melhor do mundo”, escreveu a filha Anacelia.

Qual conselho deixa para executivos e executivas que ocupam cargos no alto escalão?

O primeiro é: ouça a organização. Não é possível que você tenha inúmeras diretorias, que estão há tanto tempo dentro da empresa, e não saibam mais que você, é impossível. Também diria para pular um nível abaixo e escutar a gerência.

Ouça a organização. E quando tomar uma decisão, comunique a empresa, seja transparente.

Manoel Horácio

Nunca falei uma mentira para a organização, às vezes dizia que não podia responder. Mas avisava que contaria quando fosse possível, mas nunca enganei.

Seja você o tempo todo, seja íntegro. Você não faz uma boa reputação falando mentiras para a organização.

Manoel Horácio em seu escritório, local em que costuma passar a maior parte do dia. Uma das paredes do cômodo reúne quadros, prêmios e manchetes de jornais.  Foto: Leo Martins/Estadao

Segundo Horácio, a essência de um líder pode ser capturada no poema que abre a autobiografia “O Equilibrista”, escrita por Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Leia abaixo:

“Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilhe, porque alta vive.”

Do quintal de sua casa na zona sul da capital paulista onde vive com Maria Lúcia e Serena (pet da família), Manoel Horácio exibe a concretização de um sonho antigo: o próprio vinho, feito em um vinhedo localizado em Mendonza, região argentina de Cuyo. Mesmo com uma produção relativamente expressiva, cerca de 10 mil garrafas por ano, o negócio não é a razão que tornou Horácio um dos executivos mais renomados do País. Nascido em Portugal, ele migrou para o Brasil com os pais e os irmãos ainda na infância. Sem conexões, plano de carreira e influência familiar, Horácio alcançou cargos de liderança no mundo corporativo antes dos 30 anos.

Durante a trajetória profissional, o executivo não só foi cortejado por grandes empresas, como também ocupou o topo do alto escalão em corporações de bilhões. Suas passagens pelo Grupo Sharp, Ericsson, Banco Fator, Vale e Telemar (atual Oi) e outras empresas são marcadas por premiações, momentos solitários, conflitos com acionistas e situações que envolviam a vaidade de outros líderes.

“Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo”, reflete em entrevista ao Estadão quase 23 anos depois do imbróglio que sucedeu a demissão na Telemar.

“A versão oficial causou desconfiança no mercado financeiro que via no executivo o homem que transformou a Telemar na menina dos olhos dos investidores e nos principais negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa)”, comunicava matéria publicada no Estadão em 21 de julho de 2001, poucos dias após a saída do executivo.

Manoel Horácio, 79, em sua casa na capital paulista.  Foto: Leo Martins/Estadao

O sucesso dos negócios não blindou Horácio da soberba presente nos círculos de poder. “Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2 a 3 horas por mês para ouvi-los antes de tomar uma decisão. Quantos você acha que me chamaram? Nenhum”, conta.

O dia a dia contrasta com o passado no mundo corporativo, o atual cotidiano inclui manhãs de leitura e uma rotina de exercícios para viver melhor com a doença de Parkinson: “Tenho medo de perder a voz”. Mas se um dia teve dificuldade em ter “ouvido de penico” para executivos, agora a agenda é disputada por recém-formados e veteranos do mercado para escutar seus conselhos.

Nesta entrevista, publicada no dia em que celebra 79 anos, Manoel Horácio detalha episódios revelados em sua autobiografia “O Equilibrista” (Editora Almedina, 2023) e traz novos relatos da sua vida profissional. Confira:

O que resume a sua trajetória como líder?

Comecei minha carreira do zero, sem nenhuma influência familiar. Meu pai trabalhou a vida inteira, e não havia helicópteros ou conexões que me colocassem no topo das empresas. Conquistei tudo sozinho, subindo degrau por degrau, sem padrinhos ou facilidades. Para mim, isso é um verdadeiro exemplo de liderança.

É sobre ser autêntico e consistente. Um verdadeiro líder deve ser ele mesmo o tempo todo, sem tentar ser alguém que não é. Existe um ditado que diz que você pode enganar muitas pessoas por um tempo, mas não todas o tempo todo.

Para ser um líder eficaz, é fundamental colocar o coração em tudo que se faz, ser íntegro e iluminado.

Essas características definem a sua liderança?

Sim. Inclusive, me perguntaram se o perfil do líder de hoje é igual ao de antigamente. O líder é o líder, não mudou nada. É claro que, para ser líder hoje, o enfoque é outro. Você nota que a geração Z sai da faculdade e quer ser presidente de empresa, não gosta de ser avaliada, não pode ser mais tão firme, isso não é mais aceito, tem que ser politicamente correto.

Na realidade, os problemas são os mesmos: o líder tem que conhecer o mercado, o produto dele, qual o diferencial do produto e o que o vai fazer crescer. São as mesmas características, mas agora é mais difícil ser líder.

Por quê?

Exatamente por causa do espírito das novas gerações. Ninguém quer ralar para crescer. A pessoa faz um trabalho razoável e acha que é maravilhoso.

No seu livro “O Equilibrista”, o sr. menciona que não nasceu líder, aprendeu levando muita “porrada” e por meio de cursos. Como foram esses processos de altos e baixos desde o seu primeiro cargo de liderança aos 26 anos?

No começo, você se acha o rei da cocada. Com o tempo, vai acumulando experiências e descobre que, por mais brilhante que seja como líder, a empresa é mais brilhante que uma única pessoa.

Por isso, que o líder tem de vender os seus sonhos. É vender sonhos no sentido de desafios e de conseguir criar algo novo. Quem faz as transformações e toca as melodias é a organização como um todo, não é apenas o líder.

Em todas as empresas em que trabalhei, quem fez a transformação foi a corporação. Enquanto líder, tive o papel de quebrar alguns credos quando achavam que algo não ia dar certo. Chamava para discutir o porquê determinada mudança poderia funcionar. É uma somatória de todos os envolvidos.

Edição de 18 de março de 1996 do Estadão apresentava as mudanças do Grupo Sharp sob o comando do executivo Manoel Horácio, que ocupava o cargo de presidente. Foto: Acervo Estadão

Foi difícil ser um vendedor de sonhos?

No início fazia na porrada: dizia que tinha que ser e ponto. Por exemplo, na década de 60, atuava no setor de cabos. Em um certo dia, quebraram três empilhadeiras onde ficavam os estoques. Vi aquela bagunça e chamei: “Minha gente, vocês não têm força? Vamos lá, vamos empurrar isso!”

Ajudei a empurrar. Mas tem algo que sempre defendi e tomei cuidado na minha liderança que é: não peço nada que eu não faria. Não quero benefícios para mim e esforço para os outros, dividia na mesma proporção.

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Quando se fala sobre salário, acho que o executivo não deve ter carro da companhia. Tem que ter um bom salário e bônus pelo que faz, o resto é igualzinho a todo mundo. Na hora de ir ao refeitório da companhia, se for de bandejão, que seja para todo mundo, inclusive o presidente.

Assim você começa a criar uma liderança mais forte porque ela participa das coisas de que os outros funcionários participam. Ele não tem nenhum privilégio por ser o presidente.

Dizem que quem faz o líder é a mãe. A minha mãe escolheu-me como líder entre os meus três irmãos. Ela sempre previu. Ela tinha uma visão impressionante, e tudo o que ela dizia que eu poderia alcançar, consegui aplicar no ambiente de trabalho.

Em outro trecho do livro, o sr. não recomenda que uma liderança passe mais de cinco anos na mesma empresa. Pensando no episódio de demissão da Telemar em 2001, em que ocupava o cargo de presidente, naquela época considerava que estava na hora de novos desafios?

Não, achava que tinha mais coisa para fazer. Naquela situação, existia uma visão estratégica dos acionistas diferente da minha. Do meu lado, queria melhorar a qualidade do serviço e do produto.

Já os controladores queriam usar a síndrome de “Wall Street”: mais resultado, mais dividendo e mais resultado. Porém, acreditava que precisava investir mais na qualidade. Mas acho que a minha saída foi na hora certa. Vou citar um trecho do poema Certeza, de Fernando Sabino:

“De tudo na vida, ficaram três coisas:

A certeza de que estamos sempre começando

A certeza de que precisamos continuar

A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar....”

Quando você está lá em cima, ganhando um bom dinheiro e fazendo um bom trabalho, não pensa que está na hora de mudar. Sempre acha que tem alguma coisinha para fazer, mas alguém interrompe.

Você já viu uma bailarina se esborrachar no chão e ficar no chão? Ela levanta e continua dançando. Se você me perguntar quantas vezes parei porque pensei que estava na hora, não sei dizer. Eu acreditava que podia fazer mais. As pessoas me diziam que eu era corajoso, não tinha medo. Bom, tenho medo. Corajoso é aquele que tem medo, avalia o risco e vai em frente.

Pode citar um exemplo?

Um dia o meu filho disse que não queria levar o lanche para a escola porque tinha um menino que roubava o lanche dele. Falei para dar uma porrada. Meu filho me mostrou que era menor, que alcançava na altura do peitoral do menino. Voltei atrás e disse para reclamar com a professora.

A análise de risco do meu filho estava perfeita, não adiantava brigar com um garoto que tinha o dobro da altura dele porque ia apanhar.

Com a liderança, não tem esse negócio de líder p*rr* louca. Tem que avaliar os riscos.

Então, quando falo em cinco anos, estou olhando meu protótipo. Quando você está em uma empresa liderando, trazendo novidades e criando coisas novas, depois de cinco anos, fica mais acomodado às pessoas e à organização.

Tem poucas pessoas que são longevas e conseguem se motivar o tempo todo. Eu consegui. O que me propus a fazer, fiz e fiz bem.

“Enxergar castelos onde os outros veem pedras”. Todo líder consegue ter essa habilidade que comenta no livro?

Se não consegue, não é um líder completo. Logo quando assumi um cargo de presidente na década de 90, conversei com cada diretor e gerente. Todo mundo se achava excelente na sua área. Era mais ou menos assim: o culpado é você na sua área, mas na minha área está tudo certo.

Achei aquilo gozado porque a empresa estava quebrando, e o somatório de cada área era excelente. Pensei em como formatar e juntar as pedras para a empresa dar certo.

O auditor reclamava violentamente do diretor financeiro. Então, tornei o auditor o diretor financeiro. O cara de compras reclamava da área de tecnologia. Também fiz a troca. É arriscado, mas funcionou.

A maioria das vezes em que fiz transformações nas empresas, não trouxe gente de fora, usei as próprias pessoas das empresas. O conhecimento está nessas pessoas. Se você manda muita gente embora, o teto fica baixo. Tem que construir a companhia com aqueles que ficaram.

Claro, quando a companhia der resultado, tem que melhorar bônus e salários. Tem empresário e companhia que pedem o sacrifício dos funcionários quando está quebrando, mas quando têm um bom lucro não distribui parte disso. Tem que ter coerência.

O sr. revelou que enfrentou episódios de ciúmes durante a trajetória profissional. Como lidar com a vaidade e a inveja no alto escalão?

Pergunta difícil. Primeiro, quando o líder é invejado na companhia, é preciso perguntar de que lado ele está. É do lado da companhia? Se não for, vá fazer algo que traz mais prazer, em que possa colocar o coração para ter sucesso.

A vaidade é um problema. Se a imprensa gosta de você, te põe lá no céu, e bota o outro lado no inferno.

Manoel Horácio

O líder também acaba achando que adquiriu o sobrenome da companhia e que os resultados foram graças a ele. Nunca achei isso, sempre agi com humildade. O líder tem que saber respeitar, ter ouvido de penico e capacidade de ouvir.

Quando existem muitos círculos de poder em uma empresa, costuma acontecer que nada de ruim chega ao presidente, só as coisas boas. Se por acaso as notícias ruins não chegam à presidência, há filtros que não estão permitindo que a informação suba.

Para evitar esse problema, a cada 15 dias fazia um café da manhã para o chão de fábrica, com office boy, operador de máquina e outros operários.

Ficava olhando para eles e ninguém dizia nada. Quebrava o silêncio falando de futebol. “Vocês viram o jogo do Flamengo?” Entrava exatamente no que eles costumavam discutir na segunda-feira.

Começava falando de futebol, depois partia para os problemas da empresa, informava o propósito e onde queríamos chegar. Aprendi muito com esse método.

Teve resultado?

Certo dia um operário que atuava no setor de cabos de internet me perguntou o que a empresa ia fazer com as 20 bobinas que estavam encostadas em uma ala.

Não tinha ideia disso, era um dinheirão parado. Questionei por que ele estava preocupado, e ele respondeu que estava apreensivo com o emprego.

Na primeira reunião com a diretoria, perguntei por que ninguém abria o jogo. Então, ouvi muita coisa do chão de fábrica que me ajudou a transformar a empresa.

Por isso, é preciso respeitar as pessoas independentemente do nível hierárquico e ter paciência de ouvir.

Tem um capítulo do seu livro chamado ‘quanto maior a altura, maior a queda’. O cargo de liderança é muito solitário?

Completamente solitário. O líder ouve todo mundo e tem que pegar o melhor de cada um. Porque na hora de tomar decisão não vai perguntar para o cara se é para adicionar a ou b, se ele concorda com isso ou se deve ser uma outra decisão.

No momento em que tomou uma decisão, todo mundo tem que estar no barco. Cada um deu pitaco, mas a decisão é do líder. É solitário.

Quando saí da Telemar, estava no topo do alto escalão, conhecia executivos renomados. Na época, achei que poderia ser - nem falo coach ou mentor -, mas um ouvido de penico para outros executivos.

Escolhi seis amigos de grandes empresas e perguntei se eles queriam me contratar por 2/3 horas por mês para ouvir o que eles queriam falar antes de tomar uma decisão.

Quantos você acha que me chamaram? Nenhum. Vaidade é fogo. Eles podiam até me admirar, mas se achavam melhor em suas respectivas posições.

Tentei fazer isso porque o momento da decisão é solitário. Por isso, é bom ter alguém para ouvir e que não tenha nada a ver com a organização.

É preciso ter uma humildade brutal quando se está em uma empresa de grande porte.

Manoel Horácio

Depois da saída, surge outro problema: não há muitos convites. Achavam que ganhava muito dinheiro. Então, as empresas não iam conseguir pagar o meu salário. Convites fabulosos? Não vinham.

Fazendo uma retrospectiva da sua carreira, tem algum arrependimento?

Me pergunto se tenho algum arrependimento sobre a vida como um todo. Mesmo nas empresas em que fui mandado embora, incluindo a Telemar, não me arrependo de ter ido. Também saí da Vale em um momento bom para mim, gostava de lá.

Mesmo quando disseram que entrei no formigueiro, na época em que migrei para a área financeira aos 57 anos na cadeira de presidente do Banco Fator, não me arrependo.

Manoel Horácio

Após a minha saída da Telemar e o período sabático de seis meses, liguei para a ex-headhunter Fátima Zorzato e perguntei se o fracasso viesse em um ano, estaria perdido profissionalmente ou conseguiria me empregar novamente? Ela disse que se eu pedisse demissão seria normal porque não era bem minha área.

Então, pensando em tudo, não me arrependi. Apesar de muitas vezes me perguntar o que estava fazendo em determinado lugar em meio a tanta pressão.

Manoel Horácio ao lado de Serena, filha pet da família.  Foto: Leo Martins/Estadao

Na época em que atuava como presidente na Telemar e até em outros momentos que assumiu diferentes cargos, conseguia manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional?

Hoje em dia, é difícil ficar longe do celular. Mas nunca me conectei no fim de semana para responder a e-mails. Sempre fui extremamente disciplinado. Lá na década de 60, saia às 17h da empresa e ainda ia para piscina com as crianças.

Existem dois tipos de seres humanos:

Aquele que se dedica e depende completamente da empresa, tem medo de ser mandado embora e acaba sendo meio chinfrim porque não tem coragem de ameaçar o sistema.

E tem o outro que o porto seguro dele é a família e a casa dele. Então, se for mandado embora, ele chega em casa e ainda é um herói.

Valeu a pena escrever meu livro só para ler o depoimento dos meus filhos Alexandre e Anacelia. O que eles escreveram responde bastante a essa pergunta.

“Enquanto ia lendo... Vejo a data e me lembro que você me levava para a escola. Jantávamos todos juntos... Finais de semana com piscina, carrinho de rolimã, churrasco, filme... Fui crescendo, mas nunca tive um pai ausente ou nervoso em casa. Não sei onde estava esse leão nos negócios. Em casa, sempre foi só o meu pai. O melhor do mundo”, escreveu a filha Anacelia.

Qual conselho deixa para executivos e executivas que ocupam cargos no alto escalão?

O primeiro é: ouça a organização. Não é possível que você tenha inúmeras diretorias, que estão há tanto tempo dentro da empresa, e não saibam mais que você, é impossível. Também diria para pular um nível abaixo e escutar a gerência.

Ouça a organização. E quando tomar uma decisão, comunique a empresa, seja transparente.

Manoel Horácio

Nunca falei uma mentira para a organização, às vezes dizia que não podia responder. Mas avisava que contaria quando fosse possível, mas nunca enganei.

Seja você o tempo todo, seja íntegro. Você não faz uma boa reputação falando mentiras para a organização.

Manoel Horácio em seu escritório, local em que costuma passar a maior parte do dia. Uma das paredes do cômodo reúne quadros, prêmios e manchetes de jornais.  Foto: Leo Martins/Estadao

Segundo Horácio, a essência de um líder pode ser capturada no poema que abre a autobiografia “O Equilibrista”, escrita por Ricardo Reis, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. Leia abaixo:

“Para ser grande, sê inteiro: nada

Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és

No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda

Brilhe, porque alta vive.”

Entrevista por Jayanne Rodrigues

Formada em jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia, é repórter de Carreiras. Cobre futuro do trabalho, tendências no mundo corporativo, lideranças e outros assuntos que impactam diretamente a cultura de trabalho no Brasil. No Estadão, também atuou como plantonista da madrugada, cobriu judiciário e tem passagem pela home page do jornal.

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