Na altura do número 1.246 da Avenida Faria Lima, um empreendimento que começou com uma herança familiar agora ocupa o espaço de um antigo banco. À frente do negócio está Bruno Sindona, 36, responsável pela Incorporadora que leva o seu sobrenome e nasceu com a missão de trazer mais conforto e beleza aos imóveis que se enquadram no programa Minha Casa, Minha Vida. Após mais de uma década no comando da empresa, o executivo reflete que nenhuma conquista foi fácil. Incluindo, a tarefa de liderar.
Assim como muitos brasileiros, começou a empreender por necessidade. Chegou a vender queijo com o pai nas ruas. “É difícil olhar para trás e pensar em outro caminho que não fosse empreender”, diz.
Sem contatos no setor e sem conhecimento técnico aprofundado, Sindona rompeu as barreiras da periferia de Osasco ao criar apartamentos que desafiaram os estereótipos comuns associados a áreas afastadas dos grandes centros urbanos.
Os imóveis, com valores que variam entre R$ 170 mil e R$ 550 mil, oferecem piscinas de borda infinita, tobogãs, saunas, hortas comunitárias, churrasqueiras e suítes. A média de renda dos clientes gira em torno de R$ 5.900. Em alguns empreendimentos, a renda pode cair para R$ 2.200.
Sindona ainda enfrentou o peso de liderar um negócio em ascensão. “Tive que desbravar meu caminho muito na porrada. Em algum momento, percebi que a porrada não funcionava mais ou, pelo menos, não era a melhor ferramenta. Não estava me fazendo bem e nem para o ambiente de trabalho”, reconhece.
Hoje, o executivo compartilha a filosofia corporativa por trás das decisões: uma combinação de exercício físico, terapia e cuidado com a espiritualidade. Para ele, a tríade é inegociável e encoraja seus funcionários a adotarem práticas semelhantes caso desejem crescer na empresa.
Sindona afirma estar cada vez mais distante do estilo de liderança mais rígido do passado, quando costumava trancar a porta do escritório em determinados horários para funcionários atrasados.
Confira trechos da entrevista:
Como foi o início da sua carreira?
É complicado definir um início específico. Venho de uma família de empreendedores brasileiros de uma região periférica da zona sul de Osasco. Meu pai vendia coco na rua, e minha mãe fazia doces para vender. Também já vendi queijo na rua com meu pai e ainda tivemos um salão de beleza. Eu e minha irmã éramos responsáveis por lavar, secar e dobrar as toalhas do salão.
Tudo isso me inseriu no mundo dinâmico e flexível do empreendedorismo. Foi muito natural, é difícil olhar para trás e pensar em outro caminho que não fosse empreender.
Por meio de diversos acasos, diria até divinos, acabei caindo na corporação e no setor imobiliário.
Como surgiu a Sindona?
Em 2002, minha mãe vendeu a herança de um terreno em Osasco. A vocação desse terreno era fazer moradia popular assim como fazemos hoje. Mas a empresa faliu e não nos pagou. Para minha família, é como se tivéssemos ganhado na loteria e perdido o bilhete.
Em 2008, conseguimos recuperar o terreno e decidimos construir nós mesmos (pai, mãe e irmã) 32 apartamentos no local com financiamento da Caixa Econômica no comecinho do programa Minha Casa, Minha Vida. Na época, Sindona não era uma empresa, foi criada para resolver apenas o problema da herança.
Com o tempo, fomos profissionalizando. Compramos móveis para o escritório, contratamos funcionários e começamos a estruturar a empresa.
Acabei comprando outra construtora no meio da caminho. A partir daí, as coisas foram evoluindo de forma muito orgânica. De lá para cá, temos quase 200 funcionários e entregamos mais de 1.200 moradias, com mais de 2.600 construções em desenvolvimento.
Então, o negócio começou como um empreendimento familiar?
O primeiro escritório da Sindona foi no meu quarto: era a cama e a mesa do escritório. Isso antes de 2008. Depois o escritório migrou para o stand de vendas, entre 2008 e 2009. Quando percebemos, não tinha mais como voltar atrás.
Viemos para a Faria Lima em abril de 2022. Olhando para o escritório, por que escolhemos um espaço no térreo? Porque não queria perder a essência do comércio.
Às vezes, os empresários entram no “encastelamento”, com duas portarias etc. Quero ter movimento, não quero segurança na minha porta. Antes a gente trabalhava até de porta aberta, mas fomos roubados tantas vezes que trancamos a porta da entrada. Mas a minha vontade era deixar o escritório igual a uma loja, com pessoas entrando e saindo. Percebo que a classe empresarial brasileira está muito longe do povo.
Quando percebeu que, além de ser um bom empreendedor, também precisava ser uma liderança eficaz?
Minha mãe sempre conviveu com muitos problemas de saúde. Meu pai é um cara inteligente e, ao mesmo tempo, simples. Ele veio do Vale do Jequitinhonha (MG) e nunca ligou um computador na vida dele. É um outro jeito de enxergar o mundo. Então, desde cedo, percebi que exercia o papel de liderança. Seja uma liderança para trazer conteúdos, direcionamentos, percepção de mundo ou novidades para dentro de casa.
A minha liderança desenvolveu-se de forma orgânica. Foi difícil. Hoje, vejo que a chave para ser um bom líder é o desenvolvimento pessoal. Às vezes, você não tem consciência de que precisa se cuidar para estar bem, então explode, fica triste ou faz algo errado.
Perdi negócios, oportunidades, dinheiro e pessoas para ir ao longo do tempo moldando minha liderança. Moldar essa liderança é moldar o Bruno também, já que a empresa carrega o meu sobrenome.
Sindona foi construída às avessas. Começamos sem conhecimento e sem networking. Fui trazendo pessoas que estavam ao meu lado. O atual diretor financeiro é meu amigo de infância. O Marlon Vilas Boas (estava na sala no momento da entrevista) é o diretor comercial, o conheci no bairro, a mãe dele cuidava de mim quando minha mãe saía para trabalhar.
É doido falar isso em uma entrevista de gestão, mas as pessoas que aderiram são as que têm vínculos pessoais. Mesmo sendo escolhido por headhunters, não continuam aqui caso não se conectem aos valores culturais, sociais e emocionais.
Conta um pouco mais sobre esses valores que mencionou.
A Sindona tem evangélico fervoroso e pai de santo. É o máximo porque a vida cotidiana e o comércio são assim.
Que tipo de gente tem que estar aqui? Se cai um engenheiro completamente “dinheirista”, não adere. Quando chega na convivência e no momento das decisões, não funciona. Engenheiro que não se emociona com o que fazemos, não funciona. Só perdemos tempo e dinheiro.
Claro, aprendemos com o processo e com todos que passam aqui. Como diria Carlos Drummond: “De tudo fica um pouco, às vezes um botão, às vezes um rato” (poema “Resíduo”). No fundo, o que permitiu o nosso crescimento foram as pessoas que estão conectadas de corpo, alma e coração.
Emocionalmente, vejo a Sindona muito mais madura. As pessoas têm mais senso de responsabilidade. Isso tem feito emocionalmente a empresa ser mais organizada. Dois anos atrás, a companhia tinha mais ruído, hoje é muito mais silenciosa. Porque as pessoas sabem o que precisam fazer. É igual a uma máquina de lavar: quando está funcionando bem, está quieta.
Hoje luto muito para ser um líder ideal na Sindona, que traz silêncio, é muito mais um amortecedor do que aquele que empurra. Se o líder está tendo que gritar, tem algo de errado.
Defina seu estilo de liderança.
O lugar onde mais busco beber informações é na liderança de Jesus. Entre ficar caçando borboletas em mil livros, tento olhar para dentro e me perguntar: ‘Que líder quero ser?’ Quero ser um líder firme quando tem que ser - diversas passagens da Bíblia mostram a firmeza de Jesus -, um líder amoroso e complacente quando tem que ser.
Meu grande aprendizado dos últimos anos foi inspirado Nele para ser sabedor das dificuldades dos outros.
Perceber as pessoas mudou o meu jeito de liderar. Tinha pouquíssimo desse aspecto, até porque comecei cedo, tive que ser muito duro em um meio que só tinha pessoas mais velhas e de um lugar resistente a mudanças. Estamos falando de crédito, alvará e mercado imobiliário.
Tive que desbravar meu caminho muito na porrada. Em algum momento, percebi que a porrada não funcionava mais ou, pelo menos, não era a melhor ferramenta. Não estava me fazendo bem e nem para o ambiente de trabalho.
Fui percebendo as mudanças no mundo e fui tentando construir um líder mais atrelado com o que acreditava: democratizar a cidade, levar beleza e autoestima para a periferia.
Fazendo uma retrospectiva, você precisou abdicar de algo em prol da sua vida profissional?
Muita coisa. É difícil virar um negócio porque precisa de você tanto na questão do risco quanto do emocional. O que mais abdiquei foi de mim mesmo. Deixei de conviver com várias pessoas por causa do tempo e tive que abdicar de ser quem eu era para ser quem precisava ser.
Depois consegui unir os caminhos do empresário com o caminho da minha criança. Mas no começo tem que responder para muitas pessoas: gerente do banco, clientes, funcionários.
Convergir isso lá atrás, quando não podia dar uma entrevista ou ser ouvido como sou hoje, era mais difícil porque é um jogo de anulação. Você tem que se anular para se adequar.
Às vezes você vai seguindo fragmentos de uma liderança que acha que tem que ser para ter sucesso. Hoje deve ser mais complicado para quem está começando porque tem um monte de guru falando coisas incongruentes.
Talvez se tivesse ouvido lá atrás, mesmo sem acreditar, que tinha que tomar banho de gelo às 5h da manhã, teria tomado. Porque, se aquilo é o símbolo do empresário que se dedica, talvez tivesse feito para ser aquele empresário que as pessoas acreditam e confiam.
Me curvei várias vezes, mas hoje me permito curvar menos. O que mais perdi foram esses períodos de curvatura que tive que fazer, foram válidos, mas é muito doloroso.
Hoje, existe algum equilíbrio entre vida pessoal e profissional?
Tem uma condição que faço para todo mundo que deseja crescer na Sindona. Descobri a duras penas. Se não fizer exercício físico, terapia e cuidar da espiritualidade, não cresce.
Não tem condição de ser um bom líder em qualquer espaço se não seguir esse tripé. Ser líder é difícil, é sofrido, é pesado e cheio de dúvidas. Se não consegue cuidar do corpo, da mente e da espiritualidade, seu padrão decisório fica muito comprometido.
Bruno Sindona
Um certo dia fiz o exercício de contar as decisões das mais simples às mais profundas que tomei no dia. Foram 131 decisões. Todas abriram variáveis. E se não estiver bem, como decide? O padrão decisório é afetado.
Por isso, tem que cuidar de si. Se gosta de terreiro, vá ao terreiro. Se gosta de igreja, vá à igreja. Não importa, cada um faça o seu. Somos bastante sincréticos, mas temos que cuidar da espiritualidade.
Se gosta de frescobol, caminhada, academia, vá fazer. Antigamente cobrava muito horário. Chegava cedo no escritório e como líder do passado cheguei a fechar a porta do escritório: “quem não entrou não entra mais.” Agora, olha a mudança.
Às vezes, olho o Instagram e vejo que fulano está chegando mais tarde porque está treinando de manhã, ótimo. Também é trabalho. Preciso que as pessoas estejam bem.
Tenho o projeto de, em um futuro breve, sair do escritório com o dia ainda claro. Estou com apartamento reformando aqui na rua do escritório, quero voltar a almoçar em casa, é um hábito do meu pai. Também quero ir e voltar do trabalho a pé.
Outra coisa: quer crescer mais na empresa? Tem que morar perto. Não tem condições de pegar duas horas para vir e mais duas horas para chegar em casa e achar que vai fazer um bom trabalho. Primeiro, vai prejudicar a empresa. Segundo, vai acabar com a sua vida.
Daqui a pouco, os cabelos caem e vai tomar antidepressivo. Não tem como passar cinco anos levando duas horas para ir e duas horas para voltar e ainda ser feliz. É a completa incongruência entre a felicidade e o bom desempenho.
E se não der para morar perto do trabalho?
Vai ser difícil crescer. Não vai fazer bem para a pessoa. Crescer exige mais. A pessoa está dando tanto para o deslocamento que vai faltar na empresa, na família ou na saúde.
O modelo da Sindona é presencial?
Sim, mas somos flexíveis. Gosto muito do presencial, acho que a gente não consegue criar uma cultura, um produto ou projeto à distância.
Inclusive, percebi que os maiores momentos de estresse na companhia foram quando as pessoas estavam sozinhas durante a pandemia.
Qual conselho deixa para jovens empreendedores que vêm da periferia e sonham em construir seus próprios negócios?
Cuidar da cabeça e do coração porque o fato de ser periférico (não só do que entendemos como periferia), mas a periferia de não se sentir pertencente, de estar distante, de não ter conexões, de não ter a aparência física e de não ter o lifestyle desse núcleo que você almeja chegar. Isso destrói a gente e dificulta o processo.
Se você é empreendedor, verifique se realmente é o seu caminho porque é tortuoso. Saiba por que deseja ser empreendedor. Se é dinheiro e status, existem outras maneiras de ganhar. Se é liberdade de horários, você está no lugar completamente errado, pode até ser flexível, mas não é livre e exige mais dedicação.
Bruno Sindona
Por exemplo, entenda porque você quer faturar R$ 1 bilhão. Quer reconhecimento, sair na capa do jornal, empregar 10 mil pessoas? Quer mudar o mundo? Está disposto a ter a vida de quem se propõe a mudar o mundo? Porque é fogo.
É muito difícil existir um sábio de 20 ou 30 anos só porque ele tem um helicóptero. Não tem modelo, tem o seu modelo. O empreendedor sempre busca algo. Esse algo existe e está lá na frente, mas é uma cerca de arame farpado e não adianta achar que vai passar ileso. Tem que ser consciente das dores que virão, faz parte do processo.