Workaholic, ela voltou ao trabalho 1 dia após acidente de carro e só mudou de vida ao ser demitida


Daniela Bertoldo foi para uma reunião com 12 pontos na cabeça, e nem isso a fez trocar o estilo de vida na época: a mudança só aconteceu 10 anos depois, quando foi demitida; hoje é consultora em desenvolvimento pessoal de lideranças femininas

Por Jayanne Rodrigues
Atualização:

Aos 47 anos, a executiva Daniela Bertoldo dedica-se ao desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Hoje, a profissional mantém uma rotina equilibrada: pratica esportes, mantém alguns hobbies e prioriza a vida pessoal. Mas nem sempre foi assim. Em entrevista ao Estadão, Daniela lembra que, por 25 anos, viveu como uma verdadeira workaholic, chegando a trabalhar mais de 15 horas por dia e dormindo, em média, apenas três horas por noite.

Certa vez, teve um grave acidente de carro, levou 12 pontos na cabeça e foi trabalhar no dia seguinte. Nem isso a fez mudar o estilo de vida, e só mais de 10 anos depois do episódio, quando foi demitida, é que passou a ser preocupar com qualidade de vida.

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Uma jornada marcada pelo vício no trabalho

Formada em administração, a maior parte de sua carreira foi voltada à gestão de negócios em grandes empresas do mundo corporativo. Daniela não sabe ao certo quando começou seu vício pelo trabalho, mas acredita que o antigo estilo de vida esteja ligado à sua origem humilde. Crescendo em uma família com quatro irmãos, desde cedo sonhava em conquistar a independência financeira.

Meu pai era o único provedor. Ele saía para trabalhar e minha mãe cuidava dos filhos. Ele tinha o poder do dinheiro. Fui crescendo com aquilo na cabeça. Essa fissura pelo trabalho estava relacionada a uma questão financeira.

Daniela Bertoldo

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Daniela Bertoldo, que hoje é consultora em desenvolvimento pessoal para lideranças femininas, sofreu um acidente automobilístico após exaustão mental e física. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A vida pessoal em segundo plano

O estilo de vida começava pelo seu visual. Daniela só comprava roupas de trabalho, as amizades também eram unicamente do ambiente corporativo. “Achava que aquilo era a minha vida e comecei a viver dentro daquele lugar 24 horas por dia”, conta.

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A profissional diz que os momentos fora do trabalho eram escassos. Antes não praticava nenhuma atividade física e não se importava com a alimentação. Dificilmente fazia alguma refeição em casa.

Não fazia atividade física porque achava que era perda de tempo. Só pensava em ser produtiva. Na área comercial, as metas são agressivas. Uma pessoa que é obstinada com o trabalho perde totalmente a capacidade de discernimento de equilíbrio.

Daniela Bertoldo

Ao longo de mais de duas décadas de carreira, Daniela Bertoldo passou por quatro grandes empresas. Na primeira, no setor de seguros, permaneceu por cinco anos.

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Em seguida, migrou para uma corporação de cartões de benefícios, onde trabalhou por 14 anos. “Tive meu casamento, meu filho e meu divórcio nessa empresa”, comenta.

Durante a licença-maternidade do filho Pedro, que nasceu em 2006, ela até convocava reuniões em casa enquanto amamentava.

Após 25 anos no mundo corporativo, Daniela encerrou a fase em uma empresa de turismo antes de seguir como consultora e fundar seu próprio negócio.

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Um acidente que deu um grande alerta

Na empresa do setor de benefícios em que atuou por 14 anos costumava viajar diariamente. Chegava a rodar mais de 3 mil quilômetros por mês visitando clientes no interior de São Paulo, em cidades como Campinas, Presidente Prudente, Araçatuba e na divisa do Mato Grosso.

Dormia pouco. Trabalhava mais de 15 horas por dia, chegava em casa, tomava um banho, ia comer e ligava o computador para responder aos e-mails. Tinha a premissa de não dormir com e-mail pendente. Ficava até 3h da manhã respondendo a e-mails e acordava umas 5h.

Daniela Bertoldo

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Em casa, aos finais de semana, aproveitava para colocar os e-mails em ordem (na época recebia mais de mil por dia), fazer apresentações para segunda-feira e realizar alguns cursos.

Daniela Bertoldo também é autora do livro "Mulheres que Lideram Jogam Juntas". Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Não tenho orgulho de contar essa história, mas na época pensava que a empresa ia me achar a melhor. Quanto mais as pessoas falavam que eu era boa, mais ficava viciada em trabalho.

Daniela Bertoldo

Em mais um dia típico de trabalho, Daniela cumpria uma agenda cheia de reuniões e visitas a clientes e bancos. Naquela noite, ficou até as 3h respondendo e-mails, dormiu apenas duas horas e acordou às 5h para pegar a estrada rumo a Campinas. Por volta das 7h, no dia 10 de novembro de 2011, sofreu um acidente de carro entre Analândia e Pirassununga.

Estava no limite da exaustão. Era uma pista simples, e tudo aconteceu em segundos. Lembro de levar um susto. Puxei a direção para a direita, a roda bateu no acostamento e perdi o controle do carro, que rodopiou na pista e capotou em um barranco.

Daniela Bertoldo

Um homem que passava na estrada no momento do acidente socorreu Daniela e a ajudou a sair do carro. Logo depois de ser retirada, o veículo explodiu. “Ficou carbonizado”, relembra ao descrever o episódio em que saiu consciente e que resultou em 12 pontos na cabeça.

Um dia após o acidente, Daniela já estava em uma reunião de trabalho. “Tomei um banho como se nada tivesse acontecido. Botei o meu terninho e fui. Ainda cheguei pedindo desculpa por não estar elegante com a cabeça toda rachada”, diz.

Nada mudou no vício de trabalho depois do acidente grave

Questionada se a partir daí algo mudou em relação ao trabalho, a profissional afirma que não houve nenhuma diferença depois do ocorrido.

Pelo contrário, de imediato, ainda teve medo de ser demitida. Quatro anos após o acidente, veio o divórcio. “Não dava mais, era só trabalho, no pouco tempo que tinha, me dedicava ao meu filho.”

Em 2018, sete anos após o acidente, decidiu pedir demissão. Mas a escolha não foi motivada por exaustão ou questões financeiras. A mudança veio pelo desafio de montar uma startup do zero.

Tive uma carreira de sucesso em termos de ascensão e visibilidade de mercado. Foi um crescimento exponencial, mas no meio do caminho, o casamento e as relações ficaram para trás.

Daniela Bertoldo

O fim de uma era e o início de uma nova jornada

Em 2022, no auge da carreira, foi demitida devido a uma reestruturação na empresa do setor de turismo onde trabalhava.

Foi uma dor que não senti no meu acidente.

Daniela Bertoldo

A aflição que sentiu, conforme descreve, não tinha relação com a demissão em si. O sentimento de perda estava relacionado a outro fator.

“Quando depositei aquele crachá na catraca é como se tivesse perdido toda a minha identidade. Eu vi que não restava quase nada da Daniela”, afirma.

Segundo a profissional, foi uma fase de desconstrução. O telefone, que antes parecia uma central de emergência, de repente ficou silencioso.

Quando saiu da empresa, em menos de 24 horas, o telefone tocou apenas três vezes. As ligações eram do filho, da ajudante do lar e da mãe.

Nos dias seguintes, só recebi ligações de pessoas do meu círculo familiar, aquelas a quem eu sempre dizia “não” para festas, aniversários, tudo por conta do trabalho.

Daniela Bertoldo

Ela admite que desde o acidente até o momento em que entregou o crachá, nunca havia parado para refletir sobre o que aconteceu.

“A primeira coisa em que pensei ao sair do mundo corporativo foi justamente no acidente, que até então eu nunca tinha digerido ou enfrentado.”

As consequências da priorização excessiva do trabalho

Há dois anos, Daniela Bertoldo fundou o Instituto Bert, com serviços personalizados para lideranças femininas. Também criou o “Projeto Grandes Mulheres do Interior” e escreveu o livro “Mulheres que Lideram Jogam Juntas”.

O conselho para todas é claro: negligenciar a vida pessoal cobra um preço muito alto. A profissional pondera que ainda trabalha bastante.

No entanto a vida não se resume a trabalho. “Tenho amigas, um relacionamento, pratico atividade física, cuido da alimentação. Minha vida deu uma virada.”

Daniela Bertoldo, consultora de desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A consultora avalia que construir uma carreira enquanto ignora a vida pessoal tem consequências. Isso porque as empresas exigem resultados e, se a pessoa adoecer, não poderá entregar o que esperam.

Com isso, será substituída, “seja por reestruturação, falta de caixa ou qualquer outro motivo. A reconstrução depois de um colapso é muito mais difícil do que a construção inicial.”

Conselhos para lideranças femininas

Para mulheres em cargos de liderança, estes são os principais conselhos de Daniela Bertoldo:

  • Não negligencie sua vida pessoal em nome da carreira. Uma coisa reflete na outra. Se você negligenciar sua saúde e adoecer, a empresa não ficará com você. As empresas querem pessoas saudáveis, que produzem.
  • Se deseja continuar no topo, é fundamental cuidar de si mesma antes de cuidar dos outros. Como dizem nas instruções de segurança dos aviões: em caso de problemas, coloque a máscara de oxigênio em si antes de ajudar quem está ao seu lado. Se você não se cuidar, não poderá cuidar da sua carreira, dos seus negócios e dos seus relacionamentos.
  • Em vez de esperar pela reconstrução, concentre-se em construir a vida que você quer agora para se tornar quem deseja ser no futuro.

Aos 47 anos, a executiva Daniela Bertoldo dedica-se ao desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Hoje, a profissional mantém uma rotina equilibrada: pratica esportes, mantém alguns hobbies e prioriza a vida pessoal. Mas nem sempre foi assim. Em entrevista ao Estadão, Daniela lembra que, por 25 anos, viveu como uma verdadeira workaholic, chegando a trabalhar mais de 15 horas por dia e dormindo, em média, apenas três horas por noite.

Certa vez, teve um grave acidente de carro, levou 12 pontos na cabeça e foi trabalhar no dia seguinte. Nem isso a fez mudar o estilo de vida, e só mais de 10 anos depois do episódio, quando foi demitida, é que passou a ser preocupar com qualidade de vida.

Uma jornada marcada pelo vício no trabalho

Formada em administração, a maior parte de sua carreira foi voltada à gestão de negócios em grandes empresas do mundo corporativo. Daniela não sabe ao certo quando começou seu vício pelo trabalho, mas acredita que o antigo estilo de vida esteja ligado à sua origem humilde. Crescendo em uma família com quatro irmãos, desde cedo sonhava em conquistar a independência financeira.

Meu pai era o único provedor. Ele saía para trabalhar e minha mãe cuidava dos filhos. Ele tinha o poder do dinheiro. Fui crescendo com aquilo na cabeça. Essa fissura pelo trabalho estava relacionada a uma questão financeira.

Daniela Bertoldo

Daniela Bertoldo, que hoje é consultora em desenvolvimento pessoal para lideranças femininas, sofreu um acidente automobilístico após exaustão mental e física. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A vida pessoal em segundo plano

O estilo de vida começava pelo seu visual. Daniela só comprava roupas de trabalho, as amizades também eram unicamente do ambiente corporativo. “Achava que aquilo era a minha vida e comecei a viver dentro daquele lugar 24 horas por dia”, conta.

A profissional diz que os momentos fora do trabalho eram escassos. Antes não praticava nenhuma atividade física e não se importava com a alimentação. Dificilmente fazia alguma refeição em casa.

Não fazia atividade física porque achava que era perda de tempo. Só pensava em ser produtiva. Na área comercial, as metas são agressivas. Uma pessoa que é obstinada com o trabalho perde totalmente a capacidade de discernimento de equilíbrio.

Daniela Bertoldo

Ao longo de mais de duas décadas de carreira, Daniela Bertoldo passou por quatro grandes empresas. Na primeira, no setor de seguros, permaneceu por cinco anos.

Em seguida, migrou para uma corporação de cartões de benefícios, onde trabalhou por 14 anos. “Tive meu casamento, meu filho e meu divórcio nessa empresa”, comenta.

Durante a licença-maternidade do filho Pedro, que nasceu em 2006, ela até convocava reuniões em casa enquanto amamentava.

Após 25 anos no mundo corporativo, Daniela encerrou a fase em uma empresa de turismo antes de seguir como consultora e fundar seu próprio negócio.

Um acidente que deu um grande alerta

Na empresa do setor de benefícios em que atuou por 14 anos costumava viajar diariamente. Chegava a rodar mais de 3 mil quilômetros por mês visitando clientes no interior de São Paulo, em cidades como Campinas, Presidente Prudente, Araçatuba e na divisa do Mato Grosso.

Dormia pouco. Trabalhava mais de 15 horas por dia, chegava em casa, tomava um banho, ia comer e ligava o computador para responder aos e-mails. Tinha a premissa de não dormir com e-mail pendente. Ficava até 3h da manhã respondendo a e-mails e acordava umas 5h.

Daniela Bertoldo

Em casa, aos finais de semana, aproveitava para colocar os e-mails em ordem (na época recebia mais de mil por dia), fazer apresentações para segunda-feira e realizar alguns cursos.

Daniela Bertoldo também é autora do livro "Mulheres que Lideram Jogam Juntas". Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Não tenho orgulho de contar essa história, mas na época pensava que a empresa ia me achar a melhor. Quanto mais as pessoas falavam que eu era boa, mais ficava viciada em trabalho.

Daniela Bertoldo

Em mais um dia típico de trabalho, Daniela cumpria uma agenda cheia de reuniões e visitas a clientes e bancos. Naquela noite, ficou até as 3h respondendo e-mails, dormiu apenas duas horas e acordou às 5h para pegar a estrada rumo a Campinas. Por volta das 7h, no dia 10 de novembro de 2011, sofreu um acidente de carro entre Analândia e Pirassununga.

Estava no limite da exaustão. Era uma pista simples, e tudo aconteceu em segundos. Lembro de levar um susto. Puxei a direção para a direita, a roda bateu no acostamento e perdi o controle do carro, que rodopiou na pista e capotou em um barranco.

Daniela Bertoldo

Um homem que passava na estrada no momento do acidente socorreu Daniela e a ajudou a sair do carro. Logo depois de ser retirada, o veículo explodiu. “Ficou carbonizado”, relembra ao descrever o episódio em que saiu consciente e que resultou em 12 pontos na cabeça.

Um dia após o acidente, Daniela já estava em uma reunião de trabalho. “Tomei um banho como se nada tivesse acontecido. Botei o meu terninho e fui. Ainda cheguei pedindo desculpa por não estar elegante com a cabeça toda rachada”, diz.

Nada mudou no vício de trabalho depois do acidente grave

Questionada se a partir daí algo mudou em relação ao trabalho, a profissional afirma que não houve nenhuma diferença depois do ocorrido.

Pelo contrário, de imediato, ainda teve medo de ser demitida. Quatro anos após o acidente, veio o divórcio. “Não dava mais, era só trabalho, no pouco tempo que tinha, me dedicava ao meu filho.”

Em 2018, sete anos após o acidente, decidiu pedir demissão. Mas a escolha não foi motivada por exaustão ou questões financeiras. A mudança veio pelo desafio de montar uma startup do zero.

Tive uma carreira de sucesso em termos de ascensão e visibilidade de mercado. Foi um crescimento exponencial, mas no meio do caminho, o casamento e as relações ficaram para trás.

Daniela Bertoldo

O fim de uma era e o início de uma nova jornada

Em 2022, no auge da carreira, foi demitida devido a uma reestruturação na empresa do setor de turismo onde trabalhava.

Foi uma dor que não senti no meu acidente.

Daniela Bertoldo

A aflição que sentiu, conforme descreve, não tinha relação com a demissão em si. O sentimento de perda estava relacionado a outro fator.

“Quando depositei aquele crachá na catraca é como se tivesse perdido toda a minha identidade. Eu vi que não restava quase nada da Daniela”, afirma.

Segundo a profissional, foi uma fase de desconstrução. O telefone, que antes parecia uma central de emergência, de repente ficou silencioso.

Quando saiu da empresa, em menos de 24 horas, o telefone tocou apenas três vezes. As ligações eram do filho, da ajudante do lar e da mãe.

Nos dias seguintes, só recebi ligações de pessoas do meu círculo familiar, aquelas a quem eu sempre dizia “não” para festas, aniversários, tudo por conta do trabalho.

Daniela Bertoldo

Ela admite que desde o acidente até o momento em que entregou o crachá, nunca havia parado para refletir sobre o que aconteceu.

“A primeira coisa em que pensei ao sair do mundo corporativo foi justamente no acidente, que até então eu nunca tinha digerido ou enfrentado.”

As consequências da priorização excessiva do trabalho

Há dois anos, Daniela Bertoldo fundou o Instituto Bert, com serviços personalizados para lideranças femininas. Também criou o “Projeto Grandes Mulheres do Interior” e escreveu o livro “Mulheres que Lideram Jogam Juntas”.

O conselho para todas é claro: negligenciar a vida pessoal cobra um preço muito alto. A profissional pondera que ainda trabalha bastante.

No entanto a vida não se resume a trabalho. “Tenho amigas, um relacionamento, pratico atividade física, cuido da alimentação. Minha vida deu uma virada.”

Daniela Bertoldo, consultora de desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A consultora avalia que construir uma carreira enquanto ignora a vida pessoal tem consequências. Isso porque as empresas exigem resultados e, se a pessoa adoecer, não poderá entregar o que esperam.

Com isso, será substituída, “seja por reestruturação, falta de caixa ou qualquer outro motivo. A reconstrução depois de um colapso é muito mais difícil do que a construção inicial.”

Conselhos para lideranças femininas

Para mulheres em cargos de liderança, estes são os principais conselhos de Daniela Bertoldo:

  • Não negligencie sua vida pessoal em nome da carreira. Uma coisa reflete na outra. Se você negligenciar sua saúde e adoecer, a empresa não ficará com você. As empresas querem pessoas saudáveis, que produzem.
  • Se deseja continuar no topo, é fundamental cuidar de si mesma antes de cuidar dos outros. Como dizem nas instruções de segurança dos aviões: em caso de problemas, coloque a máscara de oxigênio em si antes de ajudar quem está ao seu lado. Se você não se cuidar, não poderá cuidar da sua carreira, dos seus negócios e dos seus relacionamentos.
  • Em vez de esperar pela reconstrução, concentre-se em construir a vida que você quer agora para se tornar quem deseja ser no futuro.

Aos 47 anos, a executiva Daniela Bertoldo dedica-se ao desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Hoje, a profissional mantém uma rotina equilibrada: pratica esportes, mantém alguns hobbies e prioriza a vida pessoal. Mas nem sempre foi assim. Em entrevista ao Estadão, Daniela lembra que, por 25 anos, viveu como uma verdadeira workaholic, chegando a trabalhar mais de 15 horas por dia e dormindo, em média, apenas três horas por noite.

Certa vez, teve um grave acidente de carro, levou 12 pontos na cabeça e foi trabalhar no dia seguinte. Nem isso a fez mudar o estilo de vida, e só mais de 10 anos depois do episódio, quando foi demitida, é que passou a ser preocupar com qualidade de vida.

Uma jornada marcada pelo vício no trabalho

Formada em administração, a maior parte de sua carreira foi voltada à gestão de negócios em grandes empresas do mundo corporativo. Daniela não sabe ao certo quando começou seu vício pelo trabalho, mas acredita que o antigo estilo de vida esteja ligado à sua origem humilde. Crescendo em uma família com quatro irmãos, desde cedo sonhava em conquistar a independência financeira.

Meu pai era o único provedor. Ele saía para trabalhar e minha mãe cuidava dos filhos. Ele tinha o poder do dinheiro. Fui crescendo com aquilo na cabeça. Essa fissura pelo trabalho estava relacionada a uma questão financeira.

Daniela Bertoldo

Daniela Bertoldo, que hoje é consultora em desenvolvimento pessoal para lideranças femininas, sofreu um acidente automobilístico após exaustão mental e física. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A vida pessoal em segundo plano

O estilo de vida começava pelo seu visual. Daniela só comprava roupas de trabalho, as amizades também eram unicamente do ambiente corporativo. “Achava que aquilo era a minha vida e comecei a viver dentro daquele lugar 24 horas por dia”, conta.

A profissional diz que os momentos fora do trabalho eram escassos. Antes não praticava nenhuma atividade física e não se importava com a alimentação. Dificilmente fazia alguma refeição em casa.

Não fazia atividade física porque achava que era perda de tempo. Só pensava em ser produtiva. Na área comercial, as metas são agressivas. Uma pessoa que é obstinada com o trabalho perde totalmente a capacidade de discernimento de equilíbrio.

Daniela Bertoldo

Ao longo de mais de duas décadas de carreira, Daniela Bertoldo passou por quatro grandes empresas. Na primeira, no setor de seguros, permaneceu por cinco anos.

Em seguida, migrou para uma corporação de cartões de benefícios, onde trabalhou por 14 anos. “Tive meu casamento, meu filho e meu divórcio nessa empresa”, comenta.

Durante a licença-maternidade do filho Pedro, que nasceu em 2006, ela até convocava reuniões em casa enquanto amamentava.

Após 25 anos no mundo corporativo, Daniela encerrou a fase em uma empresa de turismo antes de seguir como consultora e fundar seu próprio negócio.

Um acidente que deu um grande alerta

Na empresa do setor de benefícios em que atuou por 14 anos costumava viajar diariamente. Chegava a rodar mais de 3 mil quilômetros por mês visitando clientes no interior de São Paulo, em cidades como Campinas, Presidente Prudente, Araçatuba e na divisa do Mato Grosso.

Dormia pouco. Trabalhava mais de 15 horas por dia, chegava em casa, tomava um banho, ia comer e ligava o computador para responder aos e-mails. Tinha a premissa de não dormir com e-mail pendente. Ficava até 3h da manhã respondendo a e-mails e acordava umas 5h.

Daniela Bertoldo

Em casa, aos finais de semana, aproveitava para colocar os e-mails em ordem (na época recebia mais de mil por dia), fazer apresentações para segunda-feira e realizar alguns cursos.

Daniela Bertoldo também é autora do livro "Mulheres que Lideram Jogam Juntas". Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Não tenho orgulho de contar essa história, mas na época pensava que a empresa ia me achar a melhor. Quanto mais as pessoas falavam que eu era boa, mais ficava viciada em trabalho.

Daniela Bertoldo

Em mais um dia típico de trabalho, Daniela cumpria uma agenda cheia de reuniões e visitas a clientes e bancos. Naquela noite, ficou até as 3h respondendo e-mails, dormiu apenas duas horas e acordou às 5h para pegar a estrada rumo a Campinas. Por volta das 7h, no dia 10 de novembro de 2011, sofreu um acidente de carro entre Analândia e Pirassununga.

Estava no limite da exaustão. Era uma pista simples, e tudo aconteceu em segundos. Lembro de levar um susto. Puxei a direção para a direita, a roda bateu no acostamento e perdi o controle do carro, que rodopiou na pista e capotou em um barranco.

Daniela Bertoldo

Um homem que passava na estrada no momento do acidente socorreu Daniela e a ajudou a sair do carro. Logo depois de ser retirada, o veículo explodiu. “Ficou carbonizado”, relembra ao descrever o episódio em que saiu consciente e que resultou em 12 pontos na cabeça.

Um dia após o acidente, Daniela já estava em uma reunião de trabalho. “Tomei um banho como se nada tivesse acontecido. Botei o meu terninho e fui. Ainda cheguei pedindo desculpa por não estar elegante com a cabeça toda rachada”, diz.

Nada mudou no vício de trabalho depois do acidente grave

Questionada se a partir daí algo mudou em relação ao trabalho, a profissional afirma que não houve nenhuma diferença depois do ocorrido.

Pelo contrário, de imediato, ainda teve medo de ser demitida. Quatro anos após o acidente, veio o divórcio. “Não dava mais, era só trabalho, no pouco tempo que tinha, me dedicava ao meu filho.”

Em 2018, sete anos após o acidente, decidiu pedir demissão. Mas a escolha não foi motivada por exaustão ou questões financeiras. A mudança veio pelo desafio de montar uma startup do zero.

Tive uma carreira de sucesso em termos de ascensão e visibilidade de mercado. Foi um crescimento exponencial, mas no meio do caminho, o casamento e as relações ficaram para trás.

Daniela Bertoldo

O fim de uma era e o início de uma nova jornada

Em 2022, no auge da carreira, foi demitida devido a uma reestruturação na empresa do setor de turismo onde trabalhava.

Foi uma dor que não senti no meu acidente.

Daniela Bertoldo

A aflição que sentiu, conforme descreve, não tinha relação com a demissão em si. O sentimento de perda estava relacionado a outro fator.

“Quando depositei aquele crachá na catraca é como se tivesse perdido toda a minha identidade. Eu vi que não restava quase nada da Daniela”, afirma.

Segundo a profissional, foi uma fase de desconstrução. O telefone, que antes parecia uma central de emergência, de repente ficou silencioso.

Quando saiu da empresa, em menos de 24 horas, o telefone tocou apenas três vezes. As ligações eram do filho, da ajudante do lar e da mãe.

Nos dias seguintes, só recebi ligações de pessoas do meu círculo familiar, aquelas a quem eu sempre dizia “não” para festas, aniversários, tudo por conta do trabalho.

Daniela Bertoldo

Ela admite que desde o acidente até o momento em que entregou o crachá, nunca havia parado para refletir sobre o que aconteceu.

“A primeira coisa em que pensei ao sair do mundo corporativo foi justamente no acidente, que até então eu nunca tinha digerido ou enfrentado.”

As consequências da priorização excessiva do trabalho

Há dois anos, Daniela Bertoldo fundou o Instituto Bert, com serviços personalizados para lideranças femininas. Também criou o “Projeto Grandes Mulheres do Interior” e escreveu o livro “Mulheres que Lideram Jogam Juntas”.

O conselho para todas é claro: negligenciar a vida pessoal cobra um preço muito alto. A profissional pondera que ainda trabalha bastante.

No entanto a vida não se resume a trabalho. “Tenho amigas, um relacionamento, pratico atividade física, cuido da alimentação. Minha vida deu uma virada.”

Daniela Bertoldo, consultora de desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A consultora avalia que construir uma carreira enquanto ignora a vida pessoal tem consequências. Isso porque as empresas exigem resultados e, se a pessoa adoecer, não poderá entregar o que esperam.

Com isso, será substituída, “seja por reestruturação, falta de caixa ou qualquer outro motivo. A reconstrução depois de um colapso é muito mais difícil do que a construção inicial.”

Conselhos para lideranças femininas

Para mulheres em cargos de liderança, estes são os principais conselhos de Daniela Bertoldo:

  • Não negligencie sua vida pessoal em nome da carreira. Uma coisa reflete na outra. Se você negligenciar sua saúde e adoecer, a empresa não ficará com você. As empresas querem pessoas saudáveis, que produzem.
  • Se deseja continuar no topo, é fundamental cuidar de si mesma antes de cuidar dos outros. Como dizem nas instruções de segurança dos aviões: em caso de problemas, coloque a máscara de oxigênio em si antes de ajudar quem está ao seu lado. Se você não se cuidar, não poderá cuidar da sua carreira, dos seus negócios e dos seus relacionamentos.
  • Em vez de esperar pela reconstrução, concentre-se em construir a vida que você quer agora para se tornar quem deseja ser no futuro.

Aos 47 anos, a executiva Daniela Bertoldo dedica-se ao desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Hoje, a profissional mantém uma rotina equilibrada: pratica esportes, mantém alguns hobbies e prioriza a vida pessoal. Mas nem sempre foi assim. Em entrevista ao Estadão, Daniela lembra que, por 25 anos, viveu como uma verdadeira workaholic, chegando a trabalhar mais de 15 horas por dia e dormindo, em média, apenas três horas por noite.

Certa vez, teve um grave acidente de carro, levou 12 pontos na cabeça e foi trabalhar no dia seguinte. Nem isso a fez mudar o estilo de vida, e só mais de 10 anos depois do episódio, quando foi demitida, é que passou a ser preocupar com qualidade de vida.

Uma jornada marcada pelo vício no trabalho

Formada em administração, a maior parte de sua carreira foi voltada à gestão de negócios em grandes empresas do mundo corporativo. Daniela não sabe ao certo quando começou seu vício pelo trabalho, mas acredita que o antigo estilo de vida esteja ligado à sua origem humilde. Crescendo em uma família com quatro irmãos, desde cedo sonhava em conquistar a independência financeira.

Meu pai era o único provedor. Ele saía para trabalhar e minha mãe cuidava dos filhos. Ele tinha o poder do dinheiro. Fui crescendo com aquilo na cabeça. Essa fissura pelo trabalho estava relacionada a uma questão financeira.

Daniela Bertoldo

Daniela Bertoldo, que hoje é consultora em desenvolvimento pessoal para lideranças femininas, sofreu um acidente automobilístico após exaustão mental e física. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A vida pessoal em segundo plano

O estilo de vida começava pelo seu visual. Daniela só comprava roupas de trabalho, as amizades também eram unicamente do ambiente corporativo. “Achava que aquilo era a minha vida e comecei a viver dentro daquele lugar 24 horas por dia”, conta.

A profissional diz que os momentos fora do trabalho eram escassos. Antes não praticava nenhuma atividade física e não se importava com a alimentação. Dificilmente fazia alguma refeição em casa.

Não fazia atividade física porque achava que era perda de tempo. Só pensava em ser produtiva. Na área comercial, as metas são agressivas. Uma pessoa que é obstinada com o trabalho perde totalmente a capacidade de discernimento de equilíbrio.

Daniela Bertoldo

Ao longo de mais de duas décadas de carreira, Daniela Bertoldo passou por quatro grandes empresas. Na primeira, no setor de seguros, permaneceu por cinco anos.

Em seguida, migrou para uma corporação de cartões de benefícios, onde trabalhou por 14 anos. “Tive meu casamento, meu filho e meu divórcio nessa empresa”, comenta.

Durante a licença-maternidade do filho Pedro, que nasceu em 2006, ela até convocava reuniões em casa enquanto amamentava.

Após 25 anos no mundo corporativo, Daniela encerrou a fase em uma empresa de turismo antes de seguir como consultora e fundar seu próprio negócio.

Um acidente que deu um grande alerta

Na empresa do setor de benefícios em que atuou por 14 anos costumava viajar diariamente. Chegava a rodar mais de 3 mil quilômetros por mês visitando clientes no interior de São Paulo, em cidades como Campinas, Presidente Prudente, Araçatuba e na divisa do Mato Grosso.

Dormia pouco. Trabalhava mais de 15 horas por dia, chegava em casa, tomava um banho, ia comer e ligava o computador para responder aos e-mails. Tinha a premissa de não dormir com e-mail pendente. Ficava até 3h da manhã respondendo a e-mails e acordava umas 5h.

Daniela Bertoldo

Em casa, aos finais de semana, aproveitava para colocar os e-mails em ordem (na época recebia mais de mil por dia), fazer apresentações para segunda-feira e realizar alguns cursos.

Daniela Bertoldo também é autora do livro "Mulheres que Lideram Jogam Juntas". Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Não tenho orgulho de contar essa história, mas na época pensava que a empresa ia me achar a melhor. Quanto mais as pessoas falavam que eu era boa, mais ficava viciada em trabalho.

Daniela Bertoldo

Em mais um dia típico de trabalho, Daniela cumpria uma agenda cheia de reuniões e visitas a clientes e bancos. Naquela noite, ficou até as 3h respondendo e-mails, dormiu apenas duas horas e acordou às 5h para pegar a estrada rumo a Campinas. Por volta das 7h, no dia 10 de novembro de 2011, sofreu um acidente de carro entre Analândia e Pirassununga.

Estava no limite da exaustão. Era uma pista simples, e tudo aconteceu em segundos. Lembro de levar um susto. Puxei a direção para a direita, a roda bateu no acostamento e perdi o controle do carro, que rodopiou na pista e capotou em um barranco.

Daniela Bertoldo

Um homem que passava na estrada no momento do acidente socorreu Daniela e a ajudou a sair do carro. Logo depois de ser retirada, o veículo explodiu. “Ficou carbonizado”, relembra ao descrever o episódio em que saiu consciente e que resultou em 12 pontos na cabeça.

Um dia após o acidente, Daniela já estava em uma reunião de trabalho. “Tomei um banho como se nada tivesse acontecido. Botei o meu terninho e fui. Ainda cheguei pedindo desculpa por não estar elegante com a cabeça toda rachada”, diz.

Nada mudou no vício de trabalho depois do acidente grave

Questionada se a partir daí algo mudou em relação ao trabalho, a profissional afirma que não houve nenhuma diferença depois do ocorrido.

Pelo contrário, de imediato, ainda teve medo de ser demitida. Quatro anos após o acidente, veio o divórcio. “Não dava mais, era só trabalho, no pouco tempo que tinha, me dedicava ao meu filho.”

Em 2018, sete anos após o acidente, decidiu pedir demissão. Mas a escolha não foi motivada por exaustão ou questões financeiras. A mudança veio pelo desafio de montar uma startup do zero.

Tive uma carreira de sucesso em termos de ascensão e visibilidade de mercado. Foi um crescimento exponencial, mas no meio do caminho, o casamento e as relações ficaram para trás.

Daniela Bertoldo

O fim de uma era e o início de uma nova jornada

Em 2022, no auge da carreira, foi demitida devido a uma reestruturação na empresa do setor de turismo onde trabalhava.

Foi uma dor que não senti no meu acidente.

Daniela Bertoldo

A aflição que sentiu, conforme descreve, não tinha relação com a demissão em si. O sentimento de perda estava relacionado a outro fator.

“Quando depositei aquele crachá na catraca é como se tivesse perdido toda a minha identidade. Eu vi que não restava quase nada da Daniela”, afirma.

Segundo a profissional, foi uma fase de desconstrução. O telefone, que antes parecia uma central de emergência, de repente ficou silencioso.

Quando saiu da empresa, em menos de 24 horas, o telefone tocou apenas três vezes. As ligações eram do filho, da ajudante do lar e da mãe.

Nos dias seguintes, só recebi ligações de pessoas do meu círculo familiar, aquelas a quem eu sempre dizia “não” para festas, aniversários, tudo por conta do trabalho.

Daniela Bertoldo

Ela admite que desde o acidente até o momento em que entregou o crachá, nunca havia parado para refletir sobre o que aconteceu.

“A primeira coisa em que pensei ao sair do mundo corporativo foi justamente no acidente, que até então eu nunca tinha digerido ou enfrentado.”

As consequências da priorização excessiva do trabalho

Há dois anos, Daniela Bertoldo fundou o Instituto Bert, com serviços personalizados para lideranças femininas. Também criou o “Projeto Grandes Mulheres do Interior” e escreveu o livro “Mulheres que Lideram Jogam Juntas”.

O conselho para todas é claro: negligenciar a vida pessoal cobra um preço muito alto. A profissional pondera que ainda trabalha bastante.

No entanto a vida não se resume a trabalho. “Tenho amigas, um relacionamento, pratico atividade física, cuido da alimentação. Minha vida deu uma virada.”

Daniela Bertoldo, consultora de desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A consultora avalia que construir uma carreira enquanto ignora a vida pessoal tem consequências. Isso porque as empresas exigem resultados e, se a pessoa adoecer, não poderá entregar o que esperam.

Com isso, será substituída, “seja por reestruturação, falta de caixa ou qualquer outro motivo. A reconstrução depois de um colapso é muito mais difícil do que a construção inicial.”

Conselhos para lideranças femininas

Para mulheres em cargos de liderança, estes são os principais conselhos de Daniela Bertoldo:

  • Não negligencie sua vida pessoal em nome da carreira. Uma coisa reflete na outra. Se você negligenciar sua saúde e adoecer, a empresa não ficará com você. As empresas querem pessoas saudáveis, que produzem.
  • Se deseja continuar no topo, é fundamental cuidar de si mesma antes de cuidar dos outros. Como dizem nas instruções de segurança dos aviões: em caso de problemas, coloque a máscara de oxigênio em si antes de ajudar quem está ao seu lado. Se você não se cuidar, não poderá cuidar da sua carreira, dos seus negócios e dos seus relacionamentos.
  • Em vez de esperar pela reconstrução, concentre-se em construir a vida que você quer agora para se tornar quem deseja ser no futuro.

Aos 47 anos, a executiva Daniela Bertoldo dedica-se ao desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Hoje, a profissional mantém uma rotina equilibrada: pratica esportes, mantém alguns hobbies e prioriza a vida pessoal. Mas nem sempre foi assim. Em entrevista ao Estadão, Daniela lembra que, por 25 anos, viveu como uma verdadeira workaholic, chegando a trabalhar mais de 15 horas por dia e dormindo, em média, apenas três horas por noite.

Certa vez, teve um grave acidente de carro, levou 12 pontos na cabeça e foi trabalhar no dia seguinte. Nem isso a fez mudar o estilo de vida, e só mais de 10 anos depois do episódio, quando foi demitida, é que passou a ser preocupar com qualidade de vida.

Uma jornada marcada pelo vício no trabalho

Formada em administração, a maior parte de sua carreira foi voltada à gestão de negócios em grandes empresas do mundo corporativo. Daniela não sabe ao certo quando começou seu vício pelo trabalho, mas acredita que o antigo estilo de vida esteja ligado à sua origem humilde. Crescendo em uma família com quatro irmãos, desde cedo sonhava em conquistar a independência financeira.

Meu pai era o único provedor. Ele saía para trabalhar e minha mãe cuidava dos filhos. Ele tinha o poder do dinheiro. Fui crescendo com aquilo na cabeça. Essa fissura pelo trabalho estava relacionada a uma questão financeira.

Daniela Bertoldo

Daniela Bertoldo, que hoje é consultora em desenvolvimento pessoal para lideranças femininas, sofreu um acidente automobilístico após exaustão mental e física. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A vida pessoal em segundo plano

O estilo de vida começava pelo seu visual. Daniela só comprava roupas de trabalho, as amizades também eram unicamente do ambiente corporativo. “Achava que aquilo era a minha vida e comecei a viver dentro daquele lugar 24 horas por dia”, conta.

A profissional diz que os momentos fora do trabalho eram escassos. Antes não praticava nenhuma atividade física e não se importava com a alimentação. Dificilmente fazia alguma refeição em casa.

Não fazia atividade física porque achava que era perda de tempo. Só pensava em ser produtiva. Na área comercial, as metas são agressivas. Uma pessoa que é obstinada com o trabalho perde totalmente a capacidade de discernimento de equilíbrio.

Daniela Bertoldo

Ao longo de mais de duas décadas de carreira, Daniela Bertoldo passou por quatro grandes empresas. Na primeira, no setor de seguros, permaneceu por cinco anos.

Em seguida, migrou para uma corporação de cartões de benefícios, onde trabalhou por 14 anos. “Tive meu casamento, meu filho e meu divórcio nessa empresa”, comenta.

Durante a licença-maternidade do filho Pedro, que nasceu em 2006, ela até convocava reuniões em casa enquanto amamentava.

Após 25 anos no mundo corporativo, Daniela encerrou a fase em uma empresa de turismo antes de seguir como consultora e fundar seu próprio negócio.

Um acidente que deu um grande alerta

Na empresa do setor de benefícios em que atuou por 14 anos costumava viajar diariamente. Chegava a rodar mais de 3 mil quilômetros por mês visitando clientes no interior de São Paulo, em cidades como Campinas, Presidente Prudente, Araçatuba e na divisa do Mato Grosso.

Dormia pouco. Trabalhava mais de 15 horas por dia, chegava em casa, tomava um banho, ia comer e ligava o computador para responder aos e-mails. Tinha a premissa de não dormir com e-mail pendente. Ficava até 3h da manhã respondendo a e-mails e acordava umas 5h.

Daniela Bertoldo

Em casa, aos finais de semana, aproveitava para colocar os e-mails em ordem (na época recebia mais de mil por dia), fazer apresentações para segunda-feira e realizar alguns cursos.

Daniela Bertoldo também é autora do livro "Mulheres que Lideram Jogam Juntas". Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Não tenho orgulho de contar essa história, mas na época pensava que a empresa ia me achar a melhor. Quanto mais as pessoas falavam que eu era boa, mais ficava viciada em trabalho.

Daniela Bertoldo

Em mais um dia típico de trabalho, Daniela cumpria uma agenda cheia de reuniões e visitas a clientes e bancos. Naquela noite, ficou até as 3h respondendo e-mails, dormiu apenas duas horas e acordou às 5h para pegar a estrada rumo a Campinas. Por volta das 7h, no dia 10 de novembro de 2011, sofreu um acidente de carro entre Analândia e Pirassununga.

Estava no limite da exaustão. Era uma pista simples, e tudo aconteceu em segundos. Lembro de levar um susto. Puxei a direção para a direita, a roda bateu no acostamento e perdi o controle do carro, que rodopiou na pista e capotou em um barranco.

Daniela Bertoldo

Um homem que passava na estrada no momento do acidente socorreu Daniela e a ajudou a sair do carro. Logo depois de ser retirada, o veículo explodiu. “Ficou carbonizado”, relembra ao descrever o episódio em que saiu consciente e que resultou em 12 pontos na cabeça.

Um dia após o acidente, Daniela já estava em uma reunião de trabalho. “Tomei um banho como se nada tivesse acontecido. Botei o meu terninho e fui. Ainda cheguei pedindo desculpa por não estar elegante com a cabeça toda rachada”, diz.

Nada mudou no vício de trabalho depois do acidente grave

Questionada se a partir daí algo mudou em relação ao trabalho, a profissional afirma que não houve nenhuma diferença depois do ocorrido.

Pelo contrário, de imediato, ainda teve medo de ser demitida. Quatro anos após o acidente, veio o divórcio. “Não dava mais, era só trabalho, no pouco tempo que tinha, me dedicava ao meu filho.”

Em 2018, sete anos após o acidente, decidiu pedir demissão. Mas a escolha não foi motivada por exaustão ou questões financeiras. A mudança veio pelo desafio de montar uma startup do zero.

Tive uma carreira de sucesso em termos de ascensão e visibilidade de mercado. Foi um crescimento exponencial, mas no meio do caminho, o casamento e as relações ficaram para trás.

Daniela Bertoldo

O fim de uma era e o início de uma nova jornada

Em 2022, no auge da carreira, foi demitida devido a uma reestruturação na empresa do setor de turismo onde trabalhava.

Foi uma dor que não senti no meu acidente.

Daniela Bertoldo

A aflição que sentiu, conforme descreve, não tinha relação com a demissão em si. O sentimento de perda estava relacionado a outro fator.

“Quando depositei aquele crachá na catraca é como se tivesse perdido toda a minha identidade. Eu vi que não restava quase nada da Daniela”, afirma.

Segundo a profissional, foi uma fase de desconstrução. O telefone, que antes parecia uma central de emergência, de repente ficou silencioso.

Quando saiu da empresa, em menos de 24 horas, o telefone tocou apenas três vezes. As ligações eram do filho, da ajudante do lar e da mãe.

Nos dias seguintes, só recebi ligações de pessoas do meu círculo familiar, aquelas a quem eu sempre dizia “não” para festas, aniversários, tudo por conta do trabalho.

Daniela Bertoldo

Ela admite que desde o acidente até o momento em que entregou o crachá, nunca havia parado para refletir sobre o que aconteceu.

“A primeira coisa em que pensei ao sair do mundo corporativo foi justamente no acidente, que até então eu nunca tinha digerido ou enfrentado.”

As consequências da priorização excessiva do trabalho

Há dois anos, Daniela Bertoldo fundou o Instituto Bert, com serviços personalizados para lideranças femininas. Também criou o “Projeto Grandes Mulheres do Interior” e escreveu o livro “Mulheres que Lideram Jogam Juntas”.

O conselho para todas é claro: negligenciar a vida pessoal cobra um preço muito alto. A profissional pondera que ainda trabalha bastante.

No entanto a vida não se resume a trabalho. “Tenho amigas, um relacionamento, pratico atividade física, cuido da alimentação. Minha vida deu uma virada.”

Daniela Bertoldo, consultora de desenvolvimento pessoal de lideranças femininas. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

A consultora avalia que construir uma carreira enquanto ignora a vida pessoal tem consequências. Isso porque as empresas exigem resultados e, se a pessoa adoecer, não poderá entregar o que esperam.

Com isso, será substituída, “seja por reestruturação, falta de caixa ou qualquer outro motivo. A reconstrução depois de um colapso é muito mais difícil do que a construção inicial.”

Conselhos para lideranças femininas

Para mulheres em cargos de liderança, estes são os principais conselhos de Daniela Bertoldo:

  • Não negligencie sua vida pessoal em nome da carreira. Uma coisa reflete na outra. Se você negligenciar sua saúde e adoecer, a empresa não ficará com você. As empresas querem pessoas saudáveis, que produzem.
  • Se deseja continuar no topo, é fundamental cuidar de si mesma antes de cuidar dos outros. Como dizem nas instruções de segurança dos aviões: em caso de problemas, coloque a máscara de oxigênio em si antes de ajudar quem está ao seu lado. Se você não se cuidar, não poderá cuidar da sua carreira, dos seus negócios e dos seus relacionamentos.
  • Em vez de esperar pela reconstrução, concentre-se em construir a vida que você quer agora para se tornar quem deseja ser no futuro.

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