Aos 58 anos, o CEO da loja de produtos para animais Petz, Sergio Zimerman, acumula altos e baixos na trajetória profissional, do primeiro negócio, na pele do palhaço Salsicha, ao empreendimento que chegou a ser avaliado em R$ 11 bilhões. Nascido em um território que respira comércio, o paulistano do Brás não teve medo de mergulhar no universo da gestão. Não só gostou de liderar, como também desenvolveu uma estratégia para identificar profissionais que se encaixam com o seu propósito. É contra rotular formas de liderar. Prefere dizer que não existe melhor ou pior, mas sim diferente.
No dia a dia, opta por um estilo mais informal. Costuma fazer feedback em um cafezinho ou durante um almoço. “Posso dar feedback três dias seguidos, ou posso ficar três meses sem fazer porque acho que não tem razão. Não quero fazer um feedback forçado. Diria que acontece de uma forma mais caótica, mas ao mesmo tempo muito mais natural”, conta.
Em entrevista ao Estadão, o executivo relembra episódios marcantes da carreira, como o dia em que foi rejeitado pela concorrente, a Cobasi, da época em que declarou falência de um antigo negócio e da virada de chave ao ter um tigre como atração para movimentar a loja recém-inaugurada, que viria se tornar uma das principais redes de pet shop do País com 240 lojas em 23 unidades da Federação.
Aos poucos, Zimerman vem incorporando um estilo de vida mais desacelerado, reflexo de quatro décadas de trabalho. Não abre mão da rotina de exercícios. Uma espécie de preparação para a nova fase que se aproxima: daqui a dois anos pretende fechar o ciclo no mundo corporativo e dar espaço para outros desafios e realizações pessoais.
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Sérgio Zimerman, CEO da pet shop Petz, é o entrevistado desta edição da série ‘DNA da Liderança’, com histórias de executivos e dicas de carreiras
Confira trechos da entrevista:
Como foi o início da sua carreira?
Nasci em um ambiente de comércio, morava no bairro do Brás. A minha casa tinha quarto, cozinha e a sala era uma loja. Na prática, morávamos nos fundos da loja (roupas infantis). Meu pai tinha essa confecção de roupas infantis, vendia para outros lojistas. Mas via o aborrecimento que ele passava, muitas vezes os clientes não pagavam em dia. Não queria isso para minha vida.
Estudei edificações (curso de nível técnico na área de engenharia civil) na (então) Escola Técnica Federal de São Paulo (atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP). Mas é curioso, que mesmo fazendo edificações, não me via como funcionário, me via como dono. No último ano da escola, fiz um estágio na Rede Ferroviária Federal, o meu único emprego como funcionário, em 1984, aos 18 anos.
Quando decidiu seguir carreira solo no empreendedorismo?
Meu carro foi roubado e recebi o seguro. Já estava desempregado (havia acabado de se formar, em 1985). Minha então namorada fazia animação de festas infantis aos finais de semana.
Fiz uma proposta para ela: ‘Em vez de comprar outro carro, pegamos o dinheiro desse seguro e fazemos uma roupa de palhacinha para você. Só me ensina como é que faz palhaço, que vou fazer. O dinheiro que sobrar usamos para divulgar o negócio’. Meu nome de batismo foi palhaço Salsicha.
Fiquei como palhaço por uns seis meses. Rapidamente vi que tinha oportunidade de escalar o negócio. Depois criamos um buffet, que incluía, além da animação, cachorro-quente, pipoca, algodão doce e refrigerante, tudo à vontade. Entre 1985 e 1989, o período em que operei esse buffet, foram mais de 4 mil festas.
No meio desse negócio, peguei uma crise de abastecimento por conta do Plano Cruzado e precisava de cerveja para oferecer nas festas. Montei uma adega para ajudar no buffet. Trabalhava de segunda a domingo sem parar, não conseguia curtir nada.
Fui tirando o pé do buffet, deixei para a minha irmã, e comecei a dar mais atenção à adega com o mercado, que foi dando certo. Já era o suficiente para sustentar minha família. Na época, já estava casado e com dois filhos, em 1990.
A adega virou mercado?
Em 1991, estava tocando o mercado e era atendido por um vendedor da Brahma chamado Levi, que fazia a rota dele de bares e botecos. Às 14h, ele terminava a rota. Chamei-o para uma sociedade informal. Comprava, fazia a lista de preços e na parte da tarde ele saia vendendo para clientes com quem já tinha contato pela Brahma. Nascia um atacado de alimentos.
Dez anos depois, em 2001, tinha 300 vendedores e era um dos três maiores atacados de São Paulo. O faturamento era de R$ 15 milhões mensais, o que hoje seriam mais de R$ 70 milhões por mês.
Todo dinheiro que ganhamos investimos, e o negócio começou a ficar difícil porque os juros comiam tudo. Quase que empatava na operação e depois perdia na hora de pagar os juros. O negócio desandou. Não tinha mais condições de honrar os compromissos e tinha o ponto da Marginal Tietê, recém-reformado.
A falência era uma questão de tempo. Não sabia o que ia fazer com o ponto.
Foi assim que surgiu a Petz?
O meu ex-cunhado fazia shampoo para cachorro no quintal da casa dele. Ele sugeriu montar um pet shop. Dei risada e disse que não tinha a menor possibilidade. A imagem que tinha de pet shop era um lugar de 100 metros quadrados que cheirava mal.
Curioso, mas envergonhado, liguei para o gerente da Pedigree e perguntei até constrangido se fazia sentido montar um pet shop no ponto. Ele respondeu: ‘Depende. Você quer montar algo estilo Cobasi?’ Não sabia o que era, nunca tinha ouvido falar.
Ele me deu o endereço e fui até a Cobasi Ceagesp. Quando conheci as lojas, foi imediato: é isso que vou fazer. Era muito trânsito para sair da zona norte até o Ceagesp, se conseguisse fazer uma coisa minimamente parecida com a que eles têm, estaria prestando um serviço para quem mora na zona leste e na zona norte.
Fui à Cobasi com a visão de quem ia entrar no segmento, mas não sabia por onde começar. Queria simplificar. Não precisava ser dono, poderia ser franqueado ou ter uma participação pequena. Falei com o gerente da loja e expliquei que tinha um ponto e queria falar com os donos para ser franqueado. O gerente disse que eles não tinham franquia e não iam atender.
Pensei: ‘Putz, não vou conseguir falar com os donos’. Mas ia fazer uma compra para começar e pedi orientação a respeito dos produtos que deveria pegar e se teria algum desconto para não pagar o preço que o consumidor paga. O gerente disse: ‘O consumidor compra tudo que está aqui na loja. Não tem uma lista do que você deveria comprar e o preço é o mesmo’.
Ali não ia ter apoio. Só tinha um caminho, aprender sozinho. Fui uns 10 dias seguidos na Cobasi, ficava de braços cruzados prestando atenção no que o consumidor fazia, como interagia, o que comprava, as deficiências no atendimento e os pontos fortes da Cobasi.
Assim nasceu a Petz Marginal (o nome original era Pet Center Marginal), em 2002. Entre a falência do atacado em março e a abertura da Petz em agosto, fiz todo esse processo em cinco meses.
(Atualização: depois desta entrevista, a Petz e a Cobasi anunciaram uma fusão. Leia reportagem sobre isso.)
O começo da Petz foi difícil?
Lembro do primeiro domingo à tarde dessa loja. Não tinha um carro de cliente dentro da loja, ninguém. O faturamento daquele domingo foi cerca de R$ 2 mil. Fui para casa destruído.
Tinha todos os problemas. Chamava os fornecedores, eles tinham uma baita desconfiança em cima de mim, porque quebrei no outro segmento. Tinha boato que tinha dado um golpe. Que golpe é esse que dei que estou trabalhando de segunda a domingo? Esse começo foi muito difícil.
Entre a primeira e a segunda semana da loja, estava assistindo ao Faustão e vi o adestrador Gilberto Miranda. Ele tinha um tigre em uma jaula, e os artistas da Globo entravam na jaula e ficavam passando a mão no tigre ao vivo. Procurei a produção da TV e consegui o contato do Gilberto Miranda.
Contratei o Gilberto por 12 domingos consecutivos. Veio gente de todos os bairros de São Paulo, do interior e do litoral. (O tigre ficava na jaula e as pessoas podiam tirar fotos ao lado do animal).
Só não vendia no domingo porque tinha muita gente. Mas o ponto ficou muito conhecido e nos outros dias da semana as pessoas que vieram aqui começaram a voltar para comprar na loja. No primeiro mês, vendemos R$ 200 mil, no segundo mês, R$ 370 mil, no terceiro mês, R$ 500 mil, no 9º mês chegou a vender um milhão. Graças a Deus saí do prejuízo.
Como lapidou o jeito de liderar?
Em 2013, estávamos com 27 lojas. Escolhi um fundo americano para vender o controle da empresa. Fiquei com 49,99% e vendi 50,01% para esse fundo. Queria alguém que ajudasse a dar capital, profissionalizar a empresa e dar governança. Eles ficaram na empresa até 2020.
O fundo me ajudou muito nesse sentido. Enquanto CEO, não tinha que ser especialista em nada. Tenho que ter times com pessoas que tenho profunda admiração e respeito pelo que elas estão fazendo, jamais posso ficar com a sensação de que sou melhor que elas.
Pelo contrário, tenho que ficar sempre com a sensação de que elas são muito melhores que eu no que se propõem a fazer. Deu muito certo esse pensamento, montamos times de altíssima performance. É um princípio que trago até hoje.
Quais são os atributos que procura nesses profissionais?
Busco resiliência, talvez seja uma das características mais fundamentais para lideranças e empreendedores. O mundo não é linear, tem momentos bons e outros difíceis. Quando a pessoa tem muita capacidade, flexibilidade, vontade de aprendizado e, sobretudo, resiliência para aguentar o tranco, é onde surgem as melhores performances.
Quem muda de emprego a cada dois anos, estatisticamente dá menos certo. Porque são pessoas para quem a grama do vizinho é sempre mais verde. Elas entram com muita motivação, mas vão desanimando até encontrar outro vizinho. Animam-se de novo e vão pulando de projeto em projeto.
Por outro lado, não é simplesmente contratar uma pessoa que está há dez anos na mesma empresa. Porque quem está há dez anos na mesma empresa, no mesmo cargo, pode ter indícios de acomodação.
O perfil que comecei a perceber que era mais aderente e com as melhores entregas era alguém que tinha vários anos na mesma empresa, mas tendo se movimentado. Já indica resiliência. Porque as empresas mudam muito de chefe. Quando você é adaptável e tem resiliência, aguenta essas trocas.
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O empreendedorismo te ajudou a liderar?
O empreendedor é quem gosta de fazer o filho. Administrador é quem cria o filho. Estava muito focado só no empreendedorismo. O meu tesão estava até o dia que abria a loja.
Fui desenvolvendo especialmente com a entrada do fundo uma vontade de aprender um pouco mais a ser gestor e não só empreendedor. Fui trazendo alguns conceitos de gestão que li.
Um livro que teve muita influência na minha maneira de enxergar a organização se chama ‘O Monge e o Executivo’, que fala do princípio da liderança servidora, que propõe a pirâmide invertida. Não tem ninguém olhando para o CEO, o CEO é que está olhando para todo mundo. O meu papel aqui é tirar o máximo dos meus vice-presidentes e diretores que trabalham direto comigo, preciso facilitar a vida deles e ajudá-los para que entreguem o máximo.
Qual é o papel deles? Fazer com que os gerentes entreguem o máximo. Qual é o papel do gerente? Apoiar a base para fazer com que entregue o máximo. Qual é o papel da base? Atender o cliente. Uma organização saudável é aquela em que o chefe entende que ele está lá para servir e não para ser servido.
Na teoria, é bem mais fácil do que na prática. Porque normalmente as pessoas pegam cargos de chefe e querem ser servidos.
Foi difícil para você?
Para mim, não. Essa foi uma característica que me ajudou demais. Antes do fundo, eu tinha 100% da companhia sozinho e não gostava de ficar tomando decisões como um tirano. Gostava de ouvir os gerentes, de envolvê-los e de saber a opinião deles para comprarem a ideia também.
Defina o seu estilo de liderança.
Há dois eixos que fazem muita diferença. Aqui faço uma advertência: não estou dizendo que um é melhor e outro é pior. Vejo os dois estilos tendo expoentes de liderança que funcionam muito bem.
No primeiro estilo, você é minha funcionária e quero que vá até o Rio de Janeiro. Preciso que chegue lá. Não falo mais nada, te digo o objetivo e agora você se vira. Pense no melhor jeito de chegar. Esse é o seu papel, ajudei a dar o objetivo da chegada.
Tem outro estilo de liderança que é assim: “Olha, quero que você chegue ao Rio de Janeiro. Mas você vai de carro pela rodovia Ayrton Senna, faz uma parada, depois paga pedágio, etc. Esse estilo dá todo o caminho para chegar ao Rio de Janeiro.
Existem esses dois estilos, a liderança que é mais diretiva, que fica dando todo o caminho e você está ali para seguir a orientação. A outra liderança só pede para você chegar lá. Me identifico muito mais com o segundo estilo.
Isso é um problema, por isso que falo que não tem liderança melhor ou pior. Várias pessoas que trabalharam comigo saem chateadas e perdidas. Elas falam: ‘ele não me dá feedback, não sei como estou indo, não sei o que tenho que fazer’. Ela tem tanta liberdade de fazer as coisas que simplesmente fica perdida.
Por outro lado, desenvolvi pessoas empreendedoras, que amam trabalhar comigo porque não me meto nos detalhes. Isso cria um empoderamento, um espírito de pertencimento de que esse negócio é dela, de que ela está fazendo e que tem a marca dela no negócio. Mas é melhor do que o outro jeito de liderar? Não é melhor, é diferente.
Preciso de um profissional que goste de ter liberdade. O inverso é verdadeiro também: um profissional que gosta de liberdade e pega um chefe diretivo dá muita faísca. O cara vai dizer que não tem liberdade para escolher o jeito que vai tocar o trabalho.
Não quero mudar, não acho que seja um problema. É uma característica que traz vários benefícios.
Dar feedback não é o seu estilo?
Não da forma que o RH enxerga.
Como você enxerga feedback?
O meu feedback é inconstante, no sentido de que não tenho data para fazer, nem periodicidade, faço feedback quando acho que é a hora.
Posso te dar feedback três dias seguidos, ou posso ficar três meses sem fazer porque acho que não tem razão. Não quero fazer um feedback forçado.
Essa agenda que se tem de fazer um questionário e de fazer perguntas forçadas cuja resposta nem sei direito, respeito, acho que até para ficar em paz com a direção do RH.
A única coisa que peço para a direção do RH: ‘Não me peça para fazer, porque não vou fazer isso com os meus subordinados. Mas se vocês acham que é importante e querem fazer, respeito e não vou proibir’.
Não me sinto bem. Gosto de fazer feedback em um cafezinho informal. Acontece de uma forma mais caótica, mas muito mais natural.
Pretende tirar um período sabático ou desacelerar no trabalho?
Só se for sabático nos próximos 60 anos (risadas). A minha pretensão é parar como executivo, em 2026.
Qual é o seu plano?
Viajar. Desde os 18 anos não paro de trabalhar. Dos 18 até os 60 vai dar 42 anos de trabalho, praticamente ininterruptos. Quero viajar mais, estou em um casamento novo também.
Enquanto isso, como faz para equilibrar a vida pessoal e profissional?
O equilíbrio aumenta a produtividade. Mas é complexo, não é uma resposta simples. Por mais que você se esforce em equilibrar, acabamos tendo muitas funções. Sou presidente da empresa, sou subordinado ao conselho da companhia. Sou membro de associações. Mas sou pai, sou filho, sou irmão, tenho mãe.
Tem as coisas pessoais, tempo para ler um livro, por exemplo. Acho que em tudo na vida sou bem desorganizado. Mas é uma desorganização em que fico tranquilo.
Fico bem no caos. Na verdade, fico incomodado quando está tudo arrumado, me perco. Na minha bagunça, me acho. Não estabeleço nenhum tipo de rotina. O que estou tentando ter na minha rotina é a disciplina do exercício, faço todos os dias na academia do prédio. Também tenho esteira em casa.
Antes dava desculpa quando aparecia uma reunião cedo. Mas essa semana teve reunião e ia ter que chegar mais cedo no escritório. Acordei 6h da manhã e fui fazer esteira. Não vou dar mais desculpa. Se quero viver bem e aumentar minha expectativa de vida, tenho que tomar cuidado nisso.
Qual é o conselho que você deixa para as pessoas que querem se tornar CEO?
Muito foco em aprendizado, o tempo todo. Existe uma diferença entre as variáveis que você controla e as que não controla. Infelizmente, a grande maioria das pessoas gasta muito mais tempo com as variáveis que não controla.
Uma das variáveis que você não controla é o cargo que você vai ter ou o salário que vai ter. Mas o que você controla é o que você vai valer. Se você gastar mais energia com a preocupação de querer valer mais, não se preocupe com o ganho porque não é a sua atribuição.
Foque incansavelmente em valer mais. Não importa qual seja o seu salário. Porque se você estiver obstinado em querer valer mais, a empresa inevitavelmente vai reconhecer que você está valendo muito mais do que ganha e não pode te perder, ou, se não tiver capacidade de enxergar isso, o mercado enxergará.
Quando você faz uma coisa a mais do que o seu contrato diz, não está fazendo algo para a empresa, está aprendendo algo novo. Terminou um curso de idioma? Faça outro. Crie hábito de ler jornal.
Invista em você mesmo, porque isso você controla, e deixe que o mundo conspire a seu favor. O CEO é uma consequência de estar pensando dessa forma. Pode começar na empresa como empacotador. Se tiver essas formações de carreira e não perder a cabeça, chega ao topo por pensar o tempo todo desse jeito.