Trabalho 100% flexível na hora em que o funcionário quiser: será que o ‘chronoworking’ funciona?


Nova tendência no mercado, modelo permite que profissionais escolham horários de trabalho de acordo com a sua vontade

Por Adele Robichez
Atualização:

Juliana* acorda todos os dias às 7h para chegar ao escritório de arquitetura onde trabalha, na cidade de São Paulo, às 8h. No entanto, ela passa parte das oito horas do serviço obrigatório pelo contrato CLT fingindo que está realizando as suas tarefas enquanto luta contra o sono. “Eu não funciono a essa hora”, diz.

A arquiteta de 26 anos acostumou-se, desde a época do colégio, a estudar e trabalhar durante a madrugada, momento em que se considera mais disposta e produtiva. Por isso, finaliza em segredo as demandas do escritório após a meia-noite. “Acordar cedo para mim é uma tortura, passo o dia parecendo um zumbi”, revela.

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O “chronoworking”, ou “trabalho cronológico”, é uma nova proposta no mercado: um modelo de trabalho com horários completamente flexíveis, onde o profissional tem a liberdade de escolher o melhor momento para realizar as suas tarefas.

Para Wagner Gattaz, professor e vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Gattaz Health & Results, consultoria que atua com saúde mental dentro das empresas, o modelo pode reduzir as chances de desenvolvermos condições como ansiedade, depressão e burnout.

Horário totalmente flexível no trabalho é um bom modelo?  Foto: yellow_man - stock.adobe.com
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Psiquiatra defende trabalho adequado ao ciclo biológico

Isso ocorre porque ele condiz com as nossas diferenças biológicas. O ciclo circadiano, que regula o nosso metabolismo e os nossos hormônios, varia de pessoa para pessoa. “Há aqueles que têm o pico de produtividade de madrugada e os que acordam às 6h cantando porque temos ciclos biológicos diferentes”, explica o psiquiatra.

O artigo “Interrupção do ritmo circadiano e saúde mental”, de 2020, escrito pelos neurocientistas americanos William Walker II, Courtney DeVries, James Walton e Randy Nelson conclui que, “embora a interrupção circadiana possa não ser a única causa dos distúrbios emocionais, ela pode provocar ou exacerbar os sintomas em indivíduos com predisposição para transtornos de saúde mental.”

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Segundo Gattaz, a autonomia é um dos principais “fatores protetores” do bem-estar no trabalho. Quanto menos liberdade o funcionário tiver, mais ele vai se sentir estressado. “Um exemplo é o home office, que precipitou essas mudanças durante a pandemia. Nesse modelo, muitas pessoas conseguiram adequar melhor o trabalho ao seu ritmo biológico e aumentar a produtividade”, cita o psiquiatra.

Um estudo divulgado no fim de 2023 pela Scoop Technologies e pelo Boston Consulting Group (BCG) descobriu que empresas que são completamente remotas ou permitem que os funcionários escolham quando vão ao escritório aumentaram as vendas em 21% entre 2020 e 2022, em comparação com um crescimento de 5% para empresas com forças de trabalho híbridas ou totalmente presenciais.

Não é qualquer empresa que pode implementar o “chronoworking”. Alguns exemplos são serviços de emergência, restauração e alguns modelos de atendimento ao cliente; manufatura com linha de produção contínua; educação presencial; transporte público. “Nesses casos, a questão é adequar e dar preferência ao trabalho para o turno em que a pessoa é mais produtiva”, defende Gattaz.

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Questionado sobre possíveis preocupações relacionadas ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, ele afirma que “para o trabalhador, mesmo que se sacrifiquem horários sociais, [o chronoworking] é mais produtivo”.

Empresas têm dificuldade para se adaptar a novos modelos

Há 16 anos, a publicitária Cris Kerr trabalhou em uma multinacional americana, onde liderava um colaborador “maravilhoso, o mais criativo” na área de marketing. O horário de trabalho era de 9h às 18h. Mas, todos os dias, ele chegava atrasado.

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Ele perguntava: “Por que não posso trabalhar no meu horário? Não sou produtivo de manhã, meu cérebro só começa a funcionar às 11h”. Sabendo da qualidade das suas entregas, Kerr levou a solicitação do colaborador ao departamento de Recursos Humanos, que permaneceu irredutível em manter as regras da companhia.

CEO e fundadora da CKZ Diversidade, que presta consultoria de diversidade e inclusão para ambientes corporativos, Cris Kerr tem certeza de que a empresa onde trabalhou teria tido ainda melhores resultados se tentasse se adaptar aos horários do funcionário.

“Para uma empresa ser diversa e inclusiva, ela precisa entender a individualidade de cada pessoa, que somos seres diferentes. Quando essa diferença é respeitada, a pessoa se sente mais valorizada e, consequentemente, entrega mais”, afirma.

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De acordo com ela, as gestões brasileiras ainda são muito atreladas ao controle rígido de horários. Nenhuma das empresas que ela atende cogita adotar o modelo de “chronoworking”, por exemplo. Poucas, que têm o perfil mais desenvolvido no tema de diversidade e inclusão e trabalham com a temática há anos, adotam o “horário flexível”.

Nesse modelo, as pessoas podem começar a trabalhar entre 7h e 10h da manhã, e terminar entre 15h e 19h. Todas têm que trabalhar durante oito horas, obrigatoriamente. No entanto, observa Kerr, a flexibilidade muitas vezes não é respeitada ou bem implementada. “O que acontece é que muitos gestores e lideranças marcam reunião às 17h para quem entrou às 7h e já deveria ter ido embora”, exemplifica.

“O desafio está muito mais ligado à cultura corporativa brasileira. Temos visto empresas voltando 100% ao presencial, mesmo perdendo gente. No home office, as pessoas se adaptaram a ficar em casa, a trabalhar bem, a entregar bem. Quando as companhias decidem voltar, não estão pensando no bem estar dos seus funcionários”, declara.

Na visão de Kerr, o “chronoworking”, se bem estabelecido – com supervisões focadas nos resultados –, permitiria que as pessoas fossem mais produtivas e pudessem conciliar melhor o trabalho com a vida pessoal, tendo qualidade de vida. “Escolher horários em que possam passar mais tempo com os filhos, ou fazer exercício físico, não pegar trânsito.”

Como demonstração de que o tempo trabalhado não é o melhor método para garantir eficiência, Kerr cita a semana útil de quatro dias, testada e adotada por algumas empresas.

Experimentos realizados na Islândia e nos Estados Unidos mostraram que, ao adotar a jornada de trabalho reduzida, a produtividade se manteve ou até aumentou. No Brasil, uma pesquisa realizada pela WeWork e pelo Page Group, com colaboração da Exboss e da Reconnect Happiness at Work, mostrou que 83% são favoráveis à mudança e cerca de 76% acreditam que seriam mais produtivos no modelo.

Lei trabalhista pode ser obstáculo para adoção do “chronoworking”

A legislação brasileira é muito clara: pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jornada padrão é de oito horas por dia e 44 horas por semana. A flexibilização completa pode ser difícil, mas não há um horário estabelecido e não precisa ser ininterrupta, pontua a advogada trabalhista Fernanda Perregil.

Apesar disso, há alguns pontos que podem se tornar obstáculos para a adoção do modelo no Brasil. A lei exige que haja um acréscimo de 20% no pagamento das horas trabalhadas entre as 22h e 5h – o que pode desmotivar os patrões.

Para que o modelo funcione, a gestão precisa pensar de que forma vai regular o tempo trabalhado pelas pessoas, de maneira que a jornada não saia totalmente do controle da empresa, entende Perregil.

“É uma questão de saúde. Um debate importante nessa área é o do direito à desconexão do trabalho. A pessoa que trabalha na hora que ela quer também precisa de um limite na conexão. Caso não haja, pode tornar-se o contrário do bem-estar”, ressalta.

A advogada avalia que o “chronoworking” também pode ser difícil de ser implementado por profissionais que trabalham com relações comerciais – no caso de alguém que prefere trabalhar em horários não convencionais. “Imagine receber uma mensagem depois das 22h? Pode não funcionar muito bem para quem precisa interagir com outras pessoas”, destaca.

*A funcionária solicitou alteração no seu nome por preocupação com possíveis repercussões da matéria na empresa onde está empregada.

Juliana* acorda todos os dias às 7h para chegar ao escritório de arquitetura onde trabalha, na cidade de São Paulo, às 8h. No entanto, ela passa parte das oito horas do serviço obrigatório pelo contrato CLT fingindo que está realizando as suas tarefas enquanto luta contra o sono. “Eu não funciono a essa hora”, diz.

A arquiteta de 26 anos acostumou-se, desde a época do colégio, a estudar e trabalhar durante a madrugada, momento em que se considera mais disposta e produtiva. Por isso, finaliza em segredo as demandas do escritório após a meia-noite. “Acordar cedo para mim é uma tortura, passo o dia parecendo um zumbi”, revela.

O “chronoworking”, ou “trabalho cronológico”, é uma nova proposta no mercado: um modelo de trabalho com horários completamente flexíveis, onde o profissional tem a liberdade de escolher o melhor momento para realizar as suas tarefas.

Para Wagner Gattaz, professor e vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Gattaz Health & Results, consultoria que atua com saúde mental dentro das empresas, o modelo pode reduzir as chances de desenvolvermos condições como ansiedade, depressão e burnout.

Horário totalmente flexível no trabalho é um bom modelo?  Foto: yellow_man - stock.adobe.com

Psiquiatra defende trabalho adequado ao ciclo biológico

Isso ocorre porque ele condiz com as nossas diferenças biológicas. O ciclo circadiano, que regula o nosso metabolismo e os nossos hormônios, varia de pessoa para pessoa. “Há aqueles que têm o pico de produtividade de madrugada e os que acordam às 6h cantando porque temos ciclos biológicos diferentes”, explica o psiquiatra.

O artigo “Interrupção do ritmo circadiano e saúde mental”, de 2020, escrito pelos neurocientistas americanos William Walker II, Courtney DeVries, James Walton e Randy Nelson conclui que, “embora a interrupção circadiana possa não ser a única causa dos distúrbios emocionais, ela pode provocar ou exacerbar os sintomas em indivíduos com predisposição para transtornos de saúde mental.”

Segundo Gattaz, a autonomia é um dos principais “fatores protetores” do bem-estar no trabalho. Quanto menos liberdade o funcionário tiver, mais ele vai se sentir estressado. “Um exemplo é o home office, que precipitou essas mudanças durante a pandemia. Nesse modelo, muitas pessoas conseguiram adequar melhor o trabalho ao seu ritmo biológico e aumentar a produtividade”, cita o psiquiatra.

Um estudo divulgado no fim de 2023 pela Scoop Technologies e pelo Boston Consulting Group (BCG) descobriu que empresas que são completamente remotas ou permitem que os funcionários escolham quando vão ao escritório aumentaram as vendas em 21% entre 2020 e 2022, em comparação com um crescimento de 5% para empresas com forças de trabalho híbridas ou totalmente presenciais.

Não é qualquer empresa que pode implementar o “chronoworking”. Alguns exemplos são serviços de emergência, restauração e alguns modelos de atendimento ao cliente; manufatura com linha de produção contínua; educação presencial; transporte público. “Nesses casos, a questão é adequar e dar preferência ao trabalho para o turno em que a pessoa é mais produtiva”, defende Gattaz.

Questionado sobre possíveis preocupações relacionadas ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, ele afirma que “para o trabalhador, mesmo que se sacrifiquem horários sociais, [o chronoworking] é mais produtivo”.

Empresas têm dificuldade para se adaptar a novos modelos

Há 16 anos, a publicitária Cris Kerr trabalhou em uma multinacional americana, onde liderava um colaborador “maravilhoso, o mais criativo” na área de marketing. O horário de trabalho era de 9h às 18h. Mas, todos os dias, ele chegava atrasado.

Ele perguntava: “Por que não posso trabalhar no meu horário? Não sou produtivo de manhã, meu cérebro só começa a funcionar às 11h”. Sabendo da qualidade das suas entregas, Kerr levou a solicitação do colaborador ao departamento de Recursos Humanos, que permaneceu irredutível em manter as regras da companhia.

CEO e fundadora da CKZ Diversidade, que presta consultoria de diversidade e inclusão para ambientes corporativos, Cris Kerr tem certeza de que a empresa onde trabalhou teria tido ainda melhores resultados se tentasse se adaptar aos horários do funcionário.

“Para uma empresa ser diversa e inclusiva, ela precisa entender a individualidade de cada pessoa, que somos seres diferentes. Quando essa diferença é respeitada, a pessoa se sente mais valorizada e, consequentemente, entrega mais”, afirma.

De acordo com ela, as gestões brasileiras ainda são muito atreladas ao controle rígido de horários. Nenhuma das empresas que ela atende cogita adotar o modelo de “chronoworking”, por exemplo. Poucas, que têm o perfil mais desenvolvido no tema de diversidade e inclusão e trabalham com a temática há anos, adotam o “horário flexível”.

Nesse modelo, as pessoas podem começar a trabalhar entre 7h e 10h da manhã, e terminar entre 15h e 19h. Todas têm que trabalhar durante oito horas, obrigatoriamente. No entanto, observa Kerr, a flexibilidade muitas vezes não é respeitada ou bem implementada. “O que acontece é que muitos gestores e lideranças marcam reunião às 17h para quem entrou às 7h e já deveria ter ido embora”, exemplifica.

“O desafio está muito mais ligado à cultura corporativa brasileira. Temos visto empresas voltando 100% ao presencial, mesmo perdendo gente. No home office, as pessoas se adaptaram a ficar em casa, a trabalhar bem, a entregar bem. Quando as companhias decidem voltar, não estão pensando no bem estar dos seus funcionários”, declara.

Na visão de Kerr, o “chronoworking”, se bem estabelecido – com supervisões focadas nos resultados –, permitiria que as pessoas fossem mais produtivas e pudessem conciliar melhor o trabalho com a vida pessoal, tendo qualidade de vida. “Escolher horários em que possam passar mais tempo com os filhos, ou fazer exercício físico, não pegar trânsito.”

Como demonstração de que o tempo trabalhado não é o melhor método para garantir eficiência, Kerr cita a semana útil de quatro dias, testada e adotada por algumas empresas.

Experimentos realizados na Islândia e nos Estados Unidos mostraram que, ao adotar a jornada de trabalho reduzida, a produtividade se manteve ou até aumentou. No Brasil, uma pesquisa realizada pela WeWork e pelo Page Group, com colaboração da Exboss e da Reconnect Happiness at Work, mostrou que 83% são favoráveis à mudança e cerca de 76% acreditam que seriam mais produtivos no modelo.

Lei trabalhista pode ser obstáculo para adoção do “chronoworking”

A legislação brasileira é muito clara: pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jornada padrão é de oito horas por dia e 44 horas por semana. A flexibilização completa pode ser difícil, mas não há um horário estabelecido e não precisa ser ininterrupta, pontua a advogada trabalhista Fernanda Perregil.

Apesar disso, há alguns pontos que podem se tornar obstáculos para a adoção do modelo no Brasil. A lei exige que haja um acréscimo de 20% no pagamento das horas trabalhadas entre as 22h e 5h – o que pode desmotivar os patrões.

Para que o modelo funcione, a gestão precisa pensar de que forma vai regular o tempo trabalhado pelas pessoas, de maneira que a jornada não saia totalmente do controle da empresa, entende Perregil.

“É uma questão de saúde. Um debate importante nessa área é o do direito à desconexão do trabalho. A pessoa que trabalha na hora que ela quer também precisa de um limite na conexão. Caso não haja, pode tornar-se o contrário do bem-estar”, ressalta.

A advogada avalia que o “chronoworking” também pode ser difícil de ser implementado por profissionais que trabalham com relações comerciais – no caso de alguém que prefere trabalhar em horários não convencionais. “Imagine receber uma mensagem depois das 22h? Pode não funcionar muito bem para quem precisa interagir com outras pessoas”, destaca.

*A funcionária solicitou alteração no seu nome por preocupação com possíveis repercussões da matéria na empresa onde está empregada.

Juliana* acorda todos os dias às 7h para chegar ao escritório de arquitetura onde trabalha, na cidade de São Paulo, às 8h. No entanto, ela passa parte das oito horas do serviço obrigatório pelo contrato CLT fingindo que está realizando as suas tarefas enquanto luta contra o sono. “Eu não funciono a essa hora”, diz.

A arquiteta de 26 anos acostumou-se, desde a época do colégio, a estudar e trabalhar durante a madrugada, momento em que se considera mais disposta e produtiva. Por isso, finaliza em segredo as demandas do escritório após a meia-noite. “Acordar cedo para mim é uma tortura, passo o dia parecendo um zumbi”, revela.

O “chronoworking”, ou “trabalho cronológico”, é uma nova proposta no mercado: um modelo de trabalho com horários completamente flexíveis, onde o profissional tem a liberdade de escolher o melhor momento para realizar as suas tarefas.

Para Wagner Gattaz, professor e vice-presidente do Conselho Diretor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Gattaz Health & Results, consultoria que atua com saúde mental dentro das empresas, o modelo pode reduzir as chances de desenvolvermos condições como ansiedade, depressão e burnout.

Horário totalmente flexível no trabalho é um bom modelo?  Foto: yellow_man - stock.adobe.com

Psiquiatra defende trabalho adequado ao ciclo biológico

Isso ocorre porque ele condiz com as nossas diferenças biológicas. O ciclo circadiano, que regula o nosso metabolismo e os nossos hormônios, varia de pessoa para pessoa. “Há aqueles que têm o pico de produtividade de madrugada e os que acordam às 6h cantando porque temos ciclos biológicos diferentes”, explica o psiquiatra.

O artigo “Interrupção do ritmo circadiano e saúde mental”, de 2020, escrito pelos neurocientistas americanos William Walker II, Courtney DeVries, James Walton e Randy Nelson conclui que, “embora a interrupção circadiana possa não ser a única causa dos distúrbios emocionais, ela pode provocar ou exacerbar os sintomas em indivíduos com predisposição para transtornos de saúde mental.”

Segundo Gattaz, a autonomia é um dos principais “fatores protetores” do bem-estar no trabalho. Quanto menos liberdade o funcionário tiver, mais ele vai se sentir estressado. “Um exemplo é o home office, que precipitou essas mudanças durante a pandemia. Nesse modelo, muitas pessoas conseguiram adequar melhor o trabalho ao seu ritmo biológico e aumentar a produtividade”, cita o psiquiatra.

Um estudo divulgado no fim de 2023 pela Scoop Technologies e pelo Boston Consulting Group (BCG) descobriu que empresas que são completamente remotas ou permitem que os funcionários escolham quando vão ao escritório aumentaram as vendas em 21% entre 2020 e 2022, em comparação com um crescimento de 5% para empresas com forças de trabalho híbridas ou totalmente presenciais.

Não é qualquer empresa que pode implementar o “chronoworking”. Alguns exemplos são serviços de emergência, restauração e alguns modelos de atendimento ao cliente; manufatura com linha de produção contínua; educação presencial; transporte público. “Nesses casos, a questão é adequar e dar preferência ao trabalho para o turno em que a pessoa é mais produtiva”, defende Gattaz.

Questionado sobre possíveis preocupações relacionadas ao equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, ele afirma que “para o trabalhador, mesmo que se sacrifiquem horários sociais, [o chronoworking] é mais produtivo”.

Empresas têm dificuldade para se adaptar a novos modelos

Há 16 anos, a publicitária Cris Kerr trabalhou em uma multinacional americana, onde liderava um colaborador “maravilhoso, o mais criativo” na área de marketing. O horário de trabalho era de 9h às 18h. Mas, todos os dias, ele chegava atrasado.

Ele perguntava: “Por que não posso trabalhar no meu horário? Não sou produtivo de manhã, meu cérebro só começa a funcionar às 11h”. Sabendo da qualidade das suas entregas, Kerr levou a solicitação do colaborador ao departamento de Recursos Humanos, que permaneceu irredutível em manter as regras da companhia.

CEO e fundadora da CKZ Diversidade, que presta consultoria de diversidade e inclusão para ambientes corporativos, Cris Kerr tem certeza de que a empresa onde trabalhou teria tido ainda melhores resultados se tentasse se adaptar aos horários do funcionário.

“Para uma empresa ser diversa e inclusiva, ela precisa entender a individualidade de cada pessoa, que somos seres diferentes. Quando essa diferença é respeitada, a pessoa se sente mais valorizada e, consequentemente, entrega mais”, afirma.

De acordo com ela, as gestões brasileiras ainda são muito atreladas ao controle rígido de horários. Nenhuma das empresas que ela atende cogita adotar o modelo de “chronoworking”, por exemplo. Poucas, que têm o perfil mais desenvolvido no tema de diversidade e inclusão e trabalham com a temática há anos, adotam o “horário flexível”.

Nesse modelo, as pessoas podem começar a trabalhar entre 7h e 10h da manhã, e terminar entre 15h e 19h. Todas têm que trabalhar durante oito horas, obrigatoriamente. No entanto, observa Kerr, a flexibilidade muitas vezes não é respeitada ou bem implementada. “O que acontece é que muitos gestores e lideranças marcam reunião às 17h para quem entrou às 7h e já deveria ter ido embora”, exemplifica.

“O desafio está muito mais ligado à cultura corporativa brasileira. Temos visto empresas voltando 100% ao presencial, mesmo perdendo gente. No home office, as pessoas se adaptaram a ficar em casa, a trabalhar bem, a entregar bem. Quando as companhias decidem voltar, não estão pensando no bem estar dos seus funcionários”, declara.

Na visão de Kerr, o “chronoworking”, se bem estabelecido – com supervisões focadas nos resultados –, permitiria que as pessoas fossem mais produtivas e pudessem conciliar melhor o trabalho com a vida pessoal, tendo qualidade de vida. “Escolher horários em que possam passar mais tempo com os filhos, ou fazer exercício físico, não pegar trânsito.”

Como demonstração de que o tempo trabalhado não é o melhor método para garantir eficiência, Kerr cita a semana útil de quatro dias, testada e adotada por algumas empresas.

Experimentos realizados na Islândia e nos Estados Unidos mostraram que, ao adotar a jornada de trabalho reduzida, a produtividade se manteve ou até aumentou. No Brasil, uma pesquisa realizada pela WeWork e pelo Page Group, com colaboração da Exboss e da Reconnect Happiness at Work, mostrou que 83% são favoráveis à mudança e cerca de 76% acreditam que seriam mais produtivos no modelo.

Lei trabalhista pode ser obstáculo para adoção do “chronoworking”

A legislação brasileira é muito clara: pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a jornada padrão é de oito horas por dia e 44 horas por semana. A flexibilização completa pode ser difícil, mas não há um horário estabelecido e não precisa ser ininterrupta, pontua a advogada trabalhista Fernanda Perregil.

Apesar disso, há alguns pontos que podem se tornar obstáculos para a adoção do modelo no Brasil. A lei exige que haja um acréscimo de 20% no pagamento das horas trabalhadas entre as 22h e 5h – o que pode desmotivar os patrões.

Para que o modelo funcione, a gestão precisa pensar de que forma vai regular o tempo trabalhado pelas pessoas, de maneira que a jornada não saia totalmente do controle da empresa, entende Perregil.

“É uma questão de saúde. Um debate importante nessa área é o do direito à desconexão do trabalho. A pessoa que trabalha na hora que ela quer também precisa de um limite na conexão. Caso não haja, pode tornar-se o contrário do bem-estar”, ressalta.

A advogada avalia que o “chronoworking” também pode ser difícil de ser implementado por profissionais que trabalham com relações comerciais – no caso de alguém que prefere trabalhar em horários não convencionais. “Imagine receber uma mensagem depois das 22h? Pode não funcionar muito bem para quem precisa interagir com outras pessoas”, destaca.

*A funcionária solicitou alteração no seu nome por preocupação com possíveis repercussões da matéria na empresa onde está empregada.

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