BRASÍLIA – O governo Lula precisa acabar com o subsídio à gasolina no próximo dia 28, quando termina a prorrogação da isenção dos tributos federais, alerta o matemático Sergio Margulis, economista-chefe do movimento “Convergência pelo Brasil”, que uniu ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central na defesa da necessidade de se levar a conservação do meio ambiente para política econômica.
Ao Estadão, Margulis afirma que o incentivo aos combustíveis fósseis é perverso e retira recursos que poderiam ser direcionados a outras políticas públicas, como à própria área ambiental. “Quanto mais ficarmos incentivando o uso de combustíveis fósseis, mais estaremos na contramão na sustentabilidade ambiental”, diz.
Ele afirma que o Brasil tem de “botar o pé no acelerador” na agenda climática para aproveitar a sua vantagem comparativa no processo de descarbonização da economia. “O Brasil tem que puxar essa agenda. Se o Brasil força a antecipação das metas, o que é fundamental para o Planeta, isso tem interesse econômico direto. Vamos pisar no acelerador”, diz ele, que foi economista de meio ambiente no Banco Mundial.
Margulis avalia que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deu uma sinalização positiva no compromisso de inclusão da agenda ambiental na política econômica, mas ressalta que ainda é preciso esperar para ver, na prática, como essa ação ocorrerá. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Em 2020, a Convergência pelo Brasil publicou uma carta aberta em defesa de uma retomada econômica verde e pelo fim do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, após críticas generalizadas dos investidores internacionais ao governo Bolsonaro. O que muda agora no governo Lula?
A questão da sustentabilidade está entrando na agenda de todo mundo: governo, setor privado e das pessoas. Achávamos que precisamos de um diálogo com os reais tomadores de decisão da área econômica. Governo, federações, como a Febraban, têm de estar imbuídos da questão da sustentabilidade. A ideia da Convergência é manter um diálogo com o setor econômico fundamentalmente e trazer a questão da sustentabilidade para o debate. Discutir as vantagens comparativas do Brasil e pensar caminhos do que precisa ser feito de política pública para aproveitá-las.
Qual a estratégia agora?
No governo passado era difícil. Não tinha diálogo, ou muito pouco. O que mais ou menos sobreviveu (de diálogo) foi com o Banco Central, que adotou normativas interessantes. A ideia é ter uma conversa inicial (com o novo governo), e vimos que a própria estrutura dos ministérios já contempla secretarias “verdes” ou algo equivalente. Há espaços de diálogos muito interessantes.
Como avalia a posição do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, nessa área?
O discurso dele é muito bom na linha de apoio à questão ambiental. Mas, como em todo e qualquer governo, tem gente que acha que não é tão importante assim. Vamos ver na prática. O que é mais imediato é acabar com o desmatamento. Tem de ter desmatamento zero. Haddad já começa com uma boa sinalização de que está na agenda dele. Ele vai sentar no Fundo Monetário Internacional, o BID, o Banco Mundial, com o G-20. Qual é a agenda? A conversa é clima já na saída. Não tem como não ter isso na agenda do ministro.
Como avalia o diálogo com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, após a visita do presidente Lula?
A reunião com o Biden foi muito boa, mas talvez tenha sido aquém do que se poderia imaginar para o Fundo Amazônia. Os aportes dos países da Europa são muito significativos. O presidente Biden já acenou com algum apoio, mas eu não esperaria, em princípio, nada substantivo. Mas, se o governo fizer uma agenda bem construída, podemos até esperar um aporte (maior). Não estou preocupado com o valor. Até porque, vamos combinar: o Brasil não precisa de financiamento externo para controlar desmatamento. Tem capacidade própria.
O que o Brasil precisa no campo externo?
Além de investimentos em projetos sustentáveis, claro, o Brasil precisa é do apoio externo na pesquisa. Precisa de pesquisadores de ponta das ciências ecológicas, de clima, biodiversidade. Para aumentar o conhecimento, tem de ter um network internacional de ciência. Fazer uma força tarefa de grandes centros de pesquisa para entender melhor a Amazônia, o ponto de não retorno – ou seja, qual o grau de desmatamento que ela aguenta. Essas coisas são ainda pouco compreendidas. E o potencial econômico da floresta e sua biodiversidade.
Você acredita na eficácia de uma política transversal, envolvendo muitos ministérios, prometida por Lula para a solução de problemas ambientais, como o fim do desmatamento?
Vai ter de ter. As ameaças do clima colocam um risco muito sério. Não é brincadeira e não à toa o FMI só fala disso. Por que será? É um assunto que preocupa as grandes economias. É muita incerteza para ignorar e achar que tem mais tempo. Não tem mais tempo. Nesse lado, sou muito pessimista e preocupado. Está se fazendo muito pouco. O Brasil tem de botar o pé no acelerador, tem de puxar essa agenda, porque é do interesse do País. A China terá de fazer um esforço absolutamente inacreditável para descarbonizar a sua economia. O Brasil, não. O esforço do Brasil é muito menor. Se o Brasil força a antecipação das metas, o que é fundamental para o planeta, isso tem interesse econômico direto. Vamos pisar no acelerador. O governo Bolsonaro não tinha essa leitura. Ele queria dinheiro dos países ricos para descarbonizar. Não entendeu nada. O Brasil não precisa de nada. Vamos embora fazer. O setor privado está de olho. Basta ter um framework que priorize isso.
Faz sentido o governo manter o subsídio da gasolina e do diesel, combustíveis fósseis, como quer a ala política, se o presidente Lula quer dar foco na agenda ambiental?
Sou completamente contra subsidiar a gasolina. Subsidiar o diesel pode até conversar, mas a gasolina, nem pensar. Está se privilegiando proprietários de automóveis. E a maioria esmagadora das pessoas que consomem gasolina não precisa de subsídio. E é uma opção ter automóvel. É o tipo de subsídio perverso. Quanto mais ficarmos incentivando o uso de combustível fóssil, mais estaremos na contramão na sustentabilidade ambiental.
O custo de manter o subsídio da gasolina é de quase R$ 30 bilhões até o final do ano. É um desperdício?
Poderia ser utilizado em outras politicas de preservação do meio ambiente ou transporte público. Quanto existe hoje de renúncia fiscal, incentivo e subsídios à indústria do petróleo? Segundo o Insper, R$ 125 bilhões em 2020, 2% do PIB! Se o governo fizer uma lista do que faz a favor direta ou indiretamente ao aumento do combustível fóssil, verá que é um absurdo, (um valor) muito alto.
O Parlamento Europeu aprovou há poucos dias uma lei que proíbe a venda de veículos novos a gasolina e diesel na União Europeia a partir de 2035, com o objetivo de acelerar a mudança para veículos elétricos. Qual o impacto no Brasil?
O Brasil tem um diferencial, que é a gasolina renovável, o etanol. Pensando na nossa indústria automobilística, é difícil imaginar que ela não vá seguir o mesmo padrão da europeia e americana mais cedo ou mais tarde.
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A Petrobras ainda está muito atrasada nessa área? Como a empresa vai se posicionar nessa nova realidade?
Tem de dar um pouco mais de tempo, porque este é um governo que está entrando. Não tem ainda nem dois meses. Não está muito claro o papel da agência reguladora, a ANP (Agência Nacional do Petróleo), da Petrobras. Nesses últimos quatro anos, foi um atraso da agenda ambiental. A Petrobras não teve manifestação nessa questão. Ao contrário, fugiu de investimento, de pesquisas, de avançar no tema, de ter uma definição. No mundo inteiro, todas as empresas petrolíferas, mesmo da Arábia Saudita, olham para novas fontes de energia renováveis. Estão deixando de ser empresas petrolíferas e virando empresas de energia. Elas que estão puxando essa agenda. E a Petrobras está muito atrasada. A Marina Silva (ministra do Meio Ambiente) tem um discurso avançado, mas quando você entra na Petrobras, por exemplo, é um discurso mais pesado. Gostaria de ver algo mais arrojado, mais definido.
A Petrobras perdeu o bonde?
Ela não perdeu o bonde porque ela está em cima de uma mina de ouro. Essa questão está colocada para todos os países que têm petróleo. As empresas estão investindo em biocombustíveis, eólicas de alto mar, hidrogênio. Mas ela está indo numa direção que realmente preocupa. Claro que tem investimentos que foram feitos. Não vamos ser levianos e achar que vai abrir mão disso tudo. Não é assim. Mas tem de estar muito atento e tendo como pauta prioritária a descarbonização da economia brasileira.
Qual o papel da regulação da descarbonização? Quem tem de conduzir esse processo no governo?
A área econômica, de planejamento, com a energética e de meio ambiente. Tem uma agenda com a área agropecuária, que é importante também, no caso brasileiro. Temos uma vantagem comparativa absurda no setor de energia em termos de carbono. A nossa matriz energética é 60%, 70% renovável, enquanto a da China é 15%, e a dos Estados Unidos, 30%. O Brasil está lá na frente da maioria dos países. Esses países vão ter de fazer um esforço violento para descarbonizar. Eles têm metas ambiciosas, mais grana etc. Ao Brasil interessa pisar no acelerador nisso. É vantagem competitiva. A Europa já impôs o ajuste de carbono nas importações em alguns setores. Essa regulação vai vir para ficar e só vai ampliar. Cada vez mais vai ter essa regulação em outros setores. Ninguém vai querer importar nem alimento produzido de forma não sustentável. Fazendo um paralelo: a soja que a China importa não pode ser mais uma soja de desmatamento da Amazônia. A Europa já não compra carne e soja de desmatamento. Os produtores nacionais estão de olho nisso. Os grandes fazendeiros de soja e pecuaristas são a favor de uma agenda climática, senão eles terão problemas para exportar. Vai ter de descarbonizar por uma questão de mercado.
QUEM É SERGIO MARGULIS
Matemático com doutorado em economia ambiental pelo Imperial College de Londres. Foi economista de meio ambiente do Banco Mundial durante 22 anos, onde trabalhou com questões ambientais de mais de 40 países. Foi secretário de Desenvolvimento Sustentável na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência no governo Dilma Rousseff e assessor por duas vezes do Ministério de Meio Ambiente. É economista-chefe do movimento Convergência pelo Brasil e autor do livro do “Mudanças do Clima: tudo que você queria saber e não queria saber”.