Quando começou a cursar física em 2005 o objetivo de Demétrios Rota, hoje com 35 anos, era atuar como pesquisador em usinas nucleares. A mudança de planos se deu já na faculdade, após descobrir que cumpria os requisitos para trabalhar no sistema bancário, onde está há mais de 15 anos. A trajetória, que pode parecer pouco óbvia, se repete com muitos profissionais em cargos de destaque no mercado financeiro. Por trás do fenômeno estão habilidades vistas como fundamentais para o setor econômico.
As áreas de trabalho dos físicos estão tradicionalmente concentradas em pesquisas acadêmicas, em áreas como ciência dos materiais e mecânica quântica, ficando conhecidos por descobertas importantes sobre o funcionamento da natureza. O avanço da atuação no sistema bancário não é algo novo. Desde 2015, eles vêm sendo chamados de “econofísicos”. Hoje, mais de sete anos depois, com o avanço da digitalização do setor financeiro, o diagnóstico é de consolidação.
O diretor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Osvaldo Novais Junior, explica que isso decorre principalmente da capacidade que os físicos têm de lidar com grandes volumes de dados. A principal atividade para eles no setor é a análise de riscos, fundamental para a tomada de decisões sobre investimentos e liberação de créditos. “Para a mesma atividade daria para ser um engenheiro ou um matemático. Um diferencial é que os físicos além de conhecer a matemática necessária, também foram treinados para analisar fenômenos e modelos complexos”, sustenta.
O caminho mais indicado para entrar no mercado é por meio de estágios e trainees. De acordo com o guia salarial da Robert Half, a média salarial do setor de risco é de R$ 11,9 mil para iniciantes e R$ 52 mil para diretores. O último trainee do Itaú oferecia R$ 8 mil de salário. Oportunidades similares são encontradas com salário inicial mínimo de R$ 4 mil. As empresas do setor econômico que buscam pelos físicos vão desde os bancos tradicionais até as fintechs, corretoras e empresas de investimento.
Preparação
Entre o primeiro trainee e o cargo de analista de investimentos em Nova Iorque, onde está atualmente, Demétrios Rota precisou de treinamentos específicos do setor. Ainda assim, diz que a bagagem do curso de física foi primordial para compreender metodologias complexas. “Nas pesquisas de física quando você faz um experimento que tem muito ruído é necessário separar apenas o que é importante. No mercado financeiro é a mesma coisa. Você é bombardeado de informação e precisa filtrar as relevantes”, explica Rota. que é colaborador da Itaú Asset Management.
O físico João Luiz Bunoro Batista, 35 anos, atua com análise de risco há 11 anos, sendo a maior parte da carreira feita em um grande banco do País. Há dois anos ocupa o cargo de gerente de controle de riscos financeiro no maior grupo de investimentos do Brasil. Batista conta que para ser contratado não foi necessário uma formação complementar, mas fez diversos cursos nos anos seguintes. “Pude me aprofundar em formação sobre mercado financeiro, gestão de riscos e regulação bancária”, explica.
O professor Novais Junior, da USP, diz que não há tendência de criação de um curso próprio de econofísica. Segundo ele, para quem pretende atuar no setor e estudar física, os cursos mais adequados são os de bacharelado em física ou em física computacional. “Você não precisa se formar em econofísica. Você vai ter uma formação sólida. Para a aplicação econômica, servirá mais a parte da física tradicional com aplicação estatística”, afirma.
Sobre a evolução da área nos últimos anos, com maior demanda de domínio do uso de inteligência artificial, Novais Junior diz que os profissionais de física que já atuam no mercado financeiro estão recebendo treinamentos específicos. Na faculdade o movimento é similar. “Hoje já se emprega inteligência artificial em pesquisas nas mais diversas áreas. Grandes conquistas utilizaram inteligência artificial, como a detecção das ondas gravitacionais”, exemplifica.
Amplitude
A física Mariana Tanaka, 36 anos, trabalha no mercado financeiro há 11 anos. Desde o ingresso, passou por áreas como controle de custos, projetos de sistemas bancários, risco de crédito e risco socioambiental. Sua ocupação atual é mais um exemplo da amplitude de possibilidades. Na Nint - Consultoria e Avaliação ESG, atua como consultora de instituições financeiras para questões socioambientais. O trabalho vai desde a avaliação sobre os efeitos das mudanças climáticas na carteira de crédito até sobre o aumento da diversidade em cargos de liderança.
“Sabemos lidar com análise de dados e gráficos com bastante facilidade, além de poder atuar com modelagem computacional. E, no meu caso especificamente, mudanças climáticas é um tema que conta com o envolvimento de muitos físicos, como nos trabalhos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)”, explica Mariana, destando as principais qualidades dos físicos que são atraentes para o setor econômico.
Caminho
Para Demétrios, as oportunidades são amplas, mas um diferencial é ter foco o mais cedo possível. “O ideal é que tenha feito um estágio já durante a faculdade. Porque do lado do mercado financeiro em si a maior parte do que você vai aprender é durante o trabalho. É bom saber para onde você quer ir, compreender as habilidades necessárias e aí ter mais tempo para desenvolvê-las”, considera.
O fundamental no perfil de um candidato no início de carreira, avalia Batista – gerente de investimentos– , vai além da capacidade analítica de dados e do domínio de ferramentas de programação e estatística. Ele diz que é preciso ter disposição para aprender e habilidade em construir argumentos e boa comunicação. “O mercado financeiro continua aberto para profissionais da física e de outras áreas de exatas”, aponta.
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Para Demétrios, há dois diferentes ganhos a partir da atuação dos físicos nessa área. O primeiro é pelo enriquecimento das equipes de análises a partir da diversidade de olhares. “Já falei com gerentes que para dar crédito simplesmente olhavam na cara da pessoa e decidiam pelo lado humano. O melhor caminho é você pegar 300 mil informações e concluir que empresas que têm balanço baixo ao final do mês têm maior probabilidade de dar calote em 90 dias”, explica.
O outro ganho é para a própria comunidade de físicos. “Um dos problemas da área é que a gente forma muita gente boa, mas em maior número do que é possível empregar para fazer pesquisas no Brasil. Uma parte se espalha por outros institutos pelo mundo. Mas para os que decidirem que não é esse o caminho, é preciso haver uma alternativa”, acrescenta.