A jornada do especialista em marketing Matheus de Souza, 35, como nômade digital começou em 2017, quando a cultura do trabalho remoto ainda era um sonho distante. Após 6 anos conhecendo o mundo e tendo visitado mais de 30 países no processo, em junho deste ano, ele decidiu pendurar a mochila e se estabelecer em Paris, na França.
Quando tudo começou, Souza conta que as pessoas não entendiam seu estilo de vida. Autor do livro “Nômade Digital: um guia para você viver e trabalhar como e onde quiser”, finalista do prêmio Jabuti de 2020, ele sempre trabalhou para clientes brasileiros durante suas viagens e não via a necessidade de ter um endereço fixo. Seus primeiros passos nessa jornada foram marcados pela vontade de escapar da vida convencional que muitas pessoas seguiam.
“Em 2017, quando comecei, poucos viam o trabalho remoto como uma opção viável. Minha mãe levou cerca de três anos para realmente entender o que eu fazia”, lembra Souza. “Naquela época, sair de casa para ligar o computador em outro lugar e realizar o mesmo trabalho parecia uma ideia maluca.”
Original de Imbituba, no interior de Santa Catarina, Matheus começou a explorar diversos destinos enquanto trabalhava e morava em países como Tailândia, Vietnã e Albânia. Apesar dos perrengues e da falta de estabilidade, a vida do publicitário era tudo que ele sonhou.
O período da pandemia, com as fronteiras fechadas na Tailândia, sem poder voltar ao Brasil, foi o primeiro momento em que a sua saúde mental ficou abalada. A incerteza global e a preocupação com a família no Brasil fizeram com que enfrentasse um período difícil.
“Passar a pandemia longe de casa, com as fronteiras fechadas e o medo de não poder ver minha família, foi meu maior desafio”, explica Souza.
Em 2023, ele e a namorada escolheram Paris como seu novo lar. Ela conseguiu um emprego na cidade, e eles decidiram estabelecer raízes na capital francesa. As mudanças de prioridades são um movimento natural, afirma Souza, mas reitera que não é possível generalizar as experiências de quem toma a decisão de voltar ao estilo de vida tradicional.
“O nomadismo digital não deu errado para mim. Que bom que o Matheus de hoje não é o Matheus de 6 anos atrás. As coisas mudam, tenho novos objetivos de vida, mas eu faria tudo de novo.”
Saúde mental em xeque
Embora o nomadismo digital possa parecer atraente para muitas pessoas, nem todos que tentam adotar esse estilo de vida conseguem ou optam por permanecer nele a longo prazo.
Existem várias razões pelas quais as pessoas podem desistir do nomadismo digital, como isolamento social, insegurança financeira, falta de estabilidade, desafios logísticos, problemas de saúde e custo de vida.
Embora tenha visitado mais de 30 países e passado por experiências inesquecíveis durante os últimos anos, Souza lembra que houve diversos momentos em que ele se sentia triste e sozinho.
No período pré-guerra da Ucrânia em que passou na Rússia, por exemplo, ele ficou um mês sem trocar uma palavra com ninguém.
Souza diz que outros desafio é o estereótipo do nômade que vai para nunca mais voltar. Segundo ele, é preciso mostrar para as pessoas que trabalhar enquanto viaja o mundo não é uma decisão para sempre.
“Minha reserva de emergência servia para voltar toda vez que eu sentisse saudade do Brasil. Não era como se eu nunca mais fosse ver minha família, não precisa ser assim.”
Ele frisa que não largou tudo para viajar o mundo e reforça a necessidade de se planejar para fazer dar certo.
Desafios até para definir melhor detergente
Segundo a jornalista Marina Mattos, 30, principalmente no começo da jornada de um nômade, há muitos desafios práticos. Adaptar-se a uma nova cultura, idioma, entender o câmbio de moeda, as regras sociais e até encontrar um detergente que gosta demandam um esforço mental e emocional.
“São pequenas coisas com que lidamos para a manutenção da nossa qualidade de vida que saem do automático quando começamos a vivenciar outras culturas. Fora o trabalho de fazer e desfazer as malas, encontrar novas acomodações, pesquisar destinos e tudo mais que envolve uma mudança.”
Qual é a ideia que você têm quando o assunto são os nômades digitais? Provavelmente você imagina uma pessoa que largou tudo para viajar o mundo e trabalhar, pulando de endereço a endereço sem um local fixo e que nunca mais volta.
Para Marina, o estereótipo criado pela romantização desse estilo de vida gera uma necessidade externa de categorizar quem é nômade e quem não é. Esse rótulo pode restringir os próximos passos, frustrar aqueles que estão no início da jornada e criar expectativas irreais.
Após sete anos viajando pelo mundo e conhecendo mais de 20 países, ela diz que não deseja se enquadrar na ideia predefinida do que um nômade digital deve ser ou fazer.
Ela conta que ao começar a trabalhar na internet, compartilhando sua rotina e dicas de viagem, ficou incomodada com a imagem e a ideia que estavam sendo promovidas sobre esse estilo de vida. A imagem vendida é que o nomadismo parece fácil e simples.
“Não preciso de um rótulo como nômade digital e nem quero viver sob a pressão de estar em constante movimento para me sentir pertencente”, desabafa.
“O nomadismo é um estilo de vida volátil que demanda muito de você. Durante o caminho, é normal que seu passo, suas necessidades e sua definição de liberdade geográfica mudem. Faz parte do processo aceitar que você não terá as mesmas aspirações para sempre.”
Em 2023, Marina morou no Brasil, Itália e está há 3 meses na Alemanha, sem previsão de mudança.
“Mesmo que um dia decida me fixar em um país ou até voltar para um escritório, continuarei acreditando que a escolha de liberdade para trabalhar de onde quiser deveria ser de todos.”