Unbossing: entenda o que é e como funciona a gestão das empresas sem chefe


Adotado por pequenas organizações e gigantes como Novartis, o modelo dá mais autonomia aos colaboradores; gestores deixam de mandar e passam a apoiar processos

Por Bianca Zanatta
Atualização:

ESPECIAL PARA O ‘ESTADÃO’ - Para a maioria das empresas, era inimaginável, até pouco tempo atrás, ter uma cultura organizacional em que os colaboradores atuam com mais autonomia, substituindo o chefe que manda por um modelo de gestão mais horizontal e colaborativa.

Com a chegada da pandemia, que impôs a migração para o trabalho remoto, boa parte dessas organizações percebeu que não só é possível funcionar de forma menos tradicional como é mais produtivo. Com autonomia, flexibilidade e liberdade, sem ter um chefe controlando cada passo, as pessoas entregam resultados melhores.

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Essa é uma das premissas do movimento unbossing, que prega a transição de um sistema de hierarquia muito delimitado para o modelo unboss (sem chefe), em que o foco está mais nos processos cooperativos.

A ideia não é nova. Quem lançou a reflexão sobre a necessidade de substituir o modelo burocrático das organizações foram o veterano gestor e conselheiro empresarial Lars Kolind e o “serial startupper” (criador em série de startups de sucesso) Jacob Botter, autores do livro Unboss, de 2012.

Boa parte da teoria criada pela dupla dinamarquesa foi baseada na experiência do próprio Kolind na Oticon, uma empresa de tecnologia auditiva de 1904 que ele assumiu como CEO no final da década de 1980. Na época, a companhia estava estagnada e começava a perder dinheiro e mercado para concorrentes gigantes como Philips e Siemens.

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Kolind foi ousado. Virou a gestão da empresa de ponta cabeça, estabelecendo uma estrutura mais horizontal, colaborativa e descentralizando o poder e as tomadas de decisão. A ideia era inspirar as pessoas a pensarem, decidirem e perseguirem um propósito comum dentro da organização.

O gestor deixava de ser um controlador para ser um apoiador do processo. E os resultados para o negócio vieram poucos anos após a mudança: no final de 1995, o faturamento da Oticon foi de US$ 160 milhões, com lucro de US$ 20 milhões - um aumento de 100% em relação a 1990.

Autonomia e diretrizes claras

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“O termo unbossing está muito associado ao conceito de liderança servidora, em que o líder se adapta às necessidades da equipe, ouve mais do que fala, oferece mentoria, treina e desenvolve as pessoas”, explica Caroline Marcon, consultora especializada no desenvolvimento de líderes e equipes de alta performance.

Ela conta que teve a oportunidade de participar de perto do processo de unbossing da Novartis, que começou uma transformação cultural global em 2019. “Na essência do conceito estava promover uma cultura de inovação na companhia, porque eram emergentes a perda de patentes e a necessidade de inovar em termos de soluções médicas”, detalha.

O unbossing veio para liberar a criatividade e tornar a cultura mais curiosa, inclusiva e colaborativa na criação de novas alternativas”

Caroline Marcon, consultora executiva sobre o processo de unbossing da Novartis

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Além da guinada positiva nos resultados do negócio, ela fala que a transição para um modelo mais horizontal teve consequências culturais interessantes, como no dress code das pessoas. “Os líderes começaram a se vestir de forma mais próxima e informal. Teve mudanças também no layout dos escritórios, sem sala ou mesa fixa para o CEO. Uma série de rituais foram adaptados para trazer essa ideia de unidade e igualitarismo na construção do negócio.”

Outra questão que ela destaca são os benefícios do processo para a própria liderança. Uma vez que tem mais pessoas pensando juntas em uma solução criativa e diferente, há mais facilidade na resolução de problemas. Segundo ela, isso acelera resultados e a inovação nas empresas, o que a cultura de comando e controle não consegue fazer.

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“Isso também transforma o ambiente corporativo em termos de aprendizagem, não só para as equipes, mas para os líderes, porque todos aprendem juntos. É um ambiente de maior segurança psicológica, informalidade e colaboração que desenvolve as pessoas de maneira geral”, afirma.

A consultora sublinha, no entanto, que há algumas diretrizes para que o modelo funcione, como ter clareza quanto ao direcionamento da empresa. É preciso também definir os valores culturais, o papel de cada um e tornar essa visão uma realidade com o comportamento da liderança, para evitar que a gestão fique muito solta.

“Os resultados precisam ser medidos para serem aproveitados da melhor forma, então continua a haver uma gestão e foco em resultado”, explica. “A cultura de unbossing não é só para as pessoas se sentirem melhor. Quando elas se sentem melhor e livres para trabalhar de forma mais criativa, os resultados também aparecem da melhor forma.”

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Aspirações e contribuições individuais

Para Jonata Tribioli, especialista em cotas de empreendimento e um dos diretores comerciais da construtora e incorporadora NeoIn, a gestão focada no desenvolvimento e resultados individuais tem trazido bons frutos.

“Ninguém sabe de tudo. As experiências individuais podem contribuir muito com o todo porque os ângulos, perspectivas e experiências são diferentes”, argumenta. “Temos 130 pessoas trabalhando no escritório. São 130 mundos diferentes, com visões diferentes e que podem acrescentar absurdamente ao negócio.”

Tribioli diz que o modelo de gestão mais focado no desenvolvimento individual tem trazido bons frutos. Foto: Claudio Lima

O executivo conta que a empresa busca conectar os colaboradores com as aspirações pessoais, sonhos e objetivos diariamente por meio de ferramentas como o coaching. “Aonde o indivíduo quer chegar, pessoal e profissionalmente? Para chegar a esse lugar de ser um profissional de alta performance, ele tem de estar muito bem alinhado consigo”, diz.

“Tem de assumir o poder pessoal e a própria criatividade, além das responsabilidades do lugar a que ele quer chegar. Esse modelo de gestão mais horizontal está muito ligado ao respeito ao ser humano e às vivências de cada um”, diz.

Tribioli afirma que há uma condução da gestão para não “virar várzea”, mas a ideia é mais unir as aspirações do colaborador às da empresa e entender como podem, juntos, chegar ao lugar desejado. “Os líderes precisam entender que esse negócio de mandar e obedecer está completamente ultrapassado. A gente é muito mais assertivo quando escuta”, defende.

“O funcionário tem de entregar um resultado no mês e, para isso, não precisa só seguir uma receita de bolo, ele pode fazer vários testes. A gente acredita nesses testes, por isso incentiva a flexibilidade e a autonomia, o despertar da criatividade e do pensar das pessoas.”

Tomadas de decisão em conjunto

CEO e diretor de marketing da One More, voltada ao desenvolvimento de bebidas funcionais, Arthur Guimil fala que o modelo unboss já veio inscrito no DNA cultural da empresa. Mas ele entende que, conforme a companhia for crescendo, adaptações serão necessárias.

“Por exemplo, não vai dar mais para todo mundo sentar na mesma mesa, mas dá para todos estarem no mesmo ambiente, dentro dessa estrutura ágil e versátil”, exemplifica, afirmando que o modelo é muito mais adequado à velocidade das informações e inovações de hoje em dia.

“É diferente de uma estrutura burocrática, em que a decisão demora para chegar. Mantendo os colaboradores com autonomia e responsabilidade para tocar os projetos, os resultados acabam vindo de uma forma muito mais positiva”, salienta.

O executivo acredita que a cultura da empresa também fica mais sólida em um ambiente colaborativo, ponto importante para que o time se sinta estimulado e parte do negócio. Isso também impacta o turnover, que se torna bem menor, segundo ele.

“A gente passa 10, 12 horas por dia trabalhando e não tem como desassociar o trabalho do pessoal, então tem esse estímulo à leveza e à alegria. Mas, é claro, cobrando a responsabilidade de todo mundo, dado que a autonomia para tocar os projetos é muito maior”, diz. Para isso, há um cuidado para que o alinhamento e a comunicação sejam diretos e claros, com os objetivos na mesa.

A One More adotou momentos diários batizados de touch points, em que são compartilhadas informações sobre a evolução dos projetos, quais as dificuldades e onde é preciso ajudar. As reuniões ocorrem com a participação do time na íntegra.

“O financeiro faz parte das tomadas de decisão do marketing, que por sua vez faz parte das tomadas de decisão do comercial”, diz Guimil. “Por mais que cada um tenha seu projeto, consegue ter a visibilidade do todo e isso é muito importante para chegar a um resultado comum”, destaca. “A gente vai evoluindo junto, acompanhando as tarefas em conjunto, o que faz com que todo mundo esteja na mesma página e ciente das dificuldades e desafios.”

ESPECIAL PARA O ‘ESTADÃO’ - Para a maioria das empresas, era inimaginável, até pouco tempo atrás, ter uma cultura organizacional em que os colaboradores atuam com mais autonomia, substituindo o chefe que manda por um modelo de gestão mais horizontal e colaborativa.

Com a chegada da pandemia, que impôs a migração para o trabalho remoto, boa parte dessas organizações percebeu que não só é possível funcionar de forma menos tradicional como é mais produtivo. Com autonomia, flexibilidade e liberdade, sem ter um chefe controlando cada passo, as pessoas entregam resultados melhores.

Essa é uma das premissas do movimento unbossing, que prega a transição de um sistema de hierarquia muito delimitado para o modelo unboss (sem chefe), em que o foco está mais nos processos cooperativos.

A ideia não é nova. Quem lançou a reflexão sobre a necessidade de substituir o modelo burocrático das organizações foram o veterano gestor e conselheiro empresarial Lars Kolind e o “serial startupper” (criador em série de startups de sucesso) Jacob Botter, autores do livro Unboss, de 2012.

Boa parte da teoria criada pela dupla dinamarquesa foi baseada na experiência do próprio Kolind na Oticon, uma empresa de tecnologia auditiva de 1904 que ele assumiu como CEO no final da década de 1980. Na época, a companhia estava estagnada e começava a perder dinheiro e mercado para concorrentes gigantes como Philips e Siemens.

Kolind foi ousado. Virou a gestão da empresa de ponta cabeça, estabelecendo uma estrutura mais horizontal, colaborativa e descentralizando o poder e as tomadas de decisão. A ideia era inspirar as pessoas a pensarem, decidirem e perseguirem um propósito comum dentro da organização.

O gestor deixava de ser um controlador para ser um apoiador do processo. E os resultados para o negócio vieram poucos anos após a mudança: no final de 1995, o faturamento da Oticon foi de US$ 160 milhões, com lucro de US$ 20 milhões - um aumento de 100% em relação a 1990.

Autonomia e diretrizes claras

“O termo unbossing está muito associado ao conceito de liderança servidora, em que o líder se adapta às necessidades da equipe, ouve mais do que fala, oferece mentoria, treina e desenvolve as pessoas”, explica Caroline Marcon, consultora especializada no desenvolvimento de líderes e equipes de alta performance.

Ela conta que teve a oportunidade de participar de perto do processo de unbossing da Novartis, que começou uma transformação cultural global em 2019. “Na essência do conceito estava promover uma cultura de inovação na companhia, porque eram emergentes a perda de patentes e a necessidade de inovar em termos de soluções médicas”, detalha.

O unbossing veio para liberar a criatividade e tornar a cultura mais curiosa, inclusiva e colaborativa na criação de novas alternativas”

Caroline Marcon, consultora executiva sobre o processo de unbossing da Novartis

Além da guinada positiva nos resultados do negócio, ela fala que a transição para um modelo mais horizontal teve consequências culturais interessantes, como no dress code das pessoas. “Os líderes começaram a se vestir de forma mais próxima e informal. Teve mudanças também no layout dos escritórios, sem sala ou mesa fixa para o CEO. Uma série de rituais foram adaptados para trazer essa ideia de unidade e igualitarismo na construção do negócio.”

Outra questão que ela destaca são os benefícios do processo para a própria liderança. Uma vez que tem mais pessoas pensando juntas em uma solução criativa e diferente, há mais facilidade na resolução de problemas. Segundo ela, isso acelera resultados e a inovação nas empresas, o que a cultura de comando e controle não consegue fazer.

“Isso também transforma o ambiente corporativo em termos de aprendizagem, não só para as equipes, mas para os líderes, porque todos aprendem juntos. É um ambiente de maior segurança psicológica, informalidade e colaboração que desenvolve as pessoas de maneira geral”, afirma.

A consultora sublinha, no entanto, que há algumas diretrizes para que o modelo funcione, como ter clareza quanto ao direcionamento da empresa. É preciso também definir os valores culturais, o papel de cada um e tornar essa visão uma realidade com o comportamento da liderança, para evitar que a gestão fique muito solta.

“Os resultados precisam ser medidos para serem aproveitados da melhor forma, então continua a haver uma gestão e foco em resultado”, explica. “A cultura de unbossing não é só para as pessoas se sentirem melhor. Quando elas se sentem melhor e livres para trabalhar de forma mais criativa, os resultados também aparecem da melhor forma.”

Aspirações e contribuições individuais

Para Jonata Tribioli, especialista em cotas de empreendimento e um dos diretores comerciais da construtora e incorporadora NeoIn, a gestão focada no desenvolvimento e resultados individuais tem trazido bons frutos.

“Ninguém sabe de tudo. As experiências individuais podem contribuir muito com o todo porque os ângulos, perspectivas e experiências são diferentes”, argumenta. “Temos 130 pessoas trabalhando no escritório. São 130 mundos diferentes, com visões diferentes e que podem acrescentar absurdamente ao negócio.”

Tribioli diz que o modelo de gestão mais focado no desenvolvimento individual tem trazido bons frutos. Foto: Claudio Lima

O executivo conta que a empresa busca conectar os colaboradores com as aspirações pessoais, sonhos e objetivos diariamente por meio de ferramentas como o coaching. “Aonde o indivíduo quer chegar, pessoal e profissionalmente? Para chegar a esse lugar de ser um profissional de alta performance, ele tem de estar muito bem alinhado consigo”, diz.

“Tem de assumir o poder pessoal e a própria criatividade, além das responsabilidades do lugar a que ele quer chegar. Esse modelo de gestão mais horizontal está muito ligado ao respeito ao ser humano e às vivências de cada um”, diz.

Tribioli afirma que há uma condução da gestão para não “virar várzea”, mas a ideia é mais unir as aspirações do colaborador às da empresa e entender como podem, juntos, chegar ao lugar desejado. “Os líderes precisam entender que esse negócio de mandar e obedecer está completamente ultrapassado. A gente é muito mais assertivo quando escuta”, defende.

“O funcionário tem de entregar um resultado no mês e, para isso, não precisa só seguir uma receita de bolo, ele pode fazer vários testes. A gente acredita nesses testes, por isso incentiva a flexibilidade e a autonomia, o despertar da criatividade e do pensar das pessoas.”

Tomadas de decisão em conjunto

CEO e diretor de marketing da One More, voltada ao desenvolvimento de bebidas funcionais, Arthur Guimil fala que o modelo unboss já veio inscrito no DNA cultural da empresa. Mas ele entende que, conforme a companhia for crescendo, adaptações serão necessárias.

“Por exemplo, não vai dar mais para todo mundo sentar na mesma mesa, mas dá para todos estarem no mesmo ambiente, dentro dessa estrutura ágil e versátil”, exemplifica, afirmando que o modelo é muito mais adequado à velocidade das informações e inovações de hoje em dia.

“É diferente de uma estrutura burocrática, em que a decisão demora para chegar. Mantendo os colaboradores com autonomia e responsabilidade para tocar os projetos, os resultados acabam vindo de uma forma muito mais positiva”, salienta.

O executivo acredita que a cultura da empresa também fica mais sólida em um ambiente colaborativo, ponto importante para que o time se sinta estimulado e parte do negócio. Isso também impacta o turnover, que se torna bem menor, segundo ele.

“A gente passa 10, 12 horas por dia trabalhando e não tem como desassociar o trabalho do pessoal, então tem esse estímulo à leveza e à alegria. Mas, é claro, cobrando a responsabilidade de todo mundo, dado que a autonomia para tocar os projetos é muito maior”, diz. Para isso, há um cuidado para que o alinhamento e a comunicação sejam diretos e claros, com os objetivos na mesa.

A One More adotou momentos diários batizados de touch points, em que são compartilhadas informações sobre a evolução dos projetos, quais as dificuldades e onde é preciso ajudar. As reuniões ocorrem com a participação do time na íntegra.

“O financeiro faz parte das tomadas de decisão do marketing, que por sua vez faz parte das tomadas de decisão do comercial”, diz Guimil. “Por mais que cada um tenha seu projeto, consegue ter a visibilidade do todo e isso é muito importante para chegar a um resultado comum”, destaca. “A gente vai evoluindo junto, acompanhando as tarefas em conjunto, o que faz com que todo mundo esteja na mesma página e ciente das dificuldades e desafios.”

ESPECIAL PARA O ‘ESTADÃO’ - Para a maioria das empresas, era inimaginável, até pouco tempo atrás, ter uma cultura organizacional em que os colaboradores atuam com mais autonomia, substituindo o chefe que manda por um modelo de gestão mais horizontal e colaborativa.

Com a chegada da pandemia, que impôs a migração para o trabalho remoto, boa parte dessas organizações percebeu que não só é possível funcionar de forma menos tradicional como é mais produtivo. Com autonomia, flexibilidade e liberdade, sem ter um chefe controlando cada passo, as pessoas entregam resultados melhores.

Essa é uma das premissas do movimento unbossing, que prega a transição de um sistema de hierarquia muito delimitado para o modelo unboss (sem chefe), em que o foco está mais nos processos cooperativos.

A ideia não é nova. Quem lançou a reflexão sobre a necessidade de substituir o modelo burocrático das organizações foram o veterano gestor e conselheiro empresarial Lars Kolind e o “serial startupper” (criador em série de startups de sucesso) Jacob Botter, autores do livro Unboss, de 2012.

Boa parte da teoria criada pela dupla dinamarquesa foi baseada na experiência do próprio Kolind na Oticon, uma empresa de tecnologia auditiva de 1904 que ele assumiu como CEO no final da década de 1980. Na época, a companhia estava estagnada e começava a perder dinheiro e mercado para concorrentes gigantes como Philips e Siemens.

Kolind foi ousado. Virou a gestão da empresa de ponta cabeça, estabelecendo uma estrutura mais horizontal, colaborativa e descentralizando o poder e as tomadas de decisão. A ideia era inspirar as pessoas a pensarem, decidirem e perseguirem um propósito comum dentro da organização.

O gestor deixava de ser um controlador para ser um apoiador do processo. E os resultados para o negócio vieram poucos anos após a mudança: no final de 1995, o faturamento da Oticon foi de US$ 160 milhões, com lucro de US$ 20 milhões - um aumento de 100% em relação a 1990.

Autonomia e diretrizes claras

“O termo unbossing está muito associado ao conceito de liderança servidora, em que o líder se adapta às necessidades da equipe, ouve mais do que fala, oferece mentoria, treina e desenvolve as pessoas”, explica Caroline Marcon, consultora especializada no desenvolvimento de líderes e equipes de alta performance.

Ela conta que teve a oportunidade de participar de perto do processo de unbossing da Novartis, que começou uma transformação cultural global em 2019. “Na essência do conceito estava promover uma cultura de inovação na companhia, porque eram emergentes a perda de patentes e a necessidade de inovar em termos de soluções médicas”, detalha.

O unbossing veio para liberar a criatividade e tornar a cultura mais curiosa, inclusiva e colaborativa na criação de novas alternativas”

Caroline Marcon, consultora executiva sobre o processo de unbossing da Novartis

Além da guinada positiva nos resultados do negócio, ela fala que a transição para um modelo mais horizontal teve consequências culturais interessantes, como no dress code das pessoas. “Os líderes começaram a se vestir de forma mais próxima e informal. Teve mudanças também no layout dos escritórios, sem sala ou mesa fixa para o CEO. Uma série de rituais foram adaptados para trazer essa ideia de unidade e igualitarismo na construção do negócio.”

Outra questão que ela destaca são os benefícios do processo para a própria liderança. Uma vez que tem mais pessoas pensando juntas em uma solução criativa e diferente, há mais facilidade na resolução de problemas. Segundo ela, isso acelera resultados e a inovação nas empresas, o que a cultura de comando e controle não consegue fazer.

“Isso também transforma o ambiente corporativo em termos de aprendizagem, não só para as equipes, mas para os líderes, porque todos aprendem juntos. É um ambiente de maior segurança psicológica, informalidade e colaboração que desenvolve as pessoas de maneira geral”, afirma.

A consultora sublinha, no entanto, que há algumas diretrizes para que o modelo funcione, como ter clareza quanto ao direcionamento da empresa. É preciso também definir os valores culturais, o papel de cada um e tornar essa visão uma realidade com o comportamento da liderança, para evitar que a gestão fique muito solta.

“Os resultados precisam ser medidos para serem aproveitados da melhor forma, então continua a haver uma gestão e foco em resultado”, explica. “A cultura de unbossing não é só para as pessoas se sentirem melhor. Quando elas se sentem melhor e livres para trabalhar de forma mais criativa, os resultados também aparecem da melhor forma.”

Aspirações e contribuições individuais

Para Jonata Tribioli, especialista em cotas de empreendimento e um dos diretores comerciais da construtora e incorporadora NeoIn, a gestão focada no desenvolvimento e resultados individuais tem trazido bons frutos.

“Ninguém sabe de tudo. As experiências individuais podem contribuir muito com o todo porque os ângulos, perspectivas e experiências são diferentes”, argumenta. “Temos 130 pessoas trabalhando no escritório. São 130 mundos diferentes, com visões diferentes e que podem acrescentar absurdamente ao negócio.”

Tribioli diz que o modelo de gestão mais focado no desenvolvimento individual tem trazido bons frutos. Foto: Claudio Lima

O executivo conta que a empresa busca conectar os colaboradores com as aspirações pessoais, sonhos e objetivos diariamente por meio de ferramentas como o coaching. “Aonde o indivíduo quer chegar, pessoal e profissionalmente? Para chegar a esse lugar de ser um profissional de alta performance, ele tem de estar muito bem alinhado consigo”, diz.

“Tem de assumir o poder pessoal e a própria criatividade, além das responsabilidades do lugar a que ele quer chegar. Esse modelo de gestão mais horizontal está muito ligado ao respeito ao ser humano e às vivências de cada um”, diz.

Tribioli afirma que há uma condução da gestão para não “virar várzea”, mas a ideia é mais unir as aspirações do colaborador às da empresa e entender como podem, juntos, chegar ao lugar desejado. “Os líderes precisam entender que esse negócio de mandar e obedecer está completamente ultrapassado. A gente é muito mais assertivo quando escuta”, defende.

“O funcionário tem de entregar um resultado no mês e, para isso, não precisa só seguir uma receita de bolo, ele pode fazer vários testes. A gente acredita nesses testes, por isso incentiva a flexibilidade e a autonomia, o despertar da criatividade e do pensar das pessoas.”

Tomadas de decisão em conjunto

CEO e diretor de marketing da One More, voltada ao desenvolvimento de bebidas funcionais, Arthur Guimil fala que o modelo unboss já veio inscrito no DNA cultural da empresa. Mas ele entende que, conforme a companhia for crescendo, adaptações serão necessárias.

“Por exemplo, não vai dar mais para todo mundo sentar na mesma mesa, mas dá para todos estarem no mesmo ambiente, dentro dessa estrutura ágil e versátil”, exemplifica, afirmando que o modelo é muito mais adequado à velocidade das informações e inovações de hoje em dia.

“É diferente de uma estrutura burocrática, em que a decisão demora para chegar. Mantendo os colaboradores com autonomia e responsabilidade para tocar os projetos, os resultados acabam vindo de uma forma muito mais positiva”, salienta.

O executivo acredita que a cultura da empresa também fica mais sólida em um ambiente colaborativo, ponto importante para que o time se sinta estimulado e parte do negócio. Isso também impacta o turnover, que se torna bem menor, segundo ele.

“A gente passa 10, 12 horas por dia trabalhando e não tem como desassociar o trabalho do pessoal, então tem esse estímulo à leveza e à alegria. Mas, é claro, cobrando a responsabilidade de todo mundo, dado que a autonomia para tocar os projetos é muito maior”, diz. Para isso, há um cuidado para que o alinhamento e a comunicação sejam diretos e claros, com os objetivos na mesa.

A One More adotou momentos diários batizados de touch points, em que são compartilhadas informações sobre a evolução dos projetos, quais as dificuldades e onde é preciso ajudar. As reuniões ocorrem com a participação do time na íntegra.

“O financeiro faz parte das tomadas de decisão do marketing, que por sua vez faz parte das tomadas de decisão do comercial”, diz Guimil. “Por mais que cada um tenha seu projeto, consegue ter a visibilidade do todo e isso é muito importante para chegar a um resultado comum”, destaca. “A gente vai evoluindo junto, acompanhando as tarefas em conjunto, o que faz com que todo mundo esteja na mesma página e ciente das dificuldades e desafios.”

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