Marília Robles, 28, gerente de relações governamentais da Heineken, diz que herdou das gerações anteriores o “sangue no olho”, a facilidade de se relacionar no trabalho e a capacidade de gerenciar conflitos de forma ponderada. Essas características contrastam com alguns aspectos atribuídos à geração Z, como a dificuldade de estabelecer relacionamentos e a resistência a críticas.
No entanto, a executiva considera equivocada a ideia de que os jovens têm preguiça de trabalhar. “A geração Z tem uma abordagem diferente de trabalho. Isso não significa que prefiram trabalhar menos. O que eles querem é mais equilíbrio, propósito e objetividade,” afirma.
Robles é a entrevistada desta edição da série Lideranças da Geração Z. Ao Estadão, ela destaca a importância de gestores que demonstram vulnerabilidade, relembra erros que cometeu como líder, critica modelos hierárquicos tradicionais, confidencia que envia GIFs engraçados para parabenizar colaboradores, e prevê que no futuro as empresas terão um horário dedicado ao autocuidado.
Confira trechos da entrevista:
Como o fato de ser uma pessoa da geração Z influencia o seu estilo de liderança?
Venho de uma família muito simples, onde meu pai é a exceção da exceção. Minha vó era empregada doméstica e meu avô, carteiro. Meu pai teve esse negócio dos baby boomers de ter sangue nos olhos e passou para mim.
Acredito que por fazer parte de uma geração que tem acesso a muita informação, tecnologia e também a questões relacionadas ao quanto você tem que estar disponível a essas ferramentas, tento ser uma liderança empática e disponível.
Sou o tipo de líder que, se vejo o meu time com algum problema ligado a um desafio emocional, não deixo para depois, ligo.
A minha equipe tem autonomia para criar e fazer do jeito que quiser, desde que a gente tenha uma relação de confiança e de responsabilidade.
Marília Robles, gerente de relações governamentais da Heineken Brasil
Se errar, está tudo bem, faz parte do processo. O importante é discutir. Na minha trajetória, tive muita abertura para o erro. Isso foi positivo para o meu desenvolvimento.
No passado, liderei grandes equipes que não respondiam para mim no papel, mas estavam dedicadas seis horas do dia para mim. É um superdesafio. Porque como você vai manter as pessoas motivadas, sendo que você não é o chefe direto, elas são mais velhas e tem mais conhecimento que você?
O que faz para motivar as pessoas?
Tento motivar por meio de uma comunicação clara, com parceria e mostrando ser vulnerável em algumas situações.
É difícil, mas tem que se colocar no lugar de vulnerabilidade. Diria que já tive momentos em que falei: ‘Também não sei, mas sei o porquê estamos fazendo’. É uma forma de as pessoas se sentirem motivadas e pertencentes.
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Enquanto líder, de alguma forma, você consegue moldar o local de trabalho da sua equipe. Qual é o diferencial da sua gestão?
Sou muito presente e participativa. Sou aquela pessoa que acredita que vale a pena ter no calendário o aniversário de todo mundo e vale enviar um GIF engraçado no WhatsApp quando a pessoa manda bem em alguma demanda.
Isso transforma o ambiente de trabalho em algo muito mais leve, fica mais pessoal. Não é o que a geração Z costuma fazer, mas está no lugar de respeito, cuidado, empatia e disponibilidade, além de mostrar que a pessoa é importante. Ela é muito mais do que as 8 horas dedicadas ao trabalho.
Marília Robles
Era comum nos lugares em que trabalhei nem saber se os chefes eram casados ou tinham filhos. Hoje, acredito que a gente vive em um mundo muito conectado, não dá mais para você dividir as coisas (trabalho e vida pessoal).
Existe uma percepção de que a geração Z tem dificuldade de se relacionar no trabalho e rompe hierarquias. Você considera essas avaliações justas?
Acredito que a geração Z esteja precisando de estímulos para criar vínculos. Na Heineken, o nosso CEO, Maurício Giamellaro, tem conversas com os mais jovens. Então, aqui tentamos diminuir as diferenças entre as gerações.
Agora, a questão de romper hierarquias é superválida. Acredito que, mesmo que alguém esteja acima de você na hierarquia, você ainda pode expressar sua opinião e levantar questões de conflito.
O confronto está ligado a ego. Já o conflito está ligado a ideias. Inclusão também tem a ver com perspectivas e ideias.
Marília Robles
Ainda bem que tive exemplos como o Maurício, que desce para conversar com a geração Z. Promover isso é fazer uma Heineken de 150 anos continuar mais 150 anos inovando.
O status quo está ali para ser questionado.
O Estadão pediu para Marília Robles responder a algumas perguntas usando apenas emojis. Veja como ela reagiu a cada uma delas no quadro abaixo:
Tem outro ponto envolvendo características atribuídas da geração Z que é o de ter preguiça de trabalhar. Você concorda?
Discordo totalmente. A geração Z tem uma abordagem diferente de trabalho: otimiza o tempo, é mais objetiva e chega mais disposta a ouvir, em vez de ter todas as respostas prontas, como estamos acostumados.
Marília Robles
Não se trata de querer trabalhar menos, mas de perceber rapidamente quando não se conecta com o ambiente de trabalho e sair sem medo de errar.
Qual a característica primordial de uma liderança da geração Z?
Respeito. Vejo em colegas da mesma geração o respeito pelas pessoas, a história e a forma como elas querem fazer. Mas não é fácil.
Por exemplo, tem uma pessoa da equipe passando por uma situação difícil. Muitas vezes líderes de outras gerações podem até entender, mas o foco é a entrega.
O líder da geração Z vai tentar renegociar prazo para que aquela pessoa que está passando por algo delicado possa ter um momento de respiro.
Olhando para a sua trajetória profissional, quais erros cometeu ao longo da sua gestão que a tornaram uma liderança mais preparada?
Já errei em esperar da minha equipe o que eu esperava de mim considerando a forma como me cobro. Achava que a pessoa tinha que ter o mesmo modelo de execução que o meu.
Marília Robles
Em uma certa situação, esperava que a pessoa do meu time tivesse uma desenvoltura e cobrei. Ela respondeu: “É meu jeito, você me contratou sabendo, sou uma pessoa mais introspectiva”.
Foi um momento de reflexão para entender como utilizar as pessoas da melhor forma, colocá-las em situações desafiadoras, mas não obrigar a pessoa a ser o que ela não é.
Pensando na cultura de trabalho, como fornece feedback?
Acredito muito no feedback contínuo e no momento formal de feedback. Pratico o feedback positivo o tempo inteiro.
Marília Robles
Também sou de ligar, acho que é melhor do que texto. Porque você coloca entonação, emoção, cuidado e carinho na voz. Quero que o meu time se sinta importante mesmo quando não estou na frente do computador.
Com pessoas mais velhas na equipe, trago menos sugestões. Prefiro perguntar o que a pessoa achou e de que forma acredita que pode melhorar. Mas se tenho um time mais júnior, tento trazer um pouco mais das respostas.
Em relação ao aspecto da vida pessoal e profissional, que também é uma questão evidenciada pela geração Z, como mantém o equilíbrio?
É um desafio, não vou mentir. Enquanto liderança, tenho que me lembrar dos meus momentos.
Com o time, não marco reuniões depois das 18h e programo o e-mail para o dia seguinte. Muitas vezes, especialmente quando tem muita demanda, passo do horário.
E aí, o meu companheiro - com o qual tenho muita sorte - bate na porta do escritório perguntando o que vamos jantar. Fecho a tela e mentalizo que a Marília de amanhã vai resolver.
Não trabalho durante o final de semana, me conecto muito com a minha família.
Marília Robles
Três vezes por semana faço atividade física no período da manhã. Também gosto de cozinhar o meu próprio almoço, não respondo a ninguém nesse horário. Da mesma forma, não quero que o meu time esteja fazendo algo do trabalho nesse momento.
O que faço para caber tudo isso no meu dia? Me organizo, falo não - é difícil falar não -, mas tem que falar. Por exemplo, tem um projeto que é prioritário, mas precisa ser 18h? A gente não pode falar amanhã às 9h da manhã, é tão prioritário assim? Faço perguntas.
Como enxerga a liderança do futuro?
É uma liderança que vai ter menos tempo de trabalho. Na Heineken, temos muitos exemplos de sexta sem teams e não fazemos reunião.
Marília Robles
O foco vai ser na área estratégica, a operação será mais encaminhada para as ferramentas tecnológicas. O não vai ser muito mais frequentes do que o sim.
Marília Robles
Quero ser a liderança do futuro que diz: “Não tem jeito de fazer, pois vou buscar meu filho na escola”. No futuro, nem vamos ter essa pergunta porque a organização dos times vai ser muito mais voltada para o equilíbrio antes do trabalho.
Teremos uma agenda corporativa de toda a companhia. Acredito que estamos caminhando para esse lugar de 9h às 10h não ter reunião porque é um momento de autocuidado.