Cristais e banho de espuma não são autocuidado real; você precisa pôr limite no trabalho, diz autora


Em entrevista ao Estadão, a psiquiatra e escritora americana Pooja Lakshmin traz dicas de como conseguir equilíbrio no trabalho e defende que o falso autocuidado não resolve problemas reais

Por Carla Menezes e Jayanne Rodrigues
Foto: Cerissa Tulop/Divulgação
Entrevista comPooja LakshminAutora do livro “Autocuidado de Verdade: Um Programa Transformador Para Redefinir o Bem-Estar Sem Cristais, Purificações ou Banhos de Espuma”

Esqueça o ritual de skincare e a aula de ioga como formas de autocuidado. O crucial é descobrir seus princípios e alinhar seus valores, em vez de apostar em métodos superficiais. É o que defende Pooja Lakshmin, psiquiatra especializada em saúde mental feminina e autora do best-seller “Autocuidado de Verdade: Um Programa Transformador Para Redefinir o Bem-Estar Sem Cristais, Purificações ou Banhos de Espuma”.

Lakshmin, que também é professora da George Washington University e colaboradora do The New York Times, destaca que o falso autocuidado proporciona um alívio temporário, mas não resolve problemas profundos, como a necessidade de estabelecer limites no trabalho.

continua após a publicidade

No livro, a autora americana de origem indiana compartilha histórias de suas pacientes que sofriam de burnout e de perfeccionismo e buscavam resolver problemas com soluções de curto prazo, como detox e spas.

Sharon, uma jornalista de 45 anos, é um exemplo. Após ser demitida de um emprego bem-sucedido, tornou-se professora de ioga. Mesmo assim, sentia-se isolada e desesperada. Ela percebeu que usava o autocuidado para obter reconhecimento e validação pessoal.

Em entrevista ao Estadão, Lakshmin explica que o verdadeiro autocuidado baseia-se em processos internos. “Se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe”, sugere.

continua após a publicidade

Confira alguns trechos da entrevista:

Como diferenciar o autocuidado real do falso autocuidado? Pode citar exemplos?

O autocuidado é um método ou uma ferramenta (meditação, ioga ou até mesmo mudar sua dieta). É algo que você precisa fazer ou comprar. Isso funciona para uma circunstância específica.

continua após a publicidade

Mas quando você não pratica o verdadeiro autocuidado, que se baseia em princípios, essas ferramentas sempre vão parecer vazias ou apenas mais uma coisa na lista de tarefas que é difícil encontrar tempo para fazer.

O verdadeiro autocuidado envolve limites, compaixão, valores e poder. Todas essas coisas são processos internos. Não é algo que você pode comprar ou simplesmente riscar de uma lista de tarefas.

Pooja Lakshmin

Também é algo que muda suas relações, em particular. Porque muda a maneira como você se comporta em seus relacionamentos, isso cria um efeito cascata e tem o potencial de causar outros tipos de mudanças sistêmicas e estruturais. Em última análise, são o motivo pelo qual, para as mulheres estamos constantemente nos sentindo estressadas e ansiosas, como se precisássemos de autocuidado.

continua após a publicidade

Qual conselho daria para mulheres que, como suas pacientes, têm múltiplos papéis além de um trabalho convencional e acreditam que um banho de espuma ou uma máscara facial resolverão todos os problemas?

Diria que já fui essa pessoa. Eu entendo totalmente. O banho de espuma ou a máscara facial na verdade são um escape, um alívio temporário. Mas, depois que você sai do banho ou termina a máscara facial ou a meditação, ainda volta para a sua mesma vida.

A única maneira de se sentir melhor dentro dessa vida é estabelecer limites, ter compaixão e tomar decisões.

Pooja Lakshmin

continua após a publicidade

A razão pela qual chamo o banho de espuma de falso é por ser um escape. Não está realmente resolvendo nenhum dos problemas. Não estou dizendo para não fazer isso. Você ainda pode fazer. Todos nós precisamos de escapes, mas precisa reconhecer que tem suas limitações.

É por isso que mesmo que esteja fazendo todas as coisas que os artigos dizem para você fazer em relação ao autocuidado, ainda não se sente bem.

A psiquiatra e escritora Pooja Lakshmin. Foto: Cerissa Tulop/Divulgação
continua após a publicidade

O Brasil tem uma das jornadas de trabalho semanais mais longas, de acordo com a OCDE. É possível manter o verdadeiro autocuidado diante dessa realidade?

O verdadeiro autocuidado é uma proteção contra essa realidade. Por exemplo, se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe.

Se você já tem cinco projetos diferentes nos quais foi instruído a trabalhar e seu chefe diz, “aqui está mais um”, então você responde: “Ok, o que gostaria que eu priorizasse?”

Isso é o verdadeiro autocuidado. Não se culpe pensando: “não sou um bom funcionário. Não estou fazendo um bom trabalho”. É uma habilidade para você aprender a gerenciar as expectativas.

Você poderia nos dar alguns exemplos práticos de como estabelecer limites no trabalho?

Gosto de dizer que estabelecer limites não é sempre dizer “não”, porque se seu chefe te pedir: “Ei, você pode vir trabalhar no fim de semana?” e disser “não”, pode não receber a próxima promoção, certo? Ou talvez até perder seu emprego.

Então, digo que o limite é a pausa. Você tem três opções: sim, não ou negociar. Nem sempre será capaz de dizer “não” para trabalhar no fim de semana, mas pode dizer a si mesmo: “O que preciso fazer para que daqui a um ano esteja mais perto de poder dizer ‘não’?”

  • Preciso procurar mudar para outro setor ou uma equipe diferente?
  • Preciso ter uma compreensão mais clara de quais são as prioridades para este trabalho, para que possa me concentrar nelas e não lidar com algumas das coisas que são menos prioritárias?
  • Ou realmente não gosto deste chefe e preciso encontrar um novo emprego?

Pode ser qualquer uma dessas alternativas, mas a pausa é quando você se dá tempo para pensar sobre isso. E também reservar um tempo na sua agenda para realmente pensar nessas coisas.

Outro exemplo é de uma paciente que tinha um colega que, toda vez em que se reuniam, era muito condescendente e rude com ela. Ela não sabia como responder e fingia que não estava acontecendo. Ela acabou tendo uma conversa com esse colega, perguntando o que estava acontecendo e nomeando: “Eu notei que às vezes, quando estamos em reuniões juntos, eu me sinto de uma certa maneira (desconfortável)”.

O colega disse: “Não tinha ideia de que estava agindo dessa maneira. Percebo que, quando estou no Zoom, sou muito diferente de como sou na vida real e preciso ser um pouco mais expressivo no Zoom com respostas positivas. Caso contrário, as pessoas não percebem”.

Exemplos como esse, onde você realmente precisa comunicar e nomear o que está funcionando e o que não está funcionando, em vez de sempre assumir que tudo é sua culpa é capaz de fazer uma mudança cultural para que as pessoas se sintam mais confortáveis em compartilhar o que estão pensando e como estão se sentindo.

Pooja Lakshmin

Todos esses aspectos impactam a cultura. A mudança vem de cima. Portanto, as pessoas que estão no topo das organizações precisam acreditar e praticá-las para que isso mude.

Confira outras dicas de como estabelecer limites no trabalho:

As micropausas durante o dia podem ser eficazes?

Há evidências que mostram que tirar várias pausas curtas durante o dia pode ajudar com sentimentos de fadiga e melhorar a capacidade de foco e concentração. É importante, nessas pausas, sair da sua cabeça e se conectar com o corpo. Seja dando uma caminhada rápida, ouvindo música, fazendo algum tipo de alongamento ou ioga.

Qualquer coisa assim será útil, mas você precisa ter cuidado porque, novamente, isso é uma ferramenta. Então, é útil, mas só mudará sua vida se você também estiver trabalhando em limites, compaixão e pensando em valores.

Para uma pessoa que só tenha praticado o autocuidado falso e queira começar a praticar o verdadeiro autocuidado, qual seria o primeiro passo?

O primeiro passo seria a pausa com os limites. Talvez você possa olhar para seu dia ou semana e ver se há algo extra em que você não precise estar envolvido. Talvez seja uma reunião. Talvez seja uma obrigação social da qual você realmente não quer participar.

Pratique a pausa da próxima vez em que algo surgir e alguém te perguntar: “Ei, você pode ajudar com este comitê? Ei, você pode participar deste evento?”

Pause e pense: “Posso dizer não? Quero dizer não? Ou quero fazer perguntas? Quanto tempo isso vai durar? Quem mais está envolvido?” Isso é uma forma de negociar.

Estamos falando de empregos das 9h às 17h, e quanto àqueles invisíveis, como cuidar dos filhos ou dos pais? Como podemos aplicar essas dicas nesses outros trabalhos?

Sabemos que as mulheres são as que acabam fazendo a maior parte do trabalho de criação dos filhos e das tarefas domésticas. Então, você deve começar a olhar para onde pode pausar e pensar: “Preciso realmente fazer isso? É uma necessidade? É algo de que gosto de fazer?”

Talvez seus filhos não tenham roupas perfeitamente combinando o tempo todo, ou talvez eles não façam todas as atividades que todo mundo faz. É como se tivesse que escolher e selecionar, e a maneira de fazer isso é começando a pensar sobre com o que você realmente se importa, o que é realmente importante para sua família.

Queremos valorizar o estar juntos mais do que correr para fazer todas essas coisas diferentes? Ou realmente valorizamos sair de férias juntos, e isso é algo de que realmente gostamos?

Vai ser diferente para cada um.

Bússola do autocuidado de verdade

Segundo Pooja Lakshmin, o conceito de estrela-guia (espécie de lema para tomar decisões ao longo da vida) é comum entre lideranças. No entanto, conforme a fase de cada pessoa, os valores e as prioridades podem mudar.

Com isso, em vez de usar uma única estrela-guia, a autora propõe adotar uma bússola pessoal que seja mais flexível às mudanças da vida, no âmbito íntimo ou profissional.

Veja o guia e experimente montar a própria bússola:

A bússola é um guia prático que se baseia em três perguntas fundamentais: o quê, como e por quê.

  1. O quê: Identifique um objetivo claro para três áreas da sua vida: pessoal, profissional (ou acadêmica) e familiar. Esses são os seus “os quês”, orienta Lakshmin.
  2. Como: Pense em como pretende alcançar esses objetivos. A autora ressalta que a “chave aqui é identificar como você quer fazer isso, e não como a chefia os seus pais querem.”
  3. Por quê: É um manifesto pessoal que se conecta à sua verdade interior e reflete o que realmente faz se sentir uma pessoa realizada.

Esqueça o ritual de skincare e a aula de ioga como formas de autocuidado. O crucial é descobrir seus princípios e alinhar seus valores, em vez de apostar em métodos superficiais. É o que defende Pooja Lakshmin, psiquiatra especializada em saúde mental feminina e autora do best-seller “Autocuidado de Verdade: Um Programa Transformador Para Redefinir o Bem-Estar Sem Cristais, Purificações ou Banhos de Espuma”.

Lakshmin, que também é professora da George Washington University e colaboradora do The New York Times, destaca que o falso autocuidado proporciona um alívio temporário, mas não resolve problemas profundos, como a necessidade de estabelecer limites no trabalho.

No livro, a autora americana de origem indiana compartilha histórias de suas pacientes que sofriam de burnout e de perfeccionismo e buscavam resolver problemas com soluções de curto prazo, como detox e spas.

Sharon, uma jornalista de 45 anos, é um exemplo. Após ser demitida de um emprego bem-sucedido, tornou-se professora de ioga. Mesmo assim, sentia-se isolada e desesperada. Ela percebeu que usava o autocuidado para obter reconhecimento e validação pessoal.

Em entrevista ao Estadão, Lakshmin explica que o verdadeiro autocuidado baseia-se em processos internos. “Se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe”, sugere.

Confira alguns trechos da entrevista:

Como diferenciar o autocuidado real do falso autocuidado? Pode citar exemplos?

O autocuidado é um método ou uma ferramenta (meditação, ioga ou até mesmo mudar sua dieta). É algo que você precisa fazer ou comprar. Isso funciona para uma circunstância específica.

Mas quando você não pratica o verdadeiro autocuidado, que se baseia em princípios, essas ferramentas sempre vão parecer vazias ou apenas mais uma coisa na lista de tarefas que é difícil encontrar tempo para fazer.

O verdadeiro autocuidado envolve limites, compaixão, valores e poder. Todas essas coisas são processos internos. Não é algo que você pode comprar ou simplesmente riscar de uma lista de tarefas.

Pooja Lakshmin

Também é algo que muda suas relações, em particular. Porque muda a maneira como você se comporta em seus relacionamentos, isso cria um efeito cascata e tem o potencial de causar outros tipos de mudanças sistêmicas e estruturais. Em última análise, são o motivo pelo qual, para as mulheres estamos constantemente nos sentindo estressadas e ansiosas, como se precisássemos de autocuidado.

Qual conselho daria para mulheres que, como suas pacientes, têm múltiplos papéis além de um trabalho convencional e acreditam que um banho de espuma ou uma máscara facial resolverão todos os problemas?

Diria que já fui essa pessoa. Eu entendo totalmente. O banho de espuma ou a máscara facial na verdade são um escape, um alívio temporário. Mas, depois que você sai do banho ou termina a máscara facial ou a meditação, ainda volta para a sua mesma vida.

A única maneira de se sentir melhor dentro dessa vida é estabelecer limites, ter compaixão e tomar decisões.

Pooja Lakshmin

A razão pela qual chamo o banho de espuma de falso é por ser um escape. Não está realmente resolvendo nenhum dos problemas. Não estou dizendo para não fazer isso. Você ainda pode fazer. Todos nós precisamos de escapes, mas precisa reconhecer que tem suas limitações.

É por isso que mesmo que esteja fazendo todas as coisas que os artigos dizem para você fazer em relação ao autocuidado, ainda não se sente bem.

A psiquiatra e escritora Pooja Lakshmin. Foto: Cerissa Tulop/Divulgação

O Brasil tem uma das jornadas de trabalho semanais mais longas, de acordo com a OCDE. É possível manter o verdadeiro autocuidado diante dessa realidade?

O verdadeiro autocuidado é uma proteção contra essa realidade. Por exemplo, se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe.

Se você já tem cinco projetos diferentes nos quais foi instruído a trabalhar e seu chefe diz, “aqui está mais um”, então você responde: “Ok, o que gostaria que eu priorizasse?”

Isso é o verdadeiro autocuidado. Não se culpe pensando: “não sou um bom funcionário. Não estou fazendo um bom trabalho”. É uma habilidade para você aprender a gerenciar as expectativas.

Você poderia nos dar alguns exemplos práticos de como estabelecer limites no trabalho?

Gosto de dizer que estabelecer limites não é sempre dizer “não”, porque se seu chefe te pedir: “Ei, você pode vir trabalhar no fim de semana?” e disser “não”, pode não receber a próxima promoção, certo? Ou talvez até perder seu emprego.

Então, digo que o limite é a pausa. Você tem três opções: sim, não ou negociar. Nem sempre será capaz de dizer “não” para trabalhar no fim de semana, mas pode dizer a si mesmo: “O que preciso fazer para que daqui a um ano esteja mais perto de poder dizer ‘não’?”

  • Preciso procurar mudar para outro setor ou uma equipe diferente?
  • Preciso ter uma compreensão mais clara de quais são as prioridades para este trabalho, para que possa me concentrar nelas e não lidar com algumas das coisas que são menos prioritárias?
  • Ou realmente não gosto deste chefe e preciso encontrar um novo emprego?

Pode ser qualquer uma dessas alternativas, mas a pausa é quando você se dá tempo para pensar sobre isso. E também reservar um tempo na sua agenda para realmente pensar nessas coisas.

Outro exemplo é de uma paciente que tinha um colega que, toda vez em que se reuniam, era muito condescendente e rude com ela. Ela não sabia como responder e fingia que não estava acontecendo. Ela acabou tendo uma conversa com esse colega, perguntando o que estava acontecendo e nomeando: “Eu notei que às vezes, quando estamos em reuniões juntos, eu me sinto de uma certa maneira (desconfortável)”.

O colega disse: “Não tinha ideia de que estava agindo dessa maneira. Percebo que, quando estou no Zoom, sou muito diferente de como sou na vida real e preciso ser um pouco mais expressivo no Zoom com respostas positivas. Caso contrário, as pessoas não percebem”.

Exemplos como esse, onde você realmente precisa comunicar e nomear o que está funcionando e o que não está funcionando, em vez de sempre assumir que tudo é sua culpa é capaz de fazer uma mudança cultural para que as pessoas se sintam mais confortáveis em compartilhar o que estão pensando e como estão se sentindo.

Pooja Lakshmin

Todos esses aspectos impactam a cultura. A mudança vem de cima. Portanto, as pessoas que estão no topo das organizações precisam acreditar e praticá-las para que isso mude.

Confira outras dicas de como estabelecer limites no trabalho:

As micropausas durante o dia podem ser eficazes?

Há evidências que mostram que tirar várias pausas curtas durante o dia pode ajudar com sentimentos de fadiga e melhorar a capacidade de foco e concentração. É importante, nessas pausas, sair da sua cabeça e se conectar com o corpo. Seja dando uma caminhada rápida, ouvindo música, fazendo algum tipo de alongamento ou ioga.

Qualquer coisa assim será útil, mas você precisa ter cuidado porque, novamente, isso é uma ferramenta. Então, é útil, mas só mudará sua vida se você também estiver trabalhando em limites, compaixão e pensando em valores.

Para uma pessoa que só tenha praticado o autocuidado falso e queira começar a praticar o verdadeiro autocuidado, qual seria o primeiro passo?

O primeiro passo seria a pausa com os limites. Talvez você possa olhar para seu dia ou semana e ver se há algo extra em que você não precise estar envolvido. Talvez seja uma reunião. Talvez seja uma obrigação social da qual você realmente não quer participar.

Pratique a pausa da próxima vez em que algo surgir e alguém te perguntar: “Ei, você pode ajudar com este comitê? Ei, você pode participar deste evento?”

Pause e pense: “Posso dizer não? Quero dizer não? Ou quero fazer perguntas? Quanto tempo isso vai durar? Quem mais está envolvido?” Isso é uma forma de negociar.

Estamos falando de empregos das 9h às 17h, e quanto àqueles invisíveis, como cuidar dos filhos ou dos pais? Como podemos aplicar essas dicas nesses outros trabalhos?

Sabemos que as mulheres são as que acabam fazendo a maior parte do trabalho de criação dos filhos e das tarefas domésticas. Então, você deve começar a olhar para onde pode pausar e pensar: “Preciso realmente fazer isso? É uma necessidade? É algo de que gosto de fazer?”

Talvez seus filhos não tenham roupas perfeitamente combinando o tempo todo, ou talvez eles não façam todas as atividades que todo mundo faz. É como se tivesse que escolher e selecionar, e a maneira de fazer isso é começando a pensar sobre com o que você realmente se importa, o que é realmente importante para sua família.

Queremos valorizar o estar juntos mais do que correr para fazer todas essas coisas diferentes? Ou realmente valorizamos sair de férias juntos, e isso é algo de que realmente gostamos?

Vai ser diferente para cada um.

Bússola do autocuidado de verdade

Segundo Pooja Lakshmin, o conceito de estrela-guia (espécie de lema para tomar decisões ao longo da vida) é comum entre lideranças. No entanto, conforme a fase de cada pessoa, os valores e as prioridades podem mudar.

Com isso, em vez de usar uma única estrela-guia, a autora propõe adotar uma bússola pessoal que seja mais flexível às mudanças da vida, no âmbito íntimo ou profissional.

Veja o guia e experimente montar a própria bússola:

A bússola é um guia prático que se baseia em três perguntas fundamentais: o quê, como e por quê.

  1. O quê: Identifique um objetivo claro para três áreas da sua vida: pessoal, profissional (ou acadêmica) e familiar. Esses são os seus “os quês”, orienta Lakshmin.
  2. Como: Pense em como pretende alcançar esses objetivos. A autora ressalta que a “chave aqui é identificar como você quer fazer isso, e não como a chefia os seus pais querem.”
  3. Por quê: É um manifesto pessoal que se conecta à sua verdade interior e reflete o que realmente faz se sentir uma pessoa realizada.

Esqueça o ritual de skincare e a aula de ioga como formas de autocuidado. O crucial é descobrir seus princípios e alinhar seus valores, em vez de apostar em métodos superficiais. É o que defende Pooja Lakshmin, psiquiatra especializada em saúde mental feminina e autora do best-seller “Autocuidado de Verdade: Um Programa Transformador Para Redefinir o Bem-Estar Sem Cristais, Purificações ou Banhos de Espuma”.

Lakshmin, que também é professora da George Washington University e colaboradora do The New York Times, destaca que o falso autocuidado proporciona um alívio temporário, mas não resolve problemas profundos, como a necessidade de estabelecer limites no trabalho.

No livro, a autora americana de origem indiana compartilha histórias de suas pacientes que sofriam de burnout e de perfeccionismo e buscavam resolver problemas com soluções de curto prazo, como detox e spas.

Sharon, uma jornalista de 45 anos, é um exemplo. Após ser demitida de um emprego bem-sucedido, tornou-se professora de ioga. Mesmo assim, sentia-se isolada e desesperada. Ela percebeu que usava o autocuidado para obter reconhecimento e validação pessoal.

Em entrevista ao Estadão, Lakshmin explica que o verdadeiro autocuidado baseia-se em processos internos. “Se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe”, sugere.

Confira alguns trechos da entrevista:

Como diferenciar o autocuidado real do falso autocuidado? Pode citar exemplos?

O autocuidado é um método ou uma ferramenta (meditação, ioga ou até mesmo mudar sua dieta). É algo que você precisa fazer ou comprar. Isso funciona para uma circunstância específica.

Mas quando você não pratica o verdadeiro autocuidado, que se baseia em princípios, essas ferramentas sempre vão parecer vazias ou apenas mais uma coisa na lista de tarefas que é difícil encontrar tempo para fazer.

O verdadeiro autocuidado envolve limites, compaixão, valores e poder. Todas essas coisas são processos internos. Não é algo que você pode comprar ou simplesmente riscar de uma lista de tarefas.

Pooja Lakshmin

Também é algo que muda suas relações, em particular. Porque muda a maneira como você se comporta em seus relacionamentos, isso cria um efeito cascata e tem o potencial de causar outros tipos de mudanças sistêmicas e estruturais. Em última análise, são o motivo pelo qual, para as mulheres estamos constantemente nos sentindo estressadas e ansiosas, como se precisássemos de autocuidado.

Qual conselho daria para mulheres que, como suas pacientes, têm múltiplos papéis além de um trabalho convencional e acreditam que um banho de espuma ou uma máscara facial resolverão todos os problemas?

Diria que já fui essa pessoa. Eu entendo totalmente. O banho de espuma ou a máscara facial na verdade são um escape, um alívio temporário. Mas, depois que você sai do banho ou termina a máscara facial ou a meditação, ainda volta para a sua mesma vida.

A única maneira de se sentir melhor dentro dessa vida é estabelecer limites, ter compaixão e tomar decisões.

Pooja Lakshmin

A razão pela qual chamo o banho de espuma de falso é por ser um escape. Não está realmente resolvendo nenhum dos problemas. Não estou dizendo para não fazer isso. Você ainda pode fazer. Todos nós precisamos de escapes, mas precisa reconhecer que tem suas limitações.

É por isso que mesmo que esteja fazendo todas as coisas que os artigos dizem para você fazer em relação ao autocuidado, ainda não se sente bem.

A psiquiatra e escritora Pooja Lakshmin. Foto: Cerissa Tulop/Divulgação

O Brasil tem uma das jornadas de trabalho semanais mais longas, de acordo com a OCDE. É possível manter o verdadeiro autocuidado diante dessa realidade?

O verdadeiro autocuidado é uma proteção contra essa realidade. Por exemplo, se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe.

Se você já tem cinco projetos diferentes nos quais foi instruído a trabalhar e seu chefe diz, “aqui está mais um”, então você responde: “Ok, o que gostaria que eu priorizasse?”

Isso é o verdadeiro autocuidado. Não se culpe pensando: “não sou um bom funcionário. Não estou fazendo um bom trabalho”. É uma habilidade para você aprender a gerenciar as expectativas.

Você poderia nos dar alguns exemplos práticos de como estabelecer limites no trabalho?

Gosto de dizer que estabelecer limites não é sempre dizer “não”, porque se seu chefe te pedir: “Ei, você pode vir trabalhar no fim de semana?” e disser “não”, pode não receber a próxima promoção, certo? Ou talvez até perder seu emprego.

Então, digo que o limite é a pausa. Você tem três opções: sim, não ou negociar. Nem sempre será capaz de dizer “não” para trabalhar no fim de semana, mas pode dizer a si mesmo: “O que preciso fazer para que daqui a um ano esteja mais perto de poder dizer ‘não’?”

  • Preciso procurar mudar para outro setor ou uma equipe diferente?
  • Preciso ter uma compreensão mais clara de quais são as prioridades para este trabalho, para que possa me concentrar nelas e não lidar com algumas das coisas que são menos prioritárias?
  • Ou realmente não gosto deste chefe e preciso encontrar um novo emprego?

Pode ser qualquer uma dessas alternativas, mas a pausa é quando você se dá tempo para pensar sobre isso. E também reservar um tempo na sua agenda para realmente pensar nessas coisas.

Outro exemplo é de uma paciente que tinha um colega que, toda vez em que se reuniam, era muito condescendente e rude com ela. Ela não sabia como responder e fingia que não estava acontecendo. Ela acabou tendo uma conversa com esse colega, perguntando o que estava acontecendo e nomeando: “Eu notei que às vezes, quando estamos em reuniões juntos, eu me sinto de uma certa maneira (desconfortável)”.

O colega disse: “Não tinha ideia de que estava agindo dessa maneira. Percebo que, quando estou no Zoom, sou muito diferente de como sou na vida real e preciso ser um pouco mais expressivo no Zoom com respostas positivas. Caso contrário, as pessoas não percebem”.

Exemplos como esse, onde você realmente precisa comunicar e nomear o que está funcionando e o que não está funcionando, em vez de sempre assumir que tudo é sua culpa é capaz de fazer uma mudança cultural para que as pessoas se sintam mais confortáveis em compartilhar o que estão pensando e como estão se sentindo.

Pooja Lakshmin

Todos esses aspectos impactam a cultura. A mudança vem de cima. Portanto, as pessoas que estão no topo das organizações precisam acreditar e praticá-las para que isso mude.

Confira outras dicas de como estabelecer limites no trabalho:

As micropausas durante o dia podem ser eficazes?

Há evidências que mostram que tirar várias pausas curtas durante o dia pode ajudar com sentimentos de fadiga e melhorar a capacidade de foco e concentração. É importante, nessas pausas, sair da sua cabeça e se conectar com o corpo. Seja dando uma caminhada rápida, ouvindo música, fazendo algum tipo de alongamento ou ioga.

Qualquer coisa assim será útil, mas você precisa ter cuidado porque, novamente, isso é uma ferramenta. Então, é útil, mas só mudará sua vida se você também estiver trabalhando em limites, compaixão e pensando em valores.

Para uma pessoa que só tenha praticado o autocuidado falso e queira começar a praticar o verdadeiro autocuidado, qual seria o primeiro passo?

O primeiro passo seria a pausa com os limites. Talvez você possa olhar para seu dia ou semana e ver se há algo extra em que você não precise estar envolvido. Talvez seja uma reunião. Talvez seja uma obrigação social da qual você realmente não quer participar.

Pratique a pausa da próxima vez em que algo surgir e alguém te perguntar: “Ei, você pode ajudar com este comitê? Ei, você pode participar deste evento?”

Pause e pense: “Posso dizer não? Quero dizer não? Ou quero fazer perguntas? Quanto tempo isso vai durar? Quem mais está envolvido?” Isso é uma forma de negociar.

Estamos falando de empregos das 9h às 17h, e quanto àqueles invisíveis, como cuidar dos filhos ou dos pais? Como podemos aplicar essas dicas nesses outros trabalhos?

Sabemos que as mulheres são as que acabam fazendo a maior parte do trabalho de criação dos filhos e das tarefas domésticas. Então, você deve começar a olhar para onde pode pausar e pensar: “Preciso realmente fazer isso? É uma necessidade? É algo de que gosto de fazer?”

Talvez seus filhos não tenham roupas perfeitamente combinando o tempo todo, ou talvez eles não façam todas as atividades que todo mundo faz. É como se tivesse que escolher e selecionar, e a maneira de fazer isso é começando a pensar sobre com o que você realmente se importa, o que é realmente importante para sua família.

Queremos valorizar o estar juntos mais do que correr para fazer todas essas coisas diferentes? Ou realmente valorizamos sair de férias juntos, e isso é algo de que realmente gostamos?

Vai ser diferente para cada um.

Bússola do autocuidado de verdade

Segundo Pooja Lakshmin, o conceito de estrela-guia (espécie de lema para tomar decisões ao longo da vida) é comum entre lideranças. No entanto, conforme a fase de cada pessoa, os valores e as prioridades podem mudar.

Com isso, em vez de usar uma única estrela-guia, a autora propõe adotar uma bússola pessoal que seja mais flexível às mudanças da vida, no âmbito íntimo ou profissional.

Veja o guia e experimente montar a própria bússola:

A bússola é um guia prático que se baseia em três perguntas fundamentais: o quê, como e por quê.

  1. O quê: Identifique um objetivo claro para três áreas da sua vida: pessoal, profissional (ou acadêmica) e familiar. Esses são os seus “os quês”, orienta Lakshmin.
  2. Como: Pense em como pretende alcançar esses objetivos. A autora ressalta que a “chave aqui é identificar como você quer fazer isso, e não como a chefia os seus pais querem.”
  3. Por quê: É um manifesto pessoal que se conecta à sua verdade interior e reflete o que realmente faz se sentir uma pessoa realizada.

Esqueça o ritual de skincare e a aula de ioga como formas de autocuidado. O crucial é descobrir seus princípios e alinhar seus valores, em vez de apostar em métodos superficiais. É o que defende Pooja Lakshmin, psiquiatra especializada em saúde mental feminina e autora do best-seller “Autocuidado de Verdade: Um Programa Transformador Para Redefinir o Bem-Estar Sem Cristais, Purificações ou Banhos de Espuma”.

Lakshmin, que também é professora da George Washington University e colaboradora do The New York Times, destaca que o falso autocuidado proporciona um alívio temporário, mas não resolve problemas profundos, como a necessidade de estabelecer limites no trabalho.

No livro, a autora americana de origem indiana compartilha histórias de suas pacientes que sofriam de burnout e de perfeccionismo e buscavam resolver problemas com soluções de curto prazo, como detox e spas.

Sharon, uma jornalista de 45 anos, é um exemplo. Após ser demitida de um emprego bem-sucedido, tornou-se professora de ioga. Mesmo assim, sentia-se isolada e desesperada. Ela percebeu que usava o autocuidado para obter reconhecimento e validação pessoal.

Em entrevista ao Estadão, Lakshmin explica que o verdadeiro autocuidado baseia-se em processos internos. “Se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe”, sugere.

Confira alguns trechos da entrevista:

Como diferenciar o autocuidado real do falso autocuidado? Pode citar exemplos?

O autocuidado é um método ou uma ferramenta (meditação, ioga ou até mesmo mudar sua dieta). É algo que você precisa fazer ou comprar. Isso funciona para uma circunstância específica.

Mas quando você não pratica o verdadeiro autocuidado, que se baseia em princípios, essas ferramentas sempre vão parecer vazias ou apenas mais uma coisa na lista de tarefas que é difícil encontrar tempo para fazer.

O verdadeiro autocuidado envolve limites, compaixão, valores e poder. Todas essas coisas são processos internos. Não é algo que você pode comprar ou simplesmente riscar de uma lista de tarefas.

Pooja Lakshmin

Também é algo que muda suas relações, em particular. Porque muda a maneira como você se comporta em seus relacionamentos, isso cria um efeito cascata e tem o potencial de causar outros tipos de mudanças sistêmicas e estruturais. Em última análise, são o motivo pelo qual, para as mulheres estamos constantemente nos sentindo estressadas e ansiosas, como se precisássemos de autocuidado.

Qual conselho daria para mulheres que, como suas pacientes, têm múltiplos papéis além de um trabalho convencional e acreditam que um banho de espuma ou uma máscara facial resolverão todos os problemas?

Diria que já fui essa pessoa. Eu entendo totalmente. O banho de espuma ou a máscara facial na verdade são um escape, um alívio temporário. Mas, depois que você sai do banho ou termina a máscara facial ou a meditação, ainda volta para a sua mesma vida.

A única maneira de se sentir melhor dentro dessa vida é estabelecer limites, ter compaixão e tomar decisões.

Pooja Lakshmin

A razão pela qual chamo o banho de espuma de falso é por ser um escape. Não está realmente resolvendo nenhum dos problemas. Não estou dizendo para não fazer isso. Você ainda pode fazer. Todos nós precisamos de escapes, mas precisa reconhecer que tem suas limitações.

É por isso que mesmo que esteja fazendo todas as coisas que os artigos dizem para você fazer em relação ao autocuidado, ainda não se sente bem.

A psiquiatra e escritora Pooja Lakshmin. Foto: Cerissa Tulop/Divulgação

O Brasil tem uma das jornadas de trabalho semanais mais longas, de acordo com a OCDE. É possível manter o verdadeiro autocuidado diante dessa realidade?

O verdadeiro autocuidado é uma proteção contra essa realidade. Por exemplo, se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe.

Se você já tem cinco projetos diferentes nos quais foi instruído a trabalhar e seu chefe diz, “aqui está mais um”, então você responde: “Ok, o que gostaria que eu priorizasse?”

Isso é o verdadeiro autocuidado. Não se culpe pensando: “não sou um bom funcionário. Não estou fazendo um bom trabalho”. É uma habilidade para você aprender a gerenciar as expectativas.

Você poderia nos dar alguns exemplos práticos de como estabelecer limites no trabalho?

Gosto de dizer que estabelecer limites não é sempre dizer “não”, porque se seu chefe te pedir: “Ei, você pode vir trabalhar no fim de semana?” e disser “não”, pode não receber a próxima promoção, certo? Ou talvez até perder seu emprego.

Então, digo que o limite é a pausa. Você tem três opções: sim, não ou negociar. Nem sempre será capaz de dizer “não” para trabalhar no fim de semana, mas pode dizer a si mesmo: “O que preciso fazer para que daqui a um ano esteja mais perto de poder dizer ‘não’?”

  • Preciso procurar mudar para outro setor ou uma equipe diferente?
  • Preciso ter uma compreensão mais clara de quais são as prioridades para este trabalho, para que possa me concentrar nelas e não lidar com algumas das coisas que são menos prioritárias?
  • Ou realmente não gosto deste chefe e preciso encontrar um novo emprego?

Pode ser qualquer uma dessas alternativas, mas a pausa é quando você se dá tempo para pensar sobre isso. E também reservar um tempo na sua agenda para realmente pensar nessas coisas.

Outro exemplo é de uma paciente que tinha um colega que, toda vez em que se reuniam, era muito condescendente e rude com ela. Ela não sabia como responder e fingia que não estava acontecendo. Ela acabou tendo uma conversa com esse colega, perguntando o que estava acontecendo e nomeando: “Eu notei que às vezes, quando estamos em reuniões juntos, eu me sinto de uma certa maneira (desconfortável)”.

O colega disse: “Não tinha ideia de que estava agindo dessa maneira. Percebo que, quando estou no Zoom, sou muito diferente de como sou na vida real e preciso ser um pouco mais expressivo no Zoom com respostas positivas. Caso contrário, as pessoas não percebem”.

Exemplos como esse, onde você realmente precisa comunicar e nomear o que está funcionando e o que não está funcionando, em vez de sempre assumir que tudo é sua culpa é capaz de fazer uma mudança cultural para que as pessoas se sintam mais confortáveis em compartilhar o que estão pensando e como estão se sentindo.

Pooja Lakshmin

Todos esses aspectos impactam a cultura. A mudança vem de cima. Portanto, as pessoas que estão no topo das organizações precisam acreditar e praticá-las para que isso mude.

Confira outras dicas de como estabelecer limites no trabalho:

As micropausas durante o dia podem ser eficazes?

Há evidências que mostram que tirar várias pausas curtas durante o dia pode ajudar com sentimentos de fadiga e melhorar a capacidade de foco e concentração. É importante, nessas pausas, sair da sua cabeça e se conectar com o corpo. Seja dando uma caminhada rápida, ouvindo música, fazendo algum tipo de alongamento ou ioga.

Qualquer coisa assim será útil, mas você precisa ter cuidado porque, novamente, isso é uma ferramenta. Então, é útil, mas só mudará sua vida se você também estiver trabalhando em limites, compaixão e pensando em valores.

Para uma pessoa que só tenha praticado o autocuidado falso e queira começar a praticar o verdadeiro autocuidado, qual seria o primeiro passo?

O primeiro passo seria a pausa com os limites. Talvez você possa olhar para seu dia ou semana e ver se há algo extra em que você não precise estar envolvido. Talvez seja uma reunião. Talvez seja uma obrigação social da qual você realmente não quer participar.

Pratique a pausa da próxima vez em que algo surgir e alguém te perguntar: “Ei, você pode ajudar com este comitê? Ei, você pode participar deste evento?”

Pause e pense: “Posso dizer não? Quero dizer não? Ou quero fazer perguntas? Quanto tempo isso vai durar? Quem mais está envolvido?” Isso é uma forma de negociar.

Estamos falando de empregos das 9h às 17h, e quanto àqueles invisíveis, como cuidar dos filhos ou dos pais? Como podemos aplicar essas dicas nesses outros trabalhos?

Sabemos que as mulheres são as que acabam fazendo a maior parte do trabalho de criação dos filhos e das tarefas domésticas. Então, você deve começar a olhar para onde pode pausar e pensar: “Preciso realmente fazer isso? É uma necessidade? É algo de que gosto de fazer?”

Talvez seus filhos não tenham roupas perfeitamente combinando o tempo todo, ou talvez eles não façam todas as atividades que todo mundo faz. É como se tivesse que escolher e selecionar, e a maneira de fazer isso é começando a pensar sobre com o que você realmente se importa, o que é realmente importante para sua família.

Queremos valorizar o estar juntos mais do que correr para fazer todas essas coisas diferentes? Ou realmente valorizamos sair de férias juntos, e isso é algo de que realmente gostamos?

Vai ser diferente para cada um.

Bússola do autocuidado de verdade

Segundo Pooja Lakshmin, o conceito de estrela-guia (espécie de lema para tomar decisões ao longo da vida) é comum entre lideranças. No entanto, conforme a fase de cada pessoa, os valores e as prioridades podem mudar.

Com isso, em vez de usar uma única estrela-guia, a autora propõe adotar uma bússola pessoal que seja mais flexível às mudanças da vida, no âmbito íntimo ou profissional.

Veja o guia e experimente montar a própria bússola:

A bússola é um guia prático que se baseia em três perguntas fundamentais: o quê, como e por quê.

  1. O quê: Identifique um objetivo claro para três áreas da sua vida: pessoal, profissional (ou acadêmica) e familiar. Esses são os seus “os quês”, orienta Lakshmin.
  2. Como: Pense em como pretende alcançar esses objetivos. A autora ressalta que a “chave aqui é identificar como você quer fazer isso, e não como a chefia os seus pais querem.”
  3. Por quê: É um manifesto pessoal que se conecta à sua verdade interior e reflete o que realmente faz se sentir uma pessoa realizada.

Esqueça o ritual de skincare e a aula de ioga como formas de autocuidado. O crucial é descobrir seus princípios e alinhar seus valores, em vez de apostar em métodos superficiais. É o que defende Pooja Lakshmin, psiquiatra especializada em saúde mental feminina e autora do best-seller “Autocuidado de Verdade: Um Programa Transformador Para Redefinir o Bem-Estar Sem Cristais, Purificações ou Banhos de Espuma”.

Lakshmin, que também é professora da George Washington University e colaboradora do The New York Times, destaca que o falso autocuidado proporciona um alívio temporário, mas não resolve problemas profundos, como a necessidade de estabelecer limites no trabalho.

No livro, a autora americana de origem indiana compartilha histórias de suas pacientes que sofriam de burnout e de perfeccionismo e buscavam resolver problemas com soluções de curto prazo, como detox e spas.

Sharon, uma jornalista de 45 anos, é um exemplo. Após ser demitida de um emprego bem-sucedido, tornou-se professora de ioga. Mesmo assim, sentia-se isolada e desesperada. Ela percebeu que usava o autocuidado para obter reconhecimento e validação pessoal.

Em entrevista ao Estadão, Lakshmin explica que o verdadeiro autocuidado baseia-se em processos internos. “Se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe”, sugere.

Confira alguns trechos da entrevista:

Como diferenciar o autocuidado real do falso autocuidado? Pode citar exemplos?

O autocuidado é um método ou uma ferramenta (meditação, ioga ou até mesmo mudar sua dieta). É algo que você precisa fazer ou comprar. Isso funciona para uma circunstância específica.

Mas quando você não pratica o verdadeiro autocuidado, que se baseia em princípios, essas ferramentas sempre vão parecer vazias ou apenas mais uma coisa na lista de tarefas que é difícil encontrar tempo para fazer.

O verdadeiro autocuidado envolve limites, compaixão, valores e poder. Todas essas coisas são processos internos. Não é algo que você pode comprar ou simplesmente riscar de uma lista de tarefas.

Pooja Lakshmin

Também é algo que muda suas relações, em particular. Porque muda a maneira como você se comporta em seus relacionamentos, isso cria um efeito cascata e tem o potencial de causar outros tipos de mudanças sistêmicas e estruturais. Em última análise, são o motivo pelo qual, para as mulheres estamos constantemente nos sentindo estressadas e ansiosas, como se precisássemos de autocuidado.

Qual conselho daria para mulheres que, como suas pacientes, têm múltiplos papéis além de um trabalho convencional e acreditam que um banho de espuma ou uma máscara facial resolverão todos os problemas?

Diria que já fui essa pessoa. Eu entendo totalmente. O banho de espuma ou a máscara facial na verdade são um escape, um alívio temporário. Mas, depois que você sai do banho ou termina a máscara facial ou a meditação, ainda volta para a sua mesma vida.

A única maneira de se sentir melhor dentro dessa vida é estabelecer limites, ter compaixão e tomar decisões.

Pooja Lakshmin

A razão pela qual chamo o banho de espuma de falso é por ser um escape. Não está realmente resolvendo nenhum dos problemas. Não estou dizendo para não fazer isso. Você ainda pode fazer. Todos nós precisamos de escapes, mas precisa reconhecer que tem suas limitações.

É por isso que mesmo que esteja fazendo todas as coisas que os artigos dizem para você fazer em relação ao autocuidado, ainda não se sente bem.

A psiquiatra e escritora Pooja Lakshmin. Foto: Cerissa Tulop/Divulgação

O Brasil tem uma das jornadas de trabalho semanais mais longas, de acordo com a OCDE. É possível manter o verdadeiro autocuidado diante dessa realidade?

O verdadeiro autocuidado é uma proteção contra essa realidade. Por exemplo, se você está trabalhando em um emprego onde te pedem para estar disponível em horários inviáveis, estabelecer limites significa ser capaz de ter uma conversa difícil com seu chefe.

Se você já tem cinco projetos diferentes nos quais foi instruído a trabalhar e seu chefe diz, “aqui está mais um”, então você responde: “Ok, o que gostaria que eu priorizasse?”

Isso é o verdadeiro autocuidado. Não se culpe pensando: “não sou um bom funcionário. Não estou fazendo um bom trabalho”. É uma habilidade para você aprender a gerenciar as expectativas.

Você poderia nos dar alguns exemplos práticos de como estabelecer limites no trabalho?

Gosto de dizer que estabelecer limites não é sempre dizer “não”, porque se seu chefe te pedir: “Ei, você pode vir trabalhar no fim de semana?” e disser “não”, pode não receber a próxima promoção, certo? Ou talvez até perder seu emprego.

Então, digo que o limite é a pausa. Você tem três opções: sim, não ou negociar. Nem sempre será capaz de dizer “não” para trabalhar no fim de semana, mas pode dizer a si mesmo: “O que preciso fazer para que daqui a um ano esteja mais perto de poder dizer ‘não’?”

  • Preciso procurar mudar para outro setor ou uma equipe diferente?
  • Preciso ter uma compreensão mais clara de quais são as prioridades para este trabalho, para que possa me concentrar nelas e não lidar com algumas das coisas que são menos prioritárias?
  • Ou realmente não gosto deste chefe e preciso encontrar um novo emprego?

Pode ser qualquer uma dessas alternativas, mas a pausa é quando você se dá tempo para pensar sobre isso. E também reservar um tempo na sua agenda para realmente pensar nessas coisas.

Outro exemplo é de uma paciente que tinha um colega que, toda vez em que se reuniam, era muito condescendente e rude com ela. Ela não sabia como responder e fingia que não estava acontecendo. Ela acabou tendo uma conversa com esse colega, perguntando o que estava acontecendo e nomeando: “Eu notei que às vezes, quando estamos em reuniões juntos, eu me sinto de uma certa maneira (desconfortável)”.

O colega disse: “Não tinha ideia de que estava agindo dessa maneira. Percebo que, quando estou no Zoom, sou muito diferente de como sou na vida real e preciso ser um pouco mais expressivo no Zoom com respostas positivas. Caso contrário, as pessoas não percebem”.

Exemplos como esse, onde você realmente precisa comunicar e nomear o que está funcionando e o que não está funcionando, em vez de sempre assumir que tudo é sua culpa é capaz de fazer uma mudança cultural para que as pessoas se sintam mais confortáveis em compartilhar o que estão pensando e como estão se sentindo.

Pooja Lakshmin

Todos esses aspectos impactam a cultura. A mudança vem de cima. Portanto, as pessoas que estão no topo das organizações precisam acreditar e praticá-las para que isso mude.

Confira outras dicas de como estabelecer limites no trabalho:

As micropausas durante o dia podem ser eficazes?

Há evidências que mostram que tirar várias pausas curtas durante o dia pode ajudar com sentimentos de fadiga e melhorar a capacidade de foco e concentração. É importante, nessas pausas, sair da sua cabeça e se conectar com o corpo. Seja dando uma caminhada rápida, ouvindo música, fazendo algum tipo de alongamento ou ioga.

Qualquer coisa assim será útil, mas você precisa ter cuidado porque, novamente, isso é uma ferramenta. Então, é útil, mas só mudará sua vida se você também estiver trabalhando em limites, compaixão e pensando em valores.

Para uma pessoa que só tenha praticado o autocuidado falso e queira começar a praticar o verdadeiro autocuidado, qual seria o primeiro passo?

O primeiro passo seria a pausa com os limites. Talvez você possa olhar para seu dia ou semana e ver se há algo extra em que você não precise estar envolvido. Talvez seja uma reunião. Talvez seja uma obrigação social da qual você realmente não quer participar.

Pratique a pausa da próxima vez em que algo surgir e alguém te perguntar: “Ei, você pode ajudar com este comitê? Ei, você pode participar deste evento?”

Pause e pense: “Posso dizer não? Quero dizer não? Ou quero fazer perguntas? Quanto tempo isso vai durar? Quem mais está envolvido?” Isso é uma forma de negociar.

Estamos falando de empregos das 9h às 17h, e quanto àqueles invisíveis, como cuidar dos filhos ou dos pais? Como podemos aplicar essas dicas nesses outros trabalhos?

Sabemos que as mulheres são as que acabam fazendo a maior parte do trabalho de criação dos filhos e das tarefas domésticas. Então, você deve começar a olhar para onde pode pausar e pensar: “Preciso realmente fazer isso? É uma necessidade? É algo de que gosto de fazer?”

Talvez seus filhos não tenham roupas perfeitamente combinando o tempo todo, ou talvez eles não façam todas as atividades que todo mundo faz. É como se tivesse que escolher e selecionar, e a maneira de fazer isso é começando a pensar sobre com o que você realmente se importa, o que é realmente importante para sua família.

Queremos valorizar o estar juntos mais do que correr para fazer todas essas coisas diferentes? Ou realmente valorizamos sair de férias juntos, e isso é algo de que realmente gostamos?

Vai ser diferente para cada um.

Bússola do autocuidado de verdade

Segundo Pooja Lakshmin, o conceito de estrela-guia (espécie de lema para tomar decisões ao longo da vida) é comum entre lideranças. No entanto, conforme a fase de cada pessoa, os valores e as prioridades podem mudar.

Com isso, em vez de usar uma única estrela-guia, a autora propõe adotar uma bússola pessoal que seja mais flexível às mudanças da vida, no âmbito íntimo ou profissional.

Veja o guia e experimente montar a própria bússola:

A bússola é um guia prático que se baseia em três perguntas fundamentais: o quê, como e por quê.

  1. O quê: Identifique um objetivo claro para três áreas da sua vida: pessoal, profissional (ou acadêmica) e familiar. Esses são os seus “os quês”, orienta Lakshmin.
  2. Como: Pense em como pretende alcançar esses objetivos. A autora ressalta que a “chave aqui é identificar como você quer fazer isso, e não como a chefia os seus pais querem.”
  3. Por quê: É um manifesto pessoal que se conecta à sua verdade interior e reflete o que realmente faz se sentir uma pessoa realizada.
Entrevista por Carla Menezes
Jayanne Rodrigues

Formada em jornalismo pela Universidade do Estado da Bahia, é repórter de Carreiras. Cobre futuro do trabalho, tendências no mundo corporativo, lideranças e outros assuntos que impactam diretamente a cultura de trabalho no Brasil. No Estadão, também atuou como plantonista da madrugada, cobriu judiciário e tem passagem pela home page do jornal.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.