Depois de uma caminhada por uma das exuberantes cadeias montanhosas do Japão no início deste ano, Luigi Mangione, um engenheiro de computação de 20 e poucos anos em uma longa viagem solo pela Ásia, gravou uma mensagem de voz para um amigo.
Percorrendo uma garganta de rio na região de Nara naquele dia, Mangione havia deixado sua vida cotidiana no Havaí para relaxar em águas termais, meditar, ler e escrever.
“Quero um tempo para entrar no modo Zen”, disse Mangione na mensagem gravada em 27 de abril. Aquela seria uma de suas últimas comunicações antes de ele cortar laços abruptamente com amigos e familiares, que acabariam iniciando uma busca desesperada para encontrá-lo.
Sete meses depois, Mangione emergiu de sua reclusão como suspeito do ousado assassinato de Brian Thompson, CEO da UnitedHealthcare, em uma calçada de Manhattan.
“Esses parasitas simplesmente tiveram o que mereciam”
Investigadores da polícia estão tentando rastrear os movimentos de Mangione não apenas nos dias antes do tiroteio, em 4 de dezembro, mas também nos meses que o precederam. Amigos e familiares ficaram perplexos com a transformação chocante de um jovem que parecia destinado ao sucesso.
Ele foi o melhor aluno de sua escola preparatória de elite em Maryland e graduou-se em ciência da computação na Universidade da Pensilvânia, uma das melhores do país. Mas seus escritos e mensagens revelaram uma jornada mais sombria, marcada por “uma dor insuportável”.
Mangione manifestou preocupação com a crescente dependência da sociedade de smartphones e redes sociais. Durante sua viagem à Ásia, ele criticou o “ambiente urbano moderno japonês”, afirmando que a falta de “interação humana natural” era responsável pela queda das taxas de natalidade e pela desconexão social. Cada vez mais, ele demonstrava frustração com a incapacidade da sociedade de enfrentar esses problemas, mostrando interesse em ideias que justificavam o uso da violência como solução.
Na época de sua prisão em Altoona, Pensilvânia, a polícia encontrou em sua posse escritos que condenavam a indústria de saúde, acusando-a de priorizar lucros em vez de salvar vidas. “Francamente, esses parasitas simplesmente tiveram o que mereciam.”
Mangione agora enfrenta acusações de homicídio em segundo grau pela morte de Thompson. Seu advogado de defesa, Thomas Dickey, declarou que seu cliente é presumido inocente e pediu ao público que mantenha a mente aberta.
Entenda o caso
Problemas médicos e acadêmicos
As dificuldades médicas de Mangione pareceram piorar durante seus estudos na Universidade da Pensilvânia. Por trás de sua aparência amigável e bem-sucedida, ele enfrentava problemas de adaptação.
Em posts agora deletados no Reddit, Mangione relatou que os rituais de iniciação de sua fraternidade afetaram severamente seu ciclo de sono, piorando os sintomas de “nevoeiro cerebral” que ele já apresentava desde o ensino médio.
Estudante exemplar, ele escreveu que suas notas começaram a cair abruptamente. “É absolutamente brutal ter um problema que paralisa sua vida, especialmente porque esse problema desgasta a mente crítica e lógica que você usaria para enfrentá-lo”, escreveu ele.
Durante a pandemia, Mangione conseguiu concluir simultaneamente os graus de bacharel e mestrado, graduando-se em 2020. Logo foi contratado por uma empresa de tecnologia na Califórnia.
Em 2022, ele se mudou para Honolulu, no Havaí, vivendo em um espaço compartilhado próximo a Waikiki. No entanto, após uma aula de surfe em grupo, Mangione reclamou de dores nas costas, o que agravou suas condições de saúde.
Por meses, ele tentou tratamentos não invasivos, mas, no início de 2023, decidiu deixar o emprego, descrevendo-o como “entorpecente para a mente”.
Interesses literários e isolamento
Mangione sempre foi um leitor ávido. Ele fazia anotações detalhadas, relacionando as ideias dos autores à sua própria vida. Participava de um clube do livro em Honolulu, onde sugeriu obras como “Grit: The Power of Passion and Perseverance” e “The Ape That Understood The Universe”.
No entanto, algumas sugestões causaram tensões no grupo, especialmente quando Mangione propôs ler os escritos de Ted Kaczynski, conhecido como Unabomber. Ele elogiou o manifesto de Kaczynski em sua página no Goodreads, destacando passagens que justificavam o uso da violência como autodefesa contra líderes responsáveis pela destruição do planeta.
Após uma cirurgia bem-sucedida nas costas no verão de 2023, Mangione viajou para visitar familiares e depois partiu para a Ásia. Ele amava as montanhas japonesas, mas criticava os ambientes urbanos densamente povoados.
Em 25 de maio, seu perfil no Reddit registrou uma última postagem em um fórum dedicado a Kaczynski. Pouco tempo depois, amigos perderam contato com Mangione. Em novembro, sua família registrou um boletim de ocorrência sobre seu desaparecimento. Dias depois, ele embarcou em um ônibus rumo a Nova York.
c.2024 The New York Times Company